Cartas para Hope escrita por Skye Miller


Capítulo 30
EXTRA: Camadas de segredos.




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We are made of secrets, Henry, layers and layers of secrets. - Aria Gomez.

O frio é o que mais me incomoda.

Poderia ser a grama não aparada pinicando minha pele, as luzes que piscam repentinas vezes no final da rua ou o ar denso que está circulando, mas é o frio que me faz querer sair daqui.

Estou encostado em uma escada enferrujada de um velho playground á cinco quadras de casa, é mais ou menos onze horas da noite e todo o bairro está deserto, tudo está silencioso. Isso me faz ter calma para pensar, toda a calmaria trás de volta a paz que deixei dentro de casa. A paz que está presa dentro de mim e implorando para se libertar.

Meus olhos ardem e eu suspiro.

Suspirar dói. Parece que uma navalha está rasgando-me por inteiro. Se mexer dói, como se eu estivesse preso por cordas suspenso no ar. Tudo dói, desde a ponta dos pés até a raiz dos cabelos.

Talvez eu já devesse ter desenvolvido alguma maneira de impedir as punições de John. Acho que sentimentalismo não combina comigo e não o faria parar de erguer a mão para me bater, ser durão só o faria ficar ainda mais furioso e revidar significaria que estou me tornando igual a ele. Prefiro morrer a me submeter a isso. Prefiro morrer a ser como ele.

Às vezes me pergunto se tem alguma coisa de errado comigo. O mais provável é que, para meu pai, fui fruto de um erro, fui algo inesperado que deveria ser punido. Acho que nasci ao contrario, acho que nasci na família errada, acho que não deveria nem ao menos ter nascido. As palavras frias que John dirigiu a mim enquanto erguia o cinto e chicoteava minhas costas não param de circular minha cabeça, não consigo parar de pensar que talvez ele estivesse certo. Sou um erro. Uma fraude. Sou defeituoso.

Às vezes, as pessoas quando são deixadas sozinhas em silêncio conseguem sentir o próprio ódio por si mesmo.

Estou me odiando tanto agora, chega a ser deprimente.

Olho para cima. O céu está tão limpo, tão intocável, como se esperasse que eu fosse até ele e lhe trouxesse as estrelas. A lua está afastada, tão distante, como se esperasse que as pessoas fossem mais gentis com ela, como se esperasse por elogios, para ficar mais próxima.

Alguém se aproxima de mim.

– Acho que nunca vi você tão concentrado antes. – Sua voz é tão calma. Ela sempre parece dizer as coisas certas, às vezes acho que ela passa o dia inteiro ensaiando diálogos para usá-los durante o dia. Não preciso me virar para saber quem é, seu perfume de baunilha já está por todo os lados, senta-se ao meu lado e cruza as pernas. – Um dólar pelos seus pensamentos?

– Meus pensamentos só valem um dólar? – Tento rir, mas rir dói, tudo dói, por isso acabo fazendo uma careta e viro para o outro lado, esperando que ela não perceba nada de errado. – Estou me sentindo ofendido.

– Você é sempre tão dramático. – Ela devolve com deboche, encostando a cabeça em meu ombro e suspirando. – Amanhã tenho prova de física, sabe, e você também. Acho que deveríamos estar dormindo, mas não consigo, e tenho certeza que você não.

– Por que não consegue dormir?

– Pesadelos.

E isso é tudo o que ela diz. Ela não explica exatamente com o quê sonhou, nem demonstra algum sentimento, simplesmente continua quieta. Ergo um pouco a cabeça, para olhá-la mais de perto. Ela se encolhe um pouco quando meu nariz roça em sua bochecha e se concentra no fiozinho solto de seu pijama.

– Eu acordei gritando, como sempre acontece. Aí fui beber água e vi você da cozinha. Achei que fosse uma miragem, mas só existe uma pessoa no mundo que usa o cabelo lambido e é tão branco quanto uma alma penada. – Seu riso me reconforta um pouco e ameniza minhas dores. Além de Sophia, ela é a única que me compreende. Que sabe exatamente o que eu sinto, que sobrevive ao que eu sobrevivo. – E essa pessoa é você. Não faz mal deixar minha casa aberta e o aquecedor ligado sem ninguém parar vir conversar com você, né?

– Né. – Repito sarcasticamente e ela me dá um tapa no ombro. Paro de respirar.

Dói. Minha visão fica embaçada e eu reprimo um xingamento, tudo o que eu enxergo são alguns pontos pretos. Não consigo conter o gemido que escapa pelos meus lábios. Sinto as cicatrizes se abrindo, rasgando minha pele e sujando minha camisa de sangue.

– Ai meu Deus! Ai meu Deus... – Ela começa a repetir “Ai meu Deus” diversas vezes, meio que gritando, meio que sussurrando. – Eu sinto muito, Henry. Eu não quis... Aquele monstro... Não acredito que tocou em você... Ai meu Deus, Henry, como você está?

Não respondo, apenas deito-me na grama e tento respirar. Minha mente parece ser um tipo de deposito onde estão armazenados, cuidadosamente, minhas emoções. Às vezes coloco de lado as coisas que não me são uteis e me foco naquilo que é mais importante, sendo que, o que eu julgo ser desnecessário, é o que eu mais preciso. Acho desnecessário a atenção que Aria está me dando nesse momento, mas é o que necessito.

Não quero olhar para o seu rosto. Não quero ver sua expressão aflita, nem as lagrimas que estão escorrendo pelas suas bochechas, não quero sua compaixão. Ela funga, resmunga e fica com o rosto pairando, tentando de alguma forma cruzar seu olhar para o meu, mas tudo o que eu consigo fazer é me concentrar na lua, distante, sozinha, deprimente.

– Eu sinto muito.

Não gosto dessas três palavras. Elas me sufocam, me fazem querer fugir e gritar. “Eu sinto muito” é o tipo de sentença que não gosto de ouvir, me faz ficar triste, me faz ficar cabisbaixo.

– Por favor, diga algo, seu silêncio está me matando.

Eu suspiro, sentindo o sangue escorrer pelas minhas costas e sussurro:

– O som da noite ecoa em minha mente,
versos desconexos transbordam no copo de vinho,
a mente esta turva, os pensamentos voam
a rua esta vazia, o cachorro ladra
alguém se assusta.

Aria Gomez é o tipo de pessoa que você tenta evitar. Ao olhar para ela, você nota de cara que tem algo errado, mesmo que seja algo mínimo, mas tem. Suas roupas são coloridas demais, longas demais, esquisitas demais. Ela sempre diz a primeira coisa que vem a mente, e é surpreendente como sempre se encaixa no contexto. Às vezes, ela é vaga, outras, é aberta. Uma coisa tão complicada, tão desconexa. Um paradoxo total.

