'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 22
Insanidade Hospitalar & Operação Bala de Goma + Devaneios de um Obcecado Apaixonado


Notas iniciais do capítulo

Hello people! Eu sei, devem ter pensado que eu desisti da fic, mas não. Pedir desculpas não é suficiente, mas peço que me perdoem pelo atraso de três meses sem atualização. Passei por uma fase em que precisei tomar decisões para o futuro e não estava muito certa de que estava fazendo as escolhas certas. Também estou passando por muitas mudanças significativas e me adaptando a elas, então é claro que tudo isso acabou por influenciar no meu emocional e, conseqüentemente, na criatividade. Não pensem que eu parei de postar as fics por simples preguiça ou falta de vontade, mas por bloqueio criativo. Quem escreve sabe como é difícil fazer uma história fluir sem ficar cansativa e cheia de clichês. Vocês sabem que eu amo demais o que faço, por isso me recuso a postar qualquer coisa meia boca só pra dizer que postei. Enfim, eu não estive muito bem da cabeça nos últimos tempos (acho que eu nunca fui bem da cabeça, na verdade kkkk) e, por mais que eu tentasse, não conseguia escrever nada que me agradasse. Apagava e reescrevia, apagava e reescrevia, apagava e reescrevia. Recomecei esse capítulo do zero umas cinco vezes, então me perdoem se, apesar dos esforços, o capítulo não estiver bom. Está aceitável, na minha opinião kkkk
Enfim. Poucas sabem ou devem ter notado, mas no dia 16 de julho a fic completou um ano. Sim! Um ano já que vocês agüentam a demora pra sair os capítulos kkkk Mas nem podem reclamar, porque todos são sempre enormes. Eu fiz de tudo pra postar um capítulo especial nesse dia, mas não deu... Em todo caso, como boa autora que sou, fiz um trailer pra fic (link nas notas finais) e, em comemoração aos bons números que ela obteve nesse tempo, fiz capas para todos os capítulos (exceto pra esse, que ainda não tive tempo de fazer). A partir de agora, todos os capítulos terão capa: mais trabalho pra mim kkkk Mas eu amo fazer essas pequenas coisas pra vocês, nada me alegra mais do que o carinho que têm por mim e pela fic. Seja aqui nos comentários ou no grupo do Whatsapp, vocês sempre apóiam tudo o que eu faço e se mostram interessadas nos trabalhos que eu tenho a oferecer. Só tenho a agradecer muito a vocês. Minha vida não seria a mesma sem as fics, sem minhas leitoras fofas e sem nosso grupinho de loucuras no Wpp. Aliás, adoraríamos que mais pessoas aparecessem por lá. Não se preocupem, não mordemos, não julgamos ninguém e iremos acolhê-las com muito carinho. Além do mais, eu dou muitos spoilers por lá e mostro vários trechos do que está sendo escrito. Quem quiser, só me passar o número por MP (não se esqueçam do DDD antes). É uma grande oportunidade de nos conhecermos melhor e estabelecermos um contato mais íntimo entre leitor e escritor.
Anyway. Agora falando do capítulo, as tretas começam a ficar mais cabulosas. Foi um dos motivos pela demora desse capítulo, afinal vocês se lembram do final do capítulo anterior. Nosso querido Jeff não presta e, como boa escritora que sou (vocês vivem dizendo isso), precisei fazer pesquisas e planejar a história mais a fundo. Preparem os corações e os forninhos. Ruby-Loob está grávida e sei que muitas quiseram me matar por isso, mas, infelizmente (ou felizmente, para quem não queria que acontecesse), essa criança não vai ter uma vida fácil e está condenada ao sofrimento. Algumas já sabem porque (vantagens de se estar no grupo do wpp kkkk), mas ninguém sabe o que eu vou aprontar daqui pra frente. Eu sei, vão querer me apedrejar no final da temporada, mas não se preocupem, pra isso vai ter mais uma temporada (quem sabe até duas) e um spin-off. Sobre a segunda temporada, provavelmente vai ter uma narração diferente, no tempo presente. Mas continua sendo narrada pela Ruby. Mais pra frente vocês vão entender a mudança na narração. Outra coisa, se olharem as capas de capítulo, vão notar que parecem desenhos feitos à mão. Quem é o desenhista da turma? Sim, Killian Jones! Eu já disse que Ruby escreve a história por um motivo. Pois então, Killian também ilustra por um motivo, que tem a ver com o spin off. Nem tentem me fazer falar, não vou contar sobre o que é o spin, só digo que vai ser narrado pelo Gancho e vai ser postado no mesmo dia que sair o capítulo 2 da segunda temporada. Vai demorar um pouquinho, mas acho que vai valer a pena. Quem assistir o trailer vai encontrar spoilers, alguns bem óbvios (Regina e Robin, por exemplo). E, é claro, eu já dei inúmeras pistas e spoilers ocultos pelos capítulos. Sugiro que leiam novamente. Vou deixar algumas dicas nas notas finais. Ah, uma novidade: finalmente, pela primeira vez na história das minhas fics de OUAT, a vovó vai ter um nome kkkkk Daí ninguém fica de vovó pra lá e vovó pra cá. Outra coisa: como se já não fosse suficiente, teremos mais homens bonitos. É claro, eu faço isso por todas nós. Se tiverem mais sugestões de machos, falem nos comentários, sempre dá pra colocar mais personagens. Ah, não lembro de todas que pediram pra entrar na história, me lembrem nos coments. Quem não entrar nessa temporada, entra na próxima ou no spin.
Enfim, não vou tomar mais tempo. Agradeço muitíssimo por tudo o que fazem por mim. Vocês estão no meu coração. Nunca se esqueçam de que essa simples autora ama muito vocês e sempre fará de tudo para diverti-las um pouquinho. Sei que muitos buscam consolo na leitura, assim como eu busco na escrita. Sei que muitas de vocês passam por problemas e encontram nessas fics um pouco da diversão que precisam. Bem, se depender de mim, vou continuar alegrando vocês por muitos e muitos anos. Muitíssimo obrigada por tudo, vocês são maravilhosas! Boa leitura!



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Choque atrás de choque.

A vida no ramo sobrenaturalistico (acabei de inventar essa) não nos permite respirar entre uma treta e outra.

Ou melhor, minha vida não permite.

Do outro lado da linha, Regina berrava, muito puta. Mas eu já não ouvia suas palavras. Parara de prestar atenção no momento em que meus pulmões clamaram por ar e minhas pernas se dobraram sob o peso do corpo. Desabei na cama, a mão que segurava o celular pendendo pra baixo. Killian parou em meio ao ato de assinar a papelada do hospital, acudindo-me no segundo seguinte.

