Cartas para Hope escrita por Skye Miller


Capítulo 29
EXTRA: A carta que você nunca lerá.




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We live in a rotten world, Hope, a world covered with shit and urine, a gray world without meaning. - Henry Adams.

"Querida Hope,

Se você estiver lendo isso, sinto muito. Porque, se estiver, sei que o que fiz acabou dando certo. Eu sinto muito.

Eu sei que tenho muitos motivos para pedir desculpas, mas de alguma maneira me sinto incomodado quando deixo alguém triste e eu infelizmente sei que você ficara triste quando acontecer, eu sei que você irá chorar e ficar de luto por pelo menos um mês . Não porque você é dramática, mas porque você ficará se culpando e procurando diversos motivos para tentar explicar o que aconteceu.

Eu acho que ninguém nunca lerá essa carta, porque irei colocá-la na gaveta do armário do porão e ninguém nunca mexe nele, ninguém mesmo. A carta vai ficar esquecida, e quando vocês finalmente superarem o que aconteceu e vender a casa ela continuará aqui, no mesmo lugar. Os cupins irão comer a madeira do armário, então o novo dono jogará no lixo e ele nem se dará um trabalho de olhar se tem algo valioso dentro das gavetas. Então a carta virara lixo e depois será reciclada, ninguém jamais vai imaginar que um bilhete suicida estava nessa abominável gaveta, nesse abominável armário, nesse abominável porão e que foi escrita por um abominável garoto.

Mais uma vez sinto muito, Hope.

Eu sei que sou um covarde por estar abrindo mão de tudo assim facilmente. Sei que meu pai irá dizer que vou para o inferno, pois é isso o que ele pensa sobre o suicídio. Sei que a minha amorosa mãe ficará depressiva e sei que você não vai lidar muito bem com isso no começo. Você vai chorar, porque você é a garota mais sentimental e chorona que eu já conheci.

Eu sei que eu deveria continuar seguindo em frente, me agarrando a oportunidades ou qualquer coisa que surgisse na minha frente para me fazer se sentir mais vivo, sei que deveria pensar no futuro, porém eu não consigo, Hope, eu realmente não consigo.

Você tem ideia das coisas que sou obrigado a suportar e ver? Tem ideia das barbaridades que sou obrigado a ouvir? Vivemos em um mundo podre, Hope, um mundo coberto de merda e urina, um mundo cinza e sem significados. Um mundo com pouco amor verdadeiro, um mundo sem compaixão, um mundo sem vida. Um mundo maldito, que parece mais um reality show de putas descaradas, daqueles que todo mundo assiste mas ninguém gosta.

Poucos são os que tornam o mundo minimamente belo, poucos são os que têm um pouquinho de cor para espalhar pelo cinza. Você faz parte dos poucos, querida Hope, você tem uma parcela de cor e brilho e consegue tornar o mundo mais suportável, você tem essa capacidade e eu rezo todos os dias para você não perdê-la.

Todos os dias eu tenho que ir para a escola com o pensamento de "Hoje o dia vai ser melhor", mas nunca é melhor, nunca. Desde meus treze anos sofro dessa crise existencial e estou preso nesse pasto cheio de bois a caminho do matadouro (N/A: Oi G, isso me lembra você. ) Eu chego na escola, viro dois corredores e já me deparo com os sorrisos falsos e debochados daqueles que chamo de colegas, eles são tão sem vida quanto eu, são abutres que se alimentam da felicidade dos outros, como dementadores que roubam a essência das pessoas. Ao sair da escola, me deparo com o homem que me gerou e que de alguma maneira decidiu que fazer da minha vida um inferno poderia ser algo bom, eu sou obrigado a ouvir e falar sobre leis civis e levar um tapa na orelha toda vez que me vejo perdido em pensamentos, toda vez que erro uma resposta, toda vez que finjo não ouvir o que ele diz. Seus tapas já não doem mais, porém os hematomas que ficam algumas horas depois me fazem acreditar que o que ele diz está certo, que eu sou danificado, que eu sou um erro, um estorvo, que eu estou apenas ocupando espaço.

