Meus dias sombrios escrita por Clarice


Capítulo 13
Capítulo doze


Notas iniciais do capítulo

Revelations..........
Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/526163/chapter/13

Capítulodoze

–Que roupas são essas? -Foi a primeira coisa que ele me perguntou, logo que entrei em casa. Estava sentado no sofá, com uma cara nada amigável. -Você tem mentido muito pra mim, Luísa, assim não dá!

–São de Vanessa. A gente acabou pegando uma chuva e... -Eu ia me justificando.

–Quem é essa Vanessa?

–Pare de berrar, Matheus. Vamos conversar como adultos. -Me sentei ao lado dele. -O que você quis dizer ontem? Sobre eu não aguentar "de novo" sobre eu ser frágil e toda aquela merda chorosa que estava me dizendo pra eu ficar em casa?

–Essa Vanessa não existe né? -Uni as sobrancelhas e não tive outra reação para aquele absurdo. - Deve ser um homem! Você está me traindo?

–Esse seria o menor dos nossos problemas, Matheus! -Me exaltei. -De longe o menor! O que você está escondendo de mim?! Heim fala? -Se ele sabia gritar eu também sabia. -Eu não entendi nada direito, sabe. Fui numa cartomante que tinha no circo. Ela se assustou com meu passado, e quer saber? Eu sei que aconteceu alguma coisa! Porque eu não consigo me lembrar direito das coisas que aconteceram um ano e meio atrás? Porque? Eu não sei se pelo nível de estresse do assalto, eu só sei que tive um sonho que parecia mais uma memória. Eu tinha uma barriga enorme, depois fui pro hospital. E eu lembro do cheiro do sangue de ver sangue e do seu rosto coberto de lágrimas. Matheus, o que significa essa porra toda?! -Berrei. -Vamos me responde! Eu sou louca?! Vocêé louco?

–Calma, Lu. -Ele tentava me controlar.

–Calmao cacete! -Berrei. Meu coração estava a mil. -Calma o cacete! Você vai me contar a verdade e vai ser agora! -Ele baixou os olhos e uniu as mãos, hesitante. Começou a falar:

–Você perdeu nosso bebê; Estava grávida de seis meses e meio, e perdeu o bebê; -Aquilo o abalava muito, parecia prestes a chorar.- Você não conseguiu suportar, amor. Você teve um colapso nervoso e se esqueceu. Foi por isso que a gente mudou pra esse apartamento, e eu apoiei tanto a ideia da empresa. O psiquiatra achou que seria bom te dar uma responsabilidade e uma vida nova.

–O quê? -Aquilo parecia uma coisa impossível. -Eu não estou entendendo, não estou. -Comecei a tremer e estava muitíssimo nervosa, me senti totalmente nauseada como durante o assalto. Deus, o que estava acontecendo? Meu mundoestava desmoronando sobre os meus pés, eu precisava de ar. Como estava sufocante ali dentro, como estava sufocante.

–Meu amor... -Ele me abraçou, eu não tive reação. -Era melhor você não ter se lembrado. Eu sabia, eu sabia que não ia dar certo. Que você iria voltar a ficar nervosa. -Ele me afastou e me olhou nos olhos. -Você não pode ficar nervosa. Não pode.

–Meu deus, Matheus, meu deus. Como isso tudo foi acontecer? -Eu estava atônita, chorando.

Como eu fiquei grávida e não conseguia me lembrar? Então todo aquele sangue era.... Do meu filho, do meu filho que morreu? Eu estava completamente fora de mim, agitada e ao mesmo tempo extática, cheia de movimentos involuntários e olhares vagos. Chorava muito. Matheus segurava minha cabeça em seu peito e dizia coisas tranquilizadoras. E me ouvia chorar. Eu sentiao cheiro da sua loção pós-barba e do seu desodorante. Era tão familiar. Tentei me focar naquilo, mas era como se houvesse um buraco negro em minha mente que sugava minha consciência. Como se quem eu era e quem eu era um ano e meio trás estivesse se despedaçando porque nenhuma das duas era eu de fato. Quandodei por mim estava na cama e Matheus deitado ao meu lado.

A televisão estava num volume quase inaudível. Ele beijava minha testa e me abraçava forte.

–Tudo vai ficar bem. Tudo vai ficar bem, meu amor. -Ele sussurrava. -Tudo vai ficar bem.

