O despertar do Apocalipse escrita por AHSfan


Capítulo 13
Não esqueça -


Notas iniciais do capítulo

Olá amados,

Muito tempo passou não é? Muitas coisas aconteceram comigo esse ano, coisas não tão boas, mas graças a Deus, coisas incríveis também. Eu estive dando aulas de inglês para crianças em escolas públicas e com isso, acabei ficando bem sem tempo para escrever.
Então esse é meu mais sincero pedido de desculpas.
Quero pedir perdão pelo sumiço.
Eu nunca coloquei a fic em hiatus, pois eu relutei muito tempo em aceitar que não tinha condições físicas de escrever. Pelo cansaço, pela falta de inspiração. O mundo adulto tem responsabilidades e prazeres e você se vê sem forças pra escrever uma palavra que seja depois de adentrar esse espaço.
Eu quero agradecer, contudo, a todos que vieram comigo até aqui. A todos que tiveram paciência para comigo, eu os agradeço. Quero dizer que nunca esqueci da fic, que nunca esqueci das palavras gentis que me foram dedicadas nos comentários.
Amados leitores, eu achei que não conseguiria, mas aqui está um capítulo novo para vocês. Aqui está também o meu pedido para que vocês não esqueçam. Para que eu também não esqueça. Não importa quanto tempo passe:
A fic deve continuar.

Boa Leitura!



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STELLA LANCASTER

13 de Janeiro de 2014 – Telhado do Lenox Hill Hospital, um pouco antes de Stella assinar o contrato

Ela piscou por um momento e ao abrir os olhos, todo o cenário ao seu redor havia mudado. Stella soltou o ar do pulmão com um soluço surpreso. Seus pés involuntariamente foram recuando. Então, ela percebeu estar no telhado do Lenox Hill Hospital. Uma brisa fria por entre os longos cabelos e o vasto céu de Nova York sob sua cabeça.

“Está pronta? ” Indagou Kyubey com sua voz etérea e atemporal.

Ele a transportara para o telhado, de alguma forma. Stella que estava nervosa demais para falar, apenas acenou encarando o felino albino cujos poderes a transformariam em uma jovem magi. Ela inspirou profundamente uma única vez antes de sentir seu corpo ser erguido do solo por correntes de ar invisíveis. Seu coração martelando, sua boca entreaberta e a sensação deliciosa de não saber o que estava por vir, assim como quando cheirou cocaína pela primeira vez. Stella estava assustada e fascinada ao mesmo tempo. A jovem de cabelos azuis observou em absoluto silêncio enquanto os três olhos de Kyubey tomavam cores diferentes, o vermelho vívido sendo aos poucos transformado no azul mais puro, como o céu do verão italiano.

“É seu destino.” Kyubey disse ecoando sua voz pelo cérebro dela.

Nesse instante Stella sentiu um forte ardor no lado esquerdo do peito, onde se encontrava seu palpitante coração. O ardor não diminuiu, ao contrário, se espalhou, alastrando-se por suas veias, seus pulmões, suas pernas. A moça intentou fechar os olhos e arquejar, contudo, nenhum músculo de seu corpo moveu-se. Até que um enorme feixe de luz azul foi emergindo do peito de Stella, brilhando tão fortemente que a garota não conseguia mais enxergar nada, além de si própria. Ela deu-se conta que era a fonte dessa energia azul que seu corpo emitia.

“Aceite seus novos poderes, Stella!” Kyubey comandou enquanto seus olhos voltavam a cor normal, o vermelho sanguinolento. Porém, Stella não estava mais prestando atenção em Kyubey, pois, ali estava o pequeno objeto em suas mãos delicadas, de dedos perfeitos. Nas mãos de alguém que nunca trabalhara um dia sequer estava a jóia que refletia todas as nuances de azul possíveis.

Ali estava a jóia da alma de Stella Lancaster



SAMUEL REACH

14 de Janeiro de 2014 – Lenox Hill Hospital

Ele despertou. O rapaz negro inspirou profundamente e olhou ao redor com calma. Sam notou que alguma coisa estava diferente. Suas sobrancelhas se franziram em estranheza e ele imediatamente percebeu que algo havia sido modificado em seu corpo. Uma parte dele que estava morta e esquecida voltara à vida. Sam pensou em chamar algum enfermeiro para examiná-lo, pois inexplicavelmente ele podia sentir cada terminação nervosa de seus pés, mãos e dedos, como se por milagre.

Rapidamente as últimas palavras de Stella efervesceram em sua mente, como se invocadas. Ele poderia mesmo recordar a crença e força no olhar dela.

“Existe! Milagres e magia existem, Sam! Eu prometo!” Ela gritara antes de ser trancada do lado de fora.

A máquina que acompanhava os batimentos cardíacos de Sam começou a apitar cada vez mais alto, indicando que seu coração estava acelerando demais. O garoto tentou inspirar lentamente para acalmar-se, para não se deixar invadir pela gigantesca onda de esperança que desejava irromper por seus pensamentos. Sam queria contar de um até dez, mas só conseguiu ir até cinco, vencido por sua curiosidade.

Então, lentamente, como quem dirige um carro pela primeira vez, Sam puxou um de seus braços e ergueu sua mão direita até o rosto.

Não pode ser... Sam pensou observando a mão à frente do rosto.

Ele percebeu ter total controle de si novamente, cada um de seus dedos se movendo sem tremores, sem rebelar-se contra ele. Assim, o jovem viu a si mesmo ser capaz de fechar e abrir a mão diversas vezes.

Será que eu estou sonhando? Sam indagou quando um enfermeiro apareceu na porta exibindo um olhar tão perplexo quanto o dele próprio.

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KEVIN MAC’NEIL

14 de janeiro de 2014 - Cobertura do The Peninsula Suite Hotel – 03 da manhã

De olhos bem fechados Kevin divagava para o mundo do subconsciente numa velocidade que daria inveja aos que sofrem de insônia. Ele estava deitado confortavelmente na cama king size do hotel, espalhando seu musculoso corpo por todo o lado, em uma tentativa de relaxar ainda mais rápido. Porém, o que deveria ter sido um sonho excitante - que geralmente culminava com Kevin cercado de várias garotas - tornou-se a visão de outrem que ele não esperava. O ruivo virou-se algumas vezes, sentindo-se desconfortável.

Era Maya. O rosto dela nunca parecera tão angustiado e preocupado quanto naquele dia, o dia em que todas as coisas mudaram. E novamente, ali estava Kevin sendo resgatado por ela. Na visão que Kevin tinha de si mesmo, a jovem magi loira falava e gesticulava e chorava, mas ele já não conseguia ouvi-la, pois seu corpo havia alcançado um nível de exaustão jamais experimentado antes. Kevin lembrou-se que não entendia como havia sobrevivido, nem de qual forma ele conseguira resistir aos próprios ferimentos.

