À Primeira Vista escrita por Sr Castiel


Capítulo 5
Capítulo IV - Nôah - Encontrada À Primeira Vista


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mas saiu! Divirtam-se (:

E vocês já sabem, comentem, divulguem... Enfim



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/527073/chapter/5

Capítulo IV

Nôah

/Encontrada À Primeira Vista/

“Eu já não acreditava na ideia de almas gêmeas, ou amor à primeira vista. Mas eu estava começando a acreditar que umas poucas vezes em sua vida, se você tiver sorte, você pode encontrar alguém que é exatamente o certo para você. Não porque é perfeito, ou porque você é, mas porque suas falhas combinadas permitem que dois seres separados formem um só.”

Blue-Eyed-Devil – Lisa Kleypas

San Diego, Califórnia

9 dias depois

O DIA PARA A TÃO ESPERADA CONVERSA FORA MARCADO E AS HORAS PARECIAM SE escassear mais rápido que o normal.

Nôah, mesmo com a insistência da mãe, ouvindo todos os argumentos que ela havia apresentado, ainda estava com medo do que pudesse acontecer. Felizmente, ela já sabia o que falar, mas só conseguiu resultado depois de horas e horas pensando e se repetindo na frente do espelho. A mãe tinha razão. Claire precisava saber como se comportar dali para frente, o Conselho da Ordem Sobrenatural não permitiria que qualquer humano soubesse mais do que devia. Nôah não tinha muita escolha, afinal.

Nôah estava em seu quarto esperando os poucos minutos que faltavam para Claire chegar. Ela havia ligado duas vezes e não obtivera resposta, mas da terceira Claire atendeu. Foi uma conversa rápida, e Nôah percebeu o quanto aquele tempo mínimo em que haviam ficado sem se falar fora suficiente para uma parede de gelo se erguer entre as duas. Nôah se sentia constrangida ao falar, a tal ponto que gaguejou várias vezes e repetiu frases que a amiga não tinha entendido.

Sua mãe estava sentada em sua cama, segurando o pequeno vaso em que se encontrava Íris, ainda morta. As duas haviam conversado sobre tudo o que poderia acontecer caso alguma coisa saísse errada. Narscisa lhe explicava sobre as bases do Conselho da Ordem Sobrenatural e Nôah começou a imaginar todas aquelas criaturas poderosas observando o que acontecia no mundo todo.

– O Conselho da Ordem é composto de criaturas sobrenaturais variadas. – Explicou Narscisa, tão monotonamente que parecia ter decorado cada frase de um livro da escola. – Cada criatura cuidando dos que pertence às suas respectivas espécies. Mas quando uma decisão que envolve humanos ou mais de um tipo de criatura precisa ser tomada, todas as outras são envolvidas. É como um tribunal no mundo humano, sendo que nós também somos julgados pelos nossos atos e condenados se preciso. Os humanos estão envolvidos de muitas maneiras nas questões sobrenaturais, desde o que eles podem ver até o que podem ou não saber. É tudo muito complexo, mas essa é a primeira de nossas leis: Nunca conte a um humano que o mundo sobrenatural existe.

– Mas nenhum humano soube do mundo sobrenatural? – Nôah perguntou. – Quero dizer, e se alguma criatura sobrenatural se apaixonasse por um humano?

– Já houve casos desse tipo de acontecimento e não foi nada bonito. – A resposta da mãe tinha sido evasiva, como se escondesse mais do que estava contando. – Na maioria das vezes o humano morre, o Conselho da Ordem não liga para as consequências. Só querem manter a paz entre as espécies.

– Mas como eles ficam sabendo quando um humano... – e hesitou. – Sabe demais?

– Eventualmente sabem. – Narscisa respondeu. – O conselho é grande, Nôah. Acho que ninguém de fora tem noção do quanto. Eles tem poderes, olhos e ouvidos em todos os lugares, sem exceções. Uma vez ao ano, em uma data marcada por eles, alguns membros do Conselho da Ordem se reúne com outras criaturas sobrenaturais para discutir questões em comum. Algumas vezes a reunião demora dias e nada sai errado. Ninguém consegue chegar perto do Conselho. Não perto o bastante para causar algum estrago.

“... Só querem manter a paz entre as espécies.” Nôah se lembrou. Não podia dar tempo a eles para que descobrissem sobre Claire. Ela não permitiria que a amiga ficasse em perigo.

Nôah ouviu o som do interfone tocando e parecia estar alto demais, mas sabia que era por estar nervosa a ponto de seus sentidos ficarem zumbindo como cabos de alta tensão com mal contato.

– Vou atender – disse Narscisa, bem baixo. – Você está bem? – Perguntou, antes de sair pela porta.

– Vou ficar – respondeu Nôah. – Depois que tudo terminar. – Ela estava com a cabeça baixa e pouco antes de a mãe sair seus olhos encontraram os dela. Narscisa não parecia nervosa com a situação, mas Nôah sabia do autocontrole absoluto que a mãe tinha.

Ela respirou fundo, fechou os olhos e tentou se concentrar. Queria se manter o mais calma possível quando Claire entrasse em seu quarto, mas não conseguiu. Entre o som de sua respiração e os que vinham de fora da casa, ela escutou trechos da breve conversa entre Claire e sua mãe.

– ... assustada, querida. – Sua mãe dizia. A voz linda e calma transmitindo tranquilidade para quem a ouvisse. – Sei que vai dar tudo certo.

Claire não respondeu e o silêncio reinou por um tempo até que Nôah ouviu os passos da amiga e da mãe subindo as escadas, indo em direção ao seu quarto.

Nôah se sobressaltou quando uma leve batida na porta a tirou da concentração.

– Pode entrar, Claire. – Pediu, sua voz saindo baixa e um pouco trêmula. O exercício para tentar se acalmar não dera certo.

