'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 8
Revelações de uma noite de Natal


Notas iniciais do capítulo

Hey people! Era pra eu ter postado esse capítulo há séculos, mas tive uns imprevistos e só consegui terminá-lo agora. Espero que gostem, este ficou maior do que de costume e até pensei em dividir em duas partes, mas acabei deixando assim mesmo. Minha intenção era postar dois capítulos essa semana, porque eu ia fazer um capítulo de terror pra postar no Halloween. Ainda não desisti dessa ideia, então esperem que esse capítulo saia essa semana. Se alguém tiver ideias e sugestões pode me falar. Ah e comentem por favor! Vocês tem ideia do quanto é trabalhoso escrever um capítulo desses, de mais de 11.000 palavras? É necessário revisar, reescrever as partes ruins, revisar de novo, apagar coisas desnecessárias, pesquisar, pesquisar e pesquisar. É decepcionante entrar aqui e encontrar menos de cinco comentários, sendo que às vezes o capítulo tem mais de 50 visualizações. Poxa gente, não custa nada deixar um comentariozinho, nem que seja só pra falar se gostou ou não. Apareçam fantasminhas! Mas enfim, eu espero que gostem desse, ri muito enquanto escrevia. Deixei uns links nas notas finais. Beijos e té a próxima!



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Pior do que agüentar o ho-ho-ho dos Papais Noeis de rua era ouvir Mary Margaret e David cantando músicas natalinas. Os dois se empolgavam tanto que chegavam a dançar no meio da cozinha. Por mais que o Natal me alegrasse, eu não me sentia tão animada quanto eles.

– Ei, você já recheou o peru? – perguntou David à esposa, enquanto pendurava luzinhas de LED em nossa árvore de Natal.

– Ainda não, querido! – ela sorriu – Hey Ruby, vem me ajudar com os biscoitos.

– Eu até queria, mas não posso – disse. Preparava-me para sair no ar gelado lá de fora e enfiei um gorro na cabeça, ajeitando os cabelos em seguida – Killian me mandou numa missão super importante.

– Comprar abóboras? – David olhou pra mim com um ar divertido – Ele sempre manda alguém fazer o serviço por ele.

– O que há de tão especial nisso? – perguntei. Gancho dissera que eu devia conseguir as abóboras a qualquer custo, caso contrário ele me demitiria. Acho que ele estava brincando quando disse isso.

– Todo ano preparamos a famosa Torta de Abóbora da Helen. – explicou Mary, que preparava a massa dos biscoitos – Ela era uma cozinheira de mão cheia e essa torta é uma tradição na mesa da família Jones. Se eu fosse você me apressaria antes que todas as abóboras do mercado acabem.

Apanhei minhas luvas e mais do que depressa entrei no elevador. Ainda tive tempo de ouvi-los iniciando um coro de Noite Feliz e dei graças aos céus por ficar livre de toda aquela cantoria.

Lá embaixo, na garagem, Killian limpava a neve acumulada na entrada. Um vento gelado congelou meus ossos e amaldiçoei meu patrão por me fazer sair naquela friagem.

– Isso é exploração sabia? – disse, encolhendo-me em meu casaco– Já não basta ser isca de metamorfo, ainda tenho que enfrentar toda essa neve pra lhe conseguir umas abóboras?

– Não reclame, é seu trabalho – ele riu, enquanto raspava o gelo acumulado perto da entrada – Quando você voltar vai me ajudar com uma coisa, então trate de se apressar.

Revirei os olhos e entrei no carro. Nos últimos dias não tivera cinco minutos de descanso, pois Gancho sempre vinha com uma tarefa super importante de ser feita. Bae dissera que o tio estava arrumando desculpas pra passar mais tempo comigo e eu me recusava a acreditar nisso. As coisas ficaram um pouco estranhas depois daquele beijo no Hotel Metamorphosis, mas nenhum de nós chegou a tocar no assunto. Eu me sentia um tanto constrangida por isso, no entanto.

Meia hora mais tarde, quando voltei com as abóboras, David ajudava Mary a rechear o peru. A ceia seria bem farta e soube que os outros convidados trariam diversos tipos de comida e sobremesa. Estava ansiosa para conhecer os outros caçadores, embora temesse que eles não gostassem de mim, afinal, eu não fazia o estilo “matadora de monstros”.

– Você matou um metamorfo e foi bastante impressionante, pelo o que me disseram – Mary lembrou, quando disse a ela que me sentiria deslocada em meio aos outros caçadores – Tenho certeza de que os outros vão ficar bastante impressionados também.

– Não foi grande coisa – mordi um biscoito em forma de árvore de Natal – Eu só fiz o que precisava fazer.

– É claro que foi grande coisa – David enfiava recheio pelo traseiro aberto do peru – Poucas pessoas conseguem realizar uma proeza dessas no início da carreira de caçador. Várias aulas foram necessárias até que eu conseguisse atirar bem e acredite, só fui conseguir matar um metamorfo depois de anos.

Imaginei que ele só estivesse dizendo aquilo pra fazer com que eu me sentisse especial. Fui para perto do fogão pra me manter aquecida e disse a mim mesma que devia convencer Killian a comprar uma lareira elétrica. Acabei por notar sua ausência e perguntei aos outros dois onde ele se metera.

– Ele está no banheiro – disse Mary e foi bater à porta do banheiro – Killian, estamos esperando!

– Eu já vou! – ele gritou lá de dentro.

– O que ele está fazendo? – perguntei, curiosa.

– Ah você já vai saber, nós fazemos isso todo ano.

– Ainda bem que não sou eu dessa vez – David comentou com uma risada, o que me fez ficar ainda mais curiosa. – No ano passado eu quase quebrei as costelas depois de escorregar na neve. Você lembra, querida?

– É claro que lembro, você me arrastou junto quando caiu.

Os dois riram e amarraram as pernas do peru pra manter o recheio dentro dele. Uma versão de Jingle Bells tocava no rádio antigo e os dois cantarolavam junto com a música. Toda a sala fora enfeitada com temas natalinos e havia guirlandas por todo lado, além de luzinhas, uma árvore de Natal, meias coloridas e um Papai Noel que dançava. Tudo aquilo fazia parte da coleção de Natal de Helen, que, pelo o que soube, adorava todos os feriados anuais e sempre os comemorava de um jeito especial.

Fui ajudar Mary a colocar o imenso peru no forno e nesse momento a porta do banheiro se abriu.

– E então, como estou? – perguntou a voz de Killian.

Virei-me para olhá-lo e não pude evitar uma gargalhada. Ele estava vestido de Papai Noel! Mary riu tanto que quase derrubou o peru e David fez questão de tirar fotos de Killian, que ficou indignado por estarmos rindo.

– Eu sou o Papai Noel mais lindo que já existiu, vocês não deviam estar rindo. – ele disse, enquanto dava uma voltinha pra que apreciássemos sua vestimenta. A roupa era como a de qualquer Papai Noel, incluindo o cinto largo e o gorro na cabeça. Mas ele era um Noel diferente, não era gordo nem usava barba branca. – É minha versão de um Noel moderno – ele explicou, quando dissemos que ele não se parecia com o Papai Noel tradicional – Eu tinha que dar um toque especial ao look.

– Que Papai Noel usa delineador e brinco? – perguntei, enxugando as lágrimas de riso.

– Eu uso! Você não devia rir – ele foi até uma das caixas de papelão empilhadas a um canto e apanhou outra vestimenta de cor vermelha –, pois vai se vestir de Mamãe Noel.

Filho da mãe!

– Há, há, há! Essa foi boa! – cruzei os braços, indignada – Isto, meu filho, eu não faço!

– Por que não? – ele sorria e me mostrava o vestido vermelho de Mamãe Noel, que devia ser de duas décadas atrás – Fazemos isso pelas crianças órfãs e elas adoram. Já que é minha vez este ano, pensei que talvez você quisesse ajudar também.

Bem, eu não podia me negar a fazer algo assim, não quando eu mesma era órfã. Sabia o quanto era terrível não ter pais com os quais pudesse comemorar o Natal. Suspirei e arranquei o vestido das mãos de Killian, indo me trocar no banheiro. Aquele bastardo ainda ia me pagar!

Troquei-me rapidamente e segurei uma gargalhada quando me vi no espelho. Eu estava parecendo uma velha! O vestido era de um vermelho bem escuro, cujo comprimento chegava até meus tornozelos, e havia detalhes em branco na barra, nas mangas e na gola. Não bastasse isso, uma touca vermelha no estilo cozinheira completava a vestimenta. Se eu colocasse uns óculos de meia-lua ficaria igualzinha a vovó, só que mais magra.

– Ruby, vamos! – Killian me apressava, batendo na porta – Morreu aí dentro ou o quê? As crianças estão esperando!

– Já vai, já vai!