É por isso que gosto tanto dela. É por isso que ela é minha melhor amiga. Porque ela não concorda com as regras, ela não quer se submeter a esse mundo podre e cinza. Porque ela sabe valorizar a felicidade, ela sabe que os momentos de tristezas estarão sempre presentes e que a melhor forma de suportá-lo é se acostumar. Gosto dela, porque somos iguais.

Aria pisca os olhos repentinas vezes e prossegue:

– Minha festa está vazia, ninguém apareceu
ninguém ouve as vozes, as minhas
e elas dizem tantas coisas,
elas dizem para eu me perder um pouco
observo o vinho e me afogo.

Tento lembrar o resto do poema. São apenas duas linhas, mas minha memoria está tão fraca. Olho para Aria, para os seus olhos verdes escuros e então recordo-me dos últimos versos:

– Não se pode perder sóbrio,
sóbrio sou puro tédio.

Aprendi a recitar poemas quando tinha quatorze anos, na aula de literatura ao lado de Aria. A professora Clark separou os dez melhores alunos e os dividiu em grupos. Não queria ter ficado com ela, já havia escutado os boatos sobre sua família, sobre o quanto ela era problemática. Eu a julguei, e quebrei a cara. Ela foi a melhor parceira que eu poderia ter, tinha a voz controlada, sabia declamar poesia como ninguém.

De alguma maneira, virou um hobby ir para sua casar estudar literatura. Às vezes, não conversávamos normalmente. Eu dizia o que estava sentindo por meio de um poema, e ela fazia o mesmo. Sempre nos entendemos bem, não imaginava que poderia ter uma amiga como ela.

Nem todos os boatos foram verdadeiros, apenas alguns. Sobre ela ter sido abandonada pela mãe, sobre seu pai ser um alcoólatra e a tia viciada em drogas. Nós sempre ficávamos no porão, pois sua Tia Mary ia para a sala e fumava maconha como se fosse a coisa mais normal do mundo. Às vezes, quando seu pai chegava em casa, ele praticamente me expulsava e no dia seguinte Aria aparecia com algum machucado novo.

Era a coisa mais horripilante que eu já havia visto. A estrutura magra e doentia da sua tia, o jeito bruto do seu pai. Aria sempre deixou claro que os odiava, que a qualquer momento iria fugir.

Certa vez, ela foi para minha casa. Ficamos conversando dentro do quarto, e Sophia apareceu. Nos primeiros minutos foi esquisito, porque Sophia tem ciúmes de qualquer pessoa do sexo feminino, mas então elas começaram a conversar e de alguma maneira se tornaram colegas. Quando Sophia foi embora, Aria sussurrou:

– Esse é um dos motivos para eu simplesmente não sumir.

– O que quer dizer?

Seus olhos vasculharam pelo meu quarto, concentrando-se nos troféus de basquete, nos livros e na maquina de escrever. Depois, pousaram em mim. O verde estava tão escuro que pareciam ocos, e sua expressão era sombria.

– Algum dia, Henry, eu vou evaporar. Eu vou ser engolida pelo espaço, por algum buraco ou algo do gênero. Talvez engolida por mim mesma. Um dia, vou virar pó, virar milhões de partículas e serei esquecida. Um dia, vou encontrar minha glória. Às vezes, quero sumir logo, quero desaparecer em um passe de mágica... Mas então conheço pessoas novas, vivencio momentos novos... E então me esqueço de tudo isso, mas em outras ocasiões, fico a um passo de concluir meu objetivo. Ainda mais quando estou sozinha. A solidão é uma coisa estranha, Henry. Ela chega se apossando de você, silenciosa e tranquila, senta-se ao seu lado, acaricia seu cabelo, beija seu rosto. Ela deixa mentiras em seu coração, deita-se ao seu lado da cama, suga sua luz. Suga sua esperança. É uma companhia constante, daquelas que não larga, sempre com a mão pronta para puxá-lo para baixo enquanto você luta para permanecer em pé. E há dias em que você acorda se perguntando porque continua deixando a solidão ao seu lado. E seu corpo inteiro treme. E quando você está pronto para se libertar, quando você está pronto para ser uma pessoa nova, a solidão aparece. A solidão vem como uma velha amiga que fica ao seu lado sempre, olhando-a nos olhos, desafiando-o a viver sem ela. Você não consegue encontrar forçar para lutar contra si mesmo, para lutar contra as palavras, aquelas palavras que gritam que você não é suficiente, que você nunca será suficiente. A solidão é sua única companhia. Ela é amarga. Ela simplesmente não larga.

Ela não deveria ter dito isso, não mesmo, pois fiquei dias pensando em suas palavras, tentando desvendar o que ela queria dizer.

– Antigamente
diziam: cuidado,
as paredes têm ouvidos.

Aria me olha com expectativa, esperando que eu continue, mas eu nego. Não conheço esse poema e não entendo como ele se encaixa ao que estamos passando. Então percebo que ela quer fazer: Se libertar, ela quer recitar para se libertar. Percebo que seu rosto está inchado, ela chorou antes de me encontrar. Ela talvez teve uma noite pior do que a minha.

– Então,
falávamos baixo,
nos policiávamos.

Hoje
as coisas mudaram:
os ouvidos têm paredes.

De nada
adianta
gritar.

Tento pensar em algo para complementar, Aria deita-se ao meu lado e suspira. A dor passou, mas ainda sinto a ardência. Gomez não pergunta mais nada sobre meu pai ou meus machucados e isso é um alivio, não estou psicologicamente preparado para falar sobre isso.

– Nascer
é ser novinho em folha
e já deixar cicatriz

viver
é cobrir os outros
de cicatrizes
e ser coberto

mas nem tudo
são cicatrizes

algumas incisões
definitivamente
não se fecham

por isso
aliás
morremos.

Sua voz está bem atenuada quando ela continua:

– E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Está mais frio do que quando cheguei aqui. Aria se encolhe um pouco em seu casaco marrom e começa a falar sobre constelações. Tento prestar atenção no que ela diz, mas as estrelas finalmente apareceram e elas estão tão lindas. Elas me lembram a Hope, de certa maneira. As estrelas parecem ter vida própria quando todos estão dormindo, elas parecem acordadas e Hope é exatamente assim.

Penso nos poemas que recitamos hoje. Todos sobre angustia, cicatrizes e tristeza. Estou me tornando algo que não queria. Estou me apegando ao que é sombrio. Estou me apegando a morte. Estou caminhando cada vez em direção a ela, tão diretamente, sem olhar para trás.

Eu preciso olhar para trás. Eu preciso olhar para Hope. Preciso olhar para minha família. Preciso olhar para Aria e Ethan. Sou tão tão tão egoísta que não quero olhar para trás, quero continuar seguindo até meu destino final. Não sei o que me aguarda do outro lado, mas o que mais me assusta é eu não estar com medo do que posso encontrar.