A porta foi aberta e Claire entrou. A primeira coisa que Nôah percebeu e fez uma cascata de culpa descer por seu peito e interromper o ar que entrava em seus pulmões foi o medo que viu nos olhos da amiga. Claire nunca havia olhado para Nôah daquele jeito. Seus olhos estavam bem abertos, haviam olheiras sob eles e as pupilas mais dilatadas que o normal.

Claire era uma garota linda, sempre sorrindo e cheia de vida. Mas naquela ocasião, ela parecia cansada, assustada... Em dias normais que as duas saiam para fazer compras, Claire usava cores vivas nas roupas e nas unhas. A pele era clara, mas ela gostava de ir à praia ganhar um pouco de cor. Seu cabelo era de um vermelho intenso quase alaranjado, com ondas caindo até o meio das costas. Os olhos eram grandes e castanhos e tinham um brilho misterioso no fundo deles. Boca e nariz finos e bem desenhados no rosto. Era alta, mas mais baixa que Nôah e as curvas do corpo eram perfeitamente esculpidas.

Ali, na frente de Nôah, Claire estava mais pálida que o normal. O cabelo, sempre perfeito e brilhante, parecia não ser arrumado há dias. Ela vestia roupas escuras e largas demais para ela.

– Claire, você está bem? – A pergunta escapou da boca de Nôah antes que esta pudesse impedir. Sua voz saiu urgente, quase desesperada.

A garota encarou Nôah, arregalando ainda mais os olhos, como se de sua boca tivesse saído silvos como os de uma cobra localizando a presa. Nôah se sentiu desanimada. Ela sabia o quanto Claire estava assustada com o que havia visto no outro dia, mas ainda não tinha ideia da dimensão do estrago que havia provocado.

– Sim. – Ela disse, baixinho.

– Eu só... – Nôah começou a se engasgar com as palavras que tinha treinado para falar. Ela acabou percebendo o quão falsa seria se falasse mecanicamente o que planejara e, talvez nem surtisse tanto efeito quanto realmente queria fazer. Ela respirou fundo, olhou para a amiga e disse, com mais confiança dessa vez. – Claire, eu não faço ideia do que você tem passado nesses três dias, mas eu só chamei você aqui para tentar...

– Como você conseguiu? – Perguntou Claire, interrompendo a linha de raciocínio de Nôah,

– Perdão? – Nôah perguntou, confusa. – Consegui o que?

– Como você conseguiu esconder isso de mim por tanto tempo? – As palavras foram cuspidas da boca de Claire como se esta tivesse nojo do que Nôah pudesse vir a se transformar ali na sua frente. – Afinal, você me conhece há muito tempo...

– Autocontrole. – Respondeu Nôah, mas manteve a voz normal. Fez de tudo para esconder a tristeza e o ressentimento que ela sentia pela amiga ter falado daquele jeito. – Eu nunca te machucaria...

Claire bufou em uma atitude de total descrença.

– Claire, você mesma disse que somos amigas há tanto tempo, não acha que se eu quisesse te machucar, já não teria conseguido? – Perguntou Nôah.

– Alguma coisa me diz que você tem razão, mas não é como aceitar que um ente querido morreu, não é mesmo? Isso é loucura. – Respondeu. – Fiquei os dois últimos dias trancada em casa, esperando que alguém viesse atrás de mim... Pensando se tudo foi mesmo real ou se cheguei ao mesmo nível de insanidade que a minha...

– Claire é tudo verdade. – Interrompeu Nôah. A tristeza em seu peito era tamanha que ela sentia dificuldade em respirar. Lágrimas vieram aos seus olhos, mas Nôah conseguiu reprimi-las. – Mas eu te chamei aqui para te dar um aviso. Você não entende o quanto isso é grave.

– Acho que entendo sim... – Começou ela. Mas Nôah a interrompeu de novo.

– Claire – chamou, sua voz saiu mais alta que o normal e a amiga estreitou os olhos, ficando paralisada imediatamente. – Desculpe – Nôah havia assustado a garota mais uma vez. – Você não entende metade do que eu quero te explicar e você precisa entender, senão as coisas podem se complicar...

– O que você está querendo dizer? – Perguntou Claire, desconfiada.

– Aquela vampira não tinha direitos sobre você. – Explicou – Nós não podemos atacar humanos assim; também temos leis e um Conselho que funciona como os seus tribunais. Vampiros só podem se alimentar de humanos condenados pela nossa sociedade. Humanos que nos causaram danos ou que espalharam o conhecimento sobre a nossa existência por aí mesmo sabendo que isso é contra as leis. Eu sei o quanto você está assustada com tudo isso e que não é fácil aceitar tudo o que viu, mas, basicamente, se eu não tivesse aparecido aquele dia, estaria no seu funeral agora mesmo.

– Eu... – Começou Claire, mas Nôah não a deixou continuar.

– Você não precisa entender o que eu sou ou como o meu mundo funciona. – Nôah não conseguiu conter as lágrimas naquele momento, estava tomando a decisão que no fundo sempre soubera ser necessária para que Claire ficasse segura. Mas quando falou, sua voz saiu firme. Ela sabia que, no fim, deixaria muitas pessoas para trás, afinal, era um ser imortal que viveria para sempre e sempre sofreria com as perdas. – Sua segurança depende de você mesma. É só me prometer que não vai contar a ninguém sobre o que viu. Se o Conselho da Ordem souber o que aconteceu, precisam ter certeza absoluta que você não vai falar nada. É só isso e você pode seguir em frente. Vai ser difícil no início tentar aceitar a nossa existência, mas depois você vai ficar bem... Eu...

– Nôah, eu...

– Está tudo bem, – as lágrimas ainda saiam de seus olhos, mas mais calmas agora. – Eu vou dar um jeito, vou concertar tudo... E não é tão ruim assim ser uma vampira, na verdade. Alguns de nós não vivemos como carniceiros, sabe... Alguns ajudam os humanos até...

– Nôah, eu não estou te julgando. – Interrompeu Claire. – Só estou falando que não é fácil aceitar essa realidade. – Suas palavras foram rápidas, urgentes.

