À Primeira Vista escrita por Sr Castiel


Capítulo 9
Capítulo VIII - Nôah - Vinculados


Notas iniciais do capítulo

É isso mesmo, dois capítulos hoje! É só porque fiquei um tempo sem postar, então, divirtam-se!
E comentem, DIVULGUEEM!!! Por favor



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Capítulo VIII

Nôah

/Vinculados/

“Exatamente. Foi por isso que eu falei ‘amanhã’. Quero ver você de novo hoje à noite. Mas estou disposto a esperar a noite toda e boa parte do dia de amanhã.”

John Green – A Culpa É Das Estrelas p.40

Dois dias depois

_____________________________________

NÔAH FICOU ALIVIADA POR CONSEGUIR SAIR DE CASA.

Apesar de a mãe ter lhe assegurado, – sem muita segurança –, que não morreria realmente quando a profecia viesse a se cumprir, quis dedicar-se mais aos pequenos momentos de sua vida. Disse a si mesma que tentaria não reclamar de tudo como estava acostumada a fazer, e tentaria aproveitar melhor tudo à sua volta.

Até Narscisa teve de admitir que os ataques das vampiras foram totalmente aleatórios. Elas não estavam atrás de Nôah, exatamente. Nôah quem havia, por pura falta de sorte, cruzado seus caminhos, descoberto seus planos e frustrado qualquer tentativa de continuarem a fazer o que faziam.

Ela não entendia, mesmo sabendo do motim contra o Conselho da Ordem organizado pelas últimas vampiras que a atacara, o motivo de tantos vampiros estarem atacando seres humanos de forma tão... imprudente. E isso a intrigava. Mesmo que eles não se preocupassem com as leis impostas pelo Conselho da Ordem Sobrenatural, todos tinham plena consciência do que eles eram capazes de fazer quanto a garantir que nada saísse fora de seu absoluto controle. O Conselho da Ordem não tinha escrúpulos quanto a obrigar qualquer um a cumprir todas as leis.

Nôah não deixava de lhes dar razão. Ela concordava com todas as leis impostas, se submetia a todas sem exceção. O mundo sobrenatural tinha pleno efeito sobre o mundo humano, sendo assim, nenhuma criatura sobrenatural podia passar dos limites. Ela não entendia o que fazia as criaturas quererem atacar humanos indefesos. Eles não eram páreo para nenhuma criatura sobrenatural, todos sabiam disso, e ao menos sabiam da existência deles... Por que atacar humanos? Porque o sangue deles era mais convidativo e melhor? Porque eles eram uma fonte de entretenimento?

Nôah divagava com aquelas perguntas sem respostas enquanto saía da garagem de sua casa com seu carro.

Quando Nôah recebeu o e-mail avisando sobre o luau para a sua turma, Narscisa foi irredutível quanto a ela não poder ir de forma nenhuma. Toda a sua turma teve duas semanas de folga para aproveitarem o fim do verão e, depois dessa folga, começaria o último semestre antes da faculdade. Os alunos decidiram comemorar com um luau na praia mais próxima às docas onde não apareceriam muitas pessoas que não fossem de sua turma. Particularmente, Nôah não era fã de festas, e, apesar de conhecer todas as pessoas de sua turma, não tinha exatamente amizade com ninguém a não ser Claire, – que agora encontrava-se afastada tentando processar toda a informação que Nôah lhe dera sobre o mundo sobrenatural. Depois do que pareceram horas de insistência, promessas, razões inconcebíveis para prós e contras, Nôah conseguiu convencer a mãe a deixá-la ir. Mas, é claro, não sem prometer que estaria em casa às onze da noite e só ficaria em lugares onde tivesse muitas pessoas por perto, o que tornava menos propício, segundo Narscisa, um ataque sobrenatural.

Depois de todas as condições, Nôah havia ligado para Claire, mesmo sentindo muita vergonha. Desde o dia em que revelou toda a verdade à amiga, as duas não haviam mais se falado. Nôah chegou a pensar por um breve momento, que Íris fora o bastante para acabar com o medo da amiga sobre o que Nôah realmente era, e, sendo assim, ser substituído por aceitação, mas não parecia ter funcionado tão bem assim. Nôah sentia falta de Claire. Elas estava sempre juntas e, quando em lugares diferentes, sempre conversavam pelo celular. Mas Nôah tinha que dar o tempo que Claire precisasse para se adaptar às novas notícias, afinal, querendo ou não, Nôah estava acima dela na cadeia alimentar.