Dentro do sonho, Kevin enxergava a si mesmo respirando com dificuldade, devido às costelas fraturadas, a perna quebrada e as contusões internas. Naquele momento Maya o tocava com extrema cautela, usando sua própria magia para curá-lo das inúmeras feridas. Mas mesmo o esforço da amiga era inútil, pois cada vez que Kevin sugava o ar, uma dor enervante era inferida em seu tórax, até que ele realmente começou a tossir sangue. Kevin sentira o irritante gosto metálico em sua boca. Algo que ele nunca esqueceria por completo. Então o jovem lembrou o que passara em sua cabeça naquele instante, entre vida e morte. Ele imaginara que a visão de um ruivo sangrando na neve deveria ser algo engraçado. Vermelho em vermelho num paraíso branco.

Então porque eu não consigo rir? Ele se questionou antes de acordar.



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ATLAS YOUNGBLOOD

14 de Janeiro de 2014 – Dalton School – 10:45 da manhã

Ele tocava a própria garganta cuidadosamente, ainda sentindo dificuldades para articular a fala. Atlas estava sentado na sala, aguardando a chegada do próximo professor assim como o resto dos alunos. Alguém perto dele bocejou alto o suficiente para que toda a turma ouvisse e sem tanta surpresa assim Atlas percebeu que se tratava de Hannah Envystone, cujo corpo e consciência haviam sido possuídos pela bruxa no dia anterior.

“Balada até o amanhecer, Hannah?” Stella indagou aproximando-se da amiga.

“Quem o dera!” Hannah respondeu parecendo cansada.

“O que aconteceu?” Stella insistiu, fingindo desconhecer os eventos de ontem.

“Passei a noite inteira sendo interrogada pela polícia e examinada pelos médicos. Acho que eu sou sonâmbula ou algo do tipo, é estranho também, pois o mesmo se deu com várias outras pessoas. Quando acordamos estávamos todos no mesmo estacionamento... Foi no seu bairro Atlas, você não escutou nada a respeito?”

Atlas franziu as sobrancelhas, inseguro de como deveria responder a tal pergunta, pois não desejava mentir. Ele fitou Stella em busca de ajuda e a amiga rapidamente sustentou um olhar de confiança. A garota de madeixas azuis sem dúvidas estava no seu melhor humor.

“No Brooklyn?” Stella fingiu surpresa. “Mas você está bem agora? Como foi isso?”

“Estou, mas diga isso pro meu pai! Ele quer contratar seguranças pra mim agora e...”

Enquanto o papo entre Hannah e Stella prosseguia Atlas permitiu que seu olhar se desviasse na direção de Lena. A jovem magi estava sentada a sua frente tão perto que ele poderia sentir o aroma de seus cabelos crespos enquanto observava sua perfeita postura. Porém, apesar de estar fisicamente próxima dele, Atlas estava certo que Lena estava emocionalmente distante, pois na noite anterior ela havia se enfurecido com Stella. Atlas podia recordar-se com clareza do ódio que emanava do olhar de Magdalena e por um segundo ele temeu pela vida de Stella. Ele lembrou-se também de que ao piscar, a garota negra desaparecera, sem deixar rastros, sem abrir portas. Apenas como se nunca houvesse existido.

E isso assustava Atlas mais do que qualquer coisa: a idéia de perder Lena, de que ela não estivesse mais a seu alcance. De que ela habitasse seus sonhos e nada mais.

De repente, a jovem negra levantou-se, atraindo olhares curiosos para si. Em seu rosto a mais pura expressão de frieza. Em seu corpo ela trazia a postura intimidante de alguém cujos passos eram irredutíveis e determinados. Os alunos mais perto dela olhavam-na com um misto de admiração e temor. Enquanto o professor adentrava a sala de aula, Lena o empurrava saindo.

“Ela parece estressada, não?” Stella comentou sentando-se no lugar ao lado de Atlas. A garota esticou a mão esquerda para tocar o antebraço do amigo e Atlas viu que no dedo anular de Stella estava o pequeno anel com uma pedra azul safira. O anel que indicava que o contrato fora assinado.

“O que me diz de irmos lanchar no telhado, Atlas?”

“Tudo bem.” O garoto respondeu desejando honestamente poder dialogar com a melhor amiga.

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“Puxa! Eu senti falta de vir aqui na primavera, é tão bonito, não é?!” Stella falou alongando os braços acima da cabeça.

Atlas notou que a amiga tinha razão. Realmente o telhado da escola oferecia uma vista majestosa do Upper East Side quando não estava coberto pelas nuvens de chuva do verão, nem pela neve homogênea do inverno. A temperatura aquele dia era a combinação ideal entre frio e quente, com uma brisa amena soprando por entre as grades.

“Faz tempo que eu não me sinto bem assim.” Ela comentou sentando-se no banco de costume e gesticulando para que Atlas fizesse o mesmo.

O rapaz se aproximou, hesitando um pouco. Ele tinha milhares de perguntas que gostaria de fazer à amiga sobre sua transformação em jovem magi, mas não sabia por onde começar. Toda a serenidade no comportamento de Stella parecia deslocada de alguma forma, especialmente considerando que o enterro de Maya fora apenas alguns dias atrás. Então, antes que pudesse vir a se arrepender, Atlas enfim questionou:

“Stella, você não está com medo?”

Ela o encarou com seus enormes olhos azuis cristalinos.

“O que quer dizer com isso?” Stella replicou genuinamente em dúvida.

Atlas segurou a mão da amiga gentilmente, apontando para o seu anel de jovem magi.

“Ah!” Ela riu constrangida. “Estaria mentindo se afirmasse que não senti nenhum pouco de medo, mas... Eu até ganhei facilmente da bruxa de ontem, não?” Bravura inunda das palavras que se seguiram “Além do mais o pensamento de perder você e Hannah de uma só vez foi muito mais assustador. Eu não poderia... Eu não deixaria que nada de mal acontecesse com vocês!”

“Stella...”

A garota de cristalinos olhos azuis fitou Atlas com gentileza. Ela sorriu de uma forma madura que lembrava a tranqüilidade pertencente a Maya.

“Não se preocupe tanto comigo, Atlas. Nesse exato momento eu me sinto... Certamente aliviada e um pouco orgulhosa, não sei. Só tenho um pressentimento muito bom sobre tudo isso, como se fosse algo que eu deveria ter feito há mais tempo. Esse é meu único arrependimento, não ter decidido antes.”