– O que foi? – indagou, alarmado. Pegou meu rosto entre as mãos, gritando pela enfermeira. Uma mulher bonitinha adentrou esbaforida, já puxando um termômetro (?) do bolso do jaleco. Largou o instrumento, porém, quando notou minha palidez.

Uma queda de pressão, foi o que ela disse. Ocasionada por uma emoção muito forte.

Jefferson é um hacker... – Regina guinchara – Um filho da puta de um hacker!

Hacker.

– Ele tem câmeras espalhadas por Storybrooke! – berrara ela, deixando de lado a compostura – Uma porra de uma câmera no meu banheiro!

Stalker.

Esse filho da puta nos mantém sob vigilância constante! Tinha uma porra de um chip no meu carro! O sistema da prefeitura foi invadido e eu recebi ameaças no meu computador particular!

Filho. Da. Puta.

– Acalme-se, filhinha, vou lhe dar um calmante – dizia a enfermeira, dando tapinhas em meu ombro. Killian agarrou o celular, antes de o mesmo cair de minha mão bamba. Botou no ouvido e disse “alô”. Regina berrou do outro lado e ele afastou o aparelho, segurando-o a uma distância segura pra não acabar surdo.

– Hein? – franziu a testa – Não estou entendendo nada... Quer parar de berrar em espanhol?

Entreouvi o que me pareceram xingamentos (“Hijo de puta! Miserable! Te voy a matar, desgraciado!”) e ergui a mão boa para apanhar o comprimido redondinho que a enfermeira me estendia. Killian já fazia cara de raiva e começava a ficar vermelho. Tentei dizer algo, mas a voz ficou presa na garganta.

– QUEM LHE CONTOU ISSO? – berrou Gancho e a enfermeira pulou de susto. Deu uma pausa, enquanto Regina gritava de volta, tão alto que pude ouvir cada palavra. (“Eu recebi uma porra de uma ameaça e mandei Baelfire rastrear a merda da mensagem, que, acredite ou não, foi enviada do endereço IP de Jefferson”) – VOCÊ FEZ O QUÊ? NÃO ENVOLVA BAELFIRE NISSO! – Outra pausa. A enfermeira ralhou com Killian por ele gritar (“Senhor, estamos numa instituição de saúde! Francamente!”), enquanto o mesmo franzia a testa e fazia uma expressão que era misto de choque e cólera.

Regina falou (leia-se gritou aos quatro ventos) esganiçada.

Era isso ou prestar queixa na porra da delegacia! Queria mesmo que eu envolvesse a Swan? Nós dois sabemos que aquela pata lesada não daria conta do serviço. Além do mais, Baelfire me pareceu muito animado por fazer parte de algo grandioso. Já mencionei que o garoto é um gênio da informática?

Killian passou uma mão pelo cabelo, fazendo cara de “O que eu fiz pra merecer isto?”. Fez menção de sentar-se à poltrona ao lado da cama, mas olhou pra mim, fraca e assustada, e desistiu. Regina já não gritava, de modo que não pude ouvir o que dizia, mas presumi que não fosse coisa boa, pois Gancho saiu do quarto dizendo:

– Fique aqui, eu já volto.

– Se sente melhor, queridinha? – era a enfermeira, avaliando minha expressão.

– Sim, estou bem. Foi só um susto. – murmurei, a visão meio desfocada e os músculos do peito retesados pelo esforço de puxar ar.

– Que bom, filhinha! – deu tapinhas em minha mão boa – Vou verificar se o paciente do 212 está ok. Me chame se precisar, querida.

Grande ajuda...

Notei o frasquinho alaranjado no criado-mudo ao lado da cama. Ela largara as pílulas tranquilizantes pra trás. Engoli duas de uma vez, a água desfazendo a secura em minha garganta. E não me julgue, você faria o mesmo se estivesse em minha situação.

Freaky. Ou como diria Regina em seu perfeito espanhol: Hijo de puta miserable!

Hacker. Stalker. Caçador. Chapeleiro. Pai.

Como ele podia ser tantas coisas ao mesmo tempo? Eu quero dizer... quem tem tempo pra cinco funções diferentes?

A resposta: um ricaço excêntrico e desocupado. Ou, neste caso, um transtornado mental. Porque, convenhamos, Jefferson estava longe de ser normal.

Senti minha cabeça pesar, os remédios fazendo efeito imediato. Quase me rendi ao desejo de fechar as pálpebras e me acomodar no travesseiro. Um sono profundo, talvez preenchido por sonhos fantasiosos, surreais demais até mesmo para uma aprendiz de caçador. Mas não, mais provável que eu tivesse pesadelos. E já me bastava ver o sorriso cínico daquele homem ao vivo e a cores.

Não. Decidi ser forte. Como diria Regina: “Quem disse que eu vou ficar nessa porra de catre desconfortável enquanto o mundo se explode?”.

Saí para o corredor, meio grogue e me arrastando em movimentos descoordenados. Parecia até um episódio de The Walking Dead. Uma zumbi rastejando e emitindo murmúrios incompreensíveis. Killian e a enfermeira bonitinha estavam fora de vista. Ainda bem, tenho certeza de que armariam escândalo e me fariam voltar para o quarto.

Segui até o final do corredor, em direção ao quarto em que Cherry estava internada. A coitada entrara em estado de choque e fora sedada tipo um milhão de vezes pra conseguir dormir. Pelo visto, eu não estava tão na pior. Ergui a mão boa para abrir a porta. Cherry dormia profundamente em sua maca, Damon a seu lado, cutucando seu rosto.

– Morreu, é? – perguntou ele em ar de graça. Éden ralhou.

– Deixe ela em paz! O que ela passou não foi o suficiente?

– E drogar a coitada vai resolver alguma coisa?

– Quieto, Salvatore! – falou Klaus, de costas para o grupo, apreciando a brisa morna que adentrava pela janela. Seu tom era cansado, mas não deixava de ser autoritário. Era perceptível a rixa entre os dois, muito embora tivessem deixado de lado as desavenças, só por hoje. Por Cherry – Não consegue calar a boca por um segundo?

– Ele não controla a língua – falei, fechando a porta bruscamente e assustando Damon e Éden, que não tinham me visto até então.

– Você é louca, garota? – gritou o vampiro, vindo a meu encontro – Que está fazendo de pé? Não levou uma merda de um tiro?

– Foi de raspão – dei de ombros – Tô nem ligando pra dor mais... E não vou ficar na porra de um catre desconfortável enquanto o mundo se explode!

Ele arqueou a sobrancelha. Levou uns segundos me analisando.