Claire atendeu no segundo toque.

– Nôah? – Claire parecia bem, só um pouco assustada pela ligação inesperada.

– Tudo bem, Claire? – Perguntou Nôah.

– Agora sim, bem melhor – a amiga respondeu. – Você?

– Bem, obrigada.

Um silêncio se estendeu por alguns instantes. De repente, Nôah começou a pensar se fora uma má ideia ter ligado para a amiga. Ela não sabia se Claire ainda queria ser sua amiga e deveria ter dado mais tempo até que se sentisse confortável para ligar. Nôah sentiu que a estava pressionando demais.

– Nôah? – Chamou Claire. – Está aí?

– Sim... desculpe. – A garota voltou a si e disse: – Você recebeu o e-mail do luau?

– Recebi sim – Claire respondeu. – Você vai?

– Acho que vou – Nôah falou, um pouco sem graça –, mas estava pensando se não podíamos ir juntas... Quero dizer, a gente pode se encontrar lá, se você quiser...

– Ah! – Claire soltou uma exclamação de desconforto do outro lado e Nôah se amaldiçoou por tê-la chamado. – Desculpe, Nôah... Eu quero muito ir, acredite... Quero dizer, quero muito ir com você, mas não posso. Meu avião sai hoje à tarde para Denver...

– Você está indo embora? – Nôah estava perplexa. Não podia acreditar que assustara tanto a amiga ao ponto de esta querer fugir. – Claire, eu... – Nôah começava a soar desesperada, não podia deixar que Claire procurasse outro lugar para viver só por Nôah ter lhe contado do mundo sobrenatural. Ela não sabia o que falar para que a amiga não fosse. E, para completar o desastre, as palavras se atropelavam em sua boca, antes que conseguisse dizê-las.

– Nôah, eu não estou indo embora! – Claire exclamou, tentando se sobrepor aos protestos da amiga. – Só vou visitar a minha bisavó que está muito doente. Ela não tem muito mais tempo, então...

Nôah deixou que o alivio a tomasse. Claire não estava indo embora. Uma lágrima saiu de seus olhos, e a garota a limpou com a outra mão.

– Claire, me desculpe por ter ligado, eu não deveria estar te pressionando tanto... – Nôah tentou dizer, mas Claire a interrompeu.

– Nôah, você sabe que eu nunca pararia de conversar com você por isso, não é mesmo? – Claire sempre fora boa com as palavras, parecia ter o dom de deixar Nôah mais calma sempre que estava nervosa ou estressada com alguma coisa. – Bem, eu não a culpo por nada do que aconteceu... Se você não tivesse aparecido, eu não estaria aqui falando com você e... Sinceramente, obrigada. – A amiga soltou um longo suspiro e Nôah sentiu que tudo parecia apenas um sonho, mesmo sabendo que não era. – Me desculpe se eu a deixei pensar que não seriamos mais amigas... É só que é muita coisa, e esses dias têm sido muito turbulentos para mim...

– Aconteceu alguma coisa? – Nôah ficou subitamente preocupada. Ela não havia recebido qualquer visita do Conselho da Ordem e não esperava que Claire recebesse, mas...

– É só que eu tenho tido alguns sonhos estranhos... e minha mãe tem estado inquieta ultimamente. – Ela respondeu, parecendo confusa. – No início, achei que esses sonhos fossem alguma reação inconsciente do que você me contou naquele dia... Mas...

– Que sonhos são esses, Claire? – Nôah perguntou, curiosa. Ela não se lembrava dos sonhos que ela mesma andava tendo, mas sabia que vinha sonhando toda noite com coisas estranhas. Acontecia sempre a mesma coisa: ela acordava com a sensação que estava esquecendo alguma coisa importante, mas não sabia o que era.

– Eu só me lembro de imagens borradas e escuras... Nada nítido. E o som de alguma coisa gritando por socorro... Eles somem tão rápido quanto chegam. – Ela disse. – Mas minha bisavó me ligou e disse que quer que eu vá visitá-la. Ela disse que me explicaria esses sonhos... o estranho é que eu não me lembro de ter comentado nada com ela.

– Você sabe quando volta? – Nôah quis saber.

– Quero voltar antes das aulas recomeçarem, mas ainda não sei – respondeu. – Não vou me demorar muito. Assim que eu chegar lá, te aviso.

– Tudo bem... Boa viagem, Claire. Qualquer coisa, pode me ligar.