Nôah estava inquieta. Sabia que estava beirando ao desespero, mas não podia evitar. Queria concertar as coisas, mas não sabia como. Queria que Claire continuasse a ser sua amiga, mas não sabia o que fazer para isso acontecer. Foi então que se lembrou de Íris na mesinha de cabeceira ao lado de sua cama. Ela se levantou da cama, indo em direção à flor que parecia tão morta quanto antes.

– Eu posso te mostrar. Nem todos somos criaturas perversas que sentem prazer em matar humanos. – Nôah falou. Sua voz aos seus ouvidos soava tremula, desvairada. – Esta flor, por exemplo, eu a criei com os poderes extras que eu tenho. Nem todos os vampiros são como eu e minha mãe, mas é meio difícil entender todos os padrões. Enfim, dei de presente para a minha mãe e ela... fez com que a morresse para que eu pudesse te mostrar o que consigo fazer. – Nôah estava sentada agora na cama ao lado da mesinha de cabeceira. Claire a olhava com o olhar curioso, apesar de ainda parecer um pouco receosa. – Chegue aqui perto para ver melhor.

Nôah não esperava que Claire ficasse perto dela, mas tinha que tentar. Tinha que, ao menos, fazer com que um pouco daquele medo sumisse dos olhos da amiga. Era sua responsabilidade agora. Quando a amiga fosse embora, Nôah não poderia deixar nenhuma ponta solta; tinha que fazê-la se sentir segura de novo, viver sua vida da melhor forma possível.

Claire andou lentamente até Nôah, mas não chegou tão perto. Apenas o suficiente para ver o que Nôah queria mostrar e ainda ficar em uma distância segura da possível predadora.

– Bem, ela está morta – começou Nôah. – Você consegue ver, certo? – Perguntou e Claire assentiu com a cabeça. – Eu sinto isso. Nenhum resquício de vida passa pela flor. Eu posso mudar isso. – Nôah afirmou, encarando Claire, que não demonstrava nada em seu rosto.

Nôah pegou o vaso onde estava a flor e o colocou entre as pernas. Depois olhou para o pequeno caule morto e ressequido segurando um miolo com dificuldade, e, neste, ainda uma pétala seca pendendo quase caindo. A garota arrancou a única pétala que ainda estava no miolo da flor e esta pareceu reagir ao seu toque. Nôah sentiu que algo se agitava na terra dentro do vaso e, de repente, um vento forte percorreu todo o quarto, açoitando os cabelos das garotas. Uma lágrima que ainda não havia saído do olho de Nôah caiu na terra seca que cobria as raízes de Íris.

Foi quando algo incrível começou a acontecer. Todo o caule da pequena flor tornou-se verde instantaneamente e folhas também verdes brotaram e cresceram ao redor do tronco agora forte e vivo. A pequena gota da lágrima que caiu do rosto de Nôah se espalhou por toda a terra, molhando-a por completo, como o que faria um regador cheio de água. Seis pétalas cresceram ao redor do miolo, uma de cada cor: vermelho, laranja, verde, azul, anil e violeta. Completando a última cor, o miolo tingiu-se de um amarelo vivo.

– É incrível! – Disse Claire, parecendo maravilhada com o que via.

Nôah olhou para Íris à sua frente, – de longe a sua melhor criação – e se sentiu orgulhosa por tê-la criado. Lembrou-se de quanto tempo tinha levado para fazer com que ficasse perfeita e percebeu que, sem esforço, fizera reviver em muito menos tempo. Seus poderes estavam se desenvolvendo rápido.

Ela olhou para a amiga e disse:

– Viu? – Perguntou. – Nem tudo parece tão ruim, não é mesmo? – Nôah fechou os olhos e, mentalmente, agradeceu à mãe por tê-la dado essa ideia. – Consigo controlar alguns elementos, desenvolvê-los em alguns estados e formas e também posso curar qualquer ferimento em alguém que não se tenha o poder de regeneração natural dos vamp... bem, de alguém como eu.

– Isso não é um truque? – Claire havia chegado mais perto de Nôah. A garota nem havia percebido. Agora a amiga pegou o vaso nas mãos e observava a flor atentamente. – Você ganharia um bom dinheiro fazendo shows de mágica, sabia?

E a conversa se tornou fluida de novo. Parecia que a noite de sexta-feira havia sido tão normal quanto qualquer outra.

– Mágica não existe, Claire. – Respondeu Nôah, lembrando de sua tia Alice lhe dizendo a mesma coisa quando havia perguntado, há muitos anos, se seus poderes eram mágica como as que passavam na televisão. Alice afirmava ter visto aquela frase num filme, mas não se lembrava qual era. – A única maneira de se tirar um coelho da cartola, é colocando ele lá dentro antes. Bem, existem as bruxas e elas têm seus feitiços, mas eu não julgaria o que elas fazem como algo que a gente pode ver em um show de mágica barato.

– Bruxas? – Perguntou Claire, franzindo a testa.

– Sim. – Respondeu. – Elas vivem entre nós e às vezes nem as criaturas sobrenaturais percebem. São muito poderosas e ajudam a colocar a ordem no mundo sobrenatural.

– Tenho uma lenda sobre bruxas na minha família. – Claire disse, como se devaneasse. – Mas a maioria dos meus parentes são muito excêntricos para acreditar nessas coisas.

– Existem outras criaturas vivendo entre os humanos. Criaturas com aparência humana, é claro. As outras vivem isoladas e nenhum humano consegue vê-las. Vocês só veem o que seu cérebro quer ver, como se tivessem uma parede transparente envolvendo seus olhos e todo o sobrenatural fica invisível a eles.

Claire continuava a admirar Íris. Ela não olhava para a amiga e parecia ainda não ter percebido que estava sentada ao lado de Nôah.

– Como você consegue andar sob o sol sem virar cinzas?