– Cê tá drogada?

– Tô – soltei uma risada pelo nariz. Fui desabar na poltrona ao lado da cama, onde Klaus devia ter passado a noite velando o sono de sua amada – Parece que eu fumei um né?

– Ai graças a Deus! – Éden me ergueu do assento, me sufocando num abraço de urso. Até me esqueço de que ela tem superforça. Milagre não me quebrar no meio – Ela tá bem, já voltou a fazer graça.

– Fiquei preocupado, amiguinha! – Damon se uniu ao abraço. Senti minhas costelas estalarem, mas foi só impressão. Qualquer pessoa normal desmaiaria com a falta de ar, mas eu desatei a rir sem saber por que – O que te deram hein?

– Maconha!

E todos desataram a rir. Senti lágrimas escorrerem por meu rosto. Ora essa! Nem sabia se chorava por loucura, felicidade, preocupação ou tudo junto. Mais provável que fosse a última opção.

– Exageraram na dose – comentou Klaus, virando-se para me olhar. Me ofereceu um breve sorriso antes de voltar a observar a paisagem monótona lá de fora. – Essa marca vai ficar aí pra sempre?

Referia-se, naturalmente, à marca azul que a Gêmea Djinn deixara no braço de Cherry ao infectá-la. Talvez nunca mais saísse. Não dava pra ter certeza. Mas, ainda assim, era melhor do que ter virado geleca por dentro. Disse isso a eles e Klaus fez um aceno com a cabeça, concordando.

– Mas, de um jeito ou de outro, vai ser a representação do medo dela. Vai lembrá-la de todo o trauma. É cruel! – e ele se virou para olhá-la. Vi seu rosto formar uma expressão fraternal, carregada de carinho e preocupação. Ele podia ser um cara durão, mas por dentro era sensível.

– É! Mas também vai lembrá-la de que sobreviveu a isto. – falei, minha voz pastosa pelo sono. Não demoraria até que a necessidade de dormir me vencesse – E de que o namorado badass salvou sua vida.

– Eu não fiz nada, você fez. E ela deve isso a você. Não se esqueça de cobrar o pagamento da dívida.

– Até parece...

Silêncio. Observávamos Cherry dormir. Expressão carregada de tranqüilidade, um sorrisinho meigo no rosto. Devia estar sonhando. Bem, ao menos uma de nós podia se dar ao luxo de ter sonhos bons.

– Já contou pra ela? – indaguei, antes que pudesse me conter. Dirigi a pergunta a Klaus.

– Contei o quê?

– Você sabe.

Ele suspirou.

– Não é uma boa hora. Vou esperar mais um pouco, até que ela se recupere do choque. Se é que vai se recuperar...

Dali uns segundos de silêncio, Cherry deu sinal de vida.

– Eu já sei... – murmurou, movendo os olhos vagarosamente, tentando acordar – Não sou idiota... sei reconhecer... os sinais...

– Sabe o quê? – perguntou Klaus, se fazendo de bobo. Segurava uma das mãos dela entre as suas, afetuosamente.

– De você, Klaus... – soltou um longo bocejo. Piscou algumas vezes e olhou o namorado, antes de tornar a fechar os olhos – Um híbrido... – outro bocejo.

– Há quanto tempo sabe? – ele fez cara de espanto.

– Desde o início, amor. Cê mente mal pra caramba... e eu não sou idiota...

Klaus fez cara de paisagem e Damon desatou a rir, como se tivesse acabado de ouvir uma piada hilária. Fui na onda, os remédios mexendo com minha sanidade. Cherry nos olhou com curiosidade, suas pálpebras finalmente perdendo o peso da sonolência. Ela sorriu.

– Tá drogada, Ruby?

– Tô – consegui dizer em meio às gargalhadas.

– Eu também – ela soltou uma risadinha – Acho que deram maconha pra gente.

– É tão bom ver vocês rindo! – comentou Éden, segurando a outra mão de Cherry. – Essa maconha é da boa.

– Cê já fumou? – franzi a testa, séria. Damon soltou uma gargalhada estranha, parecendo um pato engasgado.

– Claro que não, meu vício é sangue. Mas já ataquei um drogado. Menina, fiquei loucona!

Todos rimos.

Uma enfermeira de cara enrugada (parecia até uma uva passa, precisei me segurar pra não rir) apareceu à porta.

– Um jornalista está aí pedindo pra falar com vocês, meninos – disse gentilmente – Tão ficando famosos.

– Ah manda pra puta que pariu! – deixei escapar.

Damon se dobrou ao meio, rindo como hiena. Até a mulher riu, botando a cabeça para fora do quarto e berrando.

– Manda pra puta que pariu, Shirley! – e se voltou para nós – Esses jornalistas... ninguém merece! Tudo bem, garoto? Tá sofrendo?

Damon ria incontrolavelmente, feito uma cacatua epilética. Na verdade, ninguém conseguia manter seriedade nesse momento. Até Klaus, sério como era, disfarçava as gargalhadas com tossidas exageradas.

– Liga não, moça, isso é doença! – zoou Éden, ao que Damon riu mais ainda, as palmas das mãos apoiadas à cama de Cherry, que estava em tempo de quebrar com a força que ele fazia para se manter de pé.

A enfermeira soltou uma risada escandalosa, enquanto procurava pelo medidor de pressão, que enfiara sabe se lá onde. Dali a pouco uma mulher loira com voz de maritaca engasgada abriu a porta, botando a cabeça pra dentro.

– O cara quer porque quer falar com cês. Deixo entrar?

– Ah que merda! – resmungou Klaus, que já recobrara o ar de seriedade. Damon tomava ar, enxugando as lágrimas de riso.

– Tu não mandou pra puta que pariu, Shirley? – perguntou a outra enfermeira, em ar acusatório.

– Quem vai pra puta que pariu sou eu, se fizer uma coisa dessas – respondeu ela (Damon foi pego por nova crise ao ouvir a voz de taquara da pobre mulher) – Olha, ele não vai embora tão cedo...

– Cê viu onde eu botei o medidor de pressão, Shirley? – a outra revirava os bolsos do jaleco, então esquadrinhava o quarto, procurando pelo aparelho – Não to achando!

– Ê, Brooke, só não perde a cabeça né? Vai lá buscar o cara enquanto procuro. Já disse, ele não vai embora tão cedo.

Brooke saiu arrastando os pés e Shirley se pôs a procurar o medidor de pressão. Foi encontrar o danado debaixo do travesseiro de Cherry.

– Mas essa Brooke é uma cabeça de vento mesmo! Deixa eu verificar sua pressão, filhinha. – falou para Cherry, que estendeu o braço marcado pela Gêmea Djinn – Tatto bacana hein?