– Obrigada – a amiga respondeu. – Ah! Nôah? Eu, hmm, nem sei se deveria estar falando isso com você porque é uma insanidade... mas eu... hmm... tenho um recado da minha bisavó para você.

– Da sua bisavó? – Nôah não sabia que Claire conversava sobre ela com a bisavó. Ela nunca tinha visto a mulher em sua vida...De onde ela a conhecia? Nôah ficou se perguntando. – Mas eu não... Quero dizer, eu nunca a vi... Não que eu me lembre. Como ela me conhece?

– Não faço ideia – Claire respondeu, soando desconfiada. – Lembro-me de ter falado de você para ela uma vez há muito tempo. Só disse que você era uma amiga... nada de mais.

– Mas que recado é esse?

– Ela disse que você não deve atribuir culpa a quem não tem ou... alguma coisa assim... – Claire falou. – E que perdoar pode ser um caminho melhor a seguir.

– O quê? – Nôah perguntou, confusa. – Como assim?

– E que seu medo é o único empecilho para você usar seus dons com sua plena força – completou ela.

– Claire, eu não entendi nada – Nôah disse. – O que ela quis dizer com tudo isso?

– Não faço ideia, mas vou perguntá-la quando estiver lá. – Prometeu Claire.

– Por favor. E não se esqueça de perguntá-la também de onde ela me conhece – pediu Nôah.

– Te dou uma resposta assim que possível. Mas agora preciso ir. Tenho mais uma mala para arrumar ainda.

– Boa viagem, Claire. – Desejou Nôah mais uma vez. – E me avise quando chegar lá, só para eu saber que chegou bem.

– E boa festa para você, Nôah. – Claire riu do outro lado. – E me dê detalhes dos alunos novos. Soube que tem dois que vieram de Londres.

– Sotaque inglês novo na escola? Acho que a Susan já deve estar com eles nesse momento. Aquela lá não deixa passar um detalhe.

– Não se a gente atacar primeiro – disse Claire, com sarcasmo.

– Vai esperando. – Respondeu Nôah, rindo também. – Até mais tarde, Claire.

– Até, Nôah.

Nôah ficou pensando se aquela não tinha sido a conversa mais estranha que tivera com Claire desde que a havia conhecido. Mas assim que desligou o telefone, foi como se algo se ascendesse dentro dela, uma leve chama. Talvez a esperança de que dias melhores estavam à espreita ou que as coisas poderiam dar certo antes de dar errado. Nôah não sabia. E não queria saber. Havia prometido a si mesma que aproveitaria qualquer oportunidade que a vida lhe desse e realmente o faria. Claire estava bem e Nôah não perdera sua amizade. Ela estava apenas grata a tudo o que estava acontecendo, mesmo que tudo piorasse no fim.

Nôah saiu com o carro de sua garagem pouco depois das sete da noite, horário marcado para começar o luau. Teria pouco tempo para se divertir e ainda tinha o fato de que nunca fora em um luau para completar; não sabia o que acontecia em festas desse tipo. Teria bebida alcoólica, mesmo não tendo ninguém acima de vinte e um anos presente, provavelmente nenhum adulto supervisionando, música alta e todos estariam prontos para limpar tudo caso houvesse algum sinal de encrenca. Tudo o que Nôah estava precisando.

Chegando perto da praia, Nôah estacionou o carro em uma vaga próxima ao calçadão, onde não havia mais ninguém fazendo caminhada. O ar estava relativamente quente para o fim do verão; aquele leve cheiro de sal e maresia fazendo Nôah se sentir bem como sempre acontecia.

Ela conseguia ouvir a música alta mesmo de longe.

Nôah ficou se perguntando se queria mesmo ir àquela festa. Não se importava com multidões, mas tinha que admitir que preferia ficar em lugares mais calmos onde pudesse pensar mais claramente; ouvir seus próprios pensamentos. Ela achava que isso era uma reação à necessidade de não poder se misturar muito com as pessoas sendo o que era. A mãe sempre a alertara sobre as consequências do envolvimento de vampiros novos com seres humanos; e depois de saber da história do pai, entendia perfeitamente o quanto era perigoso. O cheiro e o som do sangue no corpo humano sendo bombeado era convidativo demais, atrativo demais; às vezes, por esse motivo, vampiros perdiam o controle e começavam a se alimentar de humanos. E não era fácil parar depois que se começava; era parecido com o que um dependente químico que usava vários tipos de drogas ao mesmo tempo sentia ao se distanciar do que supostamente o mantinha vivo. Vampiros criados por outros vampiros eram mais suscetíveis do que proles naturais. Nôah não culpava a mãe por sempre pedir que a filha ficasse mais longe dos outros, que não se misturasse muito à multidão; Narscisa só queria protegê-la, e, ainda tinha a questão de que o mundo sobrenatural era sempre uma caixinha de surpresas: se fosse necessário, elas tinham que sumir sem deixar rastros, e ter humanos fazendo perguntas não era uma boa forma de fugir das circunstâncias, como sua mãe havia feito em Londres antes de ela nascer.