Acabei por soltar meus cabelos, que estavam escondidos sob a touca, e aquilo me deu um ar de Mamãe Noel mais moderna. Se Killian não usava uma barba, eu não era obrigada a me vestir como alguém da terceira idade. Abri a porta e encontrei Encantado, Gancho e Branca esperando por mim. Mary e David, é claro, caíram na gargalhada.

– Ah parem com isso, ela ficou linda – Killian comentou enquanto passava um braço por cima de meus ombros, o que me deixou constrangida – Tire uma foto!

– Se mostrarem isso pra alguém eu mato vocês – ameacei e sorri para a câmera de David.

Sabia que mais tarde Bae veria aquela foto e diria que rolara um clima entre mim e Gancho, mas não pensei muito nisso.

A caminho do orfanato, fingi me interessar pela decoração das ruas, porém tinha plena consciência de que Killian não tirava os olhos de mim. Não entendia como ele podia me achar linda, não quando estava enfiada num vestido desgastado e duas vezes maior do que meu corpo. Liguei o rádio para me distrair e procurei por uma estação que não tocasse canções natalinas. Acabei por encontrar uma que tocava Beat it, do falecido Michael Jackson. Não foi nenhuma surpresa quando Gancho começou a cantar junto, afinal eu já o ouvira cantar várias vezes, quando ele transformava o banheiro em um palco e fazia shows para platéias imaginárias.

– Ah vamos lá, anime-se! – ele empurrou meu ombro de leve, quando paramos no sinal vermelho – É Natal!

– Eu estaria mais animada se não estivesse usando um vestido velho e poeirento que pinica minha pele – falei sem pensar, porque era realmente o que estava sentindo no momento.

– Ei, era o vestido da minha mãe! – ele protestou, mas não parecia chateado. Eu, no entanto, não sabia mais onde enfiar a cara.

– Ah meu Deus! Me desculpe, eu não queria...

– Tudo bem, esqueça isso. Você tem razão, ele é velho e poeirento e pinica, ela sempre reclamava disso.

Eu o observei por uns minutos. Helen realmente fazia falta pra ele, talvez até mais do que Milah e Liam. Talvez o Natal fosse muito mais do que uma tradição para Killian, talvez fosse uma maneira de manter vivas as lembranças de seus entes queridos.

– E então, o que vamos fazer lá no orfanato? – perguntei, mais para mudar de assunto do que por curiosidade – Eu não sei se posso atuar como Mamãe Noel.

Ele riu.

– Você não precisa, eles sabem que Papai e Mamãe Noel não existem, tudo isso é apenas uma grande brincadeira. Na verdade, só iremos até lá pra levar doces e brinquedos, eles adoram isso.

– Vocês fazem isso todo ano?

– Aye – ele assentiu – Mas a cada ano temos Noeis diferentes. David e Mary foram nossos Noeis no ano passado. Você devia ter visto, os dois escorregaram na neve e as crianças quase morreram de tanto rir, apesar de David quase ter quebrado as costelas – ele soltou uma risada – Fico feliz por ter topado fazer isso comigo.

– Hum, só fiz pelas crianças...

– Sei... – ele sorria maroto – Não adianta mentir, aposto como seu sonho de criança era ser a Mamãe Noel.

– É claro que não, na verdade eu queria ser uma das renas do Papai Noel. – lembrei, o que não era nenhuma mentira.

Gargalhamos juntos e Killian parou em frente ao orfanato.

***

Horas mais tarde, quando voltávamos pra casa, não pude deixar de notar o sorriso bobo no rosto de Killian. Os órfãos nos adoraram, o que foi uma surpresa pra mim, que nunca tivera muito jeito com crianças. Nada me emocionara mais do que aquelas carinhas radiantes e sorridentes pela nossa chegada. Me vira envolta por um abraço coletivo e precisei me segurar pra não cair no choro lá mesmo, na frente das crianças e da diretora do orfanato.

– Viu? Eu disse que valia a pena! – Gancho sussurrara pra mim e limpara uma lágrima que teimara em fugir de um de meus olhos.

– Em nenhum momento eu duvidei de você – eu dissera, sorrindo.

Ficamos lá por algumas horas e distribuímos doces e presentes. Killian não economizara na hora de comprá-los e é claro, as crianças adoraram. Elas vinham nos agradecer com abraços e beijos e algumas garotinhas logo me cercaram, querendo que eu lhes penteasse os cabelos e lhes passasse maquiagem. Me chamavam de “tia Ruby” e logo fizeram a pergunta pela qual eu já esperava:

– Você e o Killian são namorados?

– Não, somos só amigos – eu respondia a todo momento, constrangida.

– Que pena, vocês combinam tanto! – diziam.

Por que Killian e eu combinávamos? Quais eram os princípios básicos que diziam que duas pessoas combinavam? Não entendia o que levava as pessoas a dizerem isso. Gancho, que para eles era “tio Killian”, me olhava de esguelha sempre que alguém lhe perguntava se éramos um casal. Sabia que o maldito estava gostando daquilo e, pra me provocar, dizia:

– Não, ela não quis namorar comigo, uma pena mesmo.

As crianças riam e aí vinham me perguntar por que eu não quisera namorá-lo. A cada hora inventava respostas diferentes como “ele tem chulé” ou “ele ronca muito”. Todos se divertiram com essa brincadeira e mais ainda quando Killian começou a contar piadas, que na maioria das vezes eram terríveis, mas nos faziam rir pela forma como ele as contava.

Chegada a hora de ir embora, as crianças quase não nos deixaram ir. Cercavam-nos e se agarravam a nossas pernas pra impedir que fugíssemos. Tivemos de prometer voltar para outra visita, só assim nos largaram. Depois, quando Killian e eu já estávamos no carro e ele dava a partida, observei pelo retrovisor enquanto órfãos e orfanato ficavam para trás. Eu era órfã, mas sempre tivera um lar. Aquelas crianças, pelo contrário, embora tivessem um lugar para morar, estavam longe de ter todo o amor e carinho que necessitavam. Aquilo era muito triste.

– Você está bem? – Killian perguntou, provavelmente notando minha perturbação.

– Sim. – menti, mas ele não era bobo e percebeu que eu ficara emocionada.

– Todos se sentem assim na primeira visita – ele disse, com os olhos grudados na estrada – Mary Margaret quase levou um punhado de crianças com ela quando esteve aqui pela primeira vez. Ela é uma manteiga derretida pra essas coisas.

Liguei o rádio pra não precisar responder. Killian dirigiu por um tempo, depois estacionou em frente a uma loja de bebidas, dizendo que precisava renovar seu estoque de vinho antes da hora da ceia.

– Você vai sair assim, vestido de Papai Noel? – não pude deixar de perguntar. A calçada estava lotada de pessoas que faziam compras de última hora.

– O que tem de mais? – ele removeu o cinto de segurança e abriu a porta – Você também devia desfilar pra essa gente – e piscou pra mim, afastando-se em seguida.

Soltei uma risada, vendo-o sumir na loja de bebidas após acenar para um grupo de crianças. Voltei a pensar nos órfãos. Não imaginara que aquela visita fosse me abalar tanto a ponto de me deixar deprimida. Embora tivesse sido criada numa pensão sempre cheia de gente, nunca pudera preencher o vazio deixado pela morte de meus pais. Apesar de não me lembrar deles, sabia que haviam dado sua vida por mim, pra que eu pudesse sobreviver. Aquele era apenas mais um Natal sem eles, sem o vovô e sem Peter. Senti meus olhos umedecendo e permiti que as lágrimas escapassem.

Dali a pouco Gancho saiu da loja carregado de sacolas. Ele sorria para as pessoas que passavam por ele e desejava um Feliz Natal a todos. Enxuguei as lágrimas e me recompus, enquanto ele depositava as compras no banco de trás do carro.

– Meus ossos estão congelando – disse ele, sentando-se no banco do motorista e batendo a porta – Espero que Mary tenha preparado uns chocolates-quentes pra quando chegarmos em casa. – ele olhou pra mim – O que foi? Esteve chorando?

Meus olhos deviam estar vermelhos, supus. Balancei a cabeça e ajeitei o cabelo, mas ele continuou olhando pra mim e tornou a perguntar o que tinha acontecido.

– Isso tudo é por causa das crianças? – indagou e balancei a cabeça mais uma vez, sem conseguir balbuciar uma resposta.

Não consegui evitar as lágrimas por muito tempo e Gancho me puxou para um abraço, o que me fez ficar ainda mais sensível. Ele tentava me consolar sem saber o que estava acontecendo e eu apenas soluçava com o rosto escondido em seu peito.

– Eu já sei... – ele acabou por dizer, depois de um tempo – Está sentindo falta do Peter, não é?

Assenti.

– Eu perdi todos que amava – murmurei. Meu corpo inteiro tremia – Por que eles tinham que morrer?