Dali a pouco Brooke voltou com um homem alto e sério, possivelmente na faixa dos trinta anos. Usava camisa social, óculos escuros e uma maleta com o logotipo do SeattOnline, o mais bem sucedido portal de notícias de Seattle. Cumprimentou cada um de nós com um aperto de mão, dizendo que fora enviado para cobrir os fatos que antecederam aquele dia.

– Tá atrasado hein, meu filho? – resmungou Brooke, apoiada ao pé da cama de Cherry, como se não tivesse mais o que fazer – Já vieram uns três antes de você.

– Quero conhecer a história mais a fundo, nenhum dos outros periódicos deu devido valor aos fatos. – justificou ele, educadamente. O cara era bonitão, parecia até modelo de capa de revista – O The Seattle Times só publicou quatro parágrafos e uma foto coletiva. Meu supervisor me mandou escrever o equivalente a três páginas, com fotos individuais de cada um.

– Três páginas? – guinchou Éden, toda assanhada, ajeitando os cabelos – Ora, porque não falou antes? Pelo visto a entrevista vai levar tempo, não?

– Ah ainda bem que trouxe minha marmitinha – Damon tirou um tapuer de dentro da mochila. Tinha uns cookies dentro, cada um mais mal feito que o outro – Quer um biscoitinho, Shirley?

– Cruzes! Isso aí tá vivo, meu filho?

Os biscoitinhos, aparentemente inofensivos, pingavam algo que identifiquei como sangue. Nojento. A cara de Damon. Ele mordeu um e lambeu os lábios sujos de farinha e líquido escuro e pegajoso. Fez cara de satisfação.

– É sangue de boi. Come, boba, tá gostosinho. Eu que fiz!

Shirley fez cara de “Deus me livre, cada uma que me aparece!”

– Cê é estranho hein, garoto?

O jornalista pigarreou chamando nossa atenção. Fez um charme ao tirar os óculos, pendurando-os por uma das hastes na gola da camisa. Largou a maleta a um canto e veio para o meu lado com um bloquinho digital de anotações. Me vi narrando a mesma história que já contara quinhentas vezes. Precisei parar algumas vezes para bocejar. Meus olhos doíam pelo cansaço e eu embolava as palavras, minha mente confundindo realidade e imaginação. O cara provavelmente achava que eu estava drogada.

Aliás, era o que todo mundo achava.

– Tá drogada, filha? – perguntou Brooke, que, não me pergunte por que, acabava com os biscoitinhos de Damon – Isso me cheira a superdose... Quem te medicou?

– Eu mesma...

Ganhei uma bela bronca. Mas foda-se. Aqueles tranquilizantes livraram meus pensamentos da ameaça que era o chapeleiro. Cheguei a pedir mais um comprimido a Shirley, que, óbvio, negou terminantemente.

Aí o danado do jornalista me vem com a seguinte pergunta: “A senhorita é hipocondríaca há muito tempo?”. Tive vontade de responder: “Hipocondríaca é tua avó”, mas me segurei. Ora essa! Qualquer pessoa normal se entupiria de remédios se soubesse que isso aliviava o desespero. Pra falar a verdade, não queria que aquela sensação de felicidade passasse. Sei lá... acho que aquelas pílulas me proporcionaram uma coisa que eu raramente tinha: despreocupação.

Depois que o cara pareceu satisfeito, nos entregou o cartãozinho de visita, dizendo que ligássemos pra ele sempre que soubéssemos de algum furo jornalístico. Engraçado, ele mal falou com os outros... Parecia até que eu ia ser a estrela da reportagem.

Parecia até que ele só estivera ali pra investigar minha vida...

Bobagem. Ele era um jornalista. Do portal de notícias mais conhecido de Seattle.

Até parece que Jefferson ia comprar o sujeito. Até parece que ia mandar o cara me fazer perguntas idiotas pra descobrir mais sobre mim. E até parece que o cara ia aceitar isso, só porque estava na merda.

É, o SeattOnline já não era mais tão acessado. Estavam perdendo espaço para outros periódicos de opinião forte. Já não podia bancar tantos funcionários. Mesmo os mais antigos. É, talvez o cara estivesse na corda bamba. Tinha cara de iniciante. E é claro que entre um iniciante e um funcionário antigo, o primeiro é que iria pra rua. Tava fudido! Mais um pouco e estaria comendo o pão que o diabo amassou.

Até parece que ele não ia aceitar uma proposta daquelas. Até parece que ia aceitar o “Vai pra puta que pariu!” de uma enfermeira com voz de taquara. Até parece que não ia se aproveitar do fato de ser um jornalista. Claro! Quem desconfiaria de um cara boa pinta? Era um plano quase perfeito. Bastava que nos distraísse com suas perguntas, enquanto, muito disfarçadamente, implantava escutas no quarto.

Que merda! É claro! Ele não era jornalista porra nenhuma. Podia até já ter sido, mas perdera o lugar na empresa. Aí conhecera um sujeitinho excêntrico e exibido, que lhe oferecera uma grana boa em troca de um servicinho. Ah que filho da puta esse Jefferson! Espertinho...

Quem é que ia desconfiar do cara? Era o plano quase perfeito. Quase. Porque eles não sabiam de uma coisa. Nem eu mesma sabia.

Eu penso melhor quando tô drogada.

***

Shirley me olhava assustada. Brooke me olhava assustada. Éden me olhava assustada. Damon me olhava assustado. Klaus me encarava sem expressão. E Cherry cantarolava no banheiro. Ainda bem, né? Só mesmo aquela cantoria pra quebrar a tensão.

Até parece que minha teoria fazia algum sentido. Quem ia acreditar nas palavras de uma recém-hipocondríaca que acabara de passar por um trauma? Ninguém, né? E, mesmo assim, eles faziam cara de quem acreditava. Shirley até fazia cara de “Caralho, mermão, fomos enganados pelo cara”.

É, ela tem cara de quem fala “mermão”.

– Puta que pariu! Vão logo atrás do cara! – guinchou Brooke, de olhos arregalados.

Damon, Éden e Klaus obedeceram à ordem no mesmo instante. Se esqueceram de que eram supervelozes e saíram feito tufões. A pobre da Shirley foi desabar em cima do monitor cardíaco. Brooke era tão pesada que nem saiu do lugar. Mas cambaleou um pouco.

– Filha, isso é muito grave! – falou pra mim, botando as enormes mãos no rosto – Deixamos um farsante entrar aqui! Ah minha Nossa Senhora! Tamo fudida, Shirley!