A pergunta de Claire pegou Nôah de surpresa. Ela não esperava que a amiga quisesse saber tanto sobre o que ela era abaixo da aparência humana.

– Existe uma lenda antiga que diz que somos filhos do sol. – Explicou Nôah. – Não entendo porque um pai iria queimar os próprios filhos.

– Eles virão atrás de mim? – Claire perguntou, a voz parecendo distante de tão baixa.

– Eles? – Nôah não tinha entendido a pergunta.

– Você disse que humanos não podem saber sobre o mundo sobrenatural. – Dessa vez Claire encarou Nôah. Sua expressão havia mudado ligeiramente. Seus olhos não estampavam mais aquele medo aterrador de quando havia chegado. Eram de puro desafio. – O Conselho Sobrenatural virá atrás de mim?

– Não acho que será necessário. – Nôah respondeu. Sua voz era séria. – Mas se virem, eles vão me procurar primeiro. Afinal, eu violei a lei.

– Entendo. – Claire, disse, por fim.

A garota se levantou, entregou a Nôah o vaso com Íris e andou até a parede oposta à cama onde Nôah estava.

– Claire, eu...

De repente, Claire ficou estranha e Nôah parou de falar. Seu corpo se retesou completamente; seus olhos ficaram desfocados e completamente arregalados, como se quisessem pular para fora das órbitas.

– Claire? – Chamou Nôah.

A garota piscou algumas vezes ao ouvir seu nome e olhou ao redor, como se não se lembrasse onde estava. Mas seus olhos ganharam foco e Nôah, antes que percebesse, já estava ao lado da amiga, segurando em seus braços, amparando-a. Claire passou a mão pelo rosto e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, depois declarou:

– Tenho que ir embora. Minha mãe... Eu...

– Não, espera! – Pediu Nôah. – Você está bem?

– Estou sim, eu... – Ela se desvencilhou das mãos de Nôah começou a andar até a porta. – Eu só preciso ir embora. – Respondeu. – Só estou cansada, eu acho.

– Eu sei que é muita informação para assimilar, Claire. – Nôah começou a se explicar. – Pode ter certeza que ninguém irá fazer nada contra você e sua...

– Não, não é isso. – Ela disse, abrindo a porta e passando por ela. – Vou pensar sobre o que você disse. Eu só preciso de um tempo. – Falou sobre o ombro e correu pelas escadas.

Nôah ouviu o clique da porta de entrada sendo fechada e soltou o ar que não sabia estar segurando até aquele momento.

– O que aconteceu? – Perguntou Narscisa, aparecendo de repente à porta do quarto de Nôah.

– Eu não sei. – A garota respondeu. – Não entendi. Eu só... Ela disse que precisava ir embora e se foi.

– Mas ela não ficou perturbada pelo que você falou, ficou? – Perguntou sua mãe.

– Não... Bem, no começo, sim, mas depois que mostrei Íris, ela não ficou mais tão assustada.

Narscisa franziu a testa, tentando entender o que havia acontecido, mas não pareceu chegar a nenhuma conclusão.

– Vou fazer uma caminhada – declarou Nôah.

– Caminhada? – Perguntou Narscisa.

– Preciso correr um pouco – ela disse, dando um suspiro de frustração. – Só para aliviar a tensão.

– Nôah, você sabe que não devemos no exceder...

– Eu sei, mãe. – Nôah disse. – Vou correr normalmente como qualquer outro ser humano. E não vou muito longe, prometo. Estarei em casa antes do anoitecer.

– Bem, depois de tudo isso você pode ir, sim – falou Narscisa, acenando com a mão como se mostrasse a cena de um crime macabro. – Mas cuide-se. Nunca se sabe quando pode aparecer mais vampiras loucas como as da festa.

Nôah assentiu e entrou no quarto. A mãe foi em direção às escadas, dizendo:

– Me avise quando estiver saindo.

– Pode deixar, – disse Nôah e depois fechou a porta.

A garota sentou em sua cama, olhando ao redor, percebendo, ao que parecia, pela primeira vez em dias, os detalhes do quarto. Em um todo, o quarto era simples. Cores básicas nas paredes, chão e móveis. A cama ficava encostada à parede oposta à porta no ponto exato que marcava o meio do quarto; lençóis brancos e travesseiros da mesma cor estavam postados em cima. Um grande espelho estava fixado à parede à direita da cama e uma bancada de vidro transparente abaixo do espelho repleta de coisas para a pele e o rosto que Nôah quase não usava. Aos lados da cama, duas mesinhas com abajures em cima, agora apagados, e dois vasos de flores do lado de cada um. Um tapete cobrindo o chão à esquerda da cama ia de encontro à porta de vidro coberta por uma cortina branca que dava para a sacada do quarto. Duas portas ao lado do espelho davam para o closet e o banheiro.

Íris estava ainda em cima da cama, onde Nôah a havia deixado quando correu até Claire para ver se esta estava bem. A flor brilhava sob a leve luz que vinha do lustre de cristal no teto do quarto.

Nôah se levantou e foi em direção ao closet, fechando a porta atrás de si.

*

Poucos minutos depois, Nôah estava vestida com uma roupa mais apropriada para correr e se alongava em frente à porta de entrada. Vestia uma calça de ginastica e blusa mais folgada, tênis confortável e uma pequena bolsinha pendendo do ombro com uma garrafa de água e outra de sangue que havia pegado na cozinha.

– Mãe, já estou indo – a garota falou.

– Fique segura, Nôah. – Respondeu Narscisa, sua voz vinda da cozinha. – Qualquer coisa estarei no celular, está levando o seu?

– Estou sim, mãe. Não vou demorar!

Ela saiu pela porta e atravessou o portão chegando à rua em leves passadas. Na rua havia algumas pessoas também fazendo suas caminhadas diárias. Nôah começou andando calmamente e pouco depois já estava em ritmo de uma corrida rápida.