Killian não respondeu, ao invés disso me abraçou com mais força.

– Todos morreram por minha causa – disse, com a voz abafada pelo abraço de Gancho – Todos eles morreram por culpa minha.

– Não diga isso...

– Meus pais morreram pra me salvar – continuei, como se não o tivesse escutado – Meu avô morreu por um de meus caprichos e Peter morreu por minha imprudência. Tudo é culpa minha!

– Ruby... – ele acariciava a parte de trás da minha cabeça, tentando me confortar – Seus pais morreram por uma fatalidade. Não foi sua culpa, acidentes acontecem...

É, eu não estava pensando direito. Não havia como ter sido minha culpa, afinal, eu era apenas um bebê quando eles morreram. Mas e quanto ao vovô? Talvez ele não tivesse sofrido um infarto se eu não tivesse insistido em ir naquela maldita montanha-russa. E Peter poderia estar vivo se eu tivesse dado ouvidos à vovó e desistido de sair debaixo daquela chuva.

– Sei que sente falta deles, também sinto falta da minha família. – Killian continuou – Acredite, não foi fácil no começo, mas aí encontrei essas pessoas que se tornaram minha nova família. David, Mary, Bae, Gold, Graham e todos os outros que você ainda vai conhecer. Você é parte dessa família também, eu já lhe disse. Não importa o que você pense, não foi sua culpa. Pessoas morrem quando chega a hora, tudo o que temos que fazer é superar...

Não sei quanto tempo ficamos ali, parados em frente à loja de bebidas, enquanto pessoas iam e voltavam, indiferentes ao nosso sofrimento. Recuperei-me de minha crise de choro e apoiei a cabeça no ombro de Killian, que segurava minha mão. Não conversávamos, apenas ouvíamos a seleção de músicas que tocava no rádio. Depois do que me pareceu meia-hora, Killian sugeriu que fossemos a um drive-thru, pois ele estava morrendo de fome. Eram cerca de sete da noite.

– Sente-se melhor? – ele perguntou, com a boca cheia de batata-frita.

Comíamos dentro do carro, no estacionamento de uma das franquias da McDonald’s. Suguei refri pelo canudinho, fazendo barulho.

– Sim, obrigada. Tudo o que eu precisava era de um cheeseburguer bem gorduroso.

Ele riu.

– Você é a única mulher que conheço que gosta dessas coisas. Regina jamais comeria um desses, muito menos a Emma.

Emma. Não sei por que, mas não gostava daquele nome.

– Admita, sou a garota mais legal que você já conheceu!

– E a única que ri das minhas piadas. – ele enfiou outra batata na boca – Ei, sabe qual é a dança que o bebê faz quando está na barriga da mãe?

E lá vinha ele de novo.

– Qual? – perguntei, já imaginando uma resposta idiota.

– A dança do ventre.

Soltei uma risada. Nem sabia porque estava rindo daquilo, na verdade. Ele estava mesmo se esforçando pra me fazer rir.

– Eu sei, essa foi horrível – disse Gancho, também rindo – Mas conheço outra que é realmente boa: quem é que manda na terra dos queijos?

Pensei por uns instantes.

– Não sei.

– O Rei Queijão.

Gargalhei alto e as pessoas que estavam por perto nos olharam como se fossemos loucos.

– Killian, suas piadas são muito ruins.

– Eu sei...

***

De volta ao conforto de casa, ajudava Gancho com a famosa Torta de Abóbora da Helen. Aquela era uma das poucas coisas que ele sabia fazer na cozinha e já estava doida pra provar daquela iguaria. A cozinha fora tomada pelo cheiro do peru recheado, que, depois de cinco horas assando, finalmente ficara pronto. Nós o mantivemos no calor do forno para conservá-lo aquecido até a hora da ceia.

– Isto está com um cheiro divino – comentei, espiando o peru de doze quilos.

– Eu disse a você que nossas ceias são sempre maravilhosas – Killian abria a massa da torta – Espere até provar a torta de maçã da Regina, você vai amar.

– Vocês falam tanto dessa Regina que já estou ansiosa pra conhecê-la.

– Ela é uma figura – Encantado experimentava um dos vinhos que Gancho comprara – vai adorar conhecê-la.

Agora que anoitecera, as luzes dos pisca-piscas lançavam sombras multicoloridas pelas paredes, o que dava um efeito muito bonito. David puxou Mary para o espaço livre que havia na sala e sorri ao vê-los dançando uma música lenta, os dois formavam um casal muito fofo.

– Eu posso dançar com você se quiser – disse Gancho, ao perceber que eu observava os outros dois.

– Eu não sei dançar.

– Nem eu.

Ele me puxou para a sala e tentei me esquivar dizendo que ele ainda precisava terminar a torta, mas ele apenas disse que tinha muito tempo pra isso, de forma que não tive escapatória. Nos movíamos devagar, com pequenos passinhos para os lados. Mary apoiara a cabeça no ombro de David e Killian me puxou pra mais perto, como se temesse que eu fosse escapar.

– Pra quem diz não saber dançar, você dança muito bem – ele comentou com um sorriso.

– Isso porque não pisei no seu pé ainda.

Ele riu e uma música mais animada começou a tocar. Era o Mambo Number Five. Mary e David imediatamente mudaram o ritmo da dança e pareciam ter sido possuídos por algum tipo de fantasma bêbado, pois rebolavam feito loucos e gargalhavam como se fossem insanos. Killian foi contagiado pela animação deles e logo me incentivou a dançar daquele jeito, me fazendo girar.

– Uhu! Vai, Ruby! – Mary gritava e batia palmas e eu tinha uma ligeira desconfiança de que ela exagerara no vinho.

– Vem aqui, querida, vamos dançar – Gancho puxou David e os dois se abraçaram e improvisaram uma valsa meio desajeitada, enquanto Mary e eu fazíamos o mesmo e dávamos gargalhadas.

Jump up and down and move it all around (Pule para cima e para baixo e ande por toda parte)

Shake your head to the sound (Balance a cabeça de acordo com o som)

Put your hands on the ground (Coloque suas mãos no chão)

Take one step left and one step right (Dê um passo para a esquerda e outro para a direita)

One to the front and one to the side (Um para a frente e outro para trás)

Clap your hands once and clap your hands twice (Bata palmas uma vez e bata palmas duas vezes)

And if it looks like this then you doin' it right (E se ficar desse jeito então você está fazendo direito).

Trocamos de par e fui dançar com David, enquanto Mary foi com Killian. Encantado segurou minhas mãos e começamos a girar rápido, como eu fazia com meu avô quando era criança. Branca e Gancho fizeram o mesmo e rimos como se estivéssemos no jardim de infância. Acabamos caídos no tapete e Killian veio parar em cima de mim, seu peso me sufocando.

– Sai de cima de mim! – gritei, sem conseguir parar de rir e ele apenas se deitou ao meu lado, rindo como idiota.

Mary fora tomada por tal crise de riso que quase fez xixi nas calças e agora todos nós gargalhávamos deitados no tapete, observando as luzes que giravam acima de nós. Ouvimos o barulho do elevador e suas portas se abriram, revelando uma mulher que trazia uma torta numa mão e várias sacolas na outra. Ela nos olhou e caiu na gargalhada.

– Mas que diabos estão fazendo? – perguntou, depositando a torta e as sacolas na mesa.

– Regina! – Mary se levantou e foi abraçar a recém-chegada – Que bom vê-la! Espere aí, eu preciso fazer xixi! – e correu pro banheiro, enquanto Regina ria.

Killian se levantou, me ajudando em seguida. Minha barriga e bochechas doíam pelo riso e meu rosto devia estar vermelho. Aquele momento de loucura servira pra esquentar nossos corpos enrijecidos pelo frio.

– Regis, há quanto tempo! – Gancho cumprimentou, beijando a mulher na bochecha, e em seguida nos apresentou – Esta é Ruby, minha nova assistente. Ruby, esta é a famosa Regina, prima de Mary.

– Olá! – disse, trocando um aperto de mão com Regina – Não sabia que você e Mary eram primas.

– Ela não chegou a comentar, não é? Ela nunca comenta nosso parentesco. – Regina sorria simpática – Ei, até que enfim arranjou uma namorada decente, Gancho.

– Oh, não somos namorados – tratei de esclarecer. Mas que coisa! Por que é que todos achavam isso?

– É uma pena, vocês dois combinam! Isso é cheiro de peru? – ela foi na direção da cozinha e espiou o forno, depois olhou em volta, admirando a decoração – Você comprou uma TV? Ah meu Deus, mas que milagre!

– Agradeça a Ruby, ela me convenceu a gastar dinheiro – Killian voltou à torta e fui ajudá-lo, enquanto Regina ligou a TV sem nenhuma cerimônia.