Olho para Aria, toda encolhida ainda falando histórias fictícias sobre o céu. É então que noto algo de diferente nela; o seu cabelo, está tão curto que parece ter sido praticamente tosado. Todo pinicado em direções distintas e algumas mechas de laranja se destacando no preto.

– Você cortou o cabelo. – Comento surpreso e ela assente minimamente. Noto outra coisa errada, Aria não é de assentir, não é de fazer gestos, ela é de falar. Falar até demais. – E alisou. Eu prefiro os cachos, mas ficou bonito.

– Essa não era a intenção.

Há rancor em sua voz. Há raiva, amargura e dor. Eu olho bem para ela, tentando entender pelo quê ela está passando. Tentando entender o que está acontecendo.

Olho para meu relógio de pulso e checo as horas.

– Está tarde, preciso ir, se meu pai ao menos desconfiar de onde estou ele pode acabar me matando.

Aria continua olhando para o céu e nada diz. Seus olhos enchem-se de lagrimas e ela se encolhe enquanto chora. Eu a abraço, porque é tudo o que posso fazer. Se eu perguntar o que aconteceu, ela não vai dizer, se eu perguntar se ela está bem, chorará ainda mais. Antes que eu possa controlar, as palavras saltam da minha boca:

– Eu sinto muito.

Fica um gosto amargo em minha garganta. Talvez seu pai tenha lhe batido novamente, ou a tia quase teve uma overdose, ou os comentários horríveis sobre ela na internet se intensificaram. Aria é um alvo fácil, justamente por ela ser tão indiferente. As pessoas sussurram seu nome acompanhado de apelidos grotescos, e ela se excluí de tudo. Acho que sou seu único amigo.

– Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio te queime,
Ainda que o medo te morda,
Ainda que o sol se ponha e se cale o vento,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um novo começo.

Ela soluça ainda mais quando termino de falar, então levanta-se, me abraça com mais força e volta correndo para casa. Antes, seu cabelo era tão longo que batia nos quadris, agora parece uma peruca Channel mal feita. Antes, Aria andava pelos corredores livremente, agora ela anda encolhida e tenta não chamar a atenção. Antes, Aria recitava poemas na aula da Senhora Clark sem medo, agora ela mal abre a boca. Antes, Aria ia a festas mesmo sendo discriminada, agora ela mal saí de casa.

Tem alguma coisa de errado com ela, e eu não sei o que é.

Ao chegar em casa prendo a respiração quando noto que Hope está no sofá de pernas para cima assistindo House com um cigarro nos lábios. Tento andar na ponta dos pés para que ela não perceba minha presença, mas seus olhos estão ali, avaliativos encarando cada movimento meu.

– Onde você estava? – A voz de Hope costumava ser mais meiga, mas ultimamente tem estado rouca devido ao número absurdo de cigarros que ela fuma.

– Isso não é da sua conta. – Quero dizer onde estava, quero dizer o que conheceu, quero que ela fique preocupada e cuide de mim. Mas não posso, não conseguiria suportar suas mãos sobre minhas cicatrizes por muito tempo, não conseguiria estar a centímetros de distância sem sentir todos os poros do meu corpo clamando para tocá-la.

–Touché. – Sua risada preenche meus pulmões de ar e eu volto a andar fingindo indiferença. Ela continua me mirando com seus grandes olhos castanhos.

Subo as escadas, fazendo de tudo para não gemer devido o esforço que estou fazendo e ao chegar no topo olho para baixo. Eu poderia simplesmente me jogar daqui, poderia simplesmente dar um passo a frente e sair rolando. Prós: Morte rápida. Contra: Dor. Eu poderia escapar e ficar aleijado.

Estou ainda divagando sobre o que deveria fazer quando escuto novamente a risada de Hope. Esperança. É o que me mantem aqui. Seu sorriso me faz permanecer aqui, seu riso faz com que eu não dé um passo em falso para frente. Meus olhos ardem e eu inspiro profundamente, sussurrando enquanto volto para meu quarto:

– Como eu vos amo? Deixe-me contar as maneiras.
Eu vos amo até a profundidade e a largura e a altura que
Minha alma pode alcançar, quando se sente fora de alcance.
Para os confins do Ser e da Graça ideal.
Eu vos amo ao nivel da cotidiana
Mais simples necessidade, sob o sol e sob a luz da vela.
Eu vos amo livremente, como os homens lutam pela Justiça;
Eu vos amo puramente, como eles retornam do Louvor.
Eu vos amo com a paixão em ação
Em minhas velhas tristezas, e com minha fé da infância.

...

Aria não aparece na escola no dia seguinte. Nem na quarta, muito menos na quinta e na sexta. No sábado vou a sua casa, estou fazendo meu papel de amigo preocupado, aquele que se importa. Acho que Aria poderia gostar de um pouco de atenção, ou odiar. Suas atitudes variam com o seu humor.

A casa de Aria é a última da rua. É pintada em um laranja desbotado e tem um jardim mal cuidado na frente. É o tipo de casa que você já tira suposições do tipo de pessoa que mora ali. As pessoas costumam rotular as outras com uma facilidade surpreendente, julgar parece ser o passa tempo favorito de algumas delas.

Toco a companhia e espero pacientemente. Demora exatos trezentos e sessenta segundos até ela abrir a porta.

Seu cabelo negro está espetado em todas as direções. Os olhos vermelhos e um corte no seu lábio inferior. Ergo a sobrancelha tentando compreender o que está acontecendo, mas Aria nada diz, apenas continua me encarando com os olhos vagos.

– Vai me deixar plantado aqui?

Aria abre mais a porta e eu entro correndo os olhos por toda a sala de estar. Está ainda mais desarrumada que o normal, pequenos saquinhos brancos estão jogados pelo carpete. Por isso Aria não foi a escola, sua Tia poderia ter outra overdose enquanto estivesse lá.

Só percebo que estou falando quando escuto minha voz entrecortada:

– Eu sinto muito.

Aria apenas assente e se encosta na parede oposta a mim. Ela está tão magra e se encolhe a cada dez segundos, como se estivesse tentando ficar menor, como se quisesse desaparecer. Aria é mais alta do que eu e a maioria dos garotos, outro detalhe para as pessoas tirarem sarro da sua cara.

– Tipo, eu acho que ela vai ficar bem. – Resmunga roendo as unhas e focando os olhos verdes em um ponto acima da minha cabeça. – Só estou um pouquinho preocupada com as aulas que perdi, mas a essa altura nada mais importa.

Aria é a melhor aluna da minha turma de Inglês e de todas as outras. Não sei como tanta inteligência pode existir dentro de um ser. Ano passado, ela faltou todas as aulas extra de cálculo avançado e no dia da prova todos esperávamos que ela tirasse um zero. Mas, três minutos e sete segundos após a aplicação da prova ela disse que havia terminado. Todos ficamos surpresos quando sua nota foi A+.