Nôah sentiu seus músculos começarem a relaxar. Mas não se deixou levar, não podia usar sua velocidade máxima ainda na rua, então fez com que seu senso de direção e seus instintos guiarem seu corpo para onde eles quisessem ir.

Ela passava pelas ruas sem prestar muita atenção na paisagem à sua volta. Percebia que as muitas casas que se amontoavam dos dois lados da rua começavam a desaparecer para darem lugar à vista costeira da cidade. Nôah já conseguia sentir o cheiro salgado da água do mar e uma brisa fresca de fim de tarde passava por sua pele e lançava seus cabelos para trás.

Depois de um tempo o barulho do mar, não muito longe de onde estava, fustigou seus ouvidos e a garota ficou pensando em quanto tempo ela não fazia uma visita à praia. Gostava de ficar vendo as ondas baterem na areia, sem generalizar o poder que tinha toda aquela imensidão, quão longe poderia ser o horizonte onde o mar se findava em sua visão.

Nôah parou quando alcançou o calçadão de pedra vermelha, onde mais pessoas andavam conversando, outras passavam com bicicletas duplas com as crianças em bicicletas menores passando do lado, enquanto aproveitavam aquele dia, que rapidamente acabava e a realidade do verão ia com ele. A praia estava silenciosa e ninguém passava na areia na pouca área que a visão de Nôah conseguia chegar. Apenas as ondas faziam barulho enquanto atacavam a areia e regressavam de novo.

Nôah retomou a corrida, indo em frente e passando pelas pessoas sem de fato olhar para o rosto delas. Pés de coco em espaços regulares, lançavam sombras grandes sobre a calçada. Nôah conseguia ver alguns quiosques montados na areia da praia, todos de madeira, mas não pareciam estar funcionando. Ela saiu da calçada, atravessando a rua que se alongava à sua direita e entrou em uma rua que a levaria onde queria ir.

Não havia mais casas onde Nôah estava, apenas alguns armazéns fechados e prédios em total estado de deterioração. Ela sabia que ninguém mais morava ali e poucas pessoas frequentavam aquele lugar, mas não se preocupou. Só queria se distanciar de olhos que a impediriam de se sentir livre para correr em sua velocidade máxima por quanto tempo quisesse.

Pouco além dos prédios, uma grade alta separava a rua de uma área onde ambientalistas protegiam animais que foram mantidos em cativeiro. Eles os ajudavam a se adaptarem ao ambiente para depois levá-los ao verdadeiro habitat natural das respectivas espécies.

A garota olhou para os lados, se certificando que não havia ninguém por perto para impedi-la de entrar na floresta. Havia, mais além, na grade, um portão trancado com uma corrente grossa e um cadeado grande. Seus sentidos diziam que ninguém andava por aquele local e, rapidamente, ela, com um pulo, subiu na grade, indo parar no topo e depois chegando rapidamente ao outro lado sem fazer o mínimo de barulho e sem se desequilibrar.

Ela correu por entre as árvores, que apareciam poucos metros além da grade. Ainda faltavam algumas horas para o sol se pôr e as árvores lançavam sombras no chão. Elas cresciam muito juntas e algumas raízes saiam da terra, mostrando-se grossas e cheias de vida, como eram.

Nôah imediatamente sentiu-se cheia de energia. Era como se cada ser vivo dentro daquela floresta, emanasse energia ao vento e seu corpo absorvia tudo com prazer. Ela andou mais adiante, passando por algumas árvores juntas e sumindo da vista de qualquer pessoa que estivesse fora da cerca.

O cheiro real da floresta tomou conta de Nôah como se fosse uma capa, um invólucro, protegendo-a de tudo do mundo exterior. Ela seguiu andando por entre as árvores que ainda cresciam muito juntas desde a margem. As árvores eram altas, algumas ainda nem tanto, mas um dia ficariam tanto quanto as outras. Havia canteiros inteiros de flores crescendo entre as raízes que se sobrepunham ao solo, mas Nôah claramente viu que aquilo foi feito por algum ser humano. Grama, mato e espinhos despontavam do chão e Nôah viu que algumas flores estavam sendo sufocadas por crescerem tão juntas.

A garota foi em direção aos canteiros, e com um gesto da mão, afastou os espinhos e fez algumas raízes retrocederem chão adentro. As flores pareceram sorrir quando Nôah se levantou, olhando a nova visão e imaginando o que os humanos pensariam ter acontecido em tão pouco tempo.

Ela afastou aquele pensamento dando de ombros e seguiu em frente. Queria encontrar um lugar mais aberto, onde não houvesse mais tantas árvores, onde pudesse correr à vontade.

De repente, ela estacou, olhando para os lados. Um cheiro diferente de todos que ela já havia sentido na floresta chegou ao seu nariz, dando tapas nas paredes da sua garganta. Sangue. Nôah ficou alerta na mesma hora, tentando saber de onde o cheiro vinha, mas parecia vir de todos os lados. Ela seguiu em frente, onde o cheiro era mais forte.

Poucos metros à frente, o cheiro mudou completamente. No fundo, ainda tinha o mesmo cheiro de sangue de antes, um pouco mais forte, até. Mas algo sobrepunha o odor metálico de sangue, como se algum animal morto tivesse sido deixado ali para apodrecer.

Um rastro de sangue seco começou a aparecer no mato alto, passando pelas pedras e em algumas plantas maiores exatamente onde Nôah estava. Nôah começou a segui-lo colocando a mão no nariz para tentar obstruir a passagem daquele cheiro horrível de carne podre que a deixava enjoada.

Mais à frente, as árvores já não cresciam mais tão juntas. Espaços entre uma e outra cada vez maiores davam à Nôah uma visão mais aberta do lugar. Ela estava em um lugar onde provavelmente ainda não fora mexido pelos humanos. Estava tudo intocado, mas algo não deixava o lugar ser totalmente selvagem. Parecia...

