Fantasmas escrita por Odette Swan


Capítulo 1
Boneca Quebrada


Notas iniciais do capítulo

***Esta história inspirou uma longfic, leia também: http://fanfiction.com.br/historia/589808/Fantasmas_Assombracoes_de_Um_Passado_Esquecido/


Boa leitura!



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O que é o destino? Nosso futuro poderia ser planejado? Ele poderia ser decidido precipitadamente e não importam quais sejam suas escolhas, ele sempre será aquilo o que o universo quer?

Mas o que é futuro? Como chegar até ele? Que caminho trilhar? Que escolhas fazer? Não podemos construí-lo sem antes caminhar por uma longa estrada. E o que está no caminho dela? Conforme damos nossos passos nessa longa estrada chamada Vida, deixamos marcas, marcas que nos acompanharão mesmo que relutemos em deixá-las para trás, alguns conseguem esquecê-las, mas outros estão presos a elas e dificilmente conseguem se desprender das mesmas, as marcas, as quais muitos chamam de Passado.

E o que é o Passado? Dependemos de sua existência, sem ele não estaríamos aqui, não é mesmo? Não chegaríamos tão longe se não nos lembrássemos de todos os caminhos que percorremos até aqui. Mas não era assim para algumas pessoas, muitos passados estavam guardados no canto mais profundo e escondido de suas mentes, lembranças e sentimentos que gostariam de esquecer. E quem são essas pessoas? Elas estão por aí, em todo lugar, pode até mesmo você ser uma delas. Pode ser você assombrado pelos seus fantasmas particulares.

Era um outono como outro qualquer na cidade de Nova Iorque, fazia um pouco de frio naquela manhã de domingo, e deitada na banheira quente, cuja qual havia entrado com dificuldade, estava Harriet Brown, com os olhos cansados e envoltos pelas profundas olheiras ela observava a luz do dia que entrava pela pequena janela no alto da parede do banheiro. Ela conseguia ver apenas a cor do céu, já que morava no vigésimo andar, às vezes via alguns pássaros.

Já fazia um bom tempo que estava ali inerte, as terapias que vinha fazendo nos últimos anos e os remédios que estava tomando talvez não estivessem sendo o suficiente. Ela havia parado de ir aos especialistas há algumas semanas. Sua depressão e seu corpo estavam cada vez piores e as esperanças que ela tinha haviam sumido completamente. Seu físico e seu psicológico estavam destruídos.

As memórias que ela gostaria de apagar ainda estavam lúcidas em sua mente, fantasmas que poderiam lhe assombrar pelo resto da vida.

Dois anos antes

–Harriet!- Chamou Robert.

–Já vou!- Disse enquanto descia as escadas apressadamente.

–Venha vamos nos atrasar.- Disse passando o braço pelo seu ombro e a levando até o carro.

Pararam em frente a um teatro, Harriet era uma bailarina clássica, e com uma carreira promissora, junto ao seu parceiro de dança e namorado, Robert. A jovem desceu do carro e correu entrando no teatro, seguida por Robert.

–Ótimo, não estamos atrasados.- Disse enquanto colocava suas sapatilhas.

Era um dia importante para Harriet, ela faria o teste para um papel no ballet La Bayadére, e se passasse seria sua oportunidade para crescer em sua carreira. Estava na Companhia do Teatro de Nova Iorque há dois anos e se passasse no teste esse seria seu primeiro papel fora do corpo de baile e uma passagem para novas oportunidades.

Depois de passar pelos ensaios árduos, seu coração batia tão rápido que ela pensara que ele pularia para fora de seu peito a qualquer momento, as gotas de suor escorriam pela sua testa e seus olhos estavam estáticos enquanto esperava que o coreógrafo escolhesse as solistas.

A espera dos nomes que seriam chamados parecia durar uma eternidade, não só para ela, mas para as outras bailarinas, que assim como ela torciam para que finalmente colocassem a mostra mais do seu trabalho, o qual lutaram por anos até chegarem onde estavam.

Os nomes começaram a ser chamados seguidos do papel que representariam, e finalmente as palavras que Harriet queria ouvir soaram como uma doce melodia em seus ouvidos, havia sido escolhida para um dos papéis mais cobiçados do ballet, não era o papel principal, mas era um dos mais importantes e ele finalmente era de Harriet. Robert havia recebido o papel de um dos protagonistas e estava tão feliz quanto sua namorada.