Stella sentiu em seu peito uma faísca de saudade de Maya e Atlas também foi tomado pelo mesmo sentimento.

“Eu acabei indo em frente de qualquer forma e acho que se tivesse tomado a decisão de assinar o contrato antes, talvez... Eu pudesse ter lutado junto a Maya naquele dia.”

Atlas imediatamente abaixou os olhos, pensativo. Ontem quando estava no labirinto da bruxa ele tivera a certeza que era responsável pelo acontecido a Maya. Atlas julgara a si mesmo fraco e covarde, pois permanecera inerte diante do falecimento da amiga. A culpa que não havia realmente abandonado o coração de Atlas voltou intensificando seus confusos sentimentos e ele se viu prestes a chorar de novo até que repentinamente uma dor aguda foi inferida em sua orelha.

“Ouch!” Ele gritou tocando a lateral da cabeça. Só então Atlas notou que Stella havia lhe dado um peteleco.

“Terra para Atlas! Não racionalize demais o assunto, é sério. Pra mim é fácil falar, pois acabei assinando o contrato, mas isso não quer dizer que nenhum de nós deva se sentir... Culpado. Maya não iria querer que pensássemos desta forma.”

“Mas Stella...” Atlas tentou interromper, contudo a amiga colocou gentilmente a mão sobre a dele, cortando a frase que Atlas pronunciaria. Ela já sabia exatamente o que o melhor amigo iria argumentar graças aos muitos anos de convivência. Stella sentia-se acima de todas aquelas dúvidas agora.

“O importante é que eu finalmente encontrei algo que desejava e pelo qual valeria a pena arriscar minha vida todos os dias. Isso é razão suficiente. Só fico frustrada, pois demorei pra perceber o quanto isso significava pra mim. Mas de qualquer forma, eu sei que vai ficar tudo bem.”

Atlas queria verdadeiramente poder acreditar nas palavras da amiga, na certeza que ela demonstrava e na segurança de suas atitudes. O discurso de Stella fazia sentido e ele conseguia enxergar a lógica presente nas ações da melhor amiga, mas havia algo, um indesejado pressentimento, que atormentava o jovem rapaz.

Atlas realmente não achava que iria ficar tudo bem.

De repente Stella olhou para o relógio de pulso de Atlas, o Midnight Sun, e logo ela lembrou-se que precisaria apressar-se, pois deveria estar em outro lugar.

“Puxa! Eu tenho que ir indo ou vou chegar atrasada!”

“O sinal nem tocou ainda...”

“Eu sei, vou matar o resto das aulas!” Ela disse para em seguida dar a língua com um sorriso travesso.

Imediatamente o rosto de Sam surgiu na mente de Atlas e ele soube que o músico negro era o motivo da súbita dose de animação em Stella. Desde o momento em que a proposta do contrato fora feita Stella pensara em Sam e Atlas entendia isso. Ele deu um abraço apertado na moça de cabelos azuis sentindo as curvas familiares do corpo dela. Naquele momento Atlas compreendeu o quanto desejava que Stella fosse feliz, o quanto ele queria ver o sorriso radiante dela se fazer dia após dia. Atlas finalmente decidiu que faria o possível para preservar a felicidade da melhor amiga, mesmo que isso significasse ir contra seus pressentimentos.

“Diga a Sam que eu espero vê-lo logo na escola!” Atlas falou soltando a amiga.

“Eu direi.” Stella sorriu largamente daquela forma em que tornava impossível dizer-lhe não.

Ela estava escrevendo o próprio destino.

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STELLA LANCASTER

14 de janeiro de 2014 - Lenox Hill Hospital – 12:30 da manhã

O ritmo acelerado das batidas era constante. O frio na barriga somado as borboletas furiosas no estômago a deixavam mais ansiosa ainda.

Era a primeira vez que Stella iria ao encontro de Sam desde que ela fizera seu pedido, tornando-se uma jovem magi. A garota de ondulados cabelos azuis temeu por um minuto que tudo não passasse de um agradável delírio, mas a presença de Kyubey em seus ombros trazia a certeza de que os últimos acontecimentos foram reais. Stella entrou no quarto em silêncio, com a cabeça baixa e sem se anunciar. Um comportamento inteiramente atípico.

E se algo tiver dado errado? Ela indagou a si própria temerosa em descobrir.

“Stella?” Sam chamou com a voz impassível.

Então prendendo a respiração, a jovem magi finalmente reuniu coragem para erguer seus olhos e mirar o rapaz por quem se apaixonara.

Ela estava realmente ali encarando Sam e ele se mostrava eufórico, como Stella nunca vira antes. Antes mesmo de trocarem uma palavra sequer os dois sorriram amplamente um para o outro.

“É um milagre Stella!” Ele exclamou virando o torso completamente na direção dela.

“Um milagre?” Stella ecoou fingindo ignorância ao que Sam se referia.

“Sim! Você tinha razão, eu precisei ver pra crer, mas você estava certa o tempo inteiro!” Ele indicou que Stella sentasse no banco ao lado da maca dele.

A garota notou que os olhos castanhos amendoados de Sam pareciam sorrir e só isso a fazia ter vontade de comemorar por uma vida inteira. Porém tudo que ela se permitiu transparecer foi uma leve confusão no rosto de traços europeus.

Aos poucos, Sam foi levantando ambos os braços. Concentrado, ele abriu e fechou as palmas das mãos duas vezes. Uma onda de alívio e vitória percorreu cada partícula do ser de Stella e dessa vez ela não conseguiu mascarar a alegria que sentia. Sorrindo, ela apressou-se em perguntar:

“Meu Deus! Isso quer dizer que você terá alta do hospital?”

“Ainda não” Sam retrucou ameno.

“Por quê?” Stella questionou fazendo bico com os lábios róseos.

“Meus pais vieram aqui hoje conversar com os médicos. Eles querem fazer mais uns exames e eu preciso de algumas sessões de fisioterapia para garantir que está tudo bem, mas... Isso é tão mais do que eu poderia pedir... E-eu”

E ali estava Sam engasgando nas palavras, com um enorme nó na garganta que se converteria em lágrimas numa questão de minutos. Essa era a vez de Stella agir. Ela sorriu travessamente e pôs uma de suas delicadas mãos sobre a mão direita de Sam.

“Bem, eu tenho uma pequena surpresa pra você hoje, senhor Reach.”

“Surpresa?” Ele retrucou sem entender.

Stella riu graciosamente, a risada angelical que ficara esquecida durante muitos dias. Nesse instante, Kyuybey pulou do ombro dela para a janela do quarto, sem que a própria Stella prestasse muita atenção. O animal misterioso já tinha sentido a presença de outro jovem magi por perto, algo que Stella ainda não era capaz de fazer. Naquele momento ela estava completamente entregue a Sam.