Então, há você, querida Hope. Com suas sapatilhas coloridas, cabelos soltos e sorrisos discretos. Eu sou tão apaixonado pelo seu sorriso, Hope, pela fenda que existe entre seus dentes superiores, pelo sinal imperceptível no seu lábio, pela sua covinha no queixo, pelas suas sardas, pelo seu sotaque caipira de quem veio do interior da Califórnia, pelo seu andar gracioso, pela sua voz. Eu sou perdidamente, loucamente apaixonado por você, Hope. E essa é a minha maior ruína.

Eu tenho que ver você se entregando livremente e sem pestanejar ao Tyler. Tenho que ouvir todo mundo comentando sobre seu namoro. Tenho que sentir os olhares de pena que Lilia, minha mãe e Ethan dirigem para mim.

Mas, pior do que isso, é todos os dias te ver dormir abraçada com um dos desenhos que fiz anonimamente pra você e saber que se por algum acaso você soubesse que eu havia feito aquilo, seria odiado mais do que já sou. O pior é saber que você ama o Sr. Confuso, mas não me ama.

Sinto muito.

Acabo de lembrar que você vai ficar sem entender porque parou de receber os desenhos e isso é terrível. Sinto muitíssimo, mas é o melhor para mim e para você. A verdade é um lembrete claro e doloroso do motivo de eu preferir viver entre mentiras. As vezes, é preciso manter a verdade oculta, é mais seguro para muita gente.

Enquanto escrevo essa carta escuto 99 Problems e Sail sem parar, a todo momento, repentinas vezes. Não há ninguém em casa, e eu preciso da música para ficar longe dos meus pensamentos, eles podem acabar me matando.

Eles me matam, pouco a pouco, lembranças de coisas ruins me afligem e eu desconto em meu próprio corpo. Eu gosto de me cortar porque ver o sangue escorregando sobre minha pele me faz pensar que estou sendo curado, que não estou mais danificado, que não sou mais o problemático nessa família de riquinhos perfeitos. Quando me corto e o sangue se esvai eu me sento na minha cama e fecho os olhos imaginado como seria se eu pudesse ser eu mesmo. A única pessoa que tem a capacidade de me encontrar sendo eu mesmo é Sophia e talvez seja por isso que eu a considero tanto. Ela também vai sentir a minha falta, eu sei que vai.

Por favor, não me julgue, não comece a pensar que eu me odeio, ou odeio o mundo e as pessoas. Na verdade eu as amo, amo tanto que chega a doer. Amo tanto que meu peito se infla e acaba quase saindo do peito. Mas ninguém enxerga esse amor. Aprendi a esconder meus sentimentos tão bem que agora não consigo decifrar o que realmente sinto, se é ódio ou amor, se é felicidade ou tristeza, se é paz ou tortura. Tem se tornado insuportável isso Hope, insuportável de tal maneira que não consigo parar de pensar no fato de que a morte acabará com toda essa aflição.

Suicídio.

Fiquei dias pensando nisso. A todo segundo, como se fosse minha única alternativa para algo importante. É algo difícil de se dizer livremente para alguém em voz alta, é assustador quando você percebe que quer isso, quando você percebe que pode estar falando sério. É muito fácil morrer, sério. Você pode pular de uma ponte. Você pode levar um tiro na cabeça. Você pode beber um frasco de remédio inteiro. Você pode se enforcar. Você pode se envenenar. É tão prático, Hope. Tão prático.

Viver é mais complexo. Para viver, tem uma coisa que precisamos fazer.

