A sombra das borboletas escrita por Lay


Capítulo 3
Revelação


Notas iniciais do capítulo

Tou devendo capítulo, sei que demoro muito. Desculpem.



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Granywish, França

Dava para ouvir um barulho de motor descansando. Acordei assustada e gélida. Meu corpo estava pálido. Lampejos de uma noite mal dormida no carro. Estava na estrada a tempo suficiente para adormecer durante a tarde toda. Meus pensamentos se mantiveram tontos alguns minutos até abrir completamente os olhos marejados e acostumar com a luz de um farol forte. Estava em um frente a um hotel com uma luz de um caminhão bem na minha frente. Meus pais estavam mexendo no porta-malas lá atrás. Arrumei o cabelo e me olhei no espelho. Suspirei fundo e sai do carro. Olhei a hora no celular: 17:32.

Fechei a porta e fui em direção à eles.

— Bem-vinda à Granywish, querida. – disse meu pai.

Eu olhei em volta. Nunca pensei que seria uma cidade grande e tão... organizada. As pessoas não sujavam as ruas e o trânsito fluía bem o que, segundo a minha mãe, sempre acontecia. A ordem transparecia. Se você tivesse procurando algo longe de muito caos e mais acessível que o meio do nada ali estava Granywish. O fato de não estar registrada como uma cidade grande no mapa não significava que não fosse. Era grande o bastante para Lacy. E era bem melhor estar fora dos radares e coordenadas, por enquanto.

— Por que demoramos tanto longe disso aqui, em? – perguntei dando um sorriso.

Minha mãe tirava alguma coisa da bolsa.

— Isso é um bom sinal, não é? – disse ela – O internato fica a oeste, apenas a algumas quadras daqui. Nós paramos para abastecer e fazer umas comprinhas.

Ela fez sinal para as bolsas de papel no carro.

— Não vamos perder mais tempo. Você está quase atrasando, Lacy. – disse meu pai entrando no carro.

Eu e minha mãe entramos também e seguimos caminho no que parecia a rua mais bonita do mundo.

***

Olha, na maioria das vezes eu nunca me preocupei em causar boa impressão do tipo sou-legal-e-educada-vamos-ser-amigos nem nada. Mas com as “boas-vindas” que a cidade me deu eu comecei a repensar isso daí. Foram só alguns minutos até chegar no internato que, por mim, poderiam durar bem mais. Em frente a algumas casas estavam plantados pinheiros que pareciam até bem cuidados por sinal. As avenidas cheiravam a chá de camomila e a perfume de cereja forte, mas que não davam dor de cabeça. Não seria ruim passar uns tempos ali, no sossego dos parques verdinhos. Gostaria mais de Granywish se o motivo de estar lá não fosse ir à um internato longe de casa, mas eu acostumaria. Tinha que acostumar.

Quando dobramos a última rua, se distanciando de um pequeno rio que cortava uma ponte, uma faixada de pedras começou a aparecer. As placas da frente davam boas-vindas com um texto pequeno que, provavelmente, ninguém leria. Ao lado de fora apenas alguns carros estavam estacionados. Olhei para a entrada que parecia esquisita à pouca luz que restava do dia. Deserta talvez.

Descemos e seguimos por um caminho de pedras até lá em cima. Uma atendente virou e soltou o telefone no gancho.

— Portão 1 de la Maison Verte, em que posso ajudar? – perguntou ela, apertando o óculos ao rosto.

— Precisamos ir às apresentações do ingressado. – disse minha mãe.

— Qual o nome da iniciante? – perguntou a atendente, mexendo no computador.

— Lacy... Lacy Lafleur. – respondeu ela.

Ela analisou a pesquisa na tela e apertou um botão. Uma porta eletrônica abriu para dentro, no lado esquerdo da sala de entrada.

— Não é permitida a entrada dos pais... Lá dentro ela vai ter um guia, e toda acomodação já esperada. – respondeu a mulher – O dia livre é na sexta e no sábado. Com licença.

Ela virou reacendendo o painel digital do telefone fixo e o colou na orelha.

***

Acho que a coisa mais apertada do mundo é se despedir dos pais. Eles não queriam me soltar e eu acabaria morrendo por falta de oxigenação no sangue. Me senti claustrofóbica nos braços da minha mãe. Era uma coisa engraçada de ver, porque quando terminou a sessão de quem-aperta-mais-minha-caixa-torácica-em-10-segundos eles ficaram me olhando dos pés a cabeça como se fosse a última vez. Segurei o riso e virei. É coisa séria amor de família. Eu nem precisaria ver pra saber que eles me seguiram com os olhos até eu desaparecer pela porta.

Minha bolsa parecia pesar mais que tudo, ou eu estava realmente nervosa. Quando entrei me deparei com um salão bem ornamentado e impecável. Tudo estava limpo e os lustres cintilavam com as luzes. Haviam dois grandes holofotes centrados em um palco que mais parecia um tablado alto com uma faixa grossa letrada: “Saudações, futuros alunos de la Maison Verte” . No meio das luzes uma pessoa me chamou a atenção. Era uma mulher com cabelo estilo Chanel preto sentada em uma mesa restrita que dizia “Professores e Auxiliares Profissionais”. Cruzou a perna no mesmo momento em que eu a percebera. Estava com um blazer bege e um vestido branco com renda cinza claríssima. Ah, não pode ser. A Srta. Sophie acenou pra mim. Eu virei a cara e escondi o rosto nas mãos. Deus poderia aumentar um pouco a minha sorte, porque né. Isso atrairia mais perguntas frequentemente de domingo à quinta. Se não enlouquecera perderia a cabeça de uma vez agora. E eu não teria pra onde correr.

