Candidatos a Deuses escrita por Eycharistisi


Capítulo 50
Capítulo 50




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/528977/chapter/50

Burn soltou um bufo e atirou o comando da PlayStation para junto da consola. Esfregou o rosto longamente e depois deixou que o seu olhar se fixasse no vazio, mordendo suavemente a unha do polegar.

Porque raio não conseguia parar de pensar em Softhe? Sonhara com ela nesse noite, numa situação muito semelhante ao beijo que tinham trocado no corredor, com a diferença de que o beijo do sonho fora muito mais intenso. E agora não conseguia parar de pensar nisso!

Ainda assim, uma vozinha na sua mente lembrava-o de que não fora por culpa do sonho que ele agora só conseguia pensar em Softhe. Mesmo antes do sonho, volta e meia, lá estava ele a pensar na rapariga, a recordar aquele malfadado beijo.

Tornou a esfregar o rosto, como se isso tivesse algum efeito. Pelo menos mantinha-o quase calmo, apenas o suficiente para o impedir de estrangular os gémeos. A culpa era toda deles…

– Não vais dormir, Burn? – perguntou uma voz por trás de si, fazendo-o levantar-se com um salto.

– Estou com insónias – respondeu ele, vagamente.

Aino e Aina ficaram a olhar para ele alguns segundos, antes de uma delas se aproximar alguns passos.

– Aprendeste a lição, Burn? – perguntou ela.

– Sim, aprendi – respondeu ele, baixando a cabeça em submissão.

– Esperemos bem que sim – continuou ela, aproximando-se ainda mais de Burn, até se colocar na sua frente. Levou as mãos ao pescoço do rapaz e, segundos depois, ele sentiu o afrouxar do aperto do Colar Negro.

– Este foi o único aviso que te fizemos – disse a mulher loira enquanto enrolava o Colar Negro na palma da mão – Da próxima vez… serás chumbado de ano.

Burn acenou, ainda de cabeça baixa. Sentiu, mais do que viu, as gémeas desaparecerem nas suas típicas nuvens de pó brilhante e só então sussurrou:

– Malditas.

Voltou a sentar-se no sofá, rodando o pescoço de um lado para o outro e sacudindo os braços enquanto sentia o seu poder regressar-lhe ao corpo. Sentia-se completamente revigorado, pronto para fazer mais uma nova qualquer estupidez.

Ouviu vozes dirigindo-se para a sala comum e sentiu o coração cair no vazio quando reconheceu a voz de Softhe. E vinha acompanhara por um dos malditos gémeos.

Burn manteve-se sentado, como quem não queria a coisa, olhando a televisão, até que os dois entraram na sala. Softhe trazia apenas uma camisa de dormir largueirona, mas muito curtinha, deixando uma grande quantidade de perna esbelta e macia à mostra. O seu longo cabelo castanho estava preso com um elástico e nos pés trazia umas pantufas felpudas. Ria-se de qualquer coisa que Tech dissera, leve e descontraída como nunca estivera com Burn. Uma parte de si desejou que também ela fosse assim com ele. Mas a outra parte, a racional, sabia que seria impossível. Afinal, assim que Softhe o viu, o sorriso caiu-lhe da cara, dando lugar a uma máscara inexpressiva.

– Ainda acordado, Burn? – admirou-se Tech, enquanto Softhe desviava o olhar, fingindo que ele não estava ali sentado, dirigindo-se depois para a zona da sala comum em que estava guardada a comida.

– Podia perguntar-te o mesmo a ti – disse Burn a Tech, vigiando Softhe pelo canto do olho – Mas vejo que andas por aí com companhia. Na marmelada, aposto.

Softhe não reagiu e, por um segundo, Burn temeu que eles andassem mesmo na marmelada, o ciúme rasgando-o por dentro.

– Não, obrigado – negou Tech, rindo – Ela é toda tua, não te preocupes.

“É isso mesmo, idiota, ela é toda minha!”, rosnou a mente de Burn.

– Como se eu a quisesse para alguma coisa – cuspiu a boca dele.

– Hás de querer – suspirou Tech, fazendo um sorriso de boas vindas a Softhe, que voltava da divisão da comida com um copo de leite achocolatado nas mãos – Vamos?

– Vamos – confirmou ela, fazendo um pequeno sorriso, não tão natural como o anterior – Não levas nada para ti?

– Ah, não, não tenho fome – negou Tech, passando um braço por cima dos ombros de Softhe enquanto se dirigiam para o exterior – Boa noite, Burn – desejou, por cima do ombro.

– Boa noite – resmungou ele, esticando-se para pegar de novo no comando da PlayStation. Ele precisava, definitivamente, de uma grande sessão de jogos de porrada. Muita porrada.