A garota afastou aqueles pensamentos enquanto tomava uma decisão. Tinha vindo à praia para a festa, mas não ficaria ali. Nôah havia prometido que faria tudo o que pudesse para ser feliz, e aquela festa não era seu tipo de felicidade. Não queria voltar para casa e ficar sem fazer nada, tampouco. A noite se estendia acima de sua cabeça; o céu estava salpicado de estrelas brilhando e piscando e a lua ainda não havia nascido, mas não demoraria muito mais e Nôah apostava que aquele tipo de entretenimento era melhor do que observar Susan se atirar nos braços dos garotos novos.

Ela seguiu pelo calçadão, para o lado oposto de onde vinha o som da música. Já passava de sete e meia e, considerando que as pessoas estavam animadas para a festa, esta tinha começado poucos minutos atrás. Nôah não quis se afastar demais da música; só andou até certo ponto para que ninguém pudesse ver que ela estava ali, mas se resolvesse ir para a festa, não precisaria andar muito.

Nôah saiu do calçadão em direção ao mar, andando sobre um mato baixo e algumas pedras entremeadas por pequenas conchas. Logo só havia o barulho da areia sob suas sandálias e uma vontade insana de tirá-los quase a controlou por um momento, mas se conteve. Nôah sentou-se na areia a poucos metros de onde a água alcançava, observando o incessante ir e vir das ondas; quebravam ao longe e vinham em marolas pequenas em sua direção.

A garota começou a pensar no que Claire havia dito. Ela realmente queria saber o significado do que a bisavó da amiga falara para ela, mesmo sem que a conhecesse. O que ela quis dizer com atribuir culpa à pessoa certa? E quem ela deveria perdoar? Será que ela sabia que Nôah era uma vampira? Não, não era possível...

Nôah ouviu risos baixos vindos em sua direita e, quando virou o rosto para ver quem era, teve uma surpresa. Susan andava em sua direção; vestia uma saia azul que faltava uns bons dez centímetros embaixo, uma blusa branca com um decote extravagante, quase não usava maquiagem, mas abusava de um batom vermelho que faziam seus lábios parecerem maiores do que realmente eram. Estava de braços dados com um garoto, que Nôah notava claramente não estar achando graça de nada do que ela falava, usava uma camisa verde da cor do fundo do mar, tinha mais músculos do que Nôah conseguia nomear, vestia uma bermuda branca e calçava sandálias de dedo, seus cabelos eram negros e cortados curtos, os olhos pareciam safiras elétricas, uma barba rala tornava seu rosto mais sério, mas ainda assim era jovem e tinha traços divertidos inconfundíveis; era singularmente lindo, pois não era comum como os outros garotos que Nôah já tivesse visto antes...

Nôah não precisava que eles se aproximassem nem mais um centímetro para confirmar que era o homem-lobo que ela tinha visto antes. Será que ele havia se mudado para sua escola? E, como ela tinha previsto, Susan já havia atacado. Nôah soltou um risinho baixo, apesar de sentir algo estranho dentro dela; como se Susan tivesse pisado em seu bolo de chocolate favorito e depois passado em seu rosto, sujando-a completamente.

A garota não conseguiu persistir em sua tarefa de assistir as ondas fazerem seu trabalho por muito mais tempo. Logo Susan e o garoto estavam a menos de cinco metros de distância e ela não resistiu a uma olhada.

O que viu tirou completamente seu fôlego. Foi como se Susan não estivesse lá. Só havia ele. Seus olhos se encontraram e Nôah pensou ter visto algo se ascendendo dentro deles; como se uma faísca elétrica tivesse escapado e quisesse cortar o céu com seu poder. Ela pensou ter se passado vários minutos quando percebeu que o estava encarando e desviou o olhar rapidamente, fingindo interesse em uma concha que estava no chão ao seu lado.