– O prédio está tão arrumado! – ela notou em seguida e Killian disse que eu fora a grande responsável por ordenar a bagunça – Meu Deus, Ruby, que milagres você fez aqui!

– Ah, não foi nada, eu só fiz meu trabalho.

– Ela é tão modesta! – David comentou, enchendo uma taça de vinho para Regina, que olhou pra mim parecendo impressionada.

– Eu gostei dela! – ela bebericou o vinho e veio até mim – Até que enfim arrumou outra assistente, Gancho! Achei que nunca fosse superar a Emma – pelo modo como ela pronunciou o nome, soube que também não era muito fã da tal Emma.

– Já pode se sentir honrada, Ruby – Gancho forrava uma forma redonda com a massa da torta – não é fácil conseguir a aprovação da Regina.

Eu também gostara dela. Como David dissera, Regina era uma figura! Conversamos por muito tempo e ela nos ajudou com a torta, já que era especialista em assados. Perguntei a ela se também tinha um apelido e ela disse que sim.

– Me chamam de Rainha Má, porque sei ser fria e cruel quando quero.

– E mandona também, como uma rainha – disse Killian, retirando o peru do forno para colocar a torta em seu lugar. – Aliás, como vão as coisas em Storybrooke? Aquele lugar ainda existe?

– Não fale assim da minha cidade! – Regina atirou uma azeitona em Killian, que lhe acertou a cabeça.

Ela me explicou que era prefeita em uma cidadezinha chamada Storybrooke, no Maine. Aquilo era apenas um disfarce para esconder seu lado frio de caçadora, mas não era fácil ter dois empregos, por isso Regina quase não aparecia pra uma visita. Ela realmente tinha o semblante de uma mulher poderosa. Era alta e esbelta, tinha olhos escuros, cabelos curtos que chegavam aos ombros e uma pequena cicatriz acima do lábio.

Dali a pouco o elevador se abriu de novo e dele saíram um velho e um homem que eu já conhecera antes. Lembrava-me bem de Pinóquio e não deixei de sorrir por ver que ele continuava bonito e charmoso. Sorriu pra mim ao apertar minha mão:

– Ah, eu me lembro de você, daquele dia na lanchonete. Como é seu nome mesmo?

– Ruby, o nome dela é Ruby – disse Killian, antes que eu pudesse responder – Você deve se lembrar do August, ou melhor dizendo, Pinóquio.

– É claro que ela lembra, sou um cara difícil de esquecer – August/Pinóquio piscou pra mim e em seguida apresentou o homem mais velho que o acompanhava – Este é meu pai, Marco, mais conhecido como Gepeto.

– É um prazer conhecê-la, senhorita – Marco se curvou e beijou minha mão – Você não disse que tinha arrumado uma namorada tão bonita, Gancho.

– Não somos namorados! – Killian e eu respondemos juntos.

– Que pena! Vocês combinam tanto!

Quantas vezes eu teria de ouvir aquilo?

Marco era bom em serviços com madeira, o que lhe rendera o apelido de Gepeto e o disfarce de marceneiro. Já August, eu logo soube, era mesmo um mentiroso de primeira.

– Ei, sabia que Killian e eu somos primos em segundo grau? – ele me disse.

– Sério? – Gancho não me contara nada daquilo.

– Não, é brincadeira – August riu, levando uma taça de sidra à boca – Mas ele é como um irmão pra mim. Olha, tem uma aranha na sua cabeça!

– Ah meu Deus! – balancei meus cabelos, até me dar conta de que August mentira e agora ria da minha cara.

– É mentira!

– Ei, deixe ela em paz – Gancho veio para o nosso lado. Carregava uma bandeja de cogumelos recheados.

– Tá bem, não precisa ficar com ciúmes – Pinóquio riu ao se afastar e Killian murmurou que não estava com ciúmes, me oferecendo um cogumelo em seguida.

– E então, que está achando deles? – perguntou, referindo-se a seus amigos.

– São legais! – dei uma mordida no cogumelo, apreciando o recheio de queijo e tomate – Gostei deles!

Dali a pouco Baelfire, Gold e Graham chegaram e, como eu previra, Bae viu a foto em que Killian e eu estávamos vestidos de Papai e Mamãe Noel, e comentou que fazíamos um belo casal.

– Você já pensou em se declarar pra ela ou algo do tipo? – ouvi o garoto perguntar ao tio e Killian pareceu um tanto desconfortável.

– Não diga besteiras, garoto – riu, bagunçando os cabelos do menino.

Por último chegou Archibald Hopper, um homem engraçado e de pernas compridas. Soube que o chamavam de Grilo Falante, tanto por suas pernas de grilo, quanto pelo fato de ele ser a pessoa mais ética e consciente do grupo, sempre disposto a dar conselhos, como o Grilo da história de Pinóquio. Achei graça por todos usarem nomes de contos de fadas e Regina explicou:

– Esses nomes são uma ironia, porque nossas vidas estão longe de ser um conto de fadas.

A noite estava sendo divertida. Um grupo requebrava o esqueleto ao som de músicas eletrônicas que tocavam no rádio. Graham tivera a ideia de pendurar um globo de luz no teto e agora o lugar parecia uma balada. Regina e Bae competiam corrida no videogame e logo Killian e eu entramos na competição. Gold balançava no lugar e conversava com Archie, que comia um dos cogumelos recheados que preparáramos.

– Ganhei! – Regina comemorou ao vencer a corrida e comentamos que ela era muito boa naquilo.

Mary carregava uma bandeja cheia de patês, pequenas torradas e batata chips. Havia patês de camarão, queijo e pimenta, e guacamole. Eles não estavam brincando quando disseram que a ceia seria farta e aqueles ainda eram apenas os aperitivos.

– E então, Ruby, você e Killian são namorados? – Archie perguntou quando fui pegar mais um cogumelo.

– Não, não somos. Somos apenas amigos – Quantas vezes eu teria que dizer a mesma coisa?

– Oh, é uma pena... Sabe que vocês combinam? Ah eu adoro essa música! – e ele saiu deslizando até onde os outros dançavam Livin’ La Vida Loca.

Graham e August me puxaram para a dança e Mary e David novamente fizeram seus passinhos de fantasma bêbado. Regina e Bae também vieram e logo todos dançavam ao ritmo da música, até Marco, que apesar de velho tinha mais energia do que qualquer adolescente. Killian fez o que chamava de Minhoca Vibrante e praticamente rastejou no chão, nos fazendo rir. Em seguida David e Mary foram em busca de uma vassoura ou qualquer coisa que pudéssemos usar naquela brincadeira chamada Limbo, em que a pessoa tem de passar por baixo de uma vara estendida sem encostar a cabeça nela. Nesse instante, porém, o elevador se abriu, revelando três figuras desconhecidas. Todos pararam de dançar. Infelizmente, eu acabei por reconhecer uma daquelas três pessoas.

– Emma! – exclamou David e foi abraçar a mulher loira, que parecia um tanto constrangida pelos olhares dos outros – Que surpresa!

Alguns olhares se voltaram para Killian e ele veio para o meu lado, como se quisesse se esconder pra que Emma não o visse. Ela era bonita como nos desenhos que ele fizera, mas agora um pouco mais velha e madura. Estava acompanhada de um garoto, que devia ser seu filho, e de um homem, que provavelmente era seu marido.

– Ora, ora, o que traz minha nora, filho e neto até aqui? – perguntou Gold, com um ar divertido.

Espere aí, nora, filho e neto? Lancei um olhar indagador a Killian e Bae, que estavam perto de mim, e Bae sussurrou:

– Já mencionei que tenho um meio-irmão mais velho?

Gold tivera um filho antes de Bae? Por que aquilo me chocara tanto? E por que é que David e Emma pareciam tão íntimos? Ele passara um braço pelos ombros dela e Mary nem fizera cara feia pra isso. Mas que diabos estava acontecendo?

– Te explico mais tarde – Killian sussurrou em meu ouvido e me arrepiei.

– Ah sabem como é – o filho mais velho de Gold respondeu à pergunta do pai – resolvemos fazer diferente esse ano e o Henry queria passar um tempo com o avô, então...

Henry era o garoto, que devia ter uns dez anos. O meio-irmão de Bae se chamava Neal e mais tarde soube que ele fora fruto do primeiro casamento de Gold. Todos ali conheciam Emma, mas alguns não conheciam Neal, nem Henry, de forma que Gold fez as apresentações.

– ... este é Killian, meu cunhado, e a senhorita Ruby, sua assistente. – disse ele a Neal e Henry, após já ter apresentado os outros que eles não conheciam.

Emma lançou um olhar na direção de Killian e enrubesceu, como se só o tivesse visto agora. Nós duas nos encaramos e em seguida ela cumprimentou Gancho com um simples “oi”.

– Swan – ele acenou brevemente com a cabeça e depois disso ficou se sentindo muito desconfortável, pois Neal o encarou com curiosidade, provavelmente já sabendo de sua história com Emma.