– Você precisa interpretar os cálculos como se estivesse interpretando uma pessoa. – Aria disse quando perguntei sobre sua facilidade em resolver equações. – Eles também tem sentimentos.

Sento-me no sofá e me afasto ao máximo possível da mesinha de centro, que está com resíduos de um pó branco desconhecido, acho que é cocaína. Pego um caderno de capa preta e dura no chão e pergunto:

– Andou escrevendo anagramas?

– Ah, não! – Aria se anima por poucos segundos e se senta ao meu lado. Um sorriso de canto se faz presente em seus lábios e eu suspiro em alívio por saber que apesar de tudo ela está bem. – Vi isso em algum site na internet... Você escreve um texto e depois vai misturando todas as palavras... Depois tenta colocar na mesma ordem. É legal. Peguei algumas frases e consegui montar mais do que a metade. Faz-me sair do tédio e me acalma.

Eu leio as palavras soltas aqui e ali. Algumas têm alguma letra errada, então Aria me explica que faz parte do jogo pegar as letras erradas e tentar juntar todas em ordem para escrever uma frase.

Ela escreve algumas palavras e pede para eu organizar.

O Mundo Amarei Te Acabar Até.

Te Acabar Amarei O Até Mundo.

Mundo O Até Acabar Amarei Te.

Te Amarei Até O Mundo Acabar.

– Uou. – Sussurro analisando a frase e olho para Aria. Ela está me encarando de uma maneira tão direto que eu engulo em seco. As olheiras abaixo dos seus olhos deixa-a com um ar sombrio, mas ela continua bonita. E ela continua me encarando, esperando alguma coisa, mas não sei o que ela espera de mim. – Gostei. Posso fazer o mesmo?

Ela assente e eu escrevo a primeira coisa que me vem à cabeça e entrego para Aria.

Ela analisa cada palavra e então começa a escrever.

Minha sorriso é salvação a seu.

Salvaçao é a sorriso seu minha.

Seu sorriso é a minha salvação.

– Essa foi fácil. – Aria diz depois de um tempo. – Quero ver você conseguir essa.

E lá estou eu tentando fazer outra frase.

Abismo o engolindo pode salvar está me ninguém e.

E ninguém pode salvar o abismo engolindo me está.

O abismo engolindo está salvar ninguém pode me e.

O abismo está me engolindo e ninguém pode me salvar.

Aria está olhando para as próprias mãos. Pergunto se ela está bem e ela não responde. Pergunto se sua frase quer dizer alguma coisa, mas ela nada diz. Aria pega o caderno da minha mão e começa a escrever furiosamente.

Egreja nãu é um lugar de pas, i sin uma tabrica de almos. Esmou gritandu di tor, entendo?

Junto as letras erradas e minha garganta se fecha quando vejo o que ela escreveu:

Eu sinto muito.

...

Aria não vai na semana seguinte também. A única maneira que encontro para saber se ela está bem ou não são as três mensagens que ela manda por dia. Todas embaralhadas, com palavras soltas. E, nunca fazem sentindo. Nunca mesmo. Às vezes manda anagramas e eu tento entender o que ela quer dizer com eles.

Na segunda de manhã, ela enviou a seguinte frase para que eu pudesse desvendar:

“O sol está cegando-me. Ele é tão tão tão tão brilhante. Será que vou estar aqui quando ele se apagar?”

À tarde:

“Sou feita de papel. Você pode me rasgar, pode escrever em mim, pode me amassar... Vamos lá, faça o que quiser. Apenas faça algo, por favor. Eu preciso sentir algo.”

E, a noite:

“Eu acho facebook tão falso. Você também não acha, Henry? Ele diz que nós deveríamos dizer o que estamos pensando, mas na verdade ele te induz a escrever o que você quer que as pessoas vejam. Ele te induz a ser quem você não é. Odeio facebook”

Na terça, as mensagens não fizeram sentindo nenhum:

“Invadiram minha privacidade, se é que eu tinha alguma.”

“O mal da humanidade é o rotulo. Vamos todos morrer sendo rotulados. A tiazinha da cantina vai ficar sempre conhecida como A cabelo de Bombril, a professora Clark como Maria Melequenta e eu como Vadia Drogada. Acho que o seu rotulo vai ser sempre Problemático Anti social. Que merda.”

“Eu estou voando, voando voando e voando. Então começo cair, cair cair e cair. Quem irá me segurar? Ninguém.”

Na quarta feira, ela enviou apenas um texto enorme que eu demorei quase quatro horas para conseguir colocar as palavras em ordem. Quando enfim terminei de ler, meu estômago ficou pesado e eu não consegui dormir.

“ Quantos segredos uma única pessoa pode esconder? Acho que muitos. Descobri que somos feitos de camadas e mais camadas de segredos, e esses segredos se transformam em seu pior inimigo, se tornam monstros que vem te assombrar a noite. Você deita na cama para dormir, mas não dorme, porque eles estão te observando. Não dorme porque eles começam a te perturbar. Não dorme porque as lembranças do que você já fez invadem sua imaginação e suja os seus sonhos. Não dorme porque você começa a pensar que os boatos que dizem sobre você podem ser verdadeiros. Não dorme porque seus segredos estão sendo revelados. Não dorme porque você começa a descobrir os segredos de algumas pessoas. Não dorme porque você deita na cama para se esconder, e não para dormir. Não dorme porque você descobre o segredo do seu melhor amigo... Cartas de amor são ridículas, Henry. Mas elas não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Se houver amor, têm de ser ridículas. Mas sabe o que eu acho? Que as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas... Seu segredo está a salvo comigo, mas acredito que você tem que aprender a fechar a janela do seu quarto. Pode ser que, quando você estiver dormindo a garota da última casa da rua pode estar acordada e invadir a sua privacidade. Somos feitos de segredos, Henry, camadas e mais camadas de segredos. Lembre-se disso sempre.”

Na quinta-feira foram frases erradas para que eu juntasse as letras, demorei a noite e madrugada inteira para conseguir formar cada palavra, e no fim se tornaram pensamentos filosóficos que eu nunca imaginei que rondassem a mente de Aria:

“Aprendi com o tempo que a vida é só mais uma maneira de esperar a morte vir lentamente.”

“Tudo na vida passa. A chuva passa. O vento passa. A tempestade passa. O furacão passa. A dor passa... Só não sabemos quando.”

“Estou sem esperanças. Francamente. Já perdi a conta das tentativas que eu fiz olhando para mima mesma dizendo “Tudo vai ficar bem”, para quando chegar no meio do caminho, eu perceber que eu estava fazendo aquilo em vão.”