– Não vai para a festa, Nôah? – Perguntou Susan com sua vozinha esganiçada.

– Ainda não – falou Nôah, sem tirar os olhos da concha. Ela esperava não estar tão ruborizada quanto parecia. – Estou esperando uma pessoa. – Mentiu.

– Ah! – Exclamou Susan, fazendo uma cena. – Esqueci que você nasceu garrada na Claire... ops, desculpe. Quero dizer...

– Eu entendi, Susan – interrompeu Nôah. – Precisa de alguma coisa?

– Não de você – sua voz mudou. Agora ela falava daquele jeito quando queria chamar a atenção de alguém. – Vamos voltar? – Ela disse, um pouco alto demais. – Acho que ela não quer a nossa companhia.

– Não a sua – falou Nôah, levantando os olhos e encarando Susan. A garota estreitou os olhos, mas não respondeu nada.

Nôah olhou para o garoto, que estampava um sorriso torto fazendo seus olhos se repuxarem levemente nos cantos, como ela bem se lembrava de vê-lo fazendo no outro dia na clareira.

– Vamos, querido? – Chamou Susan de novo, puxando o braço do garoto, que, para a surpresa de Nôah, resistiu, sem sair do lugar.

– Acho que vou ficar por aqui – ele respondeu. Aquilo quase fez o coração de Nôah parar. – Eu nem queria ir a esta festa mesmo. Você pode voltar, talvez depois eu apareça por lá.

Os olhos de Susan pareciam querer saltar das órbitas. Nôah não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. Susan, a rainha do colégio, fora trocada pela garota apagada? Nôah não se segurou e deu uma risada alta o suficiente para Susan ouvir. A garota não ficou para discutir; voltou pela mesma direção que tinha vindo pisando forte, obviamente com raiva.

– Posso me sentar? – Pediu ele.

Nôah não sabia o que responder. Será que queria ficar assim tão perto dele? Ele era um homem-lobo, afinal. O que ela tinha certeza era que seu coração estava batendo tão forte, que ele poderia escutar mesmo se tivesse a quilômetros de distância.

– Claro – ela disse, um pouco insegura.

O garoto se sentou a poucos centímetros dela. Não falou nada. Ela não sabia quais eram as intenções dele, mas sentiu aquele silêncio desconfortável demais.

– O que aconteceu? – Perguntou Nôah, tentando acabar com a tensão entre eles. – Susan é tão insuportável assim?

Ele riu baixinho e Nôah sabia que era uma confirmação que ele não queria dar em voz alta.

– Digamos apenas que ela não faz o meu tipo e meu amigo é um idiota. – ele respondeu.

Eles não se olharam desde que Susan tinha ido embora. Nôah queria desesperadamente entender o que acontecia entre eles que a fazia se sentir daquele jeito.

– E qual é o seu tipo? – Perguntou Nôah, se arrependendo logo em seguida. Ela não queria que ele pensasse que estava dando em cima dele.

A lua começava a subir para o céu como se o mar a tivesse regurgitado. Era uma lua crescente perfeita, metade já completa; estava tão grande que nem parecia de verdade.

– Forte, independente, despretensiosa – começou ele, ditando cada adjetivo como se falasse das coisas mais importantes para si –, de certo modo misteriosa, mas que eu consiga desvendá-la com um simples acariciar dos meus dedos, com um mundo de defeitos, levemente arrogante, insubstituível, estranhamente linda e, acima de tudo, tem que ser a escolhida.

Quando ele começou a falar, Nôah apurou os ouvidos, como se não quisesse perder nenhuma sentença que saía de sua boca. Ao final, ela percebeu que encarava aqueles olhos azuis, absorvendo cada palavra e as guardando para si. Sua respiração estava acelerada sem nenhum motivo aparente; assim como a dele. Nôah notava um leve rubor em seu rosto enquanto ele olhava para ela e pôde ouvir seu coração batendo forte também contra as paredes que o envolvia.

– E você seria a Fera...? – Disse Nôah, desviando o olhar com dificuldade. Ela não queria parar de encará-lo, só não admitiria isso para ele.

O garoto não respondeu, parecia preso em algum tipo de transe enquanto ainda a olhava.

– Não conhece a história da Bela e a Fera? – Nôah estalou os dedos, tentando chamar sua atenção. Ele piscou várias vezes, voltando a si, o rubor aumentando.

– Desculpe, o que disse? – Perguntou, levando a mão à nuca.