***

Após algum tempo o auditório meio que acalmou. Tinha cadeiras finitamente distribuídas e algumas caixas de som conectadas ao microfone. Uma boa parte dos bancos da frente estava ocupada e gradativamente o meio ia enchendo. Sentei na ala direita onde ficava um telão com imagens e incentivos da escola e peguei meu celular para passar o tempo. De repente estanquei. Percebi algum movimento. Sombras. Estavam até demorando a aparecer.

Elas anunciam a chegada com um frio nó na garganta. Você não vê nada por um momento, mas as cores mudam e o tempo desacelera um pouco. Então vem um forte medo. Acho que isso é o que elas causam na gente — não que mais alguém as enxergasse. A tormenta é proporcional sempre à quantidade da escuridão: quando elas cobrem o teto todo da sua vista você sente seus piores defeitos na pele, e acaba errando mais. Não é uma coisa rápida nem nada. Eu vejo o pior de mim e me enxergo vivendo tudo aquilo de novo.

Sempre começa com apenas uma. Ela fica rodopiando em algum foco de luz esperando ter a atenção que acha merecer. Basta um só vislumbre. Quanto mais você teme, mais escuro fica. Quando mais cedo você as vê, elas te veem também.

E aí só precisam de medo e mais medo para perdurarem até o fim da noite e se misturar com o sono. Com o tempo você entende. Ou pelo menos tenta. Mas não quis dar muito crédito a isso agora.

O que me instigou milhões de pensamentos momentâneos foi um cheiro bem perto, na cadeira da minha frente. Alguém estava sentado ali e não era a minha psiquiatra. O fato era: as sombras se apoderavam às margens do banco. Era como se tivessem medo dele, ou estivessem sendo atraídas. Não faz sentido. Ainda por cima o cara sendo um total desconhecido, já que estava de costa.

Então antes que eu pudesse perceber mais coisas estranhas, acontecendo ao mesmo tempo, uma senhora de cabelos grisalhos falou ao microfone.

— Olá a todos aqui de corpo presente. Antes de falarmos sobre hoje vamos às apresentações. Sou a diretora de atividades, Felícia Duncan, conhecida como Lady Fel. – disse ela – Trabalho aqui há 20 anos. Não estou aqui por estar, devem saber disso. Tenho competência no que faço, e se faço é por ter um sentido. Este colégio tem mais ou menos o dobro de alunos hoje, do que eu imaginava conseguir ver... em toda minha vida. É muito significativo para mim estar aqui na frente hoje e poder ver os rostos de um futuro próspero, brilhante. E é com grande honra, de minha parte, ser representada como parte de um todo. Não estraguem isso.

Ela olhou para trás e pediu permissão para um dos professores vir completar o discurso e foi aplaudida de pé. Pelo que parece tinham bastante respeito por ela. Alguns até se empolgaram gritando “É isso aí” ou coisa do tipo. Levantei também para bater palmas.

Um professor provavelmente de meia-idade, estava agora posicionado no lugar de Lady Fel. Ele aprumou o microfone para cima, já que a senhora era baixinha.

— Boa noite... – e ajeitou o timbre da voz – Para quem não me conhece, meu nome é Jason. Sou o professor de história e religião daqui desde algum tempo. – disse ele – Espero que comecemos com o pé direito, então não quero ter a chance de ser um grosseiro. Esse ano a conduta do nosso colégio mudou e assim como a constituição, os constituintes. Temos novos professores, nova temáticas, nova habilitação e comportamento. Não admitimos o contrário de nenhum dever aqui, então se certifique disto. Bom...

Ele fez uma pausa para olhar para trás.

– Hoje, nós disponibilizamos a escola para um tour, digamos, a fim de conhecerem o lugar. Isso não é obrigatório já que nem todos aqui são iniciantes. Quem não estiver interessado pode ir procurar seu quarto com informações da recepção. O passeio é com o guia ali ao lado. – disse ele apontando para um senhor – Contamos com todos vocês.

Ele desceu do tablado e foi aplaudido. Outros professores levantaram e o clima ficou mais descontraído.

Eu certamente não iria naquele passeio. Estava cansada. Meus olhos pesavam e eu dormiria ali mesmo. Fiz o caminho de volta e entrei na recepção. A atendente me reconheceu e deu um sorriso. Pude ver seu crachá com o nome “Marie Cristen”.

— Quero a minha chave, por favor. – pedi.

Marie conseguira decorar o meu nome e apenas agachou e procurou em uma caixa. Me entregou um cartão etiquetado por “Quarto 14 – Bloco D” com duas chaves, uma prata e uma dourada. Certamente uma reserva.

Ela virou de volta para o lado e vi que estava atendendo alguém. Quando olhei para a pessoa levei um suto. Sobressaltei-me da mesa no mesmo instante e abri a boca para falar e não consegui. Esse cara... é o mesmo da noite mais infausta de toda minha vida. Ele olhou para um cartão na mesa e pegou uma chave da mão da atendente. Sua mão tinha uma cicatriz horrenda com o formato de um “N”. Provavelmente não me viu, mas eu o vi. Quando saiu de perto as sombras que pairavam em cima de mim o seguiram. Era ele que estava sentado em minha frente, no auditório.

Foi ele quem sumiu com o único cara que fez a minha vida feliz. Era ele. E por algum motivo eu soube o seu nome.

Arthur Aires, o cara do Quarto 13 do mesmo bloco que eu.


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Notas finais do capítulo

Pode postar o que achou? Se tem algum erro, ou dúvida? Fiquem à vontade.