A sombra das borboletas escrita por Lay


Capítulo 2
Sombras


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi um tipo de introdução. Vem mais ação por aí. Enjoy!



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Orléans, França

O sol ardia do lado de fora da janela, bem em cima de suas sobrancelhas finas. O céu estava cheio de nuvens brancas com vários formatos e tamanhos assustadores. Seu semblante não mudara desde muito tempo atrás e os problemas agora não paravam de crescer. E se multiplicar. Um primeiro deles veio assim que acordou e lembrou-se da noite. Sempre fora o primeiro pensamento do dia e por diversas vezes perdurava até o pesar dos olhos quando a insônia dava uma trégua. O resto dos problemas estava nas respostas das perguntas. Por isso estava sentada de frente a uma psiquiatra. Não queria e nem devia estar ali. Não era louca, mas fora julgada como. Sua vontade de sair dali era tão grande quanto a sua sensatez.

A psiquiatra anotou mais alguma inutilidade no caderno rapidamente. Lacy mal podia pensar, que Sophie Lockenberg já a fitava com a precaução insaciável. A fazia se sentir desconfortável e mais insegura quanto ao que dizia. Já fazia alguns meses que era a sua nova testemunha a mando dos pais. Eles tentavam amenizar a situação reconfortando a filha com frases de efeito ou considerando a Srta. Lockenberg como uma simples “psicóloga”. Depois a louca era ela. A mulher tinha a feição de uma lutadora de UFC com câncer. Forte e fria. O cabelo era curto feito sua paciência. É aquele tipo de meia-idade que não suporta mais a vida e decide fazer o que não gosta para botar a culpa no mundo. Ela usava um óculos que ficava escorregando no nariz franzino. Olhava por cima esperando a iniciativa de Lacy que demorava. E que por ela demoraria até o fim dos tempos.

— Eu não estou interessada na pergunta, pode pulá-la? – disse Lacy, por fim.

Ela a estudou e então fez sinal negativo com a cabeça, fechando os olhos. Arrumou o corpo na poltrona de veludo e cruzou as pernas.

— Não se trata de uma escolha, mademoiselle. – falava com um sotaque francês.

Sophie viera de Orléans a pedido de um promotor público quando entrou no caso. Ela não era tão detestável. Lacy gostava do fato dela ter um sotaque meio disfarçado. A fazia parecer madura e cética ao mesmo tempo. Como um adolescente ateu. Em sua faixada se via a descrença, mas o lado da moeda virava e lá estava a mulher que poderia viver mil e uma vida em apenas um sonho. Era a definição dela segundo Lacy. Apesar de ser durona mantinha um respeito expansivo que chaga a ser aterrador. Todos a enxergam como a dona das perguntas certas. Bem... que só os loucos respondiam.

— A escolha já passou e você deu o passo torto – completou ela.

— Eu não consigo mais, sinceramente – disse Lacy – estou esgotada. Minha sanidade está um farrapo. Não me leve tão a sério.

— Eu preso o seu melhor, Lacy. Assim como o seus pais, estou fazendo um esforço para a gente progredir, mas você desvia o assunto do foco quando pergunto sobre ele. Sei que significa muito para você. A morte realmente é um fardo e... – descontou Sophie.

— Ele não está morto. – disse Lacy, subitamente – E não ouse compará-lo à fardo nenhum, Srta. Lockenberg. Um peso só é colocado numa balança quando se quer saber para que lado pende. E Dan não está em jogo. Ele não é uma disputa. Isso nunca vai entrar na sua cabeça?

Sophie pareceu intrigada. Olhou-a com força como esperando o dia em que Lacy deixaria limpá-la da sujeira que a engolia.

— Acha, mesmo, que essa sua teoria tem alguma base lógica, querida? – perguntou com uma voz doce, paciente agora.

— Eu o sinto aqui dentro. Você não sabe como é. – disse Lacy. – Essas sombras que eu vejo são apenas medos do dia em que eu descobri isso. Falo por mim e não espero que compreenda.

— São sinais Lacy... você precisa de ajuda! – disse a psiquiatra.

— Bom... acho que estou mais sóbria que você. – respondeu sorrindo.

***

A porta do Impala abriu. Um homem com uma barba por fazer sorriu. Os olhos arquearam e depois brilharam à luz do sol poente. Ele piscou e estendeu a mão esquerda para dentro enquanto segurava a porta com a outra. Lacy ganhava mais vontade de seguir em frente cada vez que via ele. Os pais às vezes não sabem o que estão fazendo quando abraçam as pessoas. Ela poderia dormir naqueles ombros quentes. Em meio ao caos de toda a loucura podia contar com eles. Deveria ser esse o remédio para o câncer. Deus poderia ter facilitado, mas não é assim.

— Vamos tirar você desse frio?! – perguntou ele.