Nôah riu da confusão dele, perguntando-se por que ele a estaria olhando daquele jeito tão intenso.

– Foi uma brincadeira de mal gosto – ela disse, sentindo o rubor subindo por seu rosto. – Só perguntei se você não seria a Fera quando encontrasse uma garota dessas. É meio que conto de fadas, não?

– Fera? – Ele perguntou, ainda sem entender.

– É... A história da Bela e a Fera... – Nôah tentou explicar. – É um conto de fadas... Vai me dizer que não conhece.

– Ah! Você quer dizer que acha impossível eu achar alguém com essas qualidades? – Ele perguntou como se a desafiasse a discordar, mas seu sorriso torto indicava que ele não falava tão sério.

– Não sei – ela respondeu. – O que você acha?

– Você não vai querer saber e, mesmo se quisesse, não contaria.

– Por quê? Agora eu quero saber – ela exigiu.

– Porque eu não gosto que as pessoas riam de mim.

– Eu não vou, prometo! – Insistiu ela.

– Como eu sei que não está mentindo só para saciar sua curiosidade?

Nôah olhou para ele, encarando-o e notou que ele a olhava sem que percebesse.

– Você confia em mim? – De novo aquela pergunta escapou de seus lábios. Por que ele continuava olhando-a? O que aqueles olhos queriam dela?

Ele assentiu apenas, suspirou e depois olhou para frente, em direção à lua que já se erguia por completo vários metros acima da linha do horizonte.

– Sou daqueles caras que acreditam em algo impossível, sabe? Acredito que alguém pode ser feliz mesmo que todas as probabilidades digam o contrário. Acredito em persistência e autodeterminação como modos de vida. Gosto das histórias da Disney, se quer saber e não admitiria isso a ninguém no mundo, mas prefiro coisas sem fim do que finais felizes. Talvez eu concorde com você quanto a encontrar essa garota ser algo impossível, mas também acredito que o destino pode nos surpreender colocando a pessoa certa do nosso lado sem que percebamos.

Nôah sorriu quando ele parou de falar. Depois ele a olhou com os olhos arregalados, como se só então percebesse o que ficou escondido entre suas palavras.

– Epa! – Ele exclamou. – Desculpe, eu não quis... quero dizer, não é... – Ele pigarreou. Suas orelhas estavam vermelhas e Nôah sentia seu constrangimento. – Você me entendeu, não é? Não, – ele respondeu sua própria pergunta –, é claro que não...

– Eu entendi! – Nôah o tranquilizou. – Não se preocupe...

– Mas... você não acredita? – Ele perguntou, mas Nôah já não estava ouvindo. Sem querer começou a divagar sobre o que ele havia dito. Foram tão sinceras suas palavras, mas ela percebeu algo que ele tentava esconder. Tristeza. Alguma coisa aconteceu na vida daquele rapaz que o deixou sem fôlego. Não, ainda o estava deixando sem fôlego. Nôah não era boa em ler expressões das pessoas, mas conseguiu sentir algo estranho no modo como ele olhava preocupado para tudo à sua volta. Como se tentasse encontrar alguém ou alguma coisa há muito perdida, mas simplesmente não conseguisse e isso o consumia.

– Em quê? – Ela perguntou, afastando os pensamentos e se concentrando nele.

– Nada! – Ele disse, baixando a cabeça. Talvez ele nem percebesse o que fazia, mas seus gestos eram claramente sinais de autodefesa. Ele se fechava em um mundo só dele e não deixava ninguém se aproximar muito. – Estou atrapalhando? Você disse que estava esperando alguém... não quero ter problemas com seu namorado.

– Que namorado? – Ela riu do comentário e ele também o fez. – Não existe namorado para mim.

– Isso é definitivo? – Indagou ele, certamente intrigado.

– Definitivo tipo: nunca vou encontrar ninguém com quem passar o resto da minha vida?

– Basicamente. – Ele respondeu, deixando transparecer interesse na voz.

– Não é isso – Nôah tentou explicar. – Eu sou uma vampira. Isso não lhe diz tudo?

Ele a olhou de cima, parecendo avaliá-la por um momento.

Isso está errado – ele disse aquilo como se resolvesse todos os problemas de Nôah.

– Errado como? – Nôah perguntou, claramente confusa.

– A pergunta não é essa – ele respondeu. – A verdadeira pergunta é: Por que você acha que ser vampira te impediria de achar seu príncipe encantado?

– Talvez porque príncipes encantados não existam.