Depois dos ensaios e das aulas todos saíram do teatro, e com o espírito de equipe que tinham, parabenizavam uns aos outros enquanto comentavam sobre o ballet. Harriet e Robert ficaram mais alguns minutos conversando com os outros bailarinos e depois foram juntos a um refinado restaurante, não muito longe do teatro, para comemorarem.

–Então, está muito feliz não é?- Perguntou Robert com um sorriso enquanto tomava sua taça de champanhe.

–Você não imagina como.- Respondeu entusiasmada.

–Posso ver o brilho no seu olhar.- Harriet riu.- Sabe que agora o Andrew vai pegar mais ainda no seu pé.

–Mais do que ele já pegava?- Riu.- Será que meus pés vão sobreviver?- Ambos riram e depois se encararam daquele modo que apenas eles sabiam, havia algo especial quando o olhar dos dois se encontrava. Ela havia conhecido Robert um ano antes de entrar na companhia quando ele já trabalhava lá, se viram pela primeira vez em um festival, começaram a conversar e trocaram telefones, alguns meses depois começaram a namorar.

–Eu te amo.- Declarou Robert, como sempre fazia.

–Eu também te amo.- Sorriu.

–Harriet...- Ele a encarou por alguns segundos até tomar fôlego para continuar.- Nós estamos juntos a dois anos, você sabe e...- Harriet o olhava curiosa.- E foram os melhores anos da minha vida e quero que os próximos também continuem sendo, com você ao meu lado.- Ele segurou as mãos de Harriet que sorria bobamente.- Eu sei que ainda somos muito jovens, mas eu quero ficar com você, não importa como. Eu tinha achado que seria melhor esperar, mas eu quis aproveitar esse momento em que estamos realizando nossos sonhos para poder realizar outro sonho que acho que também é seu.- Ele respirou fundo.- Harriet você quer casar comigo?

Harriet arregalou os olhos e encarou Robert como se não acreditasse nas palavras que acabara de ouvir, e logo em seguida, saindo de seu transe, abriu um enorme sorriso e pulou para abraçá-lo.

–Sim!- E trocaram um beijo apaixonado.”

Algumas lágrimas escorreram pelo rosto de Harriet ao olhar o anel na sua mão direita, que Robert havia lhe comprado um dia depois do pedido. Aquele anel pesava em seu dedo, junto a toda dor que sentia em seu coração destruído.

Mas será que as nossas assombrações trazem apenas um fragmento de todo uma vida? Ou será que também pode fazer pesar em nossa consciência tudo o que vivemos?

A vida de Harriet passava em sua mente como um filme, e para ela um filme com o pior enredo e final de todos. Tudo parecia que ia ficar bem, sonhos, escolhas, sacrifícios, dores e amores, e tudo isso pra que? Para que no final ela se condenasse a ficar naquele estado deplorável?

Ela se lembrava de cada decisão que teve que tomar, cada sacrifício que fez, tudo o que teve que passar para ir em busca de um sonho que fora destruído. As lembranças de sua família, de seu amado noivo, de sua brilhante carreira, de seus medos, suas dores, todos reunidos em um único espaço que lhe causava mais dor do que ela conseguia agüentar.

“La Bayadere estava fazendo grande sucesso em Nova Iorque e em algumas cidades vizinhas nos últimos meses. Harriet ficava encantada a cada aplauso que ouvia, a cada olhar que ela encantava enquanto dançava, não existia nada melhor do que ter seu trabalho reconhecido.

O sucesso do ballet estava abrindo portas, não só para Harriet, mas para todos os bailarinos da companhia, e claro essas portas também se abriam para além da fronteira, Harriet faria sua primeira apresentação fora do país.

Todos saíram para jantar naquela noite, eles riam e conversavam felizes, Harriet comentava com suas amigas alguns planos para o casamento. O casamento de Harriet e Robert teria que esperar um pouco, já que eles estavam muito ocupados com o trabalho, não que isso pudesse interferir exageradamente em suas vidas, mas eles queriam que fosse um dia inesquecível, e para isso precisariam de alguns dias livres.

Na manhã seguinte todos estavam em alvoroço, Harriet e Robert corriam com suas malas até o carro, tinham que estar no aeroporto o mais rápido possível. A mãe de Harriet era a única família que ela tinha, e iria acompanhá-la na viagem. Robert e Harriet entraram no carro e seguiram caminho, durante o percurso eles escutavam música, o que ajudava a acalmar seus nervos, todos estavam muito felizes. Harriet não parava de conversar alegremente com a mãe.