Na sexta, ela escreveu diretamente:

“ Hoje tive um sonho estranho. Sonhei que eu, você, Ethan e Sophia estávamos em um navio. Acho que o navio era para ser a prova d’agua, mas então começou a surgir rachaduras por todos os lugares, Henry. No sonho fiquei desesperada, porque eu estava tão tão tão feliz de estar com todos vocês. E, então, o navio rachou. E o final foi inevitável. Surgiu água por todos os lugares, mas houve um momento, um pequeno intervalo de tempo, que nós olhamos uns para os outros, nos enxergamos de verdade, através de nós mesmos. Quando foi que fizemos isso? Nos olhamos de verdade? Sem rótulos? Odeio os rótulos, odeio odeio odeio. Olhei através dos seus segredos, e você, através dos meus. Então o navio se rachou inteiramente, e no momento que a luz conseguiu entrar, nós conseguimos sair.”

“Consegui interpretar o sonho: Somos todos rachados, Henry, todos nós. Temos que nos quebrar por completo, temos que deixar a luz entrar, para conseguirmos sair.”

“Je T’aime”

Meus dedos tremem e eu aperto o celular com força entre os dedos. São quase onze da noite de sábado e Aria não enviou ainda nenhuma mensagem. Estou preocupado, quero ir até a sua casa mas tenho medo do que posso encontrar lá. Sou um covarde.

Sento-me na cama e olha para a foto de Aria e Sophia que tem no porta retrato em cima da prateleira. Elas estão ambas sorrindo, com os olhos brilhantes. O cabelo de Aria não está tão escuro, parece castanho, em um emaranhado de cachos. Olho bem para o seu rosto. Não apenas isso. Eu a examino. Cada poro, sinal e fio de cabelo. E então olho para as camadas abaixo disso. A carne, os ossos, o sangue e o cérebro, que giram em um circulo desconhecido de seu núcleo, a vitalidade, a alma, a força de vontade que faz com que ela não seja apenas mais um pedaço de carne, correndo em um milhão de células para fundi-las em uma só. Quem é essa garota? O que ela é? Ela é tudo. O corpo dela conta uma história de vida, relembrando cada reagente químico que há dentro dela. A mente dela contém toda a história do universo, relembrando pela dor, tristeza, ódio, alegria e esperança. Cada pensamento bem formado, passado, presente e futuro, relembrados, sentidos e esperançosos, todos de uma vez só, todos em um corpo só.

Então examino mais uma camada após disso. A camada de segredos. Os segredos de Aria são muitos, e desde quarta feira estão sendo revelados. Todos de uma vez só, uma bomba atômica que deve estar matando-a aos poucos. Aria está sendo rotulada cada vez mais, os boatos estão se tornando concreto. Eu sempre soube que Aria pulava sua janela para sair a noite. Perguntei para Ethan se ele sabia algo a respeito, e ele disse que, quando Aria era caloura, os garotos colocavam pílulas em sua bebida e a levava para hotéis. Eles faziam coisas com ela. Quando perguntei Aria a respeito disso, ela não negou. E me revelou que saia a noite pois não suportava os gemidos que vinham do quarto de seu pai.

Além de um jornal a escola tem um blog. Não é oficial, foi criado por alguns estudantes do terceiro ano quatro anos atrás e até hoje funciona. Chama-se “O que ronda na Walter”, diferentemente das matérias de Anna Palmer, que são noticias verdadeiramente importantes, no blog fala sobre a vida dos alunos. E é uma droga, porque nem tudo o que tem ali é verdade, e as pessoas acreditam no que está escrito ali.

No nome “Aria Gomez” não havia coisas impactantes. Dizia que ela era uma garota calada e inteligente. Mas isso mudou as duas e quarenta e cinco da tarde de quarta, quando alguém publicou que Aria se cortava, então surgiu fotos de todos os ângulos possíveis do seu pulso. Depois disso revelaram que sua tia é traficante, sendo que a tia de Aria não trafica drogas, ela consume.

Hoje pela manhã, a pagina de Aria foi atualizada. O titulo era “De santa para vadia”, e eu tentei ao máximo possível não expressar nenhuma emoções com as fotos de Aria que haviam ali. Eram fotos dela nua em um quarto de hotel, com um garoto qualquer do time de futebol. Consegui notar de cara que Aria não estava em seu estado normal, seus olhos estavam vagos e seu sorriso muito presunçoso. O olhar de Aria não é vago e ela quase nunca sorri. Ela estava drogada.

Meu celular vibra e percebo que não é uma mensagem e sim uma chamada.

Aria.

– Onde você está?

Você não acha que normalmente as pessoas atendem dizendo “Oi” ou “Olá”? – Ela pergunta com deboche e eu suspiro. Ela está bem. Ela está conversando comigo. – Estou dirigindo. Não sei bem para onde, apenas estou dirigindo sem rumo e isso é tão legal. Tipo, não consigo parar de encarar o final da estrada toda cheia de expectativa sobre o que vou encontrar, se é algo bom ou ruim... Ai meu Deus! Acabo de ver uma coruja! Tão linda! Fantástico.

– Você... Você viu o ultimo poste de “O que ronda na Walter” ?

Uma pausa. Um suspiro. Um ruído esquisito e meu coração aperta.

– Vi, sim.

– Como você está?

– Sinceramente?

– Sinceramente.

Neste momento estou me sentindo perdida, eu acho... Bem, perdida de verdade, não sei onde estou Henry. Tenho dirigido a horas desde hoje a tarde e não faço a mínima ideia de onde estou. Só parei em um posto de gasolina para fazer xixi... Espere, estou perto de St. Paul. Hmmmm... Não estou tão longe assim, vou dar a volta e...

– Estou perguntando sobre seus sentimentos.

Ah! – Ela literalmente solta uma expressão de surpresa e solta um riso amargo. – Não sei. Estou meio vazia. Simplesmente nada. Tipo, tanto faz, não me importo mais.

Eu continuo conversando com Aria para mantê-la acordada. Está tarde, mas eu realmente não me importo. Faço perguntas bobas, que ela responde de uma maneira muito filosófica. Se pergunto qual é sua cor favorita, apesar de saber, ela diz toda a história por detrás do motivo dela gostar dessa cor. Aria está falando demais da conta. Eu não a entendo, em um minuto ela não diz nada e no outro fica rouca de tanto falar. Já é quase duas da manhã quando Aria diz que chegou em Minneapolis.

– Já está indo para casa? Posso ir até aí?

Não. – Há um ruído na linha, acho que é vento se chocando no telefone. Aria fica calada por um tempo antes de continuar. – Meu Deus, Henry. Tudo é tão pequeno aqui de cima.

– Onde você está?

Não posso falar... É tudo muito lindo. Sério. As luzes, os prédios, os carros. O mundo parece até mais bonito. – Sua voz está uma mistura de dor e alegria ao mesmo tempo, isso me intriga, não consigo interpretar o que ela quer dizer com isso. – Sou de papel. Você é de papel. Todos nós somos de papel. Todos somos rachados, Henry, precisamos deixar a luz entrar. Aqui tem luz, tem muita luz. E há aquela luz amarela ao fundo, a luz do farol, que me lembra seus olhos. Os seus olhos são lindos, Henry, nunca disse isso, mas são, me dá esperança de que algo bom está por vir.