– Por isso ou por que você tem medo do que é? Do que pode fazer a alguém?

Uma tristeza inesperada tomou conta de Nôah. Ela sabia que ele estava certo; a razão de tudo era o medo de perder o controle sobre si mesma. Mas nunca tinha pensado naquilo como algo que poderia acontecer de verdade. Achava que as coisas se resolveriam com o tempo, e, depois de saber da profecia, passou a se preocupar menos ainda. Não sabia se teria tempo para pensar em achar alguém com quem pudesse ser feliz pelo resto da vida.

A garota baixou a cabeça, subitamente interessada na concha que largara no chão quando o garoto chegou. Ele pareceu perceber o quanto suas palavras a afetara e soltou um xingamento baixinho. Levou a mão direita em direção ao rosto de Nôah, mas hesitou por um momento, talvez pensando se ela estava com raiva dele agora. Sua mão direita chegou ao queixo de Nôah, dando-lhe uma sensação de formigamento que se espalhou por todo o seu rosto, depois puxou seu queixo delicadamente para cima e para a direita enquanto ele a olhava com aqueles olhos que pareciam duas chamas azuis incandescentes, preocupadas e intensas.

– Eu não quis dizer que você... – Nôah baixou o rosto de novo, mas dessa vez ele o levantou e o manteve firme, obrigando-a a olhar para ele. – Eu quis dizer que você não deve se preocupar tanto com isso. O verdadeiro amor não é esperar por um “felizes para sempre”, mas lutar por algo que vá além disso; é dependência mútua porque não é só você quem faz a pessoa feliz e vive uma vida sem defeitos, mas aprende que se alguém a ama de verdade, a aceita como você é. Me desculpe, eu não quis magoar você. Só quis dizer que não se deve levar a carga toda para si, o amor deve ser balanceado para ficar intacto e ainda assim, continuar crescendo.

O garoto soltou o queixo de Nôah, mas esta continuou com o rosto no mesmo lugar. Eles estavam tão perto que ela podia sentir a respiração dele acelerada e quente em sua própria boca.

– Você realmente acredita nessas coisas, não é? – Ela perguntou, mas foi uma retórica e ele não respondeu. – Acho que quando encontrar essa tal escolhida, não vai ser você quem terá sorte de ter encontrado alguém tão perfeita, mas sim ela quem será a sortuda da história.

– E como você sabe disso se nem ao menos me conhece? – Ele perguntou.

– Você é um clássico exemplo de cavalheiro – Nôah respondeu –, não acho que preciso realmente conhecê-lo para saber disso.

– É mesmo? – Ele sorriu, mas não se afastou. Seus olhos estavam fixados um no outro como se estivessem se comunicando telepaticamente. – Quem sabe eu já não... Você acredita em amor à primeira vista?

Aquela pergunta pegou Nôah de surpresa. Ela piscou algumas vezes tentando pensar em uma resposta e querendo saber o que ele queria exatamente fazendo aquela pergunta.

– Raro, incerto... Mas sim, acho que acredito. – Nôah respondeu, e nem soube porquê disse aquilo. Será que realmente acreditava em amor à primeira vista? – E você, acredita?

– Confesso estar tentado a acreditar – ele falou baixinho, como se temesse que alguém que não Nôah pudesse escutar.

– Sério? – Ela perguntou, também num sussurro. – E por que isso?

Por um segundo, Nôah viu seu rosto tão perto do dele que imaginou não estar sonhando com aquilo; ela estava ao mesmo tempo tão longe e tão perto dele que pareceu passar-se horas até que...

Um cheiro metálico muito forte encheu o ar, como se uma tempestade estivesse se formando bem ao seu lado. De repente, ela olhou para cima, percebendo o que estava acontecendo. Realmente havia uma tempestade se formando em toda a área da praia, as ondas ficaram mais revoltas, uma ventania assomava tudo à volta deles e aquilo só podia ter uma explicação.

– Minha mãe! – Nôah exclamou. – Me desculpe, mas preciso ir. Perdi completamente a hora.

Ela o olhou, sentindo-se ao mesmo tempo culpada e constrangida pelo fato de ter estragado aquele momento, transmitindo um sincero pedido de desculpas. Então correu em direção ao seu carro.

– Espere, Cinderela! – Ele gritou atrás dela, e por um momento, Nôah sabia que ele também estava correndo. – Ainda não é meia noite!

