Meus dias sombrios escrita por Clarice


Capítulo 4
Capítulo três


Notas iniciais do capítulo

As coisas começam a acontecer mais agora.
Boa Leitura!



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Capítulo três

Ela me atendeu enquanto eu passava o cinto de segurança.

–Alô? Lu? Lu... é você?

–Sou eu. Onde você está?

–Num bar.

–Me dá o endereço? –Ela pareceu atônita, se atropelando nas palavras. No fim deu o endereço. Cheguei lá em trinta minutos, não tinha trânsito naquele horário, e o GPS não me deixou na mão. Cheguei lá, era mais um desses pub’s; Gente muito mais jovem do que eu, uma música meio acústica. Um lugar fechado, com mesas de madeira pintada de preto, e uma decoração jovem e bonita. Muitos sorrisos, barmans bonitos. Me sentei em uma mesa sozinha, ela me achou rapidinho.

–Nunca te imaginaria aqui. –Ela me disse. Via vindo de uma mesa cheia, e estava com um copo na mão.

–Fazendo faculdade e trabalhando, como consegue beber tanto e dar conta?

–Se eu te contar, saberá o segredo da vida. –Ela respondeu. Tinha um bafo de cerveja. Eu ri mesmo sem vontade.

–Pode voltar para os seus amigos, eu fico bem aqui. Sozinha. –Eu não queria que ela me visse chorar, caso eu começasse. Na verdade não sabia nem o que eu estava fazendo naquele maldito lugar. Todas aquelas pessoas. Eu simplesmente não fazia parte do ambiente. Alguém logo chamou ela. Era uma garota de cabelo azul, na altura do queixo. Tinha o lápis de olho tão marcante quanto o de Natália. Ela disse que já ia, mas continuou me encarando.

–Não posso te deixar aqui assim... Está precisando desabafar?

–Talvez um pouco. –Me senti ridícula. Me abrindo para uma garota daquele jeito, que tipo de mulher eu era?

–Então eu fico aqui para te ouvir. –E se sentou. Os amigos dela pararam de olhar para cá. Continuou só a do cabelo azul. Que berrou de novo.

–Acho melhor você ir. –Eu estava sem graça. Ela me encarou, queria mesmo ficar. Mas a outra garota estava se levantando e berrando que ia embora. A música alta, aquele tanto de gente. Só então eu entendi que as duas deviam ter alguma coisa, e de alguma forma eu estava atrapalhando. Natália foi atrás da garota, e por fim eu fiquei sozinha mesmo. Respirei fundo, pensando em ir embora. Mas acabei me deixando ficar sentada no balcão com a bolsa na mão. Não queria encarar o Matheus. Não depois do que ele disse. Do que eu disse. Eu só queria esquecer tudo um pouco.

Por fim acabei pedindo uma bebida. O esquecimento foi mútuo, eu esqueci que os amigos dela estavam ali, eles esqueceram que eu estava ali. Então eu estava realmente só. Fiquei encarando o fundo do copo, me perguntando onde minha empresa ia dar. Onde meu casamento ia dar. Tudo parecia tão difícil e complicado. De suster. Eu queria desesperadamente falar com alguém. Sentou uma pessoa ao meu lado, uma mulher. Pediu uma cerveja, mas não uma cerveja qualquer. Pediu uma daquelas caras e que eu não conhecia, mas reconheci o cheiro quando ela bebeu. Tinha um rosto mais ou menos amistoso, estava sozinha e deslocada assim como eu. Nos olhamos um instante.

–Cristo, você está com uma cara terrível. –Ela me disse. Mas me disse se aproximando de mim, como se fosse um segredo de amiga. Ou talvez por causa do som que era um pouco alto.

–Eu sei. –Eu disse, sem graça.

–Esperando alguém? –Ela perguntou enquanto se afastava de mim.

–Na verdade não. –Ela fez uma cara confusa. - Quem estava comigo é que foi embora.

–Ah... –Ela de repente pareceu se sentir como se estivesse se intrometendo na minha vida.

–Não era nada importante. –Eu disse logo que notei a sensação que pairava. –Você espera alguém?

–Acabei de levar um bolo daqueles. –Ela me respondeu. –Não dá para confiar nos homens.

–Eu confio em um a dois anos e meio. –Eu disse, e ambas rimos.

–Você parece jovem para estar casada. Principalmente há tanto tempo. –Terminou o copo e pediu outro. –Eu nunca me imaginaria casada.

–Porquê não? –Perguntei logo, curiosíssima nesse modelo de mulher que era tão distinto do meu.

