Candidatos a Deuses escrita por Eycharistisi
Ouro empalideceu ao ouvir o seu primeiro nome na boca de Hisui, o seu coração disparando-lhe no peito e cobrindo-o de suores frios.
– Hisui – ofegou ele, quase sem ar, sentindo o peito comprimido.
– Desculpa – gemeu ela, cobrindo o rosto com as mãos e soltando o seu primeiro nome – Desculpa, desculpa, desculpa… Eu não queria…!
Ouro engoliu em seco quando sentiu a influência de Hisui largá-lo, o seu corpo começando a tremer enquanto se soltava da tensão anterior.
– Não tens culpa – conseguiu ele murmurar, para tranquilizar a rapariga. Ensaiou um passo desequilibrado na sua direção, até que conseguiu aproximar-se dela o suficiente para a puxar para os seus braços, tranquilizando-a ao mesmo tempo que a usava como apoio para se manter de pé.
– Não queria beber o teu sangue – murmurou ela, com o rosto poisado na curva do seu pescoço.
– Eu sei. Tu não tens culpa do que aconteceu.
Hisui engoliu em seco antes de se endireitar a cabeça, para poder fixar os olhos dourados de Ouro.
– Se eu sei o teu primeiro nome… é justo que te diga o meu – decidiu ela.
– Não, Hisui… – negou Ouro, tentando afastar-se. A rapariga agarrou-o e manteve-o de frente para si, olhando-o nos olhos enquanto se preparava. Inspirou profundamente e depois disse, de um só fôlego:
– Alice.
* * *
Burn espreitou o corredor, constatando que o seu pior pesadelo se realizara: Tech estava lá, de braços cruzados, ao lado da porta da casa de banho das raparigas, esperando Softhe sair. E vira-o espreitar, pelo que fora completamente apanhado.
“Bem, se cheguei até aqui, agora continuo”, decidiu Burn.
Saiu do seu esconderijo e aproximou-se de Tech, de mãos nos bolsos e queixo erguido.
– O que é que tu queres? – perguntou Tech, olhando-o de forma ameaçadora através das pestanas.
– Sabes bem o que quero.
– Fazer a Softhe sofrer, sim, sei – disse Tech.
– Eu não quero fazer a Softhe sofrer – rosnou Burn, cerrando os punhos dentro dos bolsos das calças – Quero… falar com ela.
– Sim, uma conversa com ela deverá resolver muitas coisas – desdenhou Tech – Já estou a imaginar, a Softhe a vir ter comigo a chorar aos gritos, depois dessa vossa… conversa.
– Bem, provavelmente vai, porque tu acabaste de dizer que isso iria acontecer – notou Burn, aborrecido – Conheço os teus poderes de ginjeira, amigo. Basta dizeres uma porcaria qualquer para ela acontecer. Portanto, enquanto tu quiseres, sim, a Softhe irá correr para ti, a chorar baba e ranho. E aposto que tu queres que isso aconteça sempre, não é?
– O que é que tu estás para aí a insinuar? – perguntou Tech, desencostando-se da parede, parecendo pronto a descruzar os braços e a espetar um soco a Burn.
– Aposto que gostas, não gostas? De te fazer de amiguinho dela, de a apoiar, para tentar que ela se apaixone por ti.
– Cretino estúpido – murmurou Tech, chocado – Achas que sou amigo da Softhe por interesse? Que a protejo por interesse? Olha, pá, se tu és assim, não tenho nada a ver com isso. Faz o favor de não me meteres no mesmo saco que tu. Ou não vais viver para contar a história.
– Tech, cala-te – ordenou Softhe, saindo da casa de banho nesse momento – O Burn tem ainda muitos anos de vida pela frente, não é verdade? Até porque ele vai beber Néctar e vai tornar-se imortal. Não é, Tech?
Tech olhou para Softhe, fazendo uma pequena expressão imploradora, para ela não o obrigar a concordar com aquilo, selando assim o destino de Burn. Ela simplesmente ergueu as sobrancelhas, esperando.
– Sim – confirmou Tech, soltando um suspiro desagradado – O Burn vai beber Néctar e… tornar-se imortal.