Respirar. Inspirar e Expirar. Todo santo dia, a toda hora, a todo momento devemos respirar. Mesmo quando desejamos nos asfixiar, mesmo quando tentamos corromper nossas esperanças e nossos sonhos, ainda assim respiramos. Mesmo quando deixamos o que resta de nossa dignidade ir para o espaço, respiramos. Nós respiramos quando estamos errados. Nós respiramos quando estamos certo. Nós respiramos até mesmo antes de morrer. É complexo demais respirar. E estou cansado de respirar.

Você não imagina o que eu estava passando dentro de casa. Nem na escola e muito menos na minha vida, então não me julgue, nunca e nem em hipótese alguma. Você não sabe o que se passa na vida de ninguém e nem mesmo na sua, e às vezes pequenos atos estragam todo o sonho de vida de alguém, o que é ruim pra caralho porque não dá pra ser seletivo, não dá pra escolher o que você quer estragar na vida de alguém. Quando você estraga uma parte, uma partizinha insignificante sequer, todo o resto é afetado, todo o resto sofre com isso. E aí, se transforma em uma bola, que vai aumentando com o passar dos dias, das horas, dos segundos até o momento em que vira uma grande bola, tão grande que é impossível de se fazer algo para diminuir o tamanho.

As vezes que eu jogava o pensamento de me matar no abismo, mas às vezes eu me deitava debaixo das coberturas tentando me esconder dos olhares reprovadores do meu pai e me pegava pensando mil e uma maneira de morrer. E de repente, eu não sentia mais nada. Não conseguia chorar e mais uma vez, não conseguia dormir.

Eu virei um rapaz noturno. Dormia pela manhã e passava a noite acordado. Pensando, pensando e pensando. As vezes, ficava pensando no significado do seu nome. Esperança. É algo tão bom ter esperança, é como um campo cheio de flores, é como uma gota de mel escorregando pela garganta, é como uma chuva fresca, um céu cheio de estrelas, é a única coisa que mantém o mundo em pé. Esperança é a única coisa que nos mantém aqui. E eu sempre pensei muito em você, Hope, pensei tanto que por um segundo acreditei que você poderia ser minha salvação, poderia ser minha válvula de escape, para continuar lutando. Mas, agora pergunto: Lutar pelo que? Lutar para que? Para continuar entre os abutres? Preso no pasto com bois no matadouro? Para continuar apanhando do pai e estando apaixonado pela irmã adotiva que nunca me verá como um companheiro? Para continuar no mundo podre e cinza, maldito show de putinhas? Não, obrigado, eu prefiro me afundar no abismo, eu prefiro ir para outro lugar.

Meu nome é Henry Adams e este é meu último dia de vida. E é uma sensação estranha acordar estando plenamente consciente disso. Lutei contra o alarme a minha vida toda, apertando o botão da soneca, repetidamente com pena de mim mesmo, sem querer enfrentar o mundo. Até que a vergonha finalmente ficava grande o suficiente e me fazia levantar, foram raros os momentos em que eu acordava com facilidade. É estranho acordar com facilidade hoje, justo no meu último dia de vida.

Eu sinto muito. Espero que ninguém mais na família Adams seja tão perturbado e problemático como eu. Espero que ninguém mais seja danificado como eu. E, eu quero ser esquecido, umas das coisas boas em morrer jovem é que você permanece belo na mente das pessoas e logo é esquecido. Odiaria ser lembrado pelo que fui e pelo que não fui. Ser esquecido vai ser a melhor coisa que acontecerá com minha pobre alma.

Eu amo você, querida Hope, amo muito. Então, não me culpe e nem se culpe, ou culpe nossos pais ou as pessoas ao redor. Eu escolhi isso no momento que percebi que eu estava perdendo minha essência, quando vi que eu estava me tornando uma cópia do John, quando me olhei no espelho e perguntei mentalmente: "Quem é você?" eu me tornei algo que eu costumava odiar, espero que em outro lugar, bem longe daqui, eu volte a ser o que eu era e possa finalmente ser livre para fazer minhas próprias escolhas, ser eu mesmo.

Com amor,

Henry Turner Adams."


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