“Eu sabia que você esqueceria, mas nós não esquecemos.” Stella falou.

Enquanto Sam ainda semicerrava os olhos em confusão Stella apertou a mão dele docemente e entre risadas disse:

“É seu aniversário, Sam!”

Então virando a cabeça em direção a porta a jovem magi chamou aqueles que estavam do lado de fora. Aos poucos, os pais de Sam entraram acompanhados da equipe médica que tomava conta dele. Os médicos e enfermeiros seguravam balões grandes com dizeres como “Feliz aniversário!” ou “Nós todos amamos você!”

O pai de Sam era um senhor negro de porte forte e alto enquanto a mãe, também negra, possuía um corpo esguio e pequeno. Nas mãos o pai de Sam trazia um enorme bolo retangular com exatamente 18 velas, e ao seu lado a mãe do rapaz que segurava cuidadosamente o estojo de violino pertencente a Sam. Stella levantou-se e começou a cantar parabéns com entusiasmo, sendo acompanhada vigorosamente pelas outras partes presentes. Todos rodeavam a maca de Sam batendo palmas, cantando, ou mesmo dançando animadamente em consonância com o ritmo da música.

Sam que já estava respirando com dificuldades finalmente começou a chorar grandes lágrimas que escorriam demoradamente por seu rosto. Quando terminaram de cantar a canção desejando-lhe um feliz aniversário, a mãe de Sam aproximou-se da cama com o violino colocando-o carinhosamente nas mãos do filho. Ela tinha no olhar a mais pura expressão de amor.

“Eu sei que você pediu para que eu o jogasse fora, mas não tive coragem.” A senhora falou com a voz emocionada.

Sam inspirou profundamente uma única vez, sentindo o peso do violino em seu ombro e a textura do arco de madeira em sua mão direita. Ele hesitou por um momento incerto do que fazer, como se tivesse se esquecido de forma deveria tocar. Sam olhou ao seu redor uma vez, memorizando os rostos e aquele instante e guardando esse precioso momento. Então, fechando os olhos lentamente, o jovem pôs o arco contra as cordas e friccionando-as, Samuel Reach enfim se tornou música. Ele começou a tocar Ave Maria e a cadencia das notas eram executadas com a mesma perfeição sublime da primeira vez que Stella o ouvira, parecia que nem sequer um dia havia se passado. Seus olhos se encheram de lágrimas que escorreram sem dificuldade por seu rosto macio. Stella experimentou a sensação de deixar-se levar pela melodia esta que se derramava por seu tórax, ouvidos, rosto, torso e coração. Stella sorriu em gratidão e fechou os olhos por um minuto, desejando manter aquele minuto consigo para sempre, segurando essa felicidade abundante entre suas mãos assim como ela fizera com sua jóia da alma no dia anterior.

Stella foi trazida de volta a realidade pelo fim da melodia, que deu lugar ao silêncio, uma ausência de som confortável e bela, necessária para apreciar a grandeza da música. Era possível escutar a respiração tranqüila e pacífica de todos os presentes. Então a jovem magi abriu seus olhos e entendeu nunca se arrependeria de ter vivido para presenciar aquele momento.

Ela vivenciou a alegria, o alívio e paz sendo projetados no rosto de cada pessoa ali presente. Seu peito se encheu da mais pura satisfação. Dessa vez, as lágrimas que ainda escorriam de seu rosto não a incomodaram, pois eram partículas ínfimas da felicidade que sentia.

Hoje é o melhor dia da minha vida! Stella pensou enquanto aplaudia Sam.



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KEVIN MAC’NEIL

14 de janeiro de 2014 – Do topo de um apartamento – 13:30 da tarde

“Essa é a novata que você mencionou, Kyubey?” Kevin indagou segurando um par de binóculos vermelhos, fruto da magia dele.

O rapaz ruivo encontrava-se no topo de um apartamento vazio, próximo ao Lenox Hill Hospital. Kevin estivera atento aos acontecimentos que se davam no quarto de Sam e após tudo que vira o ruivo sentia-se frustrado, pois estava convencido de que aquele fora um dia de espionagem gasto em tolice. Ele não conseguiria pensar uma jovem magi de aparência mais frágil e infantil que aquela menina de cabelos azuis.

“Sim. Ela assinou o contrato ontem mesmo e como você me pediu para mantê-lo atualizado achei que gostaria de saber.” Kyubey replicou com a típica voz inumana.

“Ay, Aye, Kyubey! Você precisa recrutar esses novatos melhor. Essa daí não vai resistir nem até a próxima semana, mas ei, obrigada por avisar.” Kevin falou reduzindo seu binóculo até a forma de sua jóia da alma.

O rapaz levantou-se do parapeito onde estivera sentado. Ele olhou de soslaio uma última vez para a janela que vigiara. Kevin observou Stella chorando, abraçando um rapaz negro como se ele fosse a única coisa mantendo-a de pé.

“Ela de fato não pode ser comparada em experiência com outros jovens magi, como Maya, pois ainda está em processo de aprendizagem, mas certamente Stella tem bastante potencial a ser desenvolvido... Inclusive, você poderia ajudá-la nisso Kevin.” Kyubey sugeriu espreguiçando-se como um gato comum faria.

Com um pequeno sorriso de canto de boca, Kevin puxou um maço de Malboro amassado do bolso esquerdo e pegou um cigarro ascendendo-o rapidamente.

“Eu bem que poderia ensiná-la uma ou duas coisas sobre ser um jovem magi, mas você sabe... Este campo de caçar bruxas é... Estimulantemente competitivo.” Kevin retrucou para em seguida dar um longo trago no cigarro.

“Não o suficiente para você decidir enfrentar Magdalena, porém.” Kyubey comentou passando entre as pernas de Kevin.

O jovem magi abaixou-se e pegou o animal pelo pescoço, com uma das mãos, levantando-o até que ambos ficassem da mesma altura.

“Se você quer tanto eliminá-la por que não faz esse trabalho sozinho?”

“Eu não poderia fazer algo assim, mesmo que fosse meu objetivo. Sou somente o contratante como você bem sabe. Apenas estou curioso, pois meu conhecimento é limitado... Existem coisas sobre Magdalena que verdadeiramente desconheço.”

“Aye, o que isso quer dizer?! Você não é o contratante de todos os jovens magi? Ela não assinou o contrato com você?” Kevin falou honestamente desnorteado pela declaração de Kyubey.

O animal encarou Kevin por um instante antes de responder simplesmente:

“Ela assinou e não assinou.”

“E desde quando isso é possível?” O escocês enfim colocou Kyubey de volta ao solo.

