A Grande Queda escrita por BobV


Capítulo 2
Salvação.




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Sentei-me em uma rocha e observei o cenário a minha volta: dezenas de centenas de pequenos lagos. Cada um deles com diversas varas de bambu estocadas em seu fundo e que se estendiam a alguns metros acima da superfície.

O sol ainda brilhava vigoroso acima de minha cabeça, indicando que restavam pelo menos seis horas de luz natural, antes que a noite cobrisse aquele lado do hemisfério com seu manto.

Ao fundo eu podia ver a cadeia de montanhas de Bayankala, erguendo-se imponentes até onde os olhos podiam alcançar. Nuvens cobriam o pico de algumas das delas. As mais baixas, era possível apreciar suas curvas de onde brotava uma escassa vegetação. O solo rochoso e carente de nutrientes fazia com que poucas plantas nascessem naquele lugar.

Atrás de mim, havia um aconchegante casebre chinês. Não era muito grande, porém acomodava com louvor seus dois ocupantes fixos e mais um convidado. Ainda havia um pequeno espaço reservado para guardar diversos livros e pergaminhos que continham mapas e histórias verdadeiras da região em si e adjacências.

Ouvi passos. Alguém caminhava em minha direção. Pela força com que o pés tocavam o chão, era alguém pequeno e leve. Meu palpite se mostrou acertado quando uma menina diminuta apareceu ao meu lado. Uma criança, talvez com nove ou onze anos de idade, rosto ainda redondo fruto da gordura excessiva na face. Olhos castanhos, cabelos negros arrumados em duas tranças, uma de cada lado da cabeça e vestida com robes chinesas.

— Papai está procurando nos pergaminhos pela localização do fonte do homem afogado. — Plum, a filha do guia de Jusenkyo, me avisou o que eu já sabia.

— Recentemente caiu uma chuva que misturou as águas. Agora que ela passou, as fontes precisam ser catalogadas novamente.

Na verdade, toda vez que a pequena chinesa me via dizia isso.

— Eu sei que ele vai conseguir achar a localização. Eu só tenho que ser um pouco paciente.

Faz uma semana desde que cheguei a Jusenkyo que eu estou esperando. O guia me reconheceu quase que imediatamente e se prontificou a me ajudar assim que expliquei minha situação. Desde então, eu não tenho feito muitas coisas. Uma vez ou outra ele pede que eu vá em algum vilarejo próximo para fazer algum favor ou coisa parecida. As vezes eu fico treinando meu chinês com a ajuda de Plum. Quem diria que alguém tão nova já seria tão boa com as palavras ?

— Existem muitas fontes. Papai precisa ter certeza qual é a certa para que você não acabe com outra maldição.

— Isso seria algo terrível. Eu já tenho problemas demais com uma maldição.

— Uma maldição não substitui a outra. Elas se misturam. Pelo menos é assim que a maioria delas funcionam. É preciso ter muito cuidado quando o assunto é Jusenkyo.

— Eu sei disso. Meia-calça Taro é um exemplo disso. Eu não quero que algo assim aconteça comigo. Bem, — Me levantei. — Vou esticar um pouco as pernas. Não se preocupe, tomarei cuidado com as fontes.

Deixei Plum para trás e comecei a caminhar pelo vale, ficando atento para não me aproximar da água. parece que quando você é amaldiçoado em Jusenkyo, além da transformar em um transmorfo, você ganha uma estranha habilidade de atrair água. É algo quase sádico se não fosse cômico. É como se algum deus decidisse tornar em uma inferno maior ainda a sua vida após você ser amaldiçoado.

Após alguns minutos cheguei a uma parte plana e ampla, porém ainda rodeada pelos 'poços da tristeza'(1). Sem muito o que fazer, ajeitei meu corpo para praticar uma kata, um bem simples, afinal eu não poderia arriscar, as águas amaldiçoadas estavam perto.

Não sei por quanto tempo eu fiquei ali. Pratiquei até o ficar banhado em suor. Foi então que meus sentidos dispararam. Senti uma pressão na nuca. Agucei meus ouvidos e procurei em volta com os olhos semicerrados. Nada. Não havia ninguém. Impossível. Meus sentidos nunca falham.

Em uma fração de segundos, arregalei os olhos. Meu corpo se moveu para o lado, desviando de algo que desceu em minha direção. A movimentação do ar permitiu-me perceber o ataque que veio de cima da minha cabeça.

O ataque atingiu o chão e fez com que alguns detritos voassem ao meu encontro. Usei o antebraço para me proteger meu rosto. Quando abaixei o abaixei, vi a identidade do meu atacante.

Mesmo já tendo visto muitas bizarrices de Jusenkyo, não deixei de ficar surpreso com a criatura alada a minha frente. Face, tronco, braços e pernas de homem. Mãos, pés, olhos e assas de pássaro. Um peitoral que parecia de ferro protegia o tórax. Em sua mão direita, o objeto usado para tentar me ferir: uma espada longa.