– Ah minha Nossa Senhora, não posso perder esse emprego, Brooke! – Shirley tentava se levantar, mas ficara embolada entre os fios do monitor – Que merda, mano! Pra quê cê foi deixar o cara entrar?

– Ah minha Nossa Senhora! Tenho três filhos pra criar, Shirley!

– Ah minha Nossa Senhora...

Eu ia dizer pra elas não se preocuparem com nada. Quem ia saber que o cara não era jornalista? Quem ia adivinhar que ele fora mandado por Jefferson? Quem ia desconfiar de alguém que podia ser capa de revista?

Nem precisei falar nada. Dali a pouco ouvimos um estardalhaço no corredor.

Alguém socava a cabeça de alguém contra a parede. Alguém tentava separar. Um outro alguém guinchava e mandava parar com a palhaçada, porque ali era uma instituição de saúde. Outro alguém era derrubado pelos dois alguéms que brigavam. E um último alguém berrava que precisava ter a fralda trocada.

Agora vejam só que coincidência.

O primeiro alguém era Killian, que socava a cabeça do segundo alguém, o “jornalista”, na parede. O terceiro alguém era Graham, que por acaso vinha caminhando tranquilamente pelo corredor quando topou com a balbúrdia. O quarto alguém era a enfermeira que esquecera os tranquilizantes no meu quarto. Ela guinchava feito um papagaio com cólicas: “Parem com essa palhaçada! Isto aqui é uma instituição de saúde!”. O quinto alguém era o zelador que fora desentupir a privada do meu quarto (que Killian entupira quando tentara dar descarga no buquê de flores que ganhei de Jefferson). O pobre homem foi pego pela confusão e caiu com carrinho de limpeza e tudo. Voou vassoura pra um lado, esfregão pra outro, balde pra cima e o velho pra baixo. E o último alguém era minha vizinha de quarto, uma velhota desbocada, que não me parecia estranha, mas estava incrivelmente ridícula com sua camisola cor de abóbora. Ela soltou um belo de um berro, pontuado por palavras deselegantes: “SHIRLEY, VEM TROCAR MINHA FRALDA, DESGRAÇADA! ESSA PORRA TÁ A PONTO DE EXPLODIR! DESGRAÇA DE INCONTINÊNCIA URINÁRIA!”

(Shirley e Brooke fizeram cara de “Puta que pariu, que merda eu tinha na cabeça quando fiz enfermagem?”)

Agora vejam só como a vida é engraçada e surpreendente. Não é mesmo coincidência que Killian estivesse brigando com o jornalista por minha causa, sem nem saber o que se passara nos últimos minutos? Mas não, não era por minha causa. É que o jornalista se chamava Finnian Jones e não era outro senão o primo que Gancho mais odiava. (Por que os homens da família Jones são tão bonitos?).

E não era mesmo coincidência que Graham já conhecesse Finnian de outras ocasiões? Ora, não era mesmo uma incrível coincidência Grammy encontrar seu antigo parceiro de caçada? O parceiro que certa vez o largara pra morrer no buraco de um Wendigo? O filho da puta que dera em cima de Regina, achando que Grammy tinha morrido e que agora ele é quem ia ganhar aquele peixão? (É, todos dizem que Regina Mills é um peixão e ela morre de ódio porque diz que a expressão é brega. Prefere que a chamem de mulherão).

E não é mesmo uma artimanha do destino nós descobrirmos que, de todos os lugares possíveis, a mãe de Graham – que não é outra senão a enfermeira escandalosa –, tenha aparecido justamente naquele hospital? Bem quando Grammy precisava encontrá-la? Bem quando já ia perdendo as esperanças de conhecer a mãe biológica? (Já mencionei que Graham era órfão?).

E não é ainda mais engraçado que o zelador seja, na verdade, o Brincalhão se fingindo de idoso? Não é irônico o fato de ele querer ficar de olho em mim quando, na verdade, devia querer distância de caçadores? Não é curioso o fato de ele quase ter sido morto por Finnian, quando este traiu Graham e passou a trabalhar sozinho? E não é engraçado ele ter tentado agarrar a mãe de Graham, mais cedo naquele dia, por achar que ela é um peixão? (Entendam, os Brincalhões também têm suas necessidades).

E como se já não bastassem todas aquelas espantosas coincidências, não é mesmo interessante o fato de a velhota desbocada estar ali, no quarto vizinho ao meu, berrando porque a fralda precisa ser trocada?

Vou lhe dizer por que esta é uma coincidência: porque nós conhecemos o filho da velha.

E eu vou lhe dizer outra coisa: tenho certa compaixão pelo pobre coitado, por ter uma mãe dessas.

O que aconteceu depois que Brooke, Shirley e eu saímos para o corredor e a velhota desbocada gritou:

– SHIRLEY, VEM TROCAR MINHA FRALDA, DESGRAÇADA! ESSA PORRA TÁ A PONTO DE EXPLODIR! DESGRAÇA DE INCONTINÊNCIA URINÁRIA!

– Porra! Vontade de esganar essa velha! – falou Shirley, apertando os punhos franzinos – Pô, Brooke, quebra essa pra mim, amiga. É tua vez de trocar a fralda!

– É porra nenhuma! Vamo tirar no palitinho!

Enquanto isso, o pobre do zelador (que eu não sabia que era Gabriel), acabava de desabar pela segunda vez, derrubado por três tufões. Éden foi ajudar o coitado a se levantar, enquanto Klaus e Damon foram separar os briguentos, que quebravam tudo o que encontravam pelo caminho, causando um prejuízo enorme.

– EU VOU TE ENCHER DE PORRADA! – berrava Killian, pondo sangue pelo nariz – EU FALEI QUE QUANDO TE ENCONTRASSE DE NOVO, IA TE MATAR! SEU FILHO DA PUTA!

– Parem! Parem! – guinchava a mãe de Graham (que ninguém, nem o próprio Graham, sabia ser mãe dele) – É uma instituição de saúde, vão estressar os pacientes!

– QUE MERDA TÁ ACONTECENDO AQUI? – era um dos seguranças do hospital.

– Cambada de molecada apressada! – xingava o zelador, os joelhos dobrados e as mãos nas costelas, queixando-se de dor – Quase quebro o pescoço!

– Ai foi mal, moço, não te vi aí – falava Éden.

– Claro, ninguém enxerga o horroroso do zelador! Se fosse um pedaço de bosta todo mundo enxergava!

– Ah desgraça! – lamentava Brooke, segurando um pedaço de palito de dente. – Que porra, Shirley, odeio trocar fralda!

– Azar seu, que culpa eu tenho? Por que não fez Medicina de uma vez? Não ia precisar fazer esses serviços.