“Coloquemos desta forma: Magdalena é uma irregularidade. Isso torna as ações dela completamente imprevisíveis pra mim.”

Kevin refletiu por um minuto na afirmação de Kyubey. Ele recordou-se da conversa que tivera com Magdalena sobre Walpurguis Nitght e o quanto ele fora surpreendido pelo vasto conhecimento de Lena no assunto. Não somente isso, mas a jovem negra sabia fatos da vida dele e ela os descobrira sem a ajuda de Kyubey. Logo, Kevin concluiu que alguém capaz de desafiar, e de certa forma irritar, até mesmo o Contratante era definitivamente alguém para se manter por perto. O ruivo pôs as duas mãos atrás da cabeça e olhou para o horizonte da cidade cinza sentindo uma onda de energia percorrer seu corpo.

“Então é uma coisa boa que eu ter me aliado a ela, não acha?” Kevin disse com um enorme sorriso debochado.

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ATLAS YOUNGBLOOD

14 de janeiro de 2014 – Queens – 14:00 da tarde

A pasta surrada havia escorregado de suas mãos. Ele rapidamente se abaixou para recolher os trabalhos e relatórios que tinham caído, mas em seguida permaneceu inerte. O garoto de cabelos desgrenhados ficou parado no mesmo lugar por alguns segundos, hipnotizado pela fachada do prédio em que Magdalena morava.

Algumas horas antes ele havia ligado para a garota negra. Atlas discara os números com algum receio, repassando mentalmente o que tinha preparado para dizer. Magdalena atendera no primeiro toque e sua voz grave enviara pequenos arrepios pela coluna de Atlas, como de costume. Então, antes que ele esquecesse completamente o objetivo da ligação, o garoto disse que queria vê-la, para que pudessem conversar. Após um curto e desconfortável silêncio, que levara Atlas a imaginar ter sido ignorado, Lena finalmente disse que eles deveriam encontrar-se na casa dela. A jovem negra passou-lhe o endereço e sem rodeios, desligou.

Agora, Atlas observava o prédio de tijolos antigos, retangulares e amarronzados. Aos poucos a arquitetura do local ia destacando-se aos olhos do rapaz por ser antiga e ainda assim, bem preservada. O espaço deveria ter provavelmente dois andares e contava com quatro janelas, todas perfeitamente idênticas. Uma pequena escada mostrava-se convidativa com um corrimão de ferro que imitava os galhos de uma árvore. Ele ainda mirava o local com lábios entreabertos, quando sem nenhum aviso prévio a porta da frente se abriu.

“O que está fazendo parado aí?” A voz dela compeliu Atlas a levantar seu rosto para vê-la.

Lena vestia uma blusa cinza em formato de túnica e uma calça jeans escura. No rosto um olhar distante e frio que pareceu criar um abismo entre os dois, de imediato. Quase como se fossem dois estranhos.

“E- eu...” Atlas sentiu-se corar velozmente. “Mi- Minha pasta... No chão e ...”

Magdalena avaliou-o silenciosamente e soltou com um pequeno suspiro cansado, como se tivesse sido derrotada em alguma batalha interna. Ela desceu as escadas e ajoelhando-se, ajudou Atlas a reunir as coisas que haviam despencado de dentro da pasta. Quando tudo estava em seu devido lugar, Lena se levantou e pediu que Atlas a acompanhasse.

O rapaz assim o fez. Atlas sentia-se maravilhado pelo aroma dos cachos de Lena, por sua postura elegante e pela expectativa de ver, afinal, onde ela residia. Após caminhar por um estreito corredor de paredes lisas e visualizar uma escada que ligava aquele andar ao superior, Atlas adentrou um espaço amplo e bem iluminado.

O piso de carvalho puro evocava a idade que a residência tinha, rangendo um pouco a cada passo dado. No teto, dois lustres pequenos e modestos pendiam imaculados, como se nunca tivessem sido usados. As paredes que circulavam Atlas estavam cobertas por longos lençóis brancos e longos que se enrugavam próximo ao piso. No centro da sala, via-se um tapete vinho e sobre ele estava uma mesa de vidro e dois sofás pretos, retos e lisos. Havia também uma pequena lareira de pedras, que aparentava ser a única coisa em uso daquele cômodo. Magdalena sentou-se no centro de um dos sofás e tomou em suas mãos uma xícara de chá que estava apoiada sobre a pequena mesa.

“Sente-se.” Ela ordenou sem lançar um olhar sequer na direção do garoto.

Atlas afundou-se no sofá, encolhendo os largos ombros, sentindo-se intimidado. Toda a expectativa anterior rapidamente vencida pelas geleiras nas atitudes de Lena. Era claro que ela não o queria ali e Atlas finalmente deu-se conta disso. A jovem magi deu um pequeno gole em uma xícara de chá e encarou-o com seus olhos sombrios.

“Sirva-se.”

Só então, Atlas percebeu haver um par de tortas, biscoitos e brownies sobre a mesa que separava os dois. Ele pegou um brownie e, sem pensar muito, deu uma grande mordida, saboreando a textura e o sabor que tomavam sua língua. Após mais algumas mordidas, o paladar de Atlas identificou algo meio familiar que ele provara outrora, mas antes que pudesse recordar-se onde, a voz imperiosa de Lena o interrompeu.

“O que quer discutir?”

Então, o garoto franziu as sobrancelhas e tentou se focar no motivo de estar ali.

“Miau.”

O jovem olhou ao redor com urgência, perguntando-se se Kyubey havia adquirido hábitos realmente felinos. Atlas virou o rosto, confuso, ainda buscando uma explicação racional para o que ouvira. Nesse instante, Lena soltou uma curta risada. Enfim, ele notou que a fonte do som era um minúsculo gato acinzentado com rajadas negras. O animal, de olhos amarelos como topázio, circulava os pés de Magdalena, esfregando a cabeça por entre seus tornozelos.

“Não se importe com Mr.Muggles, ele fica carente quando temos visitas.” Magdalena comentou olhando repreensivamente para Mr.Muggles que a encarou de volta. Uma espécie de debate estava sendo travado ali até que de súbito, Lena levantou o gato, pondo-o em seu colo, onde ele repousou a cabeça e fechou os olhos, satisfeito.

“Sobre o que deseja conversar, Atlas?” Magdalena indagou voltando sua atenção inteiramente para o jovem.

Os olhos escuros dela o fitavam com a força de um vulcão, cuja lava ia queimando lentamente, de dentro pra fora. Olhos intensos e emblemáticos, que faziam Atlas sentir-se desconsertado e irreparavelmente atraído. Logo, foi preciso que ele inspirasse profundamente e abaixasse o rosto, mirando a xícara de chá acima da mesa. Assim que o rapaz se lembrou de sua conversa com Stella, porém, as palavras vieram.