Pela manhã eu senti um cheiro forte de café pela casa. E o gato estava deitado ao meu lado na cama, todo espaçoso. Eu estava com dor de cabeça. Fui ao banheiro, no meu reflexo estava uma mulher sofrida por uma depressão terrível. Olhos inchados, marcas de lágrimas, sem cor alguma, cabelo desgrenhado. A boca e as bochechas sem cor. Tomei um banho, ignorando o cheiro do café. Quando saí e fui de toalha ao quarto meu marido me abraçou.

–O que faz em casa? -Ele beijou minha bochecha sem cor.

–Eu decidi passar o dia com você hoje. -Sua voz era amigável. - Sabe, estou pensando em tirar uma licença...

–O que está acontecendo? -Ele tentava me conduzir para a cozinha.

–E você pode deixar os negócios com outra pessoa. Meus tios tem uma casa de praia em Cabo Frio, a gente pode passar um tempo lá. Vai ser ótimo.

–Não quero nada disso. -Eu me sentava e trazia a garrafa de café para colocá-lo na xícara. -Não pedi por nada disso. Quero continuar trabalhando. Quero continuar com minha vida, e fazer as minhas escolhas.

–Mas agora o seu foco não pode ser esse. Você precisa de um tempo para voltar a se acalmar...

–Pare de me tratar desse jeito! -Me irritei. -E outra, se eu perdi um bebê numa gravidez tão avançada, como você ainda espera que eu consiga manter outra? E as sequelas?

–As físicas não são superiores às emocionais. Você teve uma ótima recuperação, eu mesmo vi os exames. Só que agora, não sei mais... Você devia ir ao psicólogo que marquei pra segunda.

–Eu irei. -Disse, cansada. -Pode ir trabalhar, eu não vou ficar em casa de jeito nenhum hoje. -Eu não estava pedindo permissão para sair. Estava dizendo que sairia. Ele ficou em silêncio. Eu tomei café e fui para o quarto pegar o meu celular.

Liguei para Camila.

–Alô?

–Lu?

–Sim, quero conversar com você. Pode me encontrar na praça que tem aqui atrás do meu bairro? -Eu já estava colocando as coisas na bolsa me aprontando para sair. Dava para ir caminhando mesmo.

–Claro que dá, não faço nada o dia todo. Mas você pode me buscar? Fabrício não está em casa. -Sim, claro. -Fui pegar as chaves do meu carro, não achei. Voltei à cozinha.

–Sabe algo sobre as chaves do meu carro? -Perguntei ao Matheus. Ele ainda tomava café tranquilamente.

–Eu as tenho. -Ele me respondeu e voltou a cara para a caneca.

–Me dê! -Eu não estava acreditando. -Me dê minhas chaves agora! Você não tem o direito de...

–Eu não vou dar chave nenhuma, ponto final. -Ele respondeu como se fosse meu pai.

–Vou de taxi! -Reclamei, e peguei a bolsa e saí.

Ele saiu atrás de mim no elevador, mas eu o fechei sem esperá-lo. A cara dele era a última coisa que eu queria ver na minha frente. Liguei para Camila pedindo pra ela vir me encontrar, porque o meu marido tinha prendido minhas chaves. Ela veio de ônibus e me encontrou na praça. Reclamava de dores na coluna, mas disse que o ônibus estava vazio e isso era ótimo. Ela não fazia ideia do rumo que eu faria nossa conversa levar.

Na praça havia alguns ambulantes e crianças brincando com suas babás ou mães. E o trânsito em volta, e muitos carros estacionados. Os brinquedos daquela praça estavam enferrujados e feios, mas as crianças não se importavam. Tampouco os adultos. Eu e ela nos sentamos num desses banquinhos de cimento pintados de verde.

–Estava entediada em casa?

–Na verdade não. -Respirei fundo. -Eu passei a noite fora. Na verdade acabo de sair de uma briga horrorosa, e de uma conversa mais horrorosa ainda. E eu quero te perguntar uma coisa. -Ela ficou com a cara tensa, como se há meses estivesse temendo a chegada daquele momento. E isso fazia mesmo sentido.

–Fala. -E respirou fundo, me olhando nos olhos.