– Tu sabe que eu não tive condições, Shirley. Três filhos pra criar, marido me abandonou...

– Ô DESGRAÇA! TÁ ME OUVINDO ME ESGOELAR AQUI NÃO? A PORRA DA FRALDA TÁ CHEIA! VEM TROCAR ESSA MERDA!

– Sabe nem trocar a própria fralda, desgraça de velha inútil! Por isso largaram esse trombolho aí, essa marmota nem come sozinha, daqui a pouco tem que mastigar pra ela.

– Fala não, Shirley, vai atrair mais desgraça pra nossa vida. Vamo desejar que essa marmota vá embora logo e que venham buscar de rabecão.

– Ih, menina, rabecão não serve. Essa coisa vai viver eternamente! Tem que trazer um trator logo, arrancar essa gorducha do chão não vai ser fácil, já criou raiz nessa porra de hospital.

Shirley e Brooke se dobram de tanto rir, enquanto o zelador vai embora resmungando e Killian e Finnian gritam desaforos. Klaus está arrastando Gancho para um lado, enquanto Damon arrasta Finnian para o outro e o segurança magricela tenta acalmar a pobre e escandalosa enfermeira, que está a ponto de desfalecer. Nessas e outras, Éden tenta acalmar Cherry, que cismou que está dentro de uma realidade alternativa da qual não consegue sair.

E eu, como normal que sou, estou rolando de rir (não literalmente), porque nunca vi cena tão engraçada num hospital. E mal me dou conta de que há sangue escorrendo por minha perna ferida e de que o curativo está a ponto de se soltar.

– GORDA É TU, SUA PORCA! NÃO VAI TROCAR A MARMOTA DA FRALDA? TOMA ESSA MERDA!

Uma fralda molhada e fedorenta passa por cima da cabeça de Shirley e por pouco não acerta a pobre Brooke. A velhota cambaleia em direção à dupla de enfermeiras, as mãozinhas erguidas em posição de combate.

– A piranha acha que pode com a gente, Brooke! Ó pra você ver, que marmota!

– Te quebro em duas, sua cabrita!

– Te quebro em quatro, seu repolho estragado!

– Ruby! – guincha Cherry – Sua perna!

E dois vampiros e um híbrido tentam manter o controle pra não me atacar. Damon arrasta Éden pra longe e o zelador é derrubado pela terceira vez. Graham balança a cabeça, faz cara de irritado e me pega no colo com a facilidade de quem carrega uma cereja. Me coloca na cama de Cherry, berrando pra que as desocupadas das enfermeiras venham me acudir.

Dali a pouco Killian adentra o quarto, tão apressado que tropeça no monitor cardíaco, que por acaso Shirley largou no meio do caminho.

– Quem largou essa merda no meio do caminho?

– Fui eu, moço, desculpa! – Shirley para em meio ao ato de limpar minha perna suja de sangue - Nosso Deus, o que aconteceu com sua cara?

Killian a ignora, agarra meu rosto, exageradamente preocupado.

– Você ta bem? Tá sentindo dor?

Não consigo responder, porque estou gargalhando e há lágrimas escorrendo por meu queixo. Gancho me fuzila com o olhar, ligeiramente perturbado.

– Tá drogada?

Gargalho mais ainda, se é que é possível. Ele não sabe se fica preocupado ou aliviado.

– O que te deram?

– Eu não sei, mas a sensação é muito boa.

E então percebo: não é o remédio que me faz rir. É a percepção de que as coisas podem ser boas, depende de por qual ângulo se olha.

***

Um papagaio e uma maritaca discutiam ali perto. O assunto em pauta era: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Alguém soltou um longo suspiro e mandou as matracas se calarem. Abri os olhos e me deparei com Grammy sentado numa poltrona desgastada ao lado da minha cama. Shirley e a outra enfermeira - que levara bronca de Brooke por largar tranqüilizantes ao meu alcance –, saíram do quarto, ainda tagarelando. Olhei para Graham, que me ofereceu um sorriso cansado.

– Cadê o Killian? – bocejei, meus olhos tornando a se fechar, como se minúsculas âncoras puxassem as pálpebras pra baixo.

– Foi dar uma volta pra esfriar a cabeça... – não quis render assunto. Ao invés, afastou meus cabelos do rosto – Você ta bem? Precisa de alguma coisa?

– Não... – gemi, uma dorzinha lancinante percorrendo minha perna ferida. Havia um novo curativo, mas pelo visto o efeito dos analgésicos passara – Preciso de algo pra dor.

– Pode ir tirando o cavalinho da chuva – riu ele – Sabe aquela moça da voz de taquara? A tal de Shirley? Proibiu as outras enfermeiras de te darem medicação. Soube que você ficou doidona.

Ri.

– Não pelos remédios. Sabe, eu descobri uma coisa: não importa quão fundo seja o poço, sempre vai ter um filho da puta pra te fazer chacoalhar de tanto rir. Faz algum sentido?

– Faz. – sorriu ele – Mas você não está no fundo do poço.

Não, mas estava bem perto. E nem sabia.

Graham agora caminhava de um lado para o outro pelo quarto. Parecia preocupado, desconfortável até. Me acomodei melhor na cama, grunhindo para a tipóia, que me arranhava o pescoço. A pele pinicava sob o gesso vermelho que me imobilizava o pulso trincado.

É, eu era mesmo azarada. Não bastava levar um tiro, ainda fraturara o pulso... Grammy fez questão de notar que eu não abandonava minha cor preferida nem quando estava internada. Bem, num mar azul e branco, vermelho quebrava o padrão. Alegrava minha alma. Se é pra espatifar o pulso, que seja com estilo.

– Grammy? – chamei baixinho, meio sonolenta – O que aconteceu com o jornalista?

Ele parou e me deu uma olhada, antes de ir apoiar-se à janela entreaberta. Seus músculos estavam tensos, a pergunta o incomodara.

– Foi embora banhado em sangue. Gancho tem punhos de ferro, arrebentou o cara...

Que lindo! Quão romântico Killian podia ser quando defendia a namorada? Mas não, ele não estava me defendendo. Pior...

A ficha caiu quando os gritos de Killian voltaram a ecoar em minha cabeça: “Eu falei que quando te encontrasse de novo, ia te matar!”. Gancho não estava me defendendo. Ele e o cara já se conheciam!

Procurei pelo cartão de visita que o bonitão nos dera (não prestara atenção quando ele se apresentara, estava ocupada demais admirando sua beleza). Largara o pedaço retangular de papel no quarto de Cherry, mas tinha quase certeza de ter vislumbrado o sobrenome Jones no mesmo. Fulano Jones, jornalista.