Sem dizer qualquer coisa, a criatura veio ao meu encontro, tentando me partir ao meio. Saltei para trás evitando a lâmina. O homem-pássaro veio atrás de mim sacudindo a espada como um maníaco, de um lado para o outro, tentando me cortar a qualquer custo.

Era estranho. Joguei a cabeça para o lado e impedi que meu rosto fosse atingido. Haviam muitas brechas em seus ataques. Desarma-lo não seria algo difícil de se fazer. No ataque seguinte, ele esticou demais o braço, esquivei e agarrei-o pelo pulso.Usei a ponta do meu cotovelo para atingir a base do polegar que segurava a arma. Como resultado, a espada caiu no chão.

Apliquei uma rasteira e fiquei pronto para montar em meu oponente. Queria fazer uma pequena interrogatório com ele. Contudo, pela segunda vez, meus sentidos me alertaram de perigo. Joguei meu corpo no ar em um salto mortal. De cabeça para baixo, vi uma lâmina passando aonde eu me encontrava minutos atrás.

Haviam dois homens-pássaro agora.

— Quem são vocês ? O que querem ? — Perguntei assim que aterrissei.

Ambos responderam me atacando. O primeiro veio voando a meia altura e tentou me cortar fazendo uma semicírculo lateral. Dobrei os joelhos para escapar e acertei-lhe um murro no queixo, fazendo-o cair no chão. O segundo, que recuperou a arma, flanqueou-me voando próximo ao chão. Seu objetivo era uma de minhas pernas. Antes de a espada pudesse completar o arco, adiantei-me e pisei na lâmina. Meu outro pé conectou-se com a lateral do crânio da criatura.

Mal tive tempo de respirar, já que o primeiro desceu dos céus, acertando meu tronco com um soco. Sinceramente, já levei piores. Rolei pelo chão e me levantei rapidamente, mas em posição de defesa. Os dois atacaram simultaneamente. Dei um passo para a esquerda e para trás, evitando facilmente as lâminas. Um deles tentou uma estocada. Segurei-o pelo punho e manuseei a mão com a arma para me defender do outro ataque. Ele começou com um corte pela direita e depois outro pela esquerda. A espada foi levantada acima da cabeça, e trazida abaixo com força. Bloquei pondo a espada na horizontal e imediatamente chutei tronco, ignorando a placa de metal que cobria o tórax, afastando-o de mim.

Torci o braço do outro, fiz uma alavanca com meu pé esquerdo e o arremessei por cima de meu ombro direito em direção ao companheiro dele. E dessa vez fui eu quem não quis perder tempo. Quando um deles se levantou, escorreguei para as costas dele e acertei-lhe a nuca com a faca da minha mão, fazendo seu corpo cair no chão imóvel. O segundo ainda tentou um ataque desesperado. Foi em vão. Desviei e acertei a cabeça com o peito do meu pé.

Olhei para os dois corpos caídos no chão intrigado. Eu tenho certeza de que não fiz nada de errado recentemente. Quanto mais ter me encontrado com esse tipo de criatura.

Pela terceira vez meus sentidos me avisaram da presença de alguém perto. Virei o corpo e preparei-me. Tarde demais. Uma terceiro inimigo desceu em um voo rasante. Duas solas de pés colidiram com violência em meu peito. Fui arremessado para trás.

Merda !

Conhecendo a minha sorte, eu com certeza estou indo direto para uma das fontes.

Ótimo. Tudo que eu precisava para ferrar de vez com a minha vida. Eu devo ter feito alguma coisa de errado no passado ou em outra vida. A carma realmente é uma ...

Me pegando de surpresa, algo se enrolou em volta de meu tronco e eu fui puxado para frente com força. Meus membros e minha cabeça ficaram para trás. Logo depois senti o impacto, meu corpo bateu no chão e minha face se arrastou por ele.

Ouvi algo que caiu no chão próximo a mim. Abri os olhos e vi que era meu terceiro atacante.

— Mas o quê ?

— Então os boatos são verdadeiros, hein ?

Ouvi alguém dizer. Levantei-me e procurei o dono da voz masculina. A pessoa estava ao meu lado. Tive que esfregar os olhos para acreditar.

— Disseram que você estava aqui na China, mas eu não acreditei. Agora eu vejo que é verdade. O que você está fazendo aqui ?

Meu rival de longa data e agora também meu salvador, Mousse, perguntou. Por algum motivo ela não parecia feliz em me ver.


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Notas finais do capítulo

(1) Eu acho que esse é o significado de Jusenkyo.

Críticas construtivas serão sempre bem-vindas.
Percebeu algum erro de português, concordância, formatação ou qualquer outro tipo? me avise para corrigi-lo.

Até a próxima.