Feitas as apresentações, as pessoas se dispersaram e Mary foi fazer sala para Emma, oferecendo-lhe alguns petiscos. Encarei Killian pedindo uma explicação e ele olhou pra David, que vinha em nossa direção.

– Você a convidou? – perguntou Gancho, visivelmente irritado.

– Eu não sabia que ela ia vir – Encantado se defendeu – Convidei por educação.

– Alguém pode me explicar o que está acontecendo? – pedi, irritada por não me dizerem nada.

Gancho me puxou para um canto e David foi ajudar Mary a fazer sala para os recém-chegados.

– Então essa é a Emma – eu disse e Killian assentiu – Por que David a convidou? Ele não pensou no seu desconforto?

– Ele convidou por educação, porque Emma é irmã dele.

Como é que é? Ninguém pensara em me contar que Emma, a Emma que fizera Killian sofrer, era irmã do David? Aquela informação me chocou mais ainda. Como é que podiam ser irmãos? Eles não eram nada parecidos.

– Irmã adotiva, na verdade – Killian continuou. Falava em voz baixa, mas mesmo que usasse seu tom de voz normal, ninguém o escutaria com o barulho do rádio e das conversas altas. – Foi o próprio David quem sugeriu que ela trabalhasse pra mim. É claro, ela não gosta do nosso trabalho, por isso se afastou e decidiu levar uma vida normal. Não imaginei que ela fosse aparecer, ela nunca participa de nossos feriados.

Emma conversava com Mary, Archie e David, que pareciam ser as únicas pessoas dispostas a falar com ela. Talvez os outros não gostassem dela por ela ter rejeitado Killian, mas eu não tinha muita certeza disso. Henry e Bae jogavam videogame com Neal, que parecia estar à vontade, mesmo num lugar em que não conhecia quase ninguém.

– Você ainda não conhecia o marido dela? – perguntei e Gancho balançou a cabeça.

– Nem o filho. Eu não a vejo há muitos anos, desde que ela resolveu ir embora daqui. E não me olhe assim, eu não sinto nada por ela, já superei isso.

– Verdade? – eu não acreditava muito nisso, embora ele já tivesse afirmado a mesma coisa várias vezes.

Ele me olhou com a cabeça meio caída de lado, o que sempre me fazia rir.

– Darling, acha mesmo que estaria na mesma sala que ela se ainda sentisse alguma coisa? O fato de ela ter vindo não me irrita, o que me irrita é saber que ela trouxe filho e marido junto, sem nem pensar em como isso me afetaria.

– Eu não sabia que Gold tinha outro filho. – dei uma olhada pra Gold, que se mantivera um pouco afastado de Neal e parecia extremamente desconfortável. Imaginei que talvez os dois tivessem uma relação difícil - Achei que a única mulher dele tivesse sido a Milah.

– Ele foi casado duas vezes antes da Milah. Minha irmã foi apenas uma das muitas mulheres na vida dele. – Killian suspirou – Bem, é uma longa história, posso explicar tudo mais tarde.

– Por que não explica agora? – pedi da forma mais meiga que consegui. Curiosa como estava, não ia conseguir esperar por muito tempo. Ele suspirou de novo, tombando a cabeça para o lado:

– Por que você é sempre tão curiosa? Está bem, vamos lá pra baixo.

Descemos pelo elevador sem que ninguém notasse que estávamos saindo, tão distraídos e ocupados que estavam. Assim que as portas metálicas se fecharam, abordei Killian com tantas perguntas que ele chegou a ficar atordoado. Queria saber tudo sobre Emma e os laços de parentesco que uniam uns aos outros. Ninguém me contara nada sobre Regina e Mary serem primas, muitos menos que Emma e David eram irmãos e que Gold já tinha até um neto. Precisava me atualizar e ninguém melhor do que Killian pra me manter a par de tudo.

Já na garagem, nos sentamos no capô do Impala. Um vento frio entrava pelas frestas do portão e nos encolhemos dentro de nossos casacos.

– Bem, já que quer saber sobre a Emma, acho que convém eu lhe contar tudo desde o início – Gancho esfregava as mãos para mantê-las aquecidas. – Tudo começou, como você sabe, com a morte de nossa mãe. Foi uma época muito difícil porque, além de termos perdido a mamãe, descoberto a verdade sobre o papai e perdido tudo o que tínhamos, acabamos numa situação pior ainda quando Milah engravidou de Gold.

– Espere aí, vocês não estavam na escola nessa época?

– Sim, mas Milah já estava tendo um caso às escondidas com Gold, que era muito mais velho do que ela. – ele balançou a cabeça, como se repreendesse o comportamento da irmã – Ela tinha acabado de se formar no colegial quando ficou grávida. Tudo isso foi demais para o Liam e ele acabou saindo de casa, enquanto Milah e eu fomos viver com Gold, já que não tínhamos mais pra onde ir. Acontece que ele já era caçador a mais tempo do que nós e foi a primeira pessoa a nos introduzir ao mundo das caçadas. Ele se casou com Milah e nos ensinou tudo o que sabia. Foi assim que conhecemos David e Mary Margaret, que também eram alunos de Gold.

Ele parou pra respirar e novamente esfregou suas mãos uma na outra. Eu apenas me encolhia dentro de meu casaco fino de lã e Gancho, para minha surpresa, passou um braço pelas minhas costas pra me esquentar.

– A história de Mary e David também é muito longa, então não me peça pra contar isso agora – ele continuou e assenti – Os dois tinham largado a escola, mas eu intercalava os estudos com as caçadas e por um tempo isso funcionou bem, até que não consegui mais conciliar as duas coisas e abandonei o colégio antes de terminar o colegial.

Não sabia que ele não terminara a educação básica, ele era tão inteligente que parecia uma daquelas pessoas que frenquentaram a faculdade por anos. Ele continuou, ainda acariciando minhas costas pra me manter aquecida.

– Com o passar do tempo, fomos encontrando outros caçadores por onde passávamos. Regina passou por maus bocados e Mary resolveu trazê-la para o grupo. Depois vieram Graham, August e Marco, Archie... A casa de Gold ficara pequena demais para nossos encontros, de forma que, quando precisamos de um lugar maior, pensei que este prédio seria o quartel general perfeito. Acho que foi uma de minhas ideias mais brilhantes – ele riu – Foi realmente trabalhoso manter esse lugar com aparência de abandonado, mas acabamos conseguindo. E então, há dez anos, a Emma apareceu.

– Por que Neal a abandonou quando ela estava grávida? – perguntei, sem conseguir me conter.

Gancho fez cara de “Quem te contou isso?” e confessei ter arrancado informações de Baelfire. Killian riu e disse que eu era uma maldita investigadora.

– Bem, ela estava passando por uma crise na época – ele continuou a explicar, agora com a cabeça apoiada ao meu ombro. Confesso que estava gostando daquela proximidade – Ela foi adotada pelos pais de David quando era bem pequena e nunca soube de seus pais biológicos, porque eles a abandonaram na beira de uma estrada. Ela e David tinham uma vida boa sabe, eram bem endinheirados e nada lhes faltava. Mas aí, quando ela completou dezoito anos, fugiu de casa pra procurar pelos pais biológicos e descobrir porque tinham se livrado dela. Acho que ela estava meio obcecada com isso e queria descontar a raiva que sentia neles. Eu a entendo sabe, a ideia de ter sido abandonado é realmente deprimente, apesar de não sabermos por que eles fizeram isso. David, é claro, ficou louco de raiva quando soube que Emma tinha fugido, mas a partir daí não podíamos fazer nada, ela simplesmente sumiu do mapa e apenas mandava cartões postais dos lugares pelas quais passava, pra que ao menos ele soubesse que ela estava viva.

– Ela sabia sobre as caçadas?

– Não, ela não sabia de nada, mas os pais de David sabiam de tudo e meio que o deserdaram por ele ter abandonado a escola e ido para o “mau caminho”, como diziam. Bom, eles fizeram o mesmo com Emma depois que ela fugiu. Sem o dinheiro deles, ela começou a levar uma vida de crimes.

– Sério? – ela não tinha cara de criminosa – Que tipo de crimes ela cometeu?

– Nada de muito sério, apenas uns roubos aqui e ali. Até que um dia ela conheceu o Neal, de passagem por Portland. Neal e Gold nunca tiveram um relacionamento bom e Neal acabou por sair de casa depois de uma de suas brigas com o pai. É por isso que nunca cheguei a conhecê-lo, ele não morava com Gold na época em que Milah, Bae e eu vivíamos lá. Foi realmente uma coincidência ele e Emma terem se conhecido.

– Deixe-me adivinhar: eles se apaixonaram, ela engravidou e ele a abandonou por medo de ter que assumir a criança.