“Na verdade, Lena, eu preciso pedir um favor.” Ele apertou as mãos sobre a perna. “É sobre Stella.”

Atlas ergueu o olhar e viu que Magdalena não esboçara nem sequer uma micro-reação, seu rosto mantendo a máscara de indiferença. Ele engoliu em seco e forçou-se a continuar.

“Stella pode ser... Realmente teimosa e meio impulsiva, mas...” Atlas lembrou-se da esperança estampada no semblante da amiga quando estivera com ela mais cedo. A memória fez a voz do garoto suavizar um tom.

“Stella também é corajosa e bondosa, o tipo de pessoa que se preocupa com seus amigos e que fará todo o possível para ajudar aqueles que precisem.”

“É mesmo?” Magdalena questionou.

“Sim.” Atlas replicou prontamente.

“São características fatais para um jovem magi.”

O queixo de Atlas poderia ter chegado até o piso, mas ele tentou recompor-se e disse:

“C-Como assim?”

“Coragem pode transforma-se em desespero uma vez que nossos objetivos falham. E bondade nos leva a tomar decisões das quais podemos nos arrepender depois.” Por um instante Lena pareceu perder-se em pensamentos, seus olhos escuros vagando por um distante mundo de lembranças. Tão logo, porém ela retomou a conversa.

“Tornar-se um jovem magi não é pra qualquer um. Não existem agradecimentos, nem reconhecimentos de qualquer tipo, não importa o quanto você se dedique a caçar bruxas.”

Ela inspirou com calma uma única vez e olhou profundamente dentro dos orbes de Atlas. Na expressão de Magdalena o garoto notou que não existia mais indiferença, somente uma avalanche devastadora de determinação. O que quer que Lena fosse dizer a seguir era absolutamente verdadeiro para ela.

“Pessoas incapazes aceitar ajuda ou de compreender o quão solitário esse trabalho é não deveriam assinar o contrato. Foi por isso que Maya Harrison perdeu sua vida.”

Atlas fitou a jovem negra em silêncio. Ele estava perplexo, de uma hora para outra todo o ar havia sido sugado da sala. O rapaz sentiu-se avermelhar de raiva. Ele pensou que Magdalena estava desrespeitando a memória da amiga que havia partido há poucos dias. Atlas não conseguiu impedir a fúria contida nas palavras que saíram dos seus lábios sem permissão.

“Lena! Não fale assim de Maya!”

Era a primeira vez que ele gritava com Magdalena.

Em menos de um minuto a culpa por tal ato o atingiu. Atlas pôs a cabeça entre as pernas, passando as mãos pelos cabelos desgrenhados, bagunçando-os ainda mais, sentindo-se derrotado. Sua sobrancelha franziu e seus lábios tremeram antecipando sua fala.

“Me desculpe... Eu não deveria ter gritado com você.” Ele disse ainda com um nó na garganta. “Stella também me garantiu que tem tudo sob controle e que ficará bem agindo só, mas... Ela é teimosa demais para reconhecer a possibilidade de precisar de ajuda.”

“Entendo.” Magdalena replicou calmamente.

“Eu quero ajudá-la, mas não sei o que fazer. Sinto-me de mãos atadas e por isso que vim até aqui, Lena. Desejar que você e Stella se tornem amigas seria tolice da minha parte, mas...” Nesse instante Atlas ergueu o corpo, levantando a cabeça, falando as palavras a seguir com total transparência.

“Por favor, não enfrente Stella como enfrentou Maya. Ela não agüentaria isso e eu...” O garoto sacudiu a cabeça afastando os seus mais obscuros pensamentos. “Se você puder acompanhar-nos ao menos durante as primeiras caçadas dela, tenho certeza que dessa forma todos estaríamos mais seguros.”

Lena nada respondeu.

“E então?” Ele indagou inseguro.

Magdalena segurou a xícara de chá sobre a mesa em seus dedos esguios e aproximou o líquido quente dos lábios, sugando rapidamente todo o conteúdo. A moça de cabelos crespos meneou a cabeça algumas vezes, como se considerando suas possibilidades. Por fim, ela respondeu:

“Stella não deveria ter assinado o contrato. Eu falhei, pois dediquei mais atenção a você do que a ela... mas assumo meu erro e somente por isso irei ajudá-la, exclusivamente dessa vez. É claro, você nunca poderá dizer a Stella que estou fazendo isso, pois ela não aceitaria o que tenho a oferecer se souber que veio de mim.”

O garoto piscou uma, duas, três vezes. Ele então ergueu as sobrancelhas, ainda sentindo dificuldades para acreditar no que acabara de ouvir. Faltavam-lhe palavras, mas sua mente estava correndo.

Atlas estava prestes a emitir um batalhão de agradecimentos quando Magdalena o cortou explicando o que iriam fazer. Era uma idéia no mínimo, inusitada.

“Invadir o apartamento de Maya?” Atlas ecoou a última frase dita por Lena sem esconder sua enorme surpresa.

“Sim, o mapa que Maya utilizava para caçar bruxas ainda deve estar lá. Acredito que seja exatamente o que uma iniciante como Stella precisa agora.” Enquanto falava, Lena pôs Mr.Muggles no piso de madeira para pegar um cigarro do bolso da calça, ascendendo-o sem cerimônias.

“Eu não gosto de produzir falsas esperanças, Atlas.” Ela proferiu dando uma pequena pausa para que sua sentença fosse absorvida.

“É por isso que lhe darei agora um valioso conselho.”

Outra pausa enquanto ela tragava mais um pouco das toxinas presentes no cigarro. Quando as palavras finalmente vieram Atlas foi pego desprevenido.

“Desista de Stella Lancaster enquanto há tempo. Uma vez que você se torna um jovem magi não há mais salvação.”

Em seguida, Magdalena se levantou para sair. Ela caminhou em passos firmes, que ressoaram pelo piso de madeira, até parar na entrada corredor. Ainda de costas ela virou o rosto, olhando por cima do ombro, esperando alguma reação de Atlas.

O garoto sentiu as palavras de Magdalena se afundarem em seu espírito. Ele praticamente não percebeu o próprio corpo avançar, em um impulso irracional. Atlas alcançou Magdalena e agora tão próximo dela, o jovem percebeu-se mais perdido que nunca. Com seus olhos Atlas implorava uma explicação.

“Lena...” Ele conseguiu articular. “Isso quer dizer que você desistiu também de si própria?”

“Sim. Há muito tempo.” Magdalena respondeu seca. “Mas continuarei a lutar independente dos meus pecados.” Ela completou afastando-se.