A família Jones não fora dona de uma revista? A própria Helen Jones fora editora-chefe...Puta. Que. Pariu.

– Eu sei o que está procurando – Graham suspirou, caminhando até a cama e enfiando a mão no bolso. Puxou um cartão preto com o logotipo vermelho do SeattOnline impresso no canto superior esquerdo. No centro, o nome Finnian Jones brilhava em Arial tamanho 14.

Finnian.

Jones.

Tudo bem que Jones é um sobrenome comum, mas Finnian... Finnian me lembra Killian.

– Eles são parentes?! – berrei esganiçada, me erguendo nos cotovelos e forçando meus olhos a ficarem abertos. Ele assentiu com a cabeça, parecendo muito familiarizado com aquela informação.

– Primos. Por parte de pai.

– Primos?! Mas... Killian ainda tem parentes vivos?! – agora estava completamente desperta. Sentara-me ereta, pasma, tão boquiaberta que seria capaz de deslocar a boca. – Ele nunca mencionou esse tal Finnian.

– Porque os dois não se suportam. Eles não se viam há tipo uns dez anos. Dá pra entender a irritação do Gancho. Eu mesmo tive vontade de dar um tiro naquele filho da puta.

– Por que eles não se suportam? Por que Gancho ameaçou matar ele? Por que os homens da família Jones são tão bonitos?

Não me julgue, a curiosidade é minha irmã siamesa. Ruby Lucas não é Ruby Lucas se não for indiscreta.

– Uma coisa de cada vez! – exclamou Grammy – Digamos que a família Jones tenha uma genética voltada para a perfeição. Eu mesmo tenho inveja da beleza do Gancho...

Como se ele precisasse disso...

– Não posso responder as outras perguntas, Killian me mataria. Não se esqueça, ele tem punhos de ferro.

– Ah vamos lá, deixa disso! Ele não precisa saber! – e precisei insistir mais um milhão de vezes até ele ceder e concordar em me revelar o que sabia. – Desembucha, Grammy! Eu sei que tem merda no meio disso.

– Mulheres... Por que vocês gostam tanto de investigar a vida alheia? – suspirou, coçando a barba curta, então botou a cabeça pra fora do quarto, verificando se Killian estava por perto. Fechou a porta e voltou a se sentar ao lado da cama. – O que eu vou te contar é segredo absoluto, sou um dos poucos que sabem dessa história. Não diga a Gancho que eu lhe contei. Nem sob tortura, ouviu?

– Minha boca está lacrada! – prometi, arregalando os olhos em curiosidade.

– Bem, digamos que Killian e Finnian sejam arquiinimigos declarados. Já faz anos. Eles são tipo Batman e Coringa. Ou Papa-Léguas e Coiote. Ou...

– Já deu pra entender!

– Bem... – ele passou uma mão na testa, tenso. Tentou enrolar, mas eu o pressionei. No fim, ele achou que não adiantava esconder, eu descobriria de qualquer jeito – Digamos que a rixa entre eles não seja por uma bobagem qualquer. Começou por uma questão de ciúmes, o Senhor Jones sempre teve uma preferência notável por Finnian. O cara era mais privilegiado do que os próprios filhos do velho. Sabia que Finnian foi estudar jornalismo no Canadá? E adivinha quem pagou por isso...

– Grammy... eu acho que posso estar redondamente enganada, mas você não está sugerindo que...

– Killian acha que Finnian é irmão dele.

Killian acha que Finnian é irmão dele.

Killian acha que Finnian é irmão dele.

PUTA QUE PARIU, MERMÃO!

– Ah meu Deus! – guinchei esganiçada, tapando a boca com a mão – Grammy, isso é muito grave!

– Quero deixar claro: nada foi confirmado. – esclareceu ele, tão calmo quanto uma pena que flutua pelo ar – Mas o Gancho já foi muito paranóico com isso, sabe? O que é perfeitamente compreensível, já que o velho Jones era pulador de cerca. A pobre Helen que o diga...

– Quer dizer que o filho da puta traía a esposa? – arreganhei os olhos mais ainda, tão abobada que sentia meus músculos reclamarem de tensão. Graham assentiu, tornando a se levantar e caminhar pelo quarto. A situação parecia incomodá-lo ao ponto de ele não conseguir ficar parado.

– É por isso que Gancho o odeia tanto. Depois que Helen morreu, Killian desenterrou todos os podres do pai. O velho negou um milhão de vezes, mas tudo indica que Finnian seja mesmo filho dele. E pensar que, no começo, Gancho tenha sido compreensivo. Eles nunca se odiaram tanto quanto agora, sabe? Na verdade, Finnian era um cara legal, até me abandonar na toca de um Wendigo.

AH MINHA NOSSA SENHORA DAS COMPLICAÇÕES! FINNIAN JONES ERA CAÇADOR!

A porta bateu. Pulei com o susto e encontrei Gancho com cara de poucos amigos, a blusa manchada pelo sangue que escorrera do nariz. Não disse nada, apenas passou por Graham sem lhe dirigir o olhar e veio se aninhar em minha cama. Grammy inventou que ia ao banheiro e escapuliu para o corredor, visivelmente nervoso ante a possibilidade de Killian descobrir que ele andara falando demais.

– Você está bem? – indaguei a Gancho, que deitara a cabeça em meu peito, abraçando-me como se eu fosse um bichinho de pelúcia – E esse nariz?

Ele não respondeu, só me apertou com mais força.

– Killian! O que foi?

– Nada...

– Como nada? Não está sendo um dia fácil pra nenhum de nós dois. Que tal me contar o que Regina lhe disse?

– Não – ele balançou a cabeça, ainda agarrado a mim. Estava agindo como uma criancinha emburrada. Mudou de assunto – Quer ir pra casa? Já te deram alta há séculos.

– Eu quero uma resposta! – me desvencilhei de seus braços, forçando-o a me olhar. Ele suspirou e fez “Ah Ruby!” – E não me venha com “Ah Ruby!”. Depois de tudo o que passei nestes vinte e seis anos, acho que posso lidar com um esquizofrênico obcecado!

– Não pode não! – retrucou ele, bravo. Endireitou o corpo, sentando-se rigidamente – Não quero que aquele desgraçado nos tire o sono. Por Deus, você está grávida!

Sim, obrigado por me lembrar!

Não que eu não tivesse gostado da notícia. Pelo contrário. No entanto, uma gravidez naquele momento não me parecia uma coisa muito... afável. Quero dizer, eu estava sendo perseguida por um filho da puta excêntrico que usava laquê e perfume francês. E namorava um pirata roqueiro que usava delineador e matava Wendigos.