Tudo estava bem e calmo, mas um golpe do destino estava para mudar a vida de todos para sempre. Assim que percebeu o caminhão desgovernado bem próximo ao carro, Robert tentou desviar, o que só pioraria a situação, ele não desviou a tempo. Harriet não tinha muitas lembranças daquele momento, apenas de ser chacoalhada várias vezes e depois parar, quando desmaiou.

Ela acordou em uma cama de hospital, alguns dias depois, seu corpo doía um pouco e aquelas imagens se repetiam em sua mente. Um homem de branco entrou no quarto segurando uma prancheta.

–Senhorita Brown, que bom que acordou.- Disse se aproximando.

–O que aconteceu? Há quanto tempo estou aqui?- Perguntou ansiosa.

–Você precisa ficar calma.

–Eu estou calma.- Disse o encarando.

–Você se lembra do acidente?

–Sim.

–Bom, você ficou em coma por alguns dias.

–O que?- Perguntou incrédula.- Onde está minha mãe? E o Robert?- Um sentimento forte a preencheu, fazendo-a ficar gelada como um cadáver. Ironia?

–Senhorita Brown, não está em condições de...

–Onde eles estão?!- O médico respirou fundo e tirou os óculos.

–Eu sinto muito, mas...não conseguimos salvá-los.- Um enorme desespero tomou conta de Harriet, não podia ser verdade.

–Não!- As lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto, e seu primeiro impulso foi se levantar rapidamente, mas havia algo errado, e ela só notara quando, com grande esforço, moveu seu corpo e automaticamente apenas seu tronco se mexeu.- O que?- Murmurou. Tirou o lençol que cobria suas pernas e se deparou com elas totalmente imóveis, por mais que tentasse, elas não se mexiam.

–Senhorita Brown.

–O que aconteceu comigo?!- Gritou enquanto chorava ainda mais.

–Quando o carro bateu, uma barra de ferro atravessou a porta e atingiu sua coluna...

–O que? Eu...eu...não vou poder mais dançar?- Perguntou enquanto encarava o médico.

–Eu receio que não.- Ela não acreditava no que estava acontecendo, desviou o olhar para baixo e cobriu seu rosto enquanto mergulhava em profundo rio de lágrimas.”

Seus fantasmas estavam a assombrando desde aquele dia, era como se tudo a fizesse lembrar-se do passado, ela queria esquecer, queria fingir que nada daquilo havia existido, para assim poder viver sem essa dor que permanecia em seu peito. Cada memória, cada pedacinho de si gritava para ela, a arrastando de volta como um imã.

Ela permanecia na banheira, imóvel, do mesmo modo que estava há trinta e cinco minutos, a água já esfriara, mas isso não importava para ela. O objeto prateado em suas mãos brilhava e a chamava, uma proposta tentadora a qual ela não conseguiria resistir. Deixou que seus fantasmas a visitassem uma última vez, mas agora ela se esquivaria da dor que eles a fariam sentir e apenas veria momentos, que por mais que a machucassem toda vez que se lembrava, eram felizes. Ela apenas fechou os olhos e fez o que tinha que fazer.

“Filha!- Disse a mulher agachada com os braços abertos para sua garotinha.- Você estava linda dançando!- Ela a abraçava forte.

–Quando eu crescer quero ser uma grande bailarina.

–Você vai.

–Te amo mamãe.- Falou aprofundando o abraço.

–Também te amo filha.

...

–Ah meus deus.- Disse estática enquanto olhava a carta que acabara de receber.

–O que foi filha?

–Mãe, eu ganhei a bolsa.

–O que? Eu não acredito. Parabéns filha!- As duas começaram a se abraçar e pular de alegria.

...

–Me desculpe.- Disse ao rapaz que acabara de esbarrar.

–Ah tudo bem. Ei, você é Harriet Brown?- Perguntou sorrindo.

–Sim.

–Nossa, você...dança muito bem.

–Obrigada.- Respondeu com um sorriso tímido.

–Ah, eu sou Robert, prazer.- Disse estendendo a mão.

–O prazer é meu. Você também dança muito bem.

–Obrigado.- Os dois sorriam bobamente.

...

–Harriet Brown para o papel de Gamzatti.- Uma alegria enorme preencheu seu corpo, ela podia ver o olhar feliz e orgulhoso de Robert.

...

–Eu te amo Harriet.

–Eu também te amo.”

O líquido vermelho escorria lentamente, a água e o piso completamente sujos por ele. Ela não queria mais viver para ser assombrada pelo seu passado, que insistia em voltar. Se ela não podia viver para o que amava, não queria mais viver. Descansaria com suas melhores lembranças.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Até o próximo capítulo.



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