Assim a jovem negra destravou a pesada porta e caminhou em direção às movimentadas ruas de Nova York. Atlas sabia que esta seria a única resposta que Lena ofereceria e, portanto ele tinha diante de si alguns segundos antes de decidir o que fazer. Mas não havia sentido em hesitar. Quando se tratava da garota de seus sonhos, Atlas já sabia que iria segui-la por onde quer que ela fosse.




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MAGDALENA NORTHUP

14 de janeiro de 2014 – Upper West Side – 15:32 da tarde

A tranca não oferecera resistência. Magdalena não precisara nem sequer de todas as ferramentas em seu kit para destravar a porta do apartamento de Maya. Como em um filme, ela fora capaz de render a trava em questão de segundos, sem deixar vestígios de arrombamento.

Ao adentrar o espaço, Lena dera uma lanterna e um par de luvas a Atlas e comandara que ele começasse a buscar pelo tablet de Maya, pois este deveria estar em algum lugar no apartamento. Magdalena pôs um par de luvas nela mesma, caminhando um pouco pelo minúsculo apartamento e viu o sofá amarelo no qual ela sentara quando confrontara Maya ali.

Lena recordou-se das palavras que dissera, da animosidade entre ela e a líder de torcida, do quanto desejara eliminar a existência de Maya Harrison graças a influência que ela exercia em Atlas e Stella. Era quase risível lembrar-se disso sob a luz da forma como as coisas se deram.

É uma risada amarga, Lena concluiu consigo mesma.

Diante de seus olhos, a luz e as trevas oscilavam entre as formas, criando imagens as quais seu cérebro podia compreender. Enquanto passava o feixe da lanterna pelo cômodo ela viu uma pilha de louça suja, embalagens com doces comidos pela metade no piso e cadernos abertos com tarefas da Dalton School, atividades iniciadas, porém nunca concluídas. Atividades que aquela garota loira nunca iria retomar. Essa percepção fez com que Magdalena trouxesse à memória as palavras que seu pai escrevera em um de seus diários.

“As pessoas acreditam que irão existir eternamente e a vida os devolve a morte antes que tenham notado.

O pai negro de sorriso largo e fácil, com dentes brancos e voz mansa, era uma lembrança distante, afinal ele falecera quando Lena tinha apenas 5 anos.

Ainda assim a garota havia lido todos os diários do pai que encontrara escondidos no sótão da antiga casa. O local no qual a garota morava agora, era o mesmo local no qual ela encontrara os diários, mas tornara-se diferente. Lena não conseguia mais sentir que estava em casa, mesmo vivendo último lugar em que ela fora realmente feliz.

Sentindo-se desconfortável, a jovem fechou os olhos brevemente. Perder-se em memórias era uma das piores coisas que ela poderia fazer naquele momento. Ela piscou e então algo saltou aos seus olhos.

Lena pôs a luz do feixe sob a parte da mesa na qual as formas se destacavam. Tratava-se de um rosário, com pedras cor ônix, que após uma grande sequencia conectava-se a um pequeno crucifixo.

Isso é novo, Lena pensou intrigada. A garota esticou os dedos enluvados e segurou o rosário, analisando-o lentamente.

“Encontrei!” Atlas exclamou. “Estava dentro da bolsa amarela.” Ele falou orgulhoso de si.

Magdalena, porém, estava absorta demais para responder. Em suas mãos via-se o objeto que deveria ter cerca de quinze anos, ela estimou. Era relativamente pesado, provavelmente graças as pedras lapidadas. Ao observar o crucifixo melhor, ela notou que este revelava-se chamuscado nas pontas. Havia algo inscrito atrás, ela girou o item lentamente, mas graças aos estragos causados pelo fogo era impossível ler o que quer que fosse.

“O que é isso?” Atlas perguntou olhando por cima do ombro de Lena.

Magdalena respondeu com outra pergunta.

“Você sabia que o catolicismo é a segunda religião com mais adeptos na Escócia?”

O garoto aproximou-se um pouco, curioso. Seu olhar atento e cuidadoso, tentando desvendar mais um dos mistérios que Lena colocava diante dele.

A jovem negra ergueu o rosário diante do rosto, ainda surpresa por tê-lo encontrado ali. Ela não sabia que Maya o tinha resgatado.

“Esse rosário é um dos últimos vestígios da amizade entre Kevin Hart e Maya Harrison.”

Quando a compreensão finalmente atingiu Atlas, ele recuou quase caindo por cima de uma pequena mesa no centro da sala.

“Vo-você disse Hart?” O rapaz gaguejou impressionado.

Lena balançou a cabeça positivamente, guardando o recém encontrado objeto no bolso da calça.

“Kevin Mac’Neil é o sobrenome escocês, mas ao chegarem aos Estados Unidos a família inteira mudou para Hart, que soa bem mais americano.”

“Puta que pariu.” Ele exclamou incapaz de esconder a surpresa. “Quer dizer, de todas as pessoas... O que aconteceu com eles é...” Atlas começou a falar, mas sua voz morreu na metade do caminho. Perplexidade era facilmente identificada em sua expressão.

“Eu sei.” Lena respondeu para em seguida ficar em silêncio. Ela podia praticamente ver toda uma nuvem de hipóteses e temores se formando sob a cabeça de Atlas.

“Vamos embora.” Ela disse suavemente.

Em seguida a jovem puxou o cotovelo de Atlas, guiando-o para a saída. Ela trancou novamente a porta, dessa vez pelo lado de fora. Logo, a jovem desceu as escadas com Atlas atrás de si. A lâmpada barata, de cor amarela, iluminava os estreitos degraus, tão pequenos que no máximo uma pessoa poderia caminhar em sentido oposto e ninguém mais.

“Espere.” Atlas pediu um pouco afoito.

Magdalena girou os calcanhares para poder vê-lo de frente. Ela arqueou uma das sobrancelhas esperando que o rapaz organizasse seus pensamentos. Atlas olhou para os lados e então para baixo de forma cautelosa, como quem escolhe bem as próximas palavras. Em um tom de voz neutro ele disse:

“Lena... Como você sabe de tantas coisas? Como sabia da existência do tablet? Maya só o utilizou uma vez quando Stella e eu estávamos com ela.”

A memória de Lena trouxe-lhe de volta a imagem dela mesma espiando Maya, Atlas e Stella sob o telhado do Yelp Club. Fora preciso mantê-los debaixo de seus cuidados constantemente. E ainda assim, as coisas não tinham acontecido exatamente da forma que Lena desejara.

Após um longo suspiro veio a resposta.