– Como sabia? – ele levantou a cabeça pra me olhar – Bae te contou essa parte também?

– Não, eu apenas presumi que fosse algo assim. – ri – Continue.

– Bem, eles se apaixonaram – não deixei de notar um leve tom de aborrecimento na voz de Killian – e juntos levaram uma vida de crimes, até que Emma engravidou, mas Neal disse que não podia ter um filho e a abandonou. Ela ficou arrasada! Logo depois pegaram o Neal em flagrante quando ele roubou de uma loja e ele ficou preso por uns meses. Nesse tempo a Emma escreveu para David contando sua situação e ele teve a ideia de colocá-la pra trabalhar comigo, já que ela não queria voltar pra casa dos pais, apesar de eles a terem aceitado novamente. Ela só aceitou o emprego porque não tinha outra escolha e então se tornou minha assistente. Confesso, ela não era tão organizada quanto você e também não podia se esforçar muito na limpeza por causa da gravidez.

Enrubesci. Sempre ficava envergonhada quando alguém elogiava minha organização.

– Mas tal como você, ela era curiosa e sempre fazia inúmeras perguntas sobre o prédio e sobre meu trabalho. Não consegui esconder a verdade por muito tempo e quando ela descobriu o que realmente éramos, ficou muitíssimo assustada. Me chamou de louco e disse que o que fazíamos era uma perda de tempo, porque jamais conseguiríamos livrar o mundo de todo o mal que há nele. Ela desmereceu nosso trabalho, é por isso que os outros não gostam muito dela.

Ele se calou e percebi que não terminaria de contar toda a história. Sabia que havia mais nisso e foi por isso que falei:

– Soube que você a pediu em casamento.

Ele me olhou, depois ficou constrangido, enrubesceu e desviou o olhar.

– É verdade... – murmurou.

– Você a amava de verdade, né?

Ele assentiu, pouco confortável.

– Amava sim... Mas ela não tinha esquecido Neal, apesar de ele a ter abandonado. Descobrimos que ela o visitava na cadeia e quando ele foi solto, os dois fizeram as pazes. Ela já tinha se demitido e ignorou todas minhas tentativas de ajudá-la. Desprezou meus sentimentos... preferiu ficar com o cara que a machucou a ficar com o cara que tratou de suas feridas. – Ele devia estar com raiva, pois apertava os punhos – Aí os dois se casaram e largaram a vida criminosa. Hoje eles cuidam do filho e trabalham em empregos normais. Emma virou xerife e está do lado da lei, enquanto que Neal trabalha como gerente de supermercado. – ele sorriu debochado ao falar do emprego de Neal – Ela relutou tanto em ficar com um cara como eu e agora é casada com o palerma que inspeciona as prateleiras.

Soltei uma risada. Killian sabia machucar as pessoas quando queria, com seus comentários maldosos. Ele também riu e em seguida desceu do capô do carro, me oferecendo uma mão.

– Vem, é melhor subirmos antes que venham nos procurar. Depois eu lhe conto mais histórias de minha maravilhosa vida.

Não disse nada enquanto subíamos pelo elevador, mas Killian não parou de tagarelar até que chegamos lá em cima. A festa continuava animada, apesar da aparição de Emma, e algumas pessoas sorriram maliciosas quando Gancho e eu saímos do elevador.

– Onde é que vocês estavam, hein? – perguntou Pinóquio, olhando de um para o outro.

– Estávamos arrumando umas coisas na garagem – disse Killian, mas Pinóquio, que era especialista em mentiras, não acreditou naquilo.

– Você é um péssimo mentiroso, Gancho – gargalhou – Aposto como estavam se pegando e não querem que ninguém saiba. – ele elevou a voz – Ei, pessoal, Killian e Ruby estavam se pegando na garagem!

Conhecem a sensação de vergonha extrema, quando você sente seu rosto queimar e sabe que poderia fritar um ovo na cara? Pois é, foi o que me aconteceu. Se eu fosse um avestruz, teria enfiado a cara num buraco. Todos olharam para nós e apenas me lembro de terem feito piadinhas e comentado, mais uma vez, que Killian e eu combinávamos perfeitamente.

– Eu devia ir esfriar minha cara na neve – comentei e Gancho gargalhou ao perceber o quanto eu ficara vermelha. Por que ele não ficara vermelho também?

– Oh, eu sabia que vocês dois iam se acertar – Mary veio para o nosso lado e nos sufocou em um abraço – É claro, não esperava que fossem se agarrar na garagem, mas isso não é vergonha nenhuma.

– Nós não estávamos nos agarrando – revirei os olhos. August gargalhava e minha vontade era bater nele – Pinóquio é um mentiroso, você sabe.

– Ah... – ela lançou um olhar desaprovador a August – Bem, que pena, queria que fosse verdade. Melhor eu desmentir essa história, assim ninguém vai ter uma ideia errada sobre vocês.

Mas Killian a segurou pelo braço, impedindo-a de ir falar com os outros.

– Não, não, não precisa! Eu tive uma ideia! – ele abriu um enorme sorriso e então me abraçou de lado. Ih, coisa boa não podia ser.

– Killian, Killian, o que vai aprontar dessa vez? – Mary pôs as mãos na cintura.

– Nada. Só vou passar um tempinho com minha namorada – e ele me beijou a bochecha, sem que eu tivesse tempo de protestar.

Aquele bastardo! Ele só estava fazendo isso porque Emma Swan olhava pra nós. Só precisei somar um mais um pra entender que ele queria mostrar a Swan que já a superara.

– Não me olhe assim – ele disse, quando o encarei com indignação e de braços cruzados – Você é minha funcionária, lembra-se? Vai fingir ser minha namorada!

– Isto não estava em nosso contrato, você não pode me obrigar. – retruquei, começando a ficar brava. Ele sempre usava o fato de eu ser sua funcionária como desculpa para tudo.

– Tem razão – ele suspirou, frustrado – Mas você fará isso por mim, não é? Porque você é uma moça muito boazinha e não quer que Emma pense que ainda estou sozinho, mesmo depois de tanto tempo.

– Bem, não é esta a verdade? – ri – Você não está sozinho, mesmo depois de muito tempo?

– Sim, mas ela não precisa saber disso. Por favor, Rubyzinha!

Ele estava fazendo a cara de cachorrinho triste. Como eu poderia me recusar a fazer aquilo por ele? Além disso, o fato de ele me chamar de Rubyzinha não ajudava em nada.

– Além do mais – ele continuou – eu farei papel de Doutor Simons amanhã, na casa de sua avó. Me parece justo que você faça algo por mim em troca.

Suspirei e revirei os olhos.

– Está bem, Killianzinho! Mas não vá se acostumando, hein?

Ele abriu um largo sorriso e passou um braço por minhas costas, me guiando até a mesa de aperitivos. Emma estava por perto e podia sentir os olhos dela em nós. Mary Margaret sorriu ao perceber o que estávamos fazendo e sabia que mais tarde ela diria que devíamos ser um casal de verdade.

– Ei, até que enfim assumiram! – Bae apareceu do meu lado e sorria maroto – Sabia que era questão de tempo até vocês dois se pegarem!

– Bae! – Killian exclamou e o garoto apenas riu.

– Que foi? Vocês não estão se pegando? Quer dizer que já estão namorando sério?

– Ah saí daqui, garoto! – eu disse e roubei um último cogumelo recheado, que estava dando sopa por ali.

Todos pareceram surpresos por só termos assumido nosso “namoro” agora, mas Killian explicara que ainda não tínhamos nada sério e que por isso disséramos ser apenas amigos. Todos engoliram essa mentira, menos Pinóquio, que apenas riu e disse que aquele namoro de mentira poderia acabar se tornando de verdade, quando descobríssemos o que realmente sentíamos um pelo outro. Ignorei esse comentário e fui conversar com Regina, que ficara um pouco esquecida depois de Mary ter ido falar com Emma. Ela claramente não suportava esta última, por isso se mantivera afastada.

– E então, qual seu problema com a Emma Swan? – indaguei, curiosa como sempre – Tem a ver com o que ela fez com Killian?

– Sim, mas não é apenas por isso – Regina tomou um gole de vinho branco – Ela é a Xerife de Storybrooke e sempre se acha no direito de passar por cima de minha autoridade. Ela pensa que tem autonomia para mandar na forma como as coisas funcionam e isso me irrita. Queria mesmo é que ela pegasse o marido palerma e aquele garoto orelhudo e desse fora de minha cidade.

Não sabia quem era pior, Regina ou Killian, com seus comentários maldosos. Mas ela tinha razão, o Henry tinha umas orelhas um tanto grandes e tentei segurar uma risada quando notei isso, mas não consegui. Logo ela também estava gargalhando e se segurou em mim pra não cair. Acho que ela exagerara um pouco na bebida.