Nôah sentiu-se lançada para frente e se viu arremessada quase três metros até que uma árvore interceptou sua trajetória e a fez parar. Uma dor lancinante subiu por seu braço, passando por seu pescoço e se instalando em sua cabeça. Pontos de luzes dançavam em sua visão, mas ela se obrigou a se levantar.

Ela levou a mão à cabeça e não sentiu que saia sangue e conseguiu se apoiar com a outra mão na árvore. Alguém se avultava poucos metros à sua frente, mas Nôah ainda não conseguia distinguir todos os traços.

– Tudo bem aí, vampirinha? – A voz era feminina e parecia estar com raiva.

Nôah piscou várias vezes tentando enxergar melhor e quando seus olhos entraram em foco, conseguiu ver quem era.

Inicialmente a mulher era linda. Não era tão alta, mas tinha um corpo lindo. Sua pele de uma cor azeitonada que parecia brilhar à luz do sol; seus olhos eram escuros, mas tinham certo brilho experiente como se tivessem visto coisas por mil anos, mas não se afetassem pelo tempo; os cabelos desciam em cascatas negras e lisas pelas costas devolvendo ao sol o brilho que absorvia. Sua boca estava suja de sangue e com isso Nôah teve certeza que aquela mulher era uma vampira.

– O que você quer? – Perguntou Nôah. Ela sabia que a mulher à sua frente notaria seu medo escorrendo por sua voz, mas não se importou. Apenas deixou cair a mochila no chão, preparando-se para uma possível luta que ela tinha certeza que aconteceria.

A mulher fez um gesto displicente com a mão, como se não se importasse com o que Nôah queria ou não saber.

– Bem, eu quero muitas coisas – ela disse, num tom despreocupado. – Mas agora eu preciso acabar com você, é claro.

– Como você se chama? – Perguntou Nôah, querendo ganhar algum tempo para pensar em um bom plano.

– Isso não interessa no momento, querida – falou a mulher. – Não há razão em você querer saber meu nome sendo que estará morta assim que as outras chegarem.

– Outras? – Toda a esperança de Nôah se esvaiu ao ouvir aquelas palavras.

– Sim. – Ela respondeu andando de um lado a outro. – Éramos quatro quando chegamos aqui, mas uma não quis continuar com a gente. Agora somos três. – Ela parou e encarou Nôah com um olhar divertido no rosto. – Pensando bem, acho que posso te falar o meu nome. Você não vai sobreviver para contar a ninguém mesmo.

– Então qual é? – Perguntou Nôah,

A garota estava se concentrando nas árvores atrás de si em busca de proteção. A dor na cabeça já havia parado e ela estava se sentindo bem, apesar de o cheiro de podridão e sangue ainda a afetarem. Suas narinas começavam a arder e seu olfato aguçado pela adrenalina não ajudava diminuir o quanto sentia-se mal pelo odor. Sua garganta arranhava tanto enquanto ela falava que Nôah começou a achar que algum bicho poderia estar passando suas garras achando estar fazendo apenas cocegas; o sangue mexia com seu cérebro como um banquete faria com um humano que tivesse ficado sem comer há muito tempo.

Tentou, desesperadamente se controlar para esquecer aquelas distrações. O chão à sua volta respondeu ao seu chamado como se conversassem telepaticamente quando buscou algo para ajudar a lutar e se defender.

Pela primeira vez Nôah sentiu a floresta completamente. Cada ser vivo que morava nos menores lugares trabalhando incessantemente; cada folha balançando ao vento; cada raiz debaixo da terra buscando água e sugando nutrientes importantes para manterem as árvores vivas e saudáveis. E ela o sentiu. Algo grande e com um poder inquestionável que fez Nôah estremecer de medo da cabeça aos pés. Ela não conseguiu identificar a forma ou onde exatamente estava, mas sabia que estava perto e tinha uma aura de poder quase intangível. A garota sabia que os vampiros, ao longo dos anos, desenvolviam suas habilidades a tal ponto que era quase impossível matá-los. Aquela mulher à sua frente não parecia ser tão nova quanto sua beleza aparentava e Nôah ficou com medo de ter que enfrentar mais duas iguais a ela.

– Isally. Eu me chamo Isally. – Ela respondeu.

– Nunca ouvi falar. – Respondeu, Nôah.

– Minha mãe quem me nomeou. – Ela disse. – Também nunca ouvi qualquer outro igual, mas não me surpreendo. Nasci em um povoado onde as bruxas eram consideradas pelos humanos pragas do inferno.

– Sei que não é educado perguntar isso, mas quantos anos você tem?

Nôah sabia que Isally perderia a paciência a qualquer momento, mas não podia deixar que ela a atacasse sem ter um bom plano de fuga antes. Não sabia que conseguiria correr mais rápido que a vampira e nem se seria mais forte se precisasse mesmo lutar contra ela.

– Nasci há mais de três séculos atrás. – Ela respondeu. Um sorriso travesso atravessando seus lábios manchados de sangue. – Fui uma das que liderou a caça às bruxas em Salem. – Então sua expressão mudou de satisfação para nojo. – Elas nunca esqueceram isso.

– E você está aqui se alimentando... – Nôah não completou a frase esperando que a outra o fizesse e esta assim o fez.

– Bem, todos sabem até onde vai a arrogância humana quando eles querem quebrar as regras. – Isally voltou a andar de um lado a outro, como se não se preocupasse a que horas Nôah morreria, sendo que a garota morreria de qualquer forma. – Esta, – disse, indicando com as mãos tudo à sua volta –, é uma área protegida pelos ambientalistas e permitida a entrada somente de pessoas autorizadas. Há algumas noites nós chegamos e nos instalamos aqui, sabendo que a comida entraria sem que nos preocupássemos em ter que procurar por elas. Adolescentes drogados em sua maioria pulam aquela cerca quase todas as noites e nós vamos atrás deles. Os assustamos e deixamos que corram de nós até certo momento, você não tem ideia de como é prazeroso ouvir os gritos...

– Mas isso é horrível – comentou Nôah, notando na própria voz o desgosto que sentia.