–Porque não tem a ver comigo. Sei lá, não me imagino, como você... Há dois anos e meio com a mesma pessoa. –E riu. –Eu devo ter parecido como uma... –Eu a interrompi logo.

–Que isso! O mundo não é mais assim. –Tentei conformá-la. Ficamos um tempo em silêncio depois disso. Eu acabei me distraindo com a música ambiente, que de repente soou mais agradável.

–Sabe... Você não parece muito o tipo de pessoa que vem a esse tipo de lugar. –Parecia meio envergonhada.

–Como assim? –Eu não entendia nada.

–Lugares gays. –Ela disse, e então parou de me encarar e bebeu um pouco da sua cerveja.

–Hã? –Ela viu minha cara atônita: eu realmente não tinha idéia. Era puro engano, ou sei lá. Ela ficou rindo da minha cara enquanto dizia coisas fragmentadas, frutos da surpresa absoluta. Eu acabei rindo também. Iniciei mais conversa:

–Mas e você? Disse que esperava um homem e... –Me interrompeu:

–Era um amigo! Eu o pego às vezes, mas... Você sabe, eu prefiro mulheres. Sem dúvida. –Fiquei envergonhada como se a frase tivesse saído da minha própria boca; Ri de nervosismo, me senti oprimida de certa forma, não sei explicar.

–Mas eu não sou... Você sabe... –Era preciso deixar bem claro.

–Sim sim, sei pelo cheiro. –Ela me disse, e ri mais. Depois daquilo eu não conseguia mais rir naturalmente, era como se uma força me oprimisse. –Fique tranquila.

–Certo. –Respirei fundo, terminei meu copo.

–Mas o que a trás aqui? –Ela me perguntou.

–É uma longa história. Qual seu nome?

–Vanessa. E o seu?

–Luísa. Eu acabei vindo aqui por causa de uma estagiária que... Enfim, é uma longa história.

–Não, digo, além disso. Seu rosto está muito tenso.

–Ah, isso. –A discussão toda passou de novo pela minha cabeça. –Briga com o marido. Matheus é um cara legal, mas às vezes ele pisa muito na bola. E eu também... Acabei saindo de casa porque estava de cabeça quente.

–Entendo. –Ela apoiou o cotovelo na mesa se preparando para minha avalanche de desabafos, e eu não tomei outra decisão que não ir falando tudo àquela semi-desconhecida;

–A gente se conheceu através de amigos em comum. Eu achava que isso nunca daria certo, e olha só, estou casada com ele. Ele era bem mais velho, sabe. Experiente, carinhoso. Sabia como cuidar de uma mulher, de ser companheiro. E ainda era médico! Minha mãe se apaixonou logo que o viu. Eu estava com o instinto materno gritando dentro de mim, e me envolvi com ele completamente. Mas depois que nos casamos me senti tão insegura comigo mesma. Como se não fosse a hora nem o lugar. Decidi colocar meu sonho de empreendimento na frente, e acabei adiando ainda mais o filho... Você sabe como é. A gente quer engolir o mundo. Daí agora, de um ano pra cá, tenho tido pouco tempo. E ele vem insistindo na idéia do filho faz uns dois meses. Hoje veio falar pra eu desistir da empresa, acredita? –Eu já estava chorando. Agora revendo isso na memória, não sei como consegui falar tanta coisa de um fôlego só. –Eu não posso simplesmente desistir.

–Eu entendo. –Ela me deu uns guardanapos para secar os olhos.

–Eu entendo o lado dele, talvez não tenha mais muito tempo para ter filhos e criá-los... E se ele está ficando velho demais para ser pai, eu também estou... Sabe como funciona essa coisa de idade fértil. Meu tempo está passando. Mas eu tenho tanto com o quê me ocupar... É quase como uma avalanche.

–Nossa.

–Ele comprou esse bichano, o gato. Era para eu batizá-lo. Mas não quis, sabia que tinha a ver como algo para criarmos juntos. Como nosso filho. O gato não nos suporta, vive fugindo de casa. Não conseguimos manter um gato, quem dirá uma criança!

–Você está precisando relaxar.

–Eu estava planejando fazer isso esse fim de semana. Comprei um pacote para a gente na Serra. Nessa época do ano, lá é bem vazio e friozinho. Imagine que delícia. Fui falar para ele e acabamos discutindo de novo. E temos nos visto tão pouco. Sabe, Vanessa, eu o amo.

–E eu acredito.

–E também tenho tido poucos amigos. E quando os tenho não tenho tempo para vê-los. Minha melhor amiga engravidou e ficou sem jeito de contar para ela os meus problemas. Sempre que vou lá, é para ser de ajuda. É para escutá-la e ser uma boa amiga... E Matheus tem feito tantos plantões. Às vezes ficamos quase a semana inteira sem nos vermos acordados. E ele também precisa do tempo dele, sabe, beber com os amigos e coisas que os homens gostam de fazer.