De repente se tornou tão difícil dizer aquilo, uma emoção me tremeu inteira, hesitei, parecia que uma vontade de chorar estava vindo do nada. Me controlei. Disse:

–Me conta como foi que eu perdi meu filho.

–Foi um acidente horrível, Lu. Tem certeza de que quer saber?

–Eu preciso saber. -Não seria fácil, eu sabia.

–Antes de dizer eu quero te pedir desculpas. Eu não toquei no assunto porque os médicos, o psiquiatra e Matheus acharam que devíamos agir como se nada tivesse acontecido. Eu juro que nunca te enganaria.

–Eu compreendo perfeitamente.

Quem mais estava me fazendo de boba? Me perguntei. Talvez todos à minha volta. Minha mãe, meu irmão. Os amigos dos amigos... Todos deviam me achar uma doida muito instável. Uma bomba relógio que iria explodir, e os miolos voariam na cara de todos eles. E sentiriam pena de mim enquanto lavavam seus rostos. Como o mundo era terrível. Eu pensava. Uma coisa tão boa como Vanessa acontecendo em minha vida naquela noite inacreditável e logo depois tudo se tornou cinza diante dos meus olhos. Eu sabia que a parte mais difícil daquela conversa ainda não tinha nem começado, pedi que ela continuasse.

–Eu estava com você. Digo, no dia do acidente. -Ela começou, segurava minhas mãos. -A gente estava indo de carro dar uma volta, não pretendíamos ir mais longe do que acabamos indo. Na verdade eu não me lembro de muitos detalhes sobre o que fizemos lá, o que houve depois foi muito mais marcante. Voltávamos e já devia ser umas dez e meia da noite, era você quem estava dirigindo. Você sabe como eu tenho medo de dirigir a noite, e você era uma grávida tão segura, Luísa! E tão bonita, eu nunca teria pensado em ser mãe antes de ver você tão feliz como estava. -Aquele assunto era tão delicado, porque eu a estava forçando àquilo? Me forçando àquilo? E, no entanto, não pedi que parasse. -O fato é que estávamos naquela via expressa, e do nada apareceu um carro em sentido contrário vindo na nossa frente, não sei se estavam bêbados ou o quê; Foi tudo rápido demais, aquela luz, e me lembro de sentir o carro sacudir. Eu quebrei duas costelas e tive outros ferimentos, nada tão terrível quanto o que aconteceu contigo. -Ela estava prestes a chorar, olhou pra mim perguntando se eu realmente queria que aquilo continuasse. Eu fiz que sim com a cabeça, e beijei as suas mãos. -Eu ainda estava consciente, havia muitos carros parados e gente gritando por socorro. Eu senti o cheiro de gasolina. O carro ficou tão amassado, mas não chegou a tombar completamente. Você estava desacordada, mas um fluxo muito grande de sangue estava saindo do meio das suas pernas. Eu demorei muito para entender o que estava acontecendo, minha cabeça doía muito. Em algum ponto aí eu desmaiei. E, bem... Tenho feito bastante terapia desde então. Matheus também fez. Não foi fácil pra ninguém, Lu.

–Meu deus, Camila, como você tem sido forte. Ver tudo aquilo... -Eu estava perdida. -Você vive andando comigo de carro. Você não... Meu deus. Não tem medo?

–Eu estou bem, Luísa. Eu me sinto mal por você. -Ela estava muito abalada, eu a abracei e choramos um pouco.

–Ninguém precisa se sentir mal, já passou. Passou faz muito tempo. -Meu plano tinha sido ligar para todo mundo perguntando coisas que aconteceram um ano e meio atrás. Mas eu não queria saber. Não queria me lembrar, não queria que aquilo acontecesse de novo em minha cabeça durante toda noite de insônia. Eu queria deixar tudo pra trás. Coloquei Camila num táxi, paguei e fui andando sem rumo. Não queria voltar para casa, não queria procurar Vanessa. Não sabia o que fazer. Eis que ela me liga:

–Você não deu retorno, o que aconteceu?

–Posso ir na sua casa? -Perguntei, minha voz tremia.

–Claro, claro. Venha. -Eu peguei um táxi e fui.

Não precisei tocar a campainha para ela me atender, ela já abriu a porta direto. Nos sentamos no sofá.