– Okay, todo mundo, é hora da ceia! – Mary anunciou e todos foram procurar por lugares à mesa.

Felizmente, a mesa era grande o suficiente para todos, de forma que ninguém ficou sem lugar. Sentei-me entre Killian e Regina, tendo August e Marco à minha frente. Um forro com tema natalino cobria a madeira puída no tampo da mesa, sobre a qual havia diversas travessas de comida. O imenso peru recheado de David e Mary dividia espaço com as almôndegas suecas de Marco, a torta de maçã de Regina, a caçarola de vagem de Archie, as costeletas de porco de August, a torta de carne de Graham, o purê de batatas de Gold e Bae, meu molho de Cranberries, a famosa torta de abóbora feita por Killian e um rocambole de chocolate e avelã feito por Emma, seu marido panaca e o garoto orelhudo. Cada um contribuíra com um prato especial e agora nossa mesa se apresentava bem farta e apetitosa.

Conversávamos animadamente e me servi de um pouco de tudo. À hora da sobremesa, experimentei as duas tortas, enquanto Regina e Killian me olhavam com expectativa, querendo saber de qual das duas eu gostara mais.

– As duas são maravilhosas, não posso escolher apenas uma – eu disse, mas eles tanto insistiram que acabei escolhendo a de Regina, simplesmente porque gostava mais de maçãs do que de abóboras.

Bebíamos vinho como acompanhamento e eu não quis exagerar, por isso não passei da primeira taça. No fim, sentia-me tão empanturrada que nem consegui provar o rocambole de chocolate e avelãs, que estava com uma cara ótima. Embora metade daquelas pessoas não gostasse de Emma, todos experimentaram a sobremesa.

– Hora dos presentes! – Mary anunciou, já um tanto alterada pelo álcool. Será que ela poderia ficar mais animada do que já estava?

Fui apanhar os presentes de meus amigos e fui surpreendida por Gancho, que me estendia uma caixa embrulhada em papel vermelho.

– Este é pra você – ele sorria.

Killian acertara na cor do embrulho e imaginei que o conteúdo da caixa também fosse algo na cor vermelha. Rasguei o papel e, quando abri a tampa da caixa, encontrei uma linda capa vermelha, semelhante à da personagem Chapeuzinho.

– Ah, Killian... Obrigada!

– Gostou?

– Eu amei! – o abracei e em seguida ele me fez colocar o capuz na cabeça. A capa chegava ao chão e era feita de um tecido grosso e aveludado.

– Achei que era perfeita pra você, agora que é parte de nossa família. A partir de agora, vai ser Chapeuzinho Vermelho.

Ele estava me dando um codinome?

– Mas eu não sou caçadora – contrapus. Não achava que fosse digna de um codinome, afinal, eu era apenas uma assistente.

– Você matou um metamorfo e foi bem impressionante– ele lembrou – Chapeuzinho Vermelho é o codinome perfeito, já que você gosta de coisas vermelhas e quase foi morta por um lobisomem.

Eu não tinha pensado nessa minha semelhança com o conto da Chapeuzinho. A garota que quase fora morta por um lobo. É, ele tinha razão, era o codinome perfeito.

– Também tenho uma coisa pra você – disse e apanhei o presente que comprara para ele. O embrulho era preto (porque ele amava essa cor) e isso pareceu agradá-lo, porque ele sorriu antes de abri-lo. Era um sobretudo de couro, parecido com aquele que ele costumava usar quando saía pra caçar – Achei que você precisava de um casaco novo, porque o outro já está muito desgastado.

– Oh, você acertou na compra! – ele vestiu o sobretudo por cima da roupa, mas o deixou aberto. Aquilo o tornava ainda mais sexy, se é que isso era possível. – Obrigado, Rubyzinha! – ele me apertou uma bochecha.

– Ih, o apelido pegou, é? Ou só está fazendo isso por causa da Emma? – provoquei.

– Eu gostei do apelido, okay? É pra te deixar ainda mais fofinha.

Enrubesci e dei um sorriso sem graça. Killian se aproximou e encarei aqueles olhos tão azuis, que hoje estavam mais escuros do que de costume. Ele se curvou e percebi que tinha intenção de me beijar. Não ousei me afastar, sabia que estava devendo isso a ele desde aquele beijo interrompido no Hotel Metamorphosis. Antes que ele me beijasse, porém, fomos interrompidos por um flash de luz.

– Mary! – ralhei. Ela tinha que aparecer com essa câmera logo agora? Não que estivesse frustrada por ter nos interrompido (bom, isso também), mas por sempre registrar os momentos mais constrangedores.

– Desculpem – ela ria – eu tinha que registrar o momento. Podem continuar.

Mas já não havia clima pra isso. Gancho apenas me olhou envergonhado, antes de se afastar:

– Bom, é melhor eu ir entregar os outros presentes.

– É... eu também...

***

– Oh, eu realmente lamento não ter lhe comprado um presente – dizia Regina, praticamente jogada num dos sofás – Comprarei algo da próxima vez que vir aqui, está bem?

– Não precisa, Regina – eu disse.

Era a quarta vez que ela dizia aquilo. Exagerara um pouco na bebida e ficara ainda mais engraçada agora que estava um tanto alterada.

– Rumplestiiiiiltskiiiiiin! – chamava e Gold fazia cara feia.

Rumplestiltskin, logo descobri, não só era o codinome de Gold (já que ele adorava fazer acordos, assim como o personagem Rumplestiltskin dos contos de fadas), como seu nome verdadeiro, que ele odiava. Ele me contara que sua mãe adorava a história de Rumplestiltskin, por isso colocara aquele nome no filho, sem pensar no quanto aquilo afetaria a vida dele (porque ele sofrera muito bullying por causa daquele nome tosco). Gold odiava tanto o nome que exigia que o chamassem apenas pelo sobrenome. Aliás, fora por causa daquele nome bizarro que surgira a ideia de os caçadores usarem codinomes de contos de fadas.

– Rumplessssstiiiiltskiiiiiin!

– Cale a boca, Regina! – ordenou Gold, muito irritado.

– Que foi que ela bebeu, hein? – Mary pôs as mãos na cintura, como se nos culpasse pelo fato de a prima estar tão bêbada – Eu disse a vocês que ela não devia beber.

– Ora, a Regina faz o que quiser, não temos culpa se ela quis ficar doidona. – falou Bae, deitado no sofá listrado, que também pertencera à mãe de Killian.

– Rumplesssssstiiiiiiiiltskiiiiiiiin!

– Pelo amor de Deus, alguém faça essa mulher calar a boca, minha cabeça está doendo! – reclamou August, que também exagerara na bebida.

Regina gargalhou alto e tentou se sentar, mas acabou caindo de volta no sofá.

– Oh, eu realmente, realmente sinto muito! – ela tornou a dizer para mim – Eu lamento tanto não ter lhe comprado um presente! Comprarei algo da próxima vez que vier aqui!

– Você já disse isso, Regina – Killian deu tapinhas na cabeça dela, achando graça do estado em que ela se encontrava.

– Eu sei, mas é que eu lamento taaaaanto - ela olhou pra mim – A Ruby é legal, gosto dela! Vamos ser amigas?

– Claro! – eu ri e ela me abraçou de mau jeito.

– Aaaaaah eu gostei taaaaanto dela! – exclamou – Vamos ser boooooas amigas! Podemos ir ao shopping e podemos fazer compras juntas. Por falar nisso, eu lamento tanto não ter lhe comprado um presente...

Todos reviraram os olhos. Pelo visto Regina não ia calar a boca tão cedo. Ri outra vez, mas deixei de prestar atenção às loucuras de Regina porque nesse momento avistei Killian e Emma conversando. O Palerma e o Garoto Orelhudo (mais conhecidos como Neal e Henry), também observavam enquanto Emma falava com Gancho. Seja lá o que estivessem conversando, não gostara daquilo. Não que eu estivesse com ciúmes, apenas não queria que Killian se machucasse ainda mais.

– Ora, ora, olha só o Jones conversando com a Swan – falou Regina, em voz um pouco mais baixa – Você devia ir lá e acabar com a raça dela, aquela lambisgóia... Ela não passa de uma babaca, não é a toa que ela se casou com aquele palerma e teve aquele Menino-Dumbo – ela riu da própria piada – Menino-Dumbo... Hahaha, essa foi realmente boa, não foi?

Minhas bochechas já estavam doendo de tanto rir. Pobre Henry! Não merecia que ríssemos dele, mas não podíamos evitar.

– As desgraças são de família, não acha? – continuou Regina – Acho que os Gold foram amaldiçoados. Primeiro vem o Rumples... o Rumplestiltskin com este nome tosco – ela riu – Era de esperar que o coitado fosse ter um filho palerma, que logo depois ia gerar um menino com orelhas de elefante e... – ela gargalhou alto – O único ser normal dessa família é o Baelfire, mas coitado, também foi amaldiçoado com um nome terrivelmente tosco.