* * *

– Certifica-te de que nada de mal acontecesse com a Yngrid – pediu Darkness, o seu longo cabelo castanho refletindo o luar que entrava pela janela, o qual eles estavam a observar.

– Claro – cedeu Snow, acenando – Mas, Darkness… tu… gostas dela?

Darkness soltou uma risadinha pelo nariz.

– Queres saber se gosto dela ao ponto de lhe querer revelar o meu primeiro nome? – perguntou, olhando para o seu Adepto.

Depois de uma breve hesitação, Snow acenou.

Darkness soltou um suspiro e apoiou um antebraço junto da janela, fixando a lua no centro do céu azul-escuro e salpicado de estrelas.

– Por mais incrível e irracional que possa parecer… sim – confirmou ele – Nunca pensei que isto me fosse acontecer…

– Acontece a toda a gente – disse Snow, encolhendo os ombros – Algum dia haveria de chegar a tua vez.

– Eu sei – suspirou Darkness, deixando descair a cabeça, a testa quase tocando o vidro da janela. Depois ergueu o olhar para o seu Adepto – Protege-a, Snow. Com a tua vida. Não te perdoarei se algo lhe acontecer.

Snow resistiu à tentação de se encolher, como sempre acontecia quando um Supremo usava da sua autoridade sobre um Adepto. Inspirou fundo para se manter direito e depois acenou.

– Fica descansado.

Darkness acenou, despenteou paternalmente os cabelos de Snow, e depois afastou-se. O rapaz ficou ainda mais alguns minutos a olhar a lua, questionando-se se conseguiria ou não levar a cabo a missão que Darkness lhe entregara. Não lhe parecia que Yngrid corresse alguma espécie de perigo, uma vez que ela não era um dos deuses da profecia, mas nunca se sabia. E proteger a amada do seu Supremo era uma responsabilidade que Snow não se sentia pronto para abraçar.

De qualquer modo, não tinha opção.

Foi distraído dos seus pensamentos pelo som de passos ao fundo do corredor, olhando desconfiadamente para as sombras que escondiam a porta da sua visão. Os passos eram arrastados e lentos, com algo de arrepiante. Foi incapaz de evitar saltar de susto quando uma figurinha vestida de branco e azul-escuro se lançou contra a janela mais próxima da porta, espalmando as mãos contra o vidro e aproximando tanto o rosto da janela que ficou com a ponta do nariz encostada ao material gelado. Snow não levou muito tempo a reconhecer aqueles cabelos castanhos-escuros.

– Circe? – chamou-a, estranhando o seu comportamento.

Circe ignorou-o completamente, deslizando para o lado ao longo da janela. Ficou parada mesmo no limite, olhando para a lua, com uma expressão sonolenta.

Snow decidiu aproximar-se, lentamente.

– Hey, Circe – chamou-a de novo.

Circe reagiu apenas saltando da janela em que estava para a janela seguinte, voltando a espalmar as mãos contra o vidro e a encostar-lhe o nariz enquanto olhava para a lua.

“Sonambulismo?”, questionou-se Snow, lembrando-se de que Niko referira uma vez tê-la visto sonambular.

– Circe, devias ir para a cama – murmurou Snow, suavemente, segurando os braços da rapariga para a guiar na direção do Átrio das raparigas. Acabou por soltar uma exclamação de espanto quando ela revirou os olhos e se deixou cair, forçando-o a abraçá-la rapidamente para a impedir de se despenhar no chão – Circe… – chamou ele, enquanto se esforçava para segurar o seu peso morto.

– Elas estão a ver-nos – disse Circe, numa voz bem mais grossa e profunda do que aquela que Snow lhe estava habituado a ouvir. Soltou um arquejo de susto quando reparou nos olhos da rapariga, o castanho bem mais claro que o normal e parecendo ter uma estranha luz branca por trás da íris – Vejo os olhos delas na lua, a chamar por mim… Um castanho, um negro… e um verde. Um verde venenoso. É o ver da podridão e da morte, o verde da decadência e da devastação… O olho verde. O olho verde está a vigiar-nos! Ele virá por eles! Virá por eles e virá para matá-los! A tesoura… a tesoura não consegue cortar o fio, mas o metal ainda consegue cortar a carne. Ele virá! Ele virá!

Circe estrebuchou, enquanto da sua garganta se escapava um som de sufoco, como se fosse vomitar a qualquer momento. Snow lutou para a segurar enquanto a rapariga se movia, até que, subitamente, ficou imóvel, pendendo flácida dos seus braços.

– O que é que eu faço contigo? – resmungou ele, baixinho, enquanto a tomava nos braços e a levava na direção dos quartos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Candidatos a Deuses" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.