– Por isso mesmo! – falei com veemência – Quanto antes nos livrarmos de Jefferson, melhor. Se ele é um hacker e um stalker, podemos denunciá-lo à divisão de Perseguição da polícia. Só os vinte e seis presentes já foram a gota d’água, ele está passando dos limites!

– Nós não temos certeza de nada, tá bem? – esclareceu ele, erguendo uma mão e me encarando com seriedade - Regina supõe que ele seja um hacker, mas nada foi confirmado. Não podemos envolver a polícia sem condenar Bae. O garoto não estava exatamente do lado da lei quando rastreou a ameaça que a Rê recebeu.

– Não, você não entendeu. Quero denunciá-lo por perseguição! Por Deus, Killian, eu já nem posso dormir sossegada! Estou cansada de viver paranóica e amedrontada. Nós vamos ter um filho! Isso tem que acabar...

– Não chore – ele me envolveu num abraço carinhoso.

– Não to chorando.

Mas desabei. Que bipolar! Numa hora eu ria histericamente. Minutos depois, chorava como condenada. Maravilhas da vida de uma assistente de caçador, aprendiz de moda e mãe de primeira viagem.

Eram pouco mais de duas da tarde. Shirley veio me trazer uma gororoba numa bandeja plástica. Só gostei da gelatina azul, que tremulava num prato. Naquele momento, desejava ardentemente pelas fritas gordurosas do McDonald’s. O máximo que recebi foi um bolinho duro de chocolate, como consolo por tudo o que estava passando. Shirley me ofereceu um sorriso compreensivo.

Killian se postara ao lado da cama, pensativo. Nenhum de nós dizia nada, cada um imerso em seus próprios pensamentos. Eu sabia que ele não queria falar. Não queria me preocupar ainda mais. E de que adiantava? Não saber só aumentava a tensão.

– Quer gelatina? – ofereci, mais pra quebrar o silêncio do que por vontade de dividir minha comida. Gancho arqueou a sobrancelha, como que se perguntando por que raios eu estava lhe oferecendo minha gelatina azul – Eu sei que você gosta.

– Engraçado, isso me lembra um sonho que eu tive uns dias atrás. Eu estava num hospital e alguém tinha me acorrentado à cama com uma algema. E eu só tinha uma mão... De alguma maneira, consegui me soltar da cama e saí para o corredor, procurando por alguém que pudesse me dizer o que era a coisa azul e trêmula no meu prato.

– Não sabia o que era gelatina? – achei graça.

– Não. Eu era um pirata! Acho que não pertencia a este mundo e estava internado por causa de umas costelas quebradas. Emma e Mary Margaret conversavam no corredor, então eu perguntei a elas: “Que diabos é isto?”. Então Emma respondeu, toda estressada: “Gelatina!”. E Mary Margaret: “É comida, você come isso!”. E eu disse: “Ah, pensei que fosse uma alucinação”. E de repente, quando olhei para o lado, vi a garota mais linda do mundo, rindo da cena. Eu queria que meu subconsciente tivesse te colocado vestida de enfermeira, sabe, mas você estava na sua melhor versão Ruby-Lucas-Vestida-Pra-Matar, só que sem mechas vermelhas. Então usei todo meu charme pra chamar sua atenção e disse: “Oh, olá, você é bem real, não?”. Uma pena eu ter acordado logo depois, mas acho que o sonho teria terminado com você respondendo à minha investida e me acorrentando outra vez na cama.

Enrubesci. Ele estava exibindo o sorrisinho malicioso que eu tanto amava. Caminhou até a bolsa com as roupas limpas que eu usaria quando fosse pra casa e puxou de lá de dentro um par de algemas de pelúcia. Vermelhas ainda por cima.

– Devo dizer que minha imaginação ficou um pouco atiçada depois desse sonho – ele sorriu de lado, safado – Pensei que talvez pudéssemos recriar toda a cena...

– Não! – gargalhei, mais vermelha do que meu gesso estiloso – Ficou louco? Aqui? Alguém pode entrar!

– É só trancar a...

Grammy entrou sem bater, bem a tempo de ver Gancho segurando as algemas no ar. As orelhas do pobre homem ficaram tão vermelhas quanto tomates. Killian tentou disfarçar, mas só chamou mais atenção para o fato de que era um pervertido de primeira.

– Não é o que você está pensando...

– Acho melhor eu voltar mais tarde – falou um Graham constrangido. Eu tentava abafar meus risos no travesseiro, sem sucesso. O homem saiu tão rápido quanto entrou, batendo a porta na pressa – Até mais!

– Viu só o que você fez? O coitado ficou constrangido! – gargalhei.

– Ora, não tenho culpa se as pessoas entram sem bater. Além do mais, se eu sou safado, Graham é mil vezes pior. Pergunte a Regina e ela vai lhe contar um milhão de histórias sobre como os dois acabaram bêbados e sem roupas na cama dela. Ela até o chamava de Christian Grey, você já deve imaginar por quê.

Ah... as coisas que a gente descobre sobre os amigos...

Gancho me ajudou a despir a horrível bata azul do hospital. Terminaria minha recuperação no conforto de casa, sendo mimada pelo homem que amava. Bem, depois de tudo aquilo, Killian ia se certificar de que eu não me metesse em mais confusão. E isso significava ficar de molho por uns tempos. Nada de caçadas. É claro que eu não reclamaria. Ficar longe dele costumava ser incrivelmente difícil, principalmente quando eu sabia que ele corria risco de vida.

Ele abriu um sorriso, acariciando minha barriga nua.

– Um mês... ainda tão pequetitinho...

– Você gostou mesmo? – indaguei, um tanto preocupada. Não queria que Killian recebesse a notícia daquele jeito, mas não tivera tempo de lhe contar minha descoberta. Depois dos acontecimentos na floresta, Cherry, Klaus e eu fôramos levados às pressas ao hospital mais próximo. Gancho me encontrara lá e, acreditem ou não, chorou como condenado ao ver que eu estava bem. A repentina notícia da gravidez, porém, talvez não o tivesse agradado tanto assim.

– Claro que eu gostei! Por que não gostaria? – riu ele, me ajudando a me vestir. Seus olhinhos brilhavam, como uma criança feliz por ganhar doces – Nosso pequeno herdeiro! E feito por mim...

Revirei os olhos, soltando uma risada. Ele ainda ia se vangloriar várias vezes de seu pequeno feito. Me peguei imaginando como seria. Um filho feito por Killian Jones, pensei, herdaria todas as características do pai. Como Mary Margaret viria a dizer no futuro: “ao menos ele ou ela vai ser um poço de autoestima