–Sua vida parece mesmo complexa. –Notei que já tinha despejado grande parte do que precisava. Veio a culpa. A sensação de que eu era tão carente quanto idiota.

–Me desculpa, sério mesmo. Mal nos conhecemos, não tem nenhuma obrigação de...

–Nada, que isso! –Ela disse segurando minha mão. –Eu me sinto útil fazendo isso. E além do mais, agora eu me sinto como se te conhecesse. Se não a tivesse encontrado teria voltado para casa e não ajudado ninguém.

–Me fez parecer menos ridícula. –E rimos.

–Você não é ridícula. Só um pouco intensa e... Como dizer... Um pouco comprimida. Isso, comprimida. Como se sua vida te prensasse, e agora você se soltou um pouco.

–Talvez seja verdade. –Eu nunca tinha visto a mim mesma daquela forma. –Você faz o que da vida, Vanessa?

–Eu sou psicóloga. –Ela me respondeu. Eu estranhei logo. E então tive a conclusão:

–Você está me analisando? Como se eu fosse uma paciente?

–De maneira nenhuma. –Ela respondeu, caindo na gargalhada. Estava no terceiro copo. –Eu só trabalho no consultório, aqui eu sou uma pessoa como você. Provavelmente no meu lugar, você estaria agindo como eu, ou não?

–É, acho que sim... Você parece bem nova. –Comentei.

–Pois é, sou recém-formada. –Sorriu, como se aquilo fosse mesmo uma vitória. –Você não quer que a leve para casa? Agora que já desabafou...

–Na verdade não. Não quero encarar o Matheus agora. Ainda mais que sei que ele está acordado me esperando. E sem qualquer esforço, já que está com insônia. Quero passar a noite fora. –Ela riu e o riso foi tomando corpo de modo que acabou caindo na gargalhada. Eu não entendi, ela logo se explicou:

–Você nunca passou a noite fora antes, não é?

–Está rindo do fato de eu ser uma mulher correta? –irei-me.

–De forma nenhuma. –Continuava rindo. –Não costumo gostar de mulherzinha, mas você até que é legal.

–O que quis dizer com isso? –Eu estava ficando furiosa. Era volúvel, quando bêbada. E estava bêbada de fato.

–Mulherzinha: casa, marido, emprego, família. Pessoas assim... Não sei explicar.

–E você seria o quê, senão uma mulherzinha?

–Uma amante! –Sorriu e brindou comigo mesmo sem que eu brindasse. E bebeu sua cerveja cara. Estava claro que havia desconversado. Tão rápido quanto havia me irado, havia me “des”irado; Tudo estava bem.

–Acho que estou bêbada. –Falei encarando o copo. Focar nele parecia tão difícil. Parecia impossível. Deus, eu não queria que meu marido me visse daquele jeito. Não queria, eu mesma me ver daquele jeito. Porque eu havia aberto meu coração para aquela lésbica desconhecida que era psicóloga e me achava uma mulherzinha idiota? Porque eu não estava em casa, procurando aquela desgraça de gato? Ela percebeu que eu estava colapsando e se ergueu, me puxando pelo braço.

–Eu me permiti te analisar por um segundo só, me desculpe. –Ela falou ao meu ouvido enquanto me empurrava para a pequena pista de dança onde casais héteros e não-héteros dançavam alegremente. –E descobri que você é o tipo de pessoa que se permite muito pouca coisa na vida. Ao menos dance um pouco.

Quando dei por mim estávamos dançando. E isso não era exatamente ruim, pois eu nem me lembrava mais do meu marido, ou da inexistência de minha vontade de engravidar, ou qualquer problema sobre o trabalho. Ou o próprio trabalho. Eu só dancei um pouco. Todo mundo ali parecia tão livre, dançando. No fim, Vanessa pagou o meu táxi. Disse que iria me ligar, perguntou se eu não queria que ela me levasse até o elevador ao menos. Para ver se eu chegava a casa direito. O porteiro ficou me encarando, era provavelmente a terceira ou quarta vez que ele me via bêbada. Isso, em um ano e meio que eu morava lá. Aposto que ele e os outros funcionários ficariam falando de como eu estava trocando as pernas. Eu tentei bloquear esse pensamento enquanto me jogava na cama. Matheus estava dormindo no sofá. Faltava apenas uma hora para eu acordar para o trabalho, e eu realmente precisava de uma noite de sono, depois daquele dia que eu havia tido.


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Notas finais do capítulo

Au revoir!