– Logo vi – disse Softhe – E uma vez que também disseste que eu e o Burn teríamos um “assunto”… acho que podes deixá-lo vir falar comigo.
– Falar já não vai resolver problemas nenhuns…
– Mas é uma boa maneira de começar – cortou Softhe – Portanto, Tech, se não te importas… deixa-nos sós.
Tech lançou um olhar assassino a Burn, mas acenou. Ao passar pelo Deus Supremo do Fogo, lançou-lhe um novo olhar ameaçador, juntamente com um aviso:
– Se ela soltar uma só lágrima que seja por tua causa… depois quem terá uma conversa contigo, serei eu.
Tech afastou-se, furioso, e Burn ficou a vê-lo afastar-se. Apenas se voltou para Softhe quando o Destino desapareceu do corredor, deixando-os a sós.
Softhe cruzou os braços na frente do peito, erguendo levemente o queixo, dando luz verde a Burn para começar o falar. O rapaz esfregou nervosamente as mãos, um leve rubor surgindo nas suas faces enquanto ele parecia estar a lutar com as palavras.
Aquilo era tão contrário ao que Softhe estava habituada a ver nele que chegou a sentir pena. Apesar de tudo, ela amava-o e custava-lhe vê-lo assim. Embora fosse terrivelmente fofo.
– Não te mordo – disse ela, mudando o peso de um pé para o outro – Podes falar.
– Hum… pois – murmurou Burn, pigarreando suavemente depois – Então eu… queria… pedir-te desculpa.
– Por quê? – perguntou Softhe, erguendo levemente uma sobrancelha.
– Por tudo – disse Burn, esfregando a nuca, envergonhado.
– Tudo o quê? – continuou Softhe a insistir. Não perdoaria Burn se ele continuasse com aquela atitude de “eu sou melhor que todos e não devo explicações a ninguém”. Ele teria de aprender que não era assim que lidava com ela e que teria de descer daquele pedestal em que ele achava que caminhava e prostrar-se de joelhos na sua frente, se realmente queria ser perdoado.
– Por… por te ter dito o que disse – disse ele, trocando nervosamente o peso de um pé para o outro – Por ter dito que nada me faria amar-te. Por ter dito que não te amava e que o nosso beijo não tinha tido significado.
– Então sempre teve significado? – perguntou Softhe, mantendo o seu rosto inexpressivo embora o seu coração palpitasse no peito.
– Teve – murmurou ele, tão baixinho que a rapariga quase não o ouviu.
– Não ouvi – mentiu Softhe, precisando de ouvir mais uma vez para ter a certeza de que fora algo real e não a sua mente a pregar-lhe partidas.
Burn cerrou os punhos por alguns momentos, os lábios comprimidos. Mas depois inspirou fundo, inchou o peito e endureceu a expressão do seu rosto.
– Teve – repetiu ele, numa voz forte – Teve significado. Portanto, também te devo um pedido de desculpas por te ter mentido. Desculpa, Softhe.
A rapariga ficou alguns momentos a olhar para ele, em silêncio, sentindo-se tentada a largar aquela sua expressão neutra e a atirar-se para os braços de Burn, rindo e chorando de felicidade. No entanto, sentia que ainda era cedo demais. Burn ainda não se baixara o suficiente diante de si. Ela queria-o a rastejar pelo chão.
– Sabes que pedir-me desculpa com palavras não chega – disse Softhe.
– Imaginei que sim – murmurou ele, voltando a baixar a cabeça – Que terei de fazer mais?
Softhe encolheu os ombros.
– Não sei, surpreende-me. Mas para além de palavras quero atitudes. Estamos entendidos?
Burn acenou levemente e Softhe descruzou os braços, passando por ele para se ir embora.
– Softhe? – chamou Burn, quando ela estava quase a virar para outro corredor.
– Sim? – perguntou, olhando para ele por cima do ombro.
Burn levou uma mão a uma madeixa do seu cabelo vermelho, enrolando-a no indicador, enquanto fazia um pequeno sorriso e murmurava as palavras que quase desarmaram Softhe de toda a sua frieza.
– Gosto de ti.
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