– Aria...

– Tenho algo pra te contar. É uma história engraçada. Havia uma garota, que sempre foi mais magra e mais alta que as outras e ela sofria bullying com isso. Usava um moletom cor de limão porque a fazia se sentir bem, e um dia um garoto loiro, lindo e charmoso disse que a cor do moletom destacava os seus olhos verdes. E, só pra você saber, foi amor a primeira vista. Mas só da parte dela, porque o garoto sempre amou a irmã adotiva. Eles eram melhores amigos, eles se davam tão bem, porque eles eram iguais. E ele a defendia, ele estava sempre com ela e isso a dava um pouquinho de esperança que a vida fosse melhor. Ela precisava disso, precisava acreditar que as coisas ficariam bem, já estava cansada de relembrar do passado, de conviver com a tia louca e o pai mais louco ainda. Sua vida era uma droga. Mas ela tinha esperança. E aí... A esperança foi arrancada bruscamente dela. E agora ela olha para essa cidade vazia, para essas pessoas vazias, e não consegue parar de sentir pena de si mesma e de todos que aqui habitam, de todo esse povo que rotula. E ela está tão confusa. Ela é apaixonada pelo seu melhor amigo. Ela tem uma vida horrível. E todo mundo julga ela. E ela tem vontade de gritar que nunca transou com o diretor, ela tem vontade de deixar claro que nunca foi presa, ela tem vontade de berrar que não é o que as pessoas dizem. Mas ninguém acreditaria nela. E ela está olhando para o céu agora, e ele é tão tão tão lindo. E a luz me lembra seus olhos. E eu amo seus olhos e eu amo você.

Minha garganta está fechada. Mesmo se eu quisesse dizer algo, não conseguiria. De alguma maneira me sinto culpado, culpado por tê-la feito se apaixonar por mim. Não queria isso. Não queria mesmo. Não consigo imaginar alguém me amando, sou tão defeituoso, tão problemático que isso parece impossível.

Henry? – Pergunta depois de um longo tempo em silêncio.

– Oi.

Não precisa dizer que me ama também. Eu estou bem. Relaxe. – Ela suspira e então volta a falar. – Eu sou um pássaro.

– Ahn?

Eu sou um pássaro. Quero dizer, ainda vou ser. Quando eu renascer depois de morrer, todo esse lance de vida após a morte. Quero ser uma ave. Uma ave branca, linda. E quero voar, porque os pássaros gostam de voar para todos os lados quando as coisas ficam difíceis. E eu gosto disso. E gosto deles. Serei um pássaro, o mais lindo de todos.

– Aria, o que está acontecendo?

Descobri que, ás vezes, os momentos marcam nosso corpo. Eles estão ali, grudados em nossa pele como se fossem tatuagens, alojados fixamente, sementes de surpresa, triste ou medo. E percebi que se você virar para o lado ou cair, um deles podem se soltar. As vezes, quando um momento se solta, todos começam a se soltar também. Sinto que estou me afogano em momentos. Tudo está claro demais. Você sabia que, antes de morrer, Cesare Pavese disse que nós nãos nos lembramos dos dias, mas sim dos momentos? Eu me lembro dos momentos, Henry. Lembro-me de correr pela praia com Sophia e ela dizer que eu tenho porte de modelo. Lembro-me de você elogiando meus olhos. Lembro-me do dia que saímos para o cinema e tiramos diversas fotos, uma mais legal que a outra. Lembro-me do meu primeiro beijo na sétima serie Lembro da minha primeira vez, lembro que perdi minha virgindade com apenas dez anos, pois o chefe do meu pai me estuprou. Lembro quando os boatos sobre mim surgiram do nada, sem motivo algum, e eu comecei a dar corda para eles. Comecei a realmente virar uma vadia, e aí conheci você e tudo mudou. Lembro de ganhar rosas vermelhas de Ethan no meu aniversário, e ele dizer que queria ser meu amigo também. Lembro do dia em que minha mãe chegou em casa com um cachorro, a corrente rosa parecendo um caracol. Lembro que ela sorria para mim enquanto desatava o nó e colocava em meu braço. Nunca havia ganhado um presente tão bom. Lembro que sentia inveja das outras crianças por ter um cachorro, e agora eu tinha um balãozinho só meu, somente meu. Fiquei tão animada! Tão feliz. Ela nunca tinha comprado nada para mim antes! Fiquei andando com ele durante horas, levava para todo canto. Eu o chamava de Flock. E ele era muito lindinho. Lembro que o levei para todos os cômodos da casa. Para o banheiro. Para o meu quarto. Para a sala. Então levei para o quarto da mamãe, e ela brigou comigo. Ela gritou comigo. Lembro que eu tinha cinco anos, e cobri os ouvidos porque sua voz era estridente demais. Lembro que a mamãe estava colocando roupas dentro de uma mala, e não parava de gritar, não parava de dizer “merda, merda, merda! Eu vou embora! Merda! Merda! Merda!” e eu só conseguia chorar. Lembro que Flock estava imóvel. Lembro que mamãe pegou a mala e puxou meu braço com força. Lembro que ela olhou no fundo dos meus olhos, e eu senti um medo tão grande quando ela sorriu e disse: “Eu sinto muito”. Lembro que ela puxou a correntinha e levou Flock para longe de mim. Lembro que ela foi embora dentro de um caminhão e o Flock não parava de latir e eu não parava de gritar. Lembro que meu pai chegou tarde em casa e me bateu, pois ele disse que mamãe foi embora por minha casa. Lembro que desejei nunca mais ter um cachorro. Lembro também da primeira vez que bebi, e de como gostei. Lembro do primeiro dia de aula e de como achei a matéria fácil. Lembro-me de quando li Virginia Woolf pela primeira vez. Lembro-me do que ela disse: “Eu me lembro que um dia acordei de manhã e havia uma sensação de possibilidade. Sabe esse sentimento? E eu me lembro de ter pensado: este é o início da felicidade. É aqui que ela começa. E, é claro, haverá muito mais. Nunca me ocorreu que não era o começo. Era a felicidade. Era o momento. Aquele exato momento.” Lembro de tanta coisa, Henry, e é uma pena essas lembranças irem embora comigo. Uma pena mesmo. Todos aqueles dias, todos aqueles momentos, foram perfeitos. Apesar das lembranças ruins, os momentos que passei com você, com as pessoas que amo, valeram a pena. – Há uma pausa, uma pausa longa antes de ela desligar: – Eu sinto muito.

...

Acordo no dia seguinte com minha mãe sacudindo-me. Seus olhos estão esbugalhados e vermelhos. Fico sem entender quando ela me diz que preciso ir para a escola, afinal, hoje é domingo. Ela não diz coisa com coisa, algo sobre policia e reconhecimento de corpo.