– Horrível? – A mulher dessa vez gritou. – Depois que esse Conselho da Ordem Sobrenatural começou a proteger os humanos, nós, vampiros, quase passamos fome. Isso é um completo descaso com a nossa sociedade.

– Mas sentir prazer com a dor e o medo dos outros não é normal. – Disse Nôah. – Vocês são loucas.

– Exatamente, minha querida – disse, parando e encarando Nôah mais uma vez, mas com um sorriso perverso nos lábios. – E você vai morrer agora – declarou. Como se falasse a previsão do tempo do outro dia. – Decidi que não quero esperar pelas outras.

Isally investiu contra Nôah mais uma vez e a garota por pouco não sofreu o impacto, desviando no último segundo. Mas a mulher não desistiu por isso, tentou mais uma vez e Nôah sentiu seu braço esquerdo se deslocar quando uma sombra da mão de Isally passou de raspão por ele.

A dor deixou Nôah atordoada. Ela caiu de joelhos quando não conseguiu se equilibrar.

– Você acha que conseguiria lutar contra mim, querida? – Isally perguntou, soltando uma gargalhada alta. – Tenho quase quatrocentos anos, você não conseguia encostar em mim nem se tivesse metade dessa idade.

Nôah colocou a mão direita no ombro esquerdo e fechou os olhos. Não podia deixar o processo de regeneração começar e, com ele, a calcificação do osso deslocado, se este estivesse fora do lugar. Com um movimento rápido e mais uma pontada de dor que fez ela ofegar e quase gritar, Nôah colocou o osso do braço no lugar.

– Durona – falou Isally, batendo palmas. – Você é de onde mesmo? Não pode ter sido criada por outro vampiro. Seu coração bate forte. Consigo sentir o cheiro do seu medo daqui onde estou.

Nôah se levantou, segurando as lágrimas que vinham em seus olhos. Não choraria, demonstrando fraqueza, na frente daquela mulher. Ela concentrou toda a sua raiva em seu poder, canalizando a força que estava à sua volta, pronta para ser usada.

– Primeiro – Nôah disse, levantando a mão esquerda e passando a mão no ombro já completamente curado, – eu não disse que queria encostar em você. – Com isso, a garota girou a mão rapidamente e a terra envolta dos pés da mulher respondeu ao seu comando. – Eu não preciso encostar em você. – Uma cratera de dois metros de diâmetro começou a se abrir em volta de Isally e esta abriu bem os olhos, tentando sair da terra que parecia não mais aguentar seu peso. Cada passo que Isally dava, mais a terra a sugava para baixo. – E não, eu não fui criada, mas como você disse, não há razão para você saber de onde eu venho sendo que estará morta antes que as outras cheguem.

Nôah abaixou as duas mãos e as levantou devagar. A cada movimento, mais Isally afundava no buraco que abria aos seus pés. Mas a vampira lutava, tentando sair da armadilha a qualquer custo. Nôah, vendo aquilo, ajoelhou-se no chão, empurrando as mãos na terra e sentiu todo o poder do que estava vivo debaixo de si. Raízes grossas de árvores começaram a se mexer e a se enrolarem nas mãos e pés da vampira que soltou um grito de frustração quando não conseguiu mais lutar contra a terra que só a levava para baixo.

A terra parou de se mexer e Nôah andou até a cratera, olhando o rosto, agora todo sujo de terra, de Isally, que estampava completo terror ao ver o que a esperava.

– Isso é por você ter matado aquelas pessoas de forma tão sórdida. – Falou Nôah. – Você não pertence ao Conselho para julgar ninguém. Adeus.

Nôah pisou forte no chão e a terra mais uma vez começou a levar Isally para baixo. Cobrindo a cabeça da vampira e sufocando um grito que parecia atingir os tímpanos de Nôah como facas. Ela sabia que não podia dar qualquer chance àquela vampira de voltar, então se concentrou, fechando os olhos, tentando se conectar às camadas de terra que cobriam toda a vastidão debaixo dela, empurrando o mais forte que conseguia até perder o controle e a exaustão a tomar por completo.

A garota andou vagarosamente até a árvore onde tinha sido arremessada, pegando a mochila no caminho e se sentou no chão. Nôah limpou as mãos sujas de terra na calça e abriu a mochila, tirando primeiro a garrafa com água e bebendo uma boa quantidade. Quando se sentiu saciada, abriu a garrafa com sangue e tomou em grandes goles sentindo seus músculos relaxarem e seu cérebro clarear. Quando o sangue da garrafa acabou, ela as colocou dentro da mochila mais uma vez e a fechou. Não iria para casa ainda. Queria descansar e pensar se contaria à mãe ou não o que havia acontecido. Dois ataques de vampiros em menos de duas semanas era um nível preocupante mesmo para ela.

Nôah soltou um suspiro alto e começou a pensar que vampiros mais velhos eram, sim, mais fortes, mas nada poderia ganhar da inteligência e articulação de um bom plano.

– Descansando? – Perguntou outra voz à sua frente.

Nôah abriu os olhos e encarou dois olhos dourados e profundos olhando-a poucos centímetros de seu rosto. Era outra vampira.

– Eu...

A mulher segurou Nôah pela manga da camisa, levantando-a e levando-a para perto do buraco onde havia soterrado Isally.

– O que você fez com a outra de nós que estava aqui? – Perguntou, sua voz beirava a raiva e descontentamento. Algo dizia a Nôah que ela não teria a mesma paciência que Isally teve no início.

– Ela ia me matar – respondeu Nôah, tentando se defender, mas sabia que não seria possível. – Tive que...

– O que está acontecendo, May? – Perguntou outra mulher saindo entre as árvores. – Onde está Isally? Acho que não é mais seguro aqui para nós. Ouvi uns barulhos estranhos há poucos metros daqui.

A nova que havia chegado não parecia ter notado a presença de Nôah até que encarou a garota e estacou no lugar, avaliando-a.