Bae fez cara feia para Regina, mas não disse nada, pois sabia que a mulher estava alterada demais e por isso falava coisas que não devia.

– Já chega, Regina, melhor você ir se deitar. – David tentou levantá-la, mas ela se recusou.

Emma se afastara de Killian e agora Gold se despedia de nora, filho e neto, já que eles estavam indo embora. Era loucura sair no frio que estava fazendo lá fora, mas eles, obviamente, não queriam dormir num lugar na qual sua presença não era apreciada. Os três se despediram agradecendo pela ceia e por nossa companhia e Mary, David, Bae e Gold os acompanharam até a garagem.

– Adeeeeus, Menino-Dumbo! – gritou Regina, depois que as portas do elevador se fecharam.

– Graças a Deus eles foram embora! – balbuciou August, tão bêbado quanto Regina – Já não agüentava mais aqueles três...

– Ei, olhem os modos! – Archie ralhou. Ele fora uma das pessoas que se esforçara para aceitar Emma – Não importa o que ela tenha feito, temos de respeitar.

– Ela não respeitou nosso trabalho, pra começar – falou Graham, que beliscava o resto de torta de abóbora que sobrara – Pra falar a verdade, ela não tinha nada que ter vindo. Nem o Gold os agüenta, por que temos que suportá-los?

– Esqueçam isso, já acabou! – Killian interferiu, antes que começassem a discutir aquele assunto. – Melhor irmos dormir, está muito tarde.

Alguns bocejaram, exaustos e empanturrados demais pra fazer qualquer outra coisa. Todos se arrastaram até o elevador e subiram para o dormitório, onde caíram em suas camas e logo adormeceram. Regina teve de ser carregada por Gancho, pois mal conseguia andar, e August cambaleou um pouco, até que seu pai passou um braço por suas costas pra lhe auxiliar.

Não estava com sono. Na verdade, sentia-me bem desperta e estranhamente feliz, por isso apenas me sentei em minha cama e observei o céu escuro e sem estrelas. Gancho sorriu pra mim, entrando em minha baia e se sentando ao meu lado.

– Não consegue dormir?– perguntou ele.

– Estou sem sono.

– Eu também.

Ouvimos roncos, que certamente vinham de August e Graham. Mary e David dividiam uma cama de solteiro ali perto e supus que estivessem cansados demais para se importar com o desconforto de dormirem tão espremidos. Regina resmungava no sono, Baelfire respirava profundamente e os cabelos grisalhos de Gold brilhavam com a luz da lua.

– Eu vi vocês dois conversando – falei, depois de uns segundos de silêncio – Você e Emma.

Gancho assentiu.

– Emma veio se desculpar, disse que não tinha intenção de me machucar ou de desmerecer nosso trabalho – ele se curvou e apoiou os cotovelos nas pernas – Ela era mimada naquela época sabe, não pensava muito nos outros e achava que tudo tinha que ser como ela queria. Ainda não sei como fui me apaixonar por aquela garota. Mas ela amadureceu muito desde então e reconhece que suas atitudes foram dignas de uma garotinha ingênua, metida e que não sabia nada da vida, por isso a perdoei.

Eu encarava o chão. Talvez algo tivesse mudado no coração dele. Talvez aquela paixão de anos atrás tivesse retornado no momento em que Gancho viu Emma novamente naquela noite.

– E você não sentiu nada? – indaguei – Quando ela veio falar com você, digo.

– Eu já lhe disse que não sinto nada pela Emma – ele parecia irritado. Eu devia parar de perguntar isso – Ela não é mais a garota pela qual me apaixonei. Naquela época ela era frágil e ingênua, hoje é uma mulher decidida e que não precisa da proteção de um homem. Não é mais a mesma pessoa.

– Bem, as pessoas mudam.

– É por isso que não a amo mais. – ele sorriu – Bem, tudo isso é passado, vamos apenas esquecer, está bem?

– Certo.

Permanecemos em silêncio por um tempo. Ainda usava minha capa vermelha e Gancho usava o sobretudo que eu lhe dera de presente. Fiz menção de descer lá pra baixo pra ver o que passava na TV, mas Gancho disse que tinha uma ideia melhor e apenas apanhou um cobertor grande e me puxou para o elevador. Subimos para o terraço, um lugar na qual eu não estivera antes, simplesmente por achar que não havia nada de interessante por lá.

– Brrr! Que frio! – estremeci, logo que saímos no terraço coberto de neve.

O único lugar que não estava coberto pelo gelo era a área sob a cobertura feita para a churrasqueira. Caminhamos até lá, com nossos pés afundando na neve, e nos sentamos sobre a pequena mesa perto da churrasqueira. Gancho cobriu minhas costas com uma ponta do cobertor e se cobriu com a outra ponta, de forma que ficamos tão próximos que eu podia sentir o calor que seu corpo emanava.

– Pronto, agora estamos aquecidos! – ele passou um braço por meus ombros e me puxou pra mais perto ainda. – Oh, olhe só essa vista!

Podíamos ver vários pontinhos de luz na cidade lá embaixo. Era provável que todos estivessem dormindo, afinal, os americanos não costumavam comemorar o Natal na véspera, apenas no dia vinte e cinco. A família de Killian, porém, sempre tivera uma tradição diferente e por isso até hoje os caçadores comemoravam o Natal com uma ceia. Aquela era a única época do ano em que eles se reuniam.

– Você não me disse o que achou da ceia – Gancho lembrou – Sei que tivemos alguns imprevistos, mas...

– Foi o melhor Natal da minha vida – disse, sorrindo. Era a verdade. Aquele fora o melhor Natal de todos. – Eu nunca tinha me divertido tanto!

Ele sorriu de volta e me olhou por bastante tempo. Passei a olhar a cidade pra evitar ficar constrangida. Dali a pouco, pequenos flocos de neve começaram a cair. Era provável que tivéssemos uma camada de neve ainda maior pela manhã e estremeci com a rajada fria que passou por nós.

– Está com frio? – Gancho me puxou mais pra perto, tentando me aquecer, mas só conseguiu me deixar muitíssimo envergonhada.

Antes que pudesse me afastar, ele se curvou e capturou meus lábios nos seus. Os lábios dele tinham gosto de menta suave e imaginei que ele tivesse escovado os dentes, já com intenção de me beijar. Mas eu não escovara os meus e supus que minha boca ainda estivesse com o gosto da torta de maçã de Regina. Não me afastei dele, no entanto, nem o interrompi como da outra vez. Eu devia isso a ele e além do mais, não havia motivos que me impedissem de aproveitar o momento. Separamo-nos quando o ar faltou e ele abriu um enorme sorriso.

– Por que fez isso? – não pude deixar de perguntar. Meu coração parecia querer pular do peito, de tão rápido que batia.

– Não sei, me deu vontade – ele riu e afastou uma mecha de cabelo vermelho que caíra sobre meu rosto – Eu queria fazer isso há algum tempo...

– Por quê?

– Bem... porque você é diferente das outras e muito linda.

Se eu fosse um avestruz, teria enfiado a cabeça num buraco. Ele percebeu minha vergonha e, pra me provocar e me deixar ainda mais constrangida, apertou minhas bochechas:

– Oh, ela fica tão fofinha quando está envergonhada... Eu devia deixá-la assim mais vezes, sabe.

– Para com isso! – dei um tapa em uma de suas mãos e me levantei – Melhor entrarmos, antes que eu pegue um resfriado.

– A Rubyzinha sempre arruma um jeito de se esquivar de mim – ele continuou a provocar, me seguindo em direção ao elevador.

– Pare de me chamar assim, mas que coisa!

– Você prefere Chapeuzinho? Ou Rubes? Ruby-Loob também é uma boa!- entramos no elevador e ele apertou o botão do penúltimo andar.

– Você está muito piadista hoje, Gancho! – revirei os olhos, mas me diverti com aqueles apelidos.

– Ah isso me lembra de uma piada muito boa.

– Ih, lá vem!

– Sabe qual é o animal mais antigo do mundo?

– Não.

– A zebra, porque ela ainda é preta e branca.

Mais uma vez, não pude evitar uma gargalhada. Ele se esforçara para me deixar à vontade entre seus amigos e também se preocupara comigo, depois daquela minha pequena crise de choro. Eu admirava esse lado em Gancho. Na maioria das vezes, ele se preocupava mais com os outros do que consigo mesmo.

Senti-me sonolenta e logo fomos nos deitar. Deslizei por entre os cobertores, usando capa e tudo. Sentia-me cansada demais pra querer tomar um banho e também não sentia ânimo algum de enfrentar a água fria do chuveiro. Killian parecia pensar o mesmo, porque apenas se jogou em sua cama, dizendo:

– Boa-noite, Rubes!

– Boa noite, Killis!


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