–Meu casamento não acabou, mas eu preciso pensar sobre muitas coisas. -Eu tenho certeza que parecia uma ébria, com aqueles olhos vermelhos.-Eu descobri coisas terríveis sobre mim, Vanessa. Eu já estive grávida, perdi meu filho num acidente de carro e esqueci, de alguma forma. E agora eu não sei mais o que fazer. -Ela me abraçou e beijou minha cabeça.

–Isso é assustador. -Eu concordei com a cabeça, e acabei chorando mais ainda.

–Porque não está trabalhando hoje? -Perguntei.

–Porque acordei muito tarde, pedi minha secretária que desmarcasse tudo hoje. Eu não estava em condições de ajudar ninguém. -Ela ouvia meu choro como uma mãe. -Mas parece que eu só estava reservando o meu tempo caso você precisasse dele.

–O que eu vou fazer com a minha vida?

–Você tem de descobrir isso. -Me embalava.

–Meu marido quer ir pra Cabo Frio, quer pedir licença no hospital e quer que eu saia da empresa por uns tempos e deixe tudo com alguém. Às vezes sinto que ele quer me proteger, às vezes sinto que ele quer me controlar e colocar dentro de uma caixa. Ele está com as chaves do meu carro.

–Você precisa pensar, não tem outra fórmula. Precisa decidir o que você quer.Acho que aquele psicólogo de segunda seria uma boa. Você vai precisar dele. Nem todos os seus problemas eu posso resolver, embora queira muito. -E beijava a minha cabeça. -Pode se refugiar aqui sempre que quiser, sempre que precisar.

–Obrigada. -Minha voz era um fiapo lamurioso e triste. -Minha vida tem sido tão doida. Matheus acha que sou frágil, que não aguento mais a vida.

–Isso é besteira, você é forte.

–Estou com muito sono, posso dormir?

–Claro, vou preparar a cama pra você e... -A interrompi.

–Quero que esteja lá também. -Pedi.

–Mas é claro.

Caí num sono profundo. Como se todo aquele esforço emocional tivesse exigido a energia de todos os meus músculos. Eu estava tão tensa e sobrecarregada que meu sono foi duradouro e quieto, como se eu tivesse desmaiado. Não tive sonhos, ao que eu agradecia. Quando acordei era como se estivesse de ressaca. Atrás dos meus olhos doía, minha cabeça inteira doía. Meu estômago estava tão nauseado e vazio, minha boca seca. Meu rosto inchado e os olhos com as piores olheiras que alguém poderia ter. Vanessa me cozinhou uma sopa.

–Seu celular tem trocentas mensagens e ligações não-atendidas do seu marido. -Ela me disse enquanto eu comia. Tinha um gosto ótimo.

–Eu não me importo. Quero distância dele por uns tempos. A não ser que queira que eu vá embora...

–De forma alguma. Se quiser pode morar aí. -Ela disse, e riu. -Mas como você se sente?

–Melhor. Não direi que estou bem. Digo que estou melhor.

–Uma melhora é sempre um ponto positivo. -Me disse, tentando animar mais a si mesma do que a mim.

–Você cozinha muito bem. -Segredei. -Já pode se casar. -Rimos. Rir era ótimo, principalmente com ela e depois de tanto tempo, quero dizer, parecia que fazia muito tempo. Meses, anos que eu não ria. Era quase como se eu não soubesse mais rir. Quando minha vida tinha se tornado algo tão dramático? Entre choros e paixões esquisitas, acontecimentos inesperados e... Eu só queria um pouco de normalidade, para variar. Uma conversa que não signifique nada. A falta completa de surpresas. Rir de coisas bobas.

–Eu me casarei quando puder. -Ela respondeu. Aquela resposta esfarrapada inspirou mais risos que emendaram em risos.

–Vamos fugir desse país, vamos fugir desse planeta. Vamos fugir do mundo todo, até das consequências de estar fugindo. -Eu comecei.

–E o que faremos quando chegarmos lá? Digo, o lugar sem consequências? -Perguntou capciosamente.

–Tudo o que quisermos. Tudo o que conseguirmos imaginar. -Respondi.

–Então quando for comprar nossas passagens, compre só de ida. Faço uma mala de mão em cinco minutos! -Aquilo era engraçado de uma maneira quase triste. -Não está a fim de ver um filme?

–Quais filmes você tem aí?

–Vários, vem escolher.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Au Revoir!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Meus dias sombrios" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.