Quando chego a escola encontro o delegado Steve com o corpo de bombeiros e uma ambulância. Sou questionado por Steve, perguntando-me se eu conhecia Aria, se éramos amigos próximos. Quando pergunto o que há de errado, ele diz que eu fui a ultima pessoa ao qual ela telefonou. Ainda não entendo o que aconteceu, estou zonzo e o sol queima minhas costas. Os meus olhos ardem.

Então ele diz que Aria está morta. E eu rio nervosamente, porque sei que ela não está. Sei que ela é um pássaro, e ela deve estar apenas voando ou então o abismo a engoliu. Mesmo quando trazem o seu corpo eu penso: Não é ela. Nunca será. Essa garota com o corpo coberto de sangue e torcido em todas as direções não é a Aria Gomez. Não é ninguém que eu conheço.

Digo isso para o policial, mas ele continua dizendo que é Aria e pergunta se eu posso reconhecer o corpo. Eu nego, e digo:

– Não posso, cara. Não posso reconhecer alguém que eu não conheço. Não é ela, vocês não conseguem ver? Aria Gomez não é o tipo de pessoa que morre, ela deve estar andando por aí, voando livremente.

Um enfermeiro me oferece um copo de água com açúcar e eu balanço a cabeça de um lado para o outro. Não é Aria, não pode ser Aria.

– Eu sinto muito, Sr. Adams. – Steve diz quando minha garganta enfim se fecha e as lagrimas escorrem pelos olhos. Ele começa a explicar o que aconteceu, começa a dizer que ela pulou do terraço. Começa a falar barbaridades que não acredito.

Enquanto ele fala, sussurro:

Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito.

...

Me olho no espelho e estudo calmamente o meu rosto. Estou todo de preto. Calça social preta, sapato preto e uma camisa preta. Aria costumava dizer que eu fico bem de preto, mas não acredito mais no que ela costumava dizer. Meu rosto parece ser meu rosto, mas diferente. Me pergunto se algum dia ele voltará a ser o que era.

Minha mãe quer ir ao enterro comigo, mas não deixo que vá. Estão todos em cima de mim. Literalmente todos. Mal posso desviar os olhos e tem alguém me olhando, alguém sussurrando “Olhe, é Henry Adams, a última pessoa com quem Aria falou.” Isso está me sufocando de uma maneira terrível, estou a um passo de gritar e me revoltar com todos.

A família dela está na frente. Está chovendo muito. Seu pai está com uma cara amarrada e a tia parece estar nas alturas, como se não soubesse o que estivesse acontecendo. Meus pulmões enchem-se de ar e raiva. Quero socar o rosto daquele homem por tudo de ruim que ele já fez contra Aria e brigar com aquela pequena mulher por ser tão insensível. Mas, a realidade é que ninguém se importa e eu não consigo compreender porque eles estão chorando.

Estamos no maior cemitério da cidade. Estamos todos no topo de um morro ao lado do cachão, embora eu acredite que Aria gostaria de ter sido cremada. O padre diz versos da bíblia e todos choram, até Suse Miller, que publicou o ultimo poste sobre Aria no blog. Metade da escola está aqui, e isso me irrita pra caralho, porque antes ninguém se importavam com ela, chamavam-na de esquisita e vadia, e agora estão todos chorando. Quero arrancar os olhos de cada um, quero chutar-lhes no estomago. O mesmo vale para a família dela. Se Aria estivesse aqui, ela provavelmente estaria revirando os olhos.

Estou tão tão tão furioso.

Depois que a pregação termina, todos vão até a família apertar as mãos e oferecer condolências. O pai faz isso como se merecesse. Ninguém diz nada para mim.

Nunca vou saber realmente o que aconteceu. Será que ela pulou porque não tinha escolha? Ou talvez não estivesse tentando se matar, talvez ela foi engolida pelo abismo, ou finalmente se tornou um pássaro. Eu não sei, não sei o que pensar.

– Bando de falsos! – Sophia resmunga ao meu lado e Ethan a olha de maneira reprovadora.

– Sophia!

– Sério. De algum lugar a Aria deve estar vendo tudo isso e quase vomitando de tanto enjoo, ou estará com um sorriso cínico dizendo “O que vocês esperavam?” Eu realmente quero que, onde quer que ela esteja, mande eles praquele lugar.

– Vocês acham mesmo que ela está em algum lugar? – Pergunto e Ethan me olha intrigado.

– Algum lugar? Não sei. Mas tipo, onde quer que ela esteja, acho que não pode nos ver... Eu só espero que seja um lugar melhor do que esse. O tipo de lugar que ela mesmo criaria para viver. Eu gostaria de viver em mundo criado por Aria Gomez.

Na escola, todos os alunos parecem estar de luto. Todos usam preto e ouve-se fungados em todos os cantos. Alguém fez um santuário para Aria no inicio do corredor principal. É uma das fotos mais bonitas de Aria.

Todos colocam frases bonitinhas, começando com “Querida Aria”, sinto vontade de rasgar todas. São todos tão mentirosos e falsos que está sendo insuportável ficar aqui. Alguém escreveu que Aria foi uma covarde, e isso me fez perder a cabeça. Alguém disse que ela escolheu a saída mais fácil e egoísta.

Não acho que ela escolheu a saída mais fácil. Aria era a garota mais corajosa que eu já conheci. Precisou de muita coragem para fazer o que ela fez. Acabar com tudo, sem saber o que iria vir depois? Sem saber se vinha alguma coisa em seguida? É bem mais fácil continuar vivendo sem proposito algum do que ligar o “foda-se” e partir em rumo ao desconhecido. Eu a aplaudo pelo que ela fez, porque eu morro de medo de fazer o mesmo. Morro de medo de ligar o foda-se.

A noite, quando deito-me na cama e olho para a sua foto no porta retrato, não consigo parar de pensar se ela está feliz. Não consigo parar de pensar se ela encontrou o lugar ideal para ficar. Se ela virou um pássaro ou se foi engolida pelo abismo. Quando ela pulou do terraço, o que será que estava pensando? Será que chorou? Será que hesitou? Será que pensou na própria vida? Dói lembrar dela. E, toda vez que alguém diz “Eu sinto muito” perto de mim sinto vontade de evaporar. De sumir.

Olho para cima, para o céu azul e um sorriso mínimo surge em meu rosto quando vejo uma pomba branca atravessando o céu.

– Você é um pássaro, Aria.