– E essa garota, de onde veio? – Perguntou.

– Não sei, – respondeu May. – Quando cheguei aqui não encontrei Isally e ela estava sentada ali naquela árvore. – E apontou para onde Nôah estava.

– Quem é você, garota? – A nova mulher perguntou.

Nôah notou o quanto elas eram diferentes entre si. A mulher que a segurava tinha a pele clara, olhos dourados como ouro liquido e cabelos perfeitamente loiros e brilhosos. A outra que ainda se encontrava parada a poucos metros delas, tinha a pele pouco mais escura que a de May e os olhos verde claros, o cabelo enrolado e alaranjado contrastava perfeitamente com a pele e os olhos. Mas todas três tinham os corpos perfeitos, assim como os movimentos. Cada reflexo era calculado, cada passo era gracioso como os de um cisne ao pousar na água.

– Isso não importa, importa? – Perguntou Nôah, soltando um muxoxo de impaciência. A certeza de que não conseguiria ganhar das duas de uma vez quase a sufocava.

– Ela tem razão, não é mesmo, Ruby. – May disse enquanto sorria. – Mas antes precisamos saber onde está Isally.

– Solte-a – ordenou Ruby com autoridade na voz.

– O que? – Perguntou May.

– Eu mandei você soltá-la, não escutou? – Ruby já caminhava em direção às duas.

– Mas ela...

– Solte-a agora! – Onde Ruby passava o mato derretia imediatamente. Era como se ácido saísse de suas botas.

– Tudo bem, acalme-se. – May pareceu mais assustada quando percebeu que Ruby não estava para brincadeira. Nôah começava a entender como a as regras para aquelas vampiras funcionava: Ruby era a líder porque apresentava uma habilidade a mais que as outras e estas não se revoltavam contra a líder com medo de ter uma morte dolorosa em meio ao ácido que Ruby produzia apenas estando com raiva.

May soltou Nôah e esta respirou fundo, olhando para as duas enquanto tentava pensar em alguma coisa que pudesse fazer para vencê-las.

– Muito bem. – Falou Ruby olhando para Nôah. – Agora você vai nos dizer onde Isally está.

– Ela... ela fugiu – mentiu a garota.

– Veja bem como ela mente – admirou-se May. – Isally não fugiria de alguém como você, garota!

– Vou perguntar só mais uma vez – disse Ruby, passando a língua nos lábios. – Se não responder, você vai sentir quanto tempo demora para o ácido passar por todas as suas veias e artérias. – Em seguida deu um sorrisinho afetado. – Entendeu? Entendeu. Onde Isally está?

– Eu... – Nôah sabia que não podia mentir de novo então optou pela opção mais fácil. – Eu a matei. – A garota disse, olhando para o buraco de pouco mais de um metro de profundidade.

– Você ficou louca, garota? – Perguntou May. – Sabe o quanto é doloroso...

– Ela está falando a verdade. – Declarou Ruby. – Agora só precisamos saber como.

– Provavelmente ela está a uma profundidade em que o corpo dela foi esmagado pela pressão...

As duas vampiras olharam para o buraco, procurando entender exatamente o que Nôah havia dito. E foi a perfeita distração que Nôah precisava.

Ela se ajoelhou rapidamente e colocou as mãos na terra, fazendo esta tremer completamente. O sangue que havia tomado agora liberava uma energia maior dentro dela, dando-lhe o poder que precisava para se manter viva tempo suficiente para conseguir fugir.

Assim como aconteceu com Isally, duas crateras, dessa vez maiores, se abriram aos pés de May e Ruby e começaram a afundar as duas vampiras. Nôah não esperou que elas começassem a lutar; logo fez com que raízes saíssem da terra e prendessem as vampiras no chão e ajudassem a empurrá-las para baixo.

May sucumbiu primeiro. Assim que sua cabeça desapareceu terra adentro, Nôah colocou quase todo o seu esforço em fazer Ruby ir para o mesmo caminho que as outras duas, mas não estava sendo fácil.

Ruby soltava ácido das mãos e derretia completamente as raízes que a segurava. Nôah sabia que não aguentaria por muito tempo, então chegou mais perto, tentando ter mais controle sobre o que estava fazendo.

Começava a dar certo. Mais raízes prendiam o corpo de Ruby com força, fazendo-a afundar cada vez mais, mas uma coisa tomou completamente a atenção de Nôah.

Um garoto, provavelmente da idade de Nôah, vestindo apenas um short branco e calçando sandálias também brancas saiu de entre as árvores. Nôah ficou tão surpresa que conseguiu distinguir apenas alguns traços. Era alto. Os músculos pareciam dançar sob a pele enquanto mexia. Os cabelos estavam meio despenteados por causa do vento e eram tão negros quanto a noite mais escura sem qualquer lua ou estrelas para iluminá-la. Pele levemente bronzeada. E a parte mais importante que fez Nôah parar tudo o que estava fazendo.

Seus olhos se encontraram. Azuis. Como se carregassem pura eletricidade.

Nôah sentiu que um imã tomava conta de si e a obrigava ir até ele. Ela não o conhecia e, naquele momento, aquilo não era importante. Era uma coisa completamente irrelevante.

Em todo aquele momento Nôah só registrava quatro coisas:

1) Ela não sentia suas pernas. Nenhum de seus membros, na verdade. Sua visão começou a ficar borrada e ela piscou várias vezes para continuar olhando-o. Não queria parar de olhá-lo nunca.

2) Precisava estar perto dele, mesmo sem conhecê-lo. Mesmo sem saber se ele era uma possível ameaça, um demônio com as piores intenções imagináveis, algum tipo de monstro querendo apenas atrai-la para uma armadilha mortal...

3) Ruby havia conseguido se soltar das raízes que a prendiam e atacou Nôah com força na cabeça.

4) Tudo era escuro. E, em meio àquela escuridão ela só conseguia ver um par de olhos muito azuis.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "À Primeira Vista" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.