Os dois caminharam até a casa grande que se estendia na sua frente. O vento uivava quando batia na cerca branca.

Ela não sabia dizer de qual frieza sentia mais medo.

***

Subi as escadas para meu quarto no segundo andar. Minha casa é um tanto grande, mas com todos os lugares ocupados. É no estilo colonial de “casa-família” onde todo mundo mora junto mesmo. No lado esquerdo da sala principal fica a escada gigante que leva para os dois andares de cima. As paredes eram todas pintadas de amarelo, mas alguns quartos tinham cores próprias o que fazia ficar meio desigual e nada convidativo. Os meus tios não ligavam muito para isso, só mantêm os quartos limpos e obrigam todo mundo a ser organizado. É meio que tradição de família de alguns tataravôs talvez. Meu quarto fica à esquerda do último andar, no 2C, com uma sacada para frente da casa que é bem antiga por sinal. Mamãe tinha saído, e todo o resto do pessoal estava fora também, na escola ou no trabalho. Só meu tio Frank que é um desocupado. Ele vive no quarto ao lado do meu, 2B, literalmente. Algumas vezes sai para resolver sabe-se lá o que e volta tarde. Todos os meus primos que vivem lá tem mais ou menos 17 anos e são sempre mais velhos que eu.

Entrei no quarto com o mesmo cansaço nos olhos. Sentei na beira da cama e desabei. Não sabia para onde iria depois de mais sessões com a Srta. Sophie. Queria que ela nunca tivesse existido. Não iria para outro colégio, e talvez deixasse a oficina de teatro. O trabalho só cansava mais ainda. Um barulho de sapato vinha do corredor, minha mãe abriu a porta.

Ouve um silêncio quando a maçaneta girou. Ela entrou e ficou com o corpo colado à porta.

— Lacy, seu pai disse para vir falar com você... Houve alguma coisa, querida? – perguntou com aquele doce na voz.

Eu afirmei com a cabeça, fazendo expressão de decepção.

— Não quero mais levar essa vida, mãe. Consultas com uma psiquiatra... Sério? – disse de uma vez.

— É para o seu bem! Vamos ter essa conversa de novo? – disse ela.

Ela ainda estava escorada na porta. Parecia querer que eu tivesse esperança em mim, mas nem os outros tinham. Isso não ia parar. Não se já tivesse começado. É um ciclo, inteiramente infinito. Quando você vê, eles te vêm também.

Começou no dia em que ela vira o corpo de Dan no necrotério para um reconhecimento como testemunha e suspeita. Não era ele. Nunca foi ele. E todos agiam como se nada, absolutamente nada, estivesse errado nisso. As pessoas olhavam para ele no caixão e choravam. Pareciam um bando de mentirosas. Elas tinham que ver. Mas Lacy não podia falar nem contestar. Ninguém acreditaria no motivo da morte dele. Desde então via essas sombras. Elas chegavam de manhã, por sorte à tarde, e ficavam incitando Lacy a sabe-se lá o que.

— Sinceramente? Não terminamos. – respondeu.

— Olha... – disse ela com o rosto nas mãos. – seu pai, ele está pensando em leva-la a um internato em Granywish. Eu pensei em vir falar com você sobre isso hoje à noite depois do jantar. Está ocupada agora?

***

Pesquisei em minha memória fotográfica por “Granywish” mas não lembrei de nenhum nome assim, nem parecido.

— Não... não estou. – disse olhando para o chão – Esse lugar é francês?

Ela negou com a cabeça e ficou com a cara pálida, como se esse fosse um assunto delicado. Ela quer que eu vá para um internato? Longe de tudo?

— Oh... não querida. Mas esse lugar é... Incrível. – disse escolhendo a última palavra – Você vai querer conhecer.

Eu a olhei com desdém. Cerrei as sobrancelhas e comecei a negar com a cabeça.

— Pense bem... Vai ser temporário! – ela encorajou.

— Mãe... eu mal sei onde isso fica.

Ela entrou e sentou ao meu lado. Estava usando uma maquiagem clara e um vestido rosa bebê com linhas brancas diagonais. Pegou minha mão e alisou-a com o polegar.

— Esse lugar fica fora do mapa – disse ela.

Senti uma frieza em sua voz.

— Como assim? – perguntei.

— É um internato no meio do nada. Mas é muito especial. Foi lá onde conheci seu pai.

— Porque você estudou em um internato? – perguntei – Digo... É para pessoas problemáticas, não é?

— Nem tanto assim. São para pessoas que não... se encaixaram em um perfil acadêmico, digamos. – disse ela.

Pensei naquilo durante algum tempo, não fazia muito sentido meus pais estarem em um internato. Talvez eu fosse uma pessoa assim. Um pessoa que não se encaixa em um colegial e vê sombras. É isso aí.

Poderia ser bom, o que de tão ruim podia acontecer num lugar desses?

***


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Notas finais do capítulo

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