“Você também saberia se estivesse observando. Além do mais, Maya não é a primeira jovem magi a utilizar métodos que otimizam a caçada, vários outros ao redor do mundo utilizam sistemas de busca parecidos. Alguns mais outros menos organizados.”

A jovem negra desceu os poucos passos restantes até o térreo. Ela empurrou um dos lados do portão de ferro da entrada do prédio de Maya e puxou um outro cigarro do maço, acendendo-o ali mesmo.

“Hum... Você já conheceu muitos outros jovens magi?” A voz de Atlas derramava de curiosidade. Magdalena sentiu vontade de sorrir diante de tamanha inocência.

“Pessoas demais para contar...” Ela retrucou para em seguida soltar a fumaça pelo nariz. Atlas fechou o portão de ferro e suas mãos se demoraram no ferrolho. Pela forma que seu olhar tornara-se melancólico, era fácil imaginar o que se passava em sua mente.

“O que acontecerá com o apartamento de Maya? Você sabe? ”

A garota desviou o olhar.

“Provavelmente, não demorará muito até que a escola reporte o desaparecimento de Maya para o departamento de polícia. Depois disso eles irão investigar o local em busca de pistas inexistentes e devolver o imóvel para os síndicos.”

Dor se fez ainda mais presente no rosto do jovem.

“Isso quer dizer que... Ela lutou sozinha durante tantos meses para proteger a cidade de Nova York e ninguém... Ninguém saberá do seu falecimento?”

Nesse instante Lena ergueu a cabeça e fitou Atlas com intensidade.

“Nós não lutamos para proteger nada além de nossos desejos, Atlas. Entenda de uma vez que essa é a natureza do contrato.” A dureza na voz de Magdalena era cortante e ressentida. “Kyubey não se importa se seremos esquecidos ou mortos antes de chegarmos aos vinte anos.”

“É tão injusto!” A voz dele falhou no final da frase e foi sua vez de desviar o olhar, tentando segurar grandes gotas de lágrimas. Um turbilhão de emoções confusas atravessavam o coração de Atlas e a sensação de que ele era o culpado pela morte da amiga retornara. A ferida ainda estava muito recente, Lena enfim percebera. Ele abriu os lábios, mas os fechou. Atlas encarou Magdalena e finalmente liberou as lágrimas que escorreram lentamente por sua bochecha. Com a voz falhando, o rapaz tornou a falar.

“Eu não esquecerei” Ele prometeu com uma determinação desconhecida para si próprio “Não irei esquecer-me de Maya e nem do seu sacrifício.”

Magdalena o encarou com olhos vazios por um segundo. Então a jovem pôs a bituca do cigarro entre o polegar e o dedo médio, arremessando-o elegantemente.

“Tenho certeza que Maya Harrison ficaria feliz em saber disso. Ela realmente teve a você como amigo.” O tom solene e respeitoso se manteve. “Soará incrivelmente egoísta da minha parte, mas, de certa forma eu a invejo.” Lena completou dizendo para si mesma.

E antes que a jovem magi pudesse focar-se em qualquer outra coisa ou mesmo que ela tivesse a chance de piscar e talvez de se desviar dos outros pedestres, Atlas a estava envolvendo em seus braços. O garoto havia posto seus dois braços ao redor de Lena, segurando o corpo dela em um gesto inesperado para ambos. Suas mãos a seguravam; a direita em sua nuca e a esquerda na cintura. Um desconfortável silêncio pairou, sem que Magdalena sequer ousasse respirar.

Na mente da garota, milhares de pensamentos inundavam. O corpo de Atlas a envolvera com tanta facilidade que ela relutava contra a sensação de familiaridade que sentia. Enquanto seu rosto estava aninhado ali entre a clavícula dele e a linha que formava o pescoço as coisas pareciam tão simples, tão fáceis. Como a mais doce ilusão, um aroma suave e perigoso, semelhante a sensação de segurar um fósforo entre os dedos e observar a chama arder.
Lena inspirou com dificuldades, sentindo o coração de Atlas bater fortemente contra o dela. Atlas respirou fundo nos cabelos crespos da jovem e a voz dele falhou ao tentar falar, de forma que ele teve de limpar a garganta antes de afirmar o que tanto queria.

“Você também Magdalena! Prometo que não irei esquecer quando nos salvou no labirinto ou quando esteve ao meu lado na escola. Quero manter a gentileza que você demonstrou no enterro de Maya e a forma como você está me ajudando hoje! Você não me deve nada e ainda assim escutou meu pedido. Prometo lembrar sempre da gratidão que nutro por você!”

A jovem magi sorriu tristemente consigo mesma, abaixando a cabeça para que Atlas não pudesse vê-la. Estar com ele era como se deixar hipnotizar pela dança das chamas, mas ela iria se queimar, não iria? Magdalena balançou a cabeça negativamente e sentiu uma sufocante vontade de chorar engasgar na garganta. Por fim, sussurrou contra o peito dele.

“Você é gentil demais, Atlas.” A miséria na voz dela era palpável. “Não esqueça que toda essa bondade pode gerar uma tragédia ainda maior.”

Foi então que Magdalena o empurrou com as duas mãos quebrando a conexão que compartilharam. O gesto imediatamente fez com que Atlas esbarrasse em um grupo de executivos passando. Ele tentou se desculpar, mas os homens iam muito velozes para que suas palavras os alcançassem. Atlas se forçou a caminhar em meio à multidão de nova-yorkinos que tentavam chegar a seus destinos. Ele queria olhar mais uma vez para a garota dos seus sonhos e entender o que raios tinha acabado de acontecer.

Enfim ele a avistou. Magdalena parecia fluir entre os tantos rostos anônimos que se impunham em seu caminho. O rapaz, desnorteado, percebeu que não conseguiria mover-se nem um pouco mais rápido do que aquilo. Ele não queria piscar, pois sabia que se o fizesse a perderia de vista de vez. Porém as pessoas não se importavam o drama pessoal que ele enfrentava. O oceano de gente o engolia no momento em que ele achou ter visto mais um vislumbre de Lena. Ela estava distante demais para que Atlas lograsse ir ao seu encontro.

Frustrado, ele franziu a testa como se estivesse tentando encontrar a solução de um problema matemático deveras complicado. E como um presságio cruel, a voz de Lena se fez de novo e de novo em sua mente. Um aviso que reafirmava seus temores no começo do dia.

“Toda essa bondade pode gerar uma tragédia ainda maior”


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Notas finais do capítulo

E então o que vocês acham que aconteceu com Kevin no passado?
Estou curiosa pra saber as ideias de vocês. Ah, e com calma pretendo responder todos os lindos comentários dos capítulos anteriores.
Espero ver vocês em breve,

AHSfan.



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