Há um pássaro azul no meu coração

que quer sair

mas eu sou demasiado duro para ele,

e digo, fica aí dentro,

não vou deixar

ninguém ver-te.

há um pássaro azul no meu coração

que quer sair

mas eu despejo whisky para cima dele

e inalo fumo de cigarros

e as putas e os empregados de bar

e os funcionários da mercearia

nunca saberão

que ele se encontra

lá dentro.

há um pássaro azul no meu coração

que quer sair

mas eu sou demasiado duro para ele,

e digo, fica escondido,

queres arruinar-me?

queres foder-me o

meu trabalho?

queres arruinar

as minhas vendas de livros

na Europa?

há um pássaro azul no meu coração

que quer sair

mas eu sou demasiado esperto,

só o deixo sair à noite

por vezes

quando todos estão a dormir.

digo-lhe, eu sei que estás aí,

por isso

não estejas triste.

depois,

coloco-o de volta,

mas ele canta um pouco lá dentro,

não o deixei morrer de todo

e dormimos juntos

assim

com o nosso

pacto secreto

e é bom o suficiente

para fazer um homem chorar,

mas eu não choro,

e tu?


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Notas finais do capítulo

~Desabafo de uma bêbada ~
É engraçado o fato de que, de alguma maneira, meus pensamentos ficam mais “ampliados” quando há álcool em seu sangue. É muito engraçado mesmo. Sabe por que? Porque não consigo parar de pensar em como eu sou uma farsa. Em como eu sou uma pessoa vazia.
Antes, eu acreditava que as cosias poderiam melhorar. Eu acreditava que precisava apenas ter fé. Que precisava apenas aguardar. Lembro que, quando eu tinha apenas dez anos de idade, eu fechava os olhos em momentos difíceis e dizia “Só faltam apenas oito anos. Só mais oito anos para você ser livre. Calma”. Hoje, fecho os olhos e sussurro “Falta apenas um ano e meio. Só mais um ano e meio para você ser livre. Calma”. E isso me assusta. Isso me assusta pra caralho. Tenho tanto medo de eu não conseguir ser livre. Tenho tanto medo dela não me deixar ser livre. Tenho tanto medo do que ela pode fazer. Tenho tanto medo de ela fugir e me encontrar. Tanto tanto tanto tanto medo.
E é por isso que sou uma farsa. Pois sou covarde. Pois não sou o que as pessoas esperam que eu seja. Não sou o suficiente, nunca serei suficiente. E às vezes eu me deito debaixo das cobertas e fico morrendo de medo do que vem depois, morrendo de medo do que tenho de encarar quando o sol raiar e mais um dia começar. E eu choro. Eu choro por horas, incontáveis horas. E eu preciso chorar de maneira comportada, porque se ela ouvir, se alguém ouvir, serei punida. Eu sempre sou punida.
Anjinhos, as coisas estão meio difíceis. Comecei a escrever In My Veins mas juro que não faço a mínima ideia de como conseguirei seguir adiante. Se as coisas estão um inferno agora, imaginem no próximo ano. Não tenho nenhum apoio na minha vida REAL, nenhum mesmo. Minha mãe, a mulher que chamo de mãe, diz que escrever é besteira, diz que eu nunca vou ser alguém na vida por meio da literatura. A mulher que eu chamo de mãe já quebrou meu teclado para que eu não escrevesse. Eu juro que, se soubesse que ela quebraria o teclado sobre minhas mãos porque o som das teclas a estava incomodando, eu nunca teria chegado perto do computar. Eu juro. Eu juro mesmo.
E há isso também, anjinhos, o fato de eu não me enxergar. O fato de eu não saber quem eu sou. Não sei se sou Ana. Não sei se sou Karol. Não sei se sou Karolyne. Não sei se sou Lyne. Não sei se sou Káh. Simplesmente não sei quem eu sou. Sou a Ana, que todos os familiares acham inteligente? A Anna que vai se formar em engenharia e morar na capital? A Anna que vai ser rica e vai se casar com um belo moço rico? Ou eu sou a Karol? A Karol que sonha, a Karol que escreve, a Karol divertida, meiga, a Karol que se liberta? A Karol que acredita no amanhã? Será que sou a Karolyne, aquela que ninguém gosta? Aquela que está sempre de mau humor? Aquela que está sempre decepcionando a si mesma? Será que sou a Lyne? Que não é nenhum pouco tímida, que é vulgar e provocadora? Ou, sou a Káh, não é ninguém? Que é apenas um esboço vazio esperando ser preenchido?

Não sei quem eu sou. E isso me mata. Isso me sufoca. Todos os dias coloco uma mascara diferente no rosto e nunca sei o que fazer, nunca sei como me comportar. As vezes, finjo ser personagens que já criei. Finjo ser louca como Angel Grace. Finjo ser a Hope. Finjo ser destemida como Laura Paskin. Finjo ser como minha personagem favorita literária, Lena Haloway. Nunca sei quem ser. Isso está me matando. E isso está me sufocando. E eu estou caindo. E eu já não sei mais o que estou escrevendo. E minha cabeça dói. E eu não consigo mais beber, embora queira beber. E está doendo tanto tanto tanto tanto. Dói de uma maneira avassaladora. E vocês são anjos. São meus anjinhos. E eu amo tanto vocês, tanto tanto tanto. Sou eternamente grata a vocês, pois sem vocês eu não continuaria a escrever. Não quando minha mãe faz de tudo para que eu não escreva. Não quando meu pai nunca dá atenção ao que eu digo sobre levar Skinny Love para uma editora. Não quando minhas amigas deixam claro que eu não estou boa o suficiente, que eu preciso me esforçar mais, que ainda tenho muito caminho pela frente para me tornar como J.K Rowling. E eu sinto que não quero me tornar como J.K Rowling. Sinto que não quero ser como Veronica Roth. Sinto que não quero ser como Suzane Collins ou Kiera Kass. Sinto que eu quero ser eu mesma. Mas eu não sei ser eu mesma. Eu não me enxergo. Estou tão tão tão perdida. E preciso me encontrar. E preciso de ajuda. E eu estou desistindo de mim mesma. Porque dói, porque é muito complexo respirar, é muito complexo viver. E é tão mais fácil morrer. E meus pensamentos são tão confusos, pois uma parte de mim quer loucamente morrer, mas a outra grita para viver, a outra se agarra ás paredes, a outra se agarra á tudo o que vem pela frente para continuar seguindo em frente. Eu digo a mim mesma que o que minha mãe fala sobre mim é mentira. Que eu não sou um fracasso. Que eu sou capaz. Digo a mim mesma para perdoá-la, pois ela é doente, pois ela foi diagnosticada com bipolaridade e transtorno de personalidade. Digo a mim mesma ter paciência, pois ela vai aceitar quem ela é e vai tomar os medicamentos. Digo a mim mesma para ter calma, pois ela é minha mãe e uma hora ela vai acordar. Digo a mim mesma “Falta apenas um ano e meio para você ser livre”, e meu Deus, eu não vejo a hora de ser livre. Porque há esse momento, esse momento em que percebo que posso ser real, esse momento que percebo que posso ser livre. E, nesse momento, eu me sinto viva. E, nesse momento, há esperança. E, nesse momento, eu sou eu mesma. E, nesse momento, eu posso finalmente me enxergar.



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