– Minha mãe é pior do que a madrasta da Cinderela! – Nôah gritou de volta. O vento uivava em seus ouvidos, fazendo com que não tivesse certeza se ele realmente a tinha ouvido. Mas continuou correndo.

Nôah chegou ao seu carro, procurando nos bolsos a chave com o alarme para abrir a porta, mas tudo o que achou foi o celular. A chave do carro tinha sumido. Ela olhou para trás, tentando se lembrar onde ela poderia ter caído. O rapaz chegou a onde ela estava segundos depois dela.

– Seu sapatinho de cristal, mi amore. – Ele disse, parando na sua frente e segurando a chave do carro.

Quando Nôah esticou a mão para pegar a chave, ele a recolheu, tirando-a de seu alcance. Nôah esticou a mão mais uma vez, mas ele se afastou, sorrindo.

– Minha mãe não é alguém que você iria querer conhecer, tenha certeza disso. – Ela falou, com um tom de alerta na voz.

O sorriso dele não se apagou depois de ouvir a possível ameaça. Nôah investiu contra ele e só percebeu que tinha usado força demais quando eles estavam no chão. Ela prendeu os braços dele com as duas mãos, mas se esqueceu das pernas. Ele rapidamente e com grande agilidade, passou as próprias pernas por dentro das de Nôah e as firmou contra o chão, virando seu corpo para que o dele ficasse por cima do dela sem nenhum esforço. Depois ele prendeu os braços de Nôah assim como ela havia feito com ele antes e a olhou nos olhos.

Quando Nôah pensou que estava derrotada, ele se levantou, oferecendo sua mão para que ela também se levantasse. Ela pegou a mão dele, usando-a como apoio para se levantar. Quando soltou, lá estava a chave do seu carro.

– Obrigada – disse. – E me desculpe por ter derrubado você.

– Não tem problema. – Ele lhe assegurou, ainda com um sorriso no rosto e se afastou deixando Nôah abrir a porta do carro.

Ela apertou um pequeno botão na chave e o alarme desarmou, abrindo automaticamente a porta.

– Você se esqueceu de outra coisa – o garoto disse.

Nôah se virou para perguntar o que era e ele a pegou pela cintura, empurrando-a contra o carro, beijando-a logo em seguida. De início, Nôah ficou muito surpresa para demonstrar qualquer reação, mas logo passou a retribuir o beijo como se aquilo dependesse de sua vida. Ela passou suas mãos pelas costas dele, sentindo os músculos sob a camisa. A mão direita dele estava em sua nuca e descia por seu rosto, enquanto a direita repousava em suas costas na base da coluna, puxando-a para si. Todo o corpo de Nôah estava em alerta, mas não como se ela estivesse em perigo, era mais como se ela estivesse perto de uma bomba atômica prestes a explodir. Ela sentia cada milímetro de seu corpo e cada terminação nervosa sob sua pele irradiando eletricidade como se ela fosse um fio desencapado.

– Eu... preciso... ir – tentou dizer, mas não parecia ser capaz de se afastar dele. – Minha mãe...

O garoto recuou lentamente como se precisasse de grande força para fazê-lo. Seus olhos pareciam faiscar no escuro.

– Acho... acho que sim – ele disse, lutando contra as palavras.

Nôah se virou e abriu a porta do carro e entrou. Sua respiração estava acelerada assim como seu coração, como se tivesse corrido uma maratona dupla sem parar. Antes que Nôah pudesse fechar a porta, ele pegou sua mão, fazendo com que ela o olhasse uma última vez.

– Ainda não sei o seu nome – ele disse, como se ansiasse em descobrir.

– Misteriosa, lembra? – Nôah sorriu e puxou sua mão de leve. – Vejo você no colégio?

– Preferiria que fosse ainda hoje – ele respondeu.

– Você não tem medo da morte mesmo – Nôah soltou um risinho baixo. – Sou filha de uma tempestade, rapaz!

Fechou a porta do carro, saiu do meio fio e seguiu em direção à sua casa. Um grande sorriso se estampava em seu rosto e ela não conseguia, ou não queria, desfazê-lo.


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Notas finais do capítulo

Bem, gente, gostei muito de escrever esse capítulo em particular! Espero que tenham gostado :D

3 - Eu Gosto Dela - Emicida (https://www.youtube.com/watch?v=UKRtZ6MBUbU)
4 - Quase Sem Querer - Maria Gadú (Renato Russo) (https://www.youtube.com/watch?v=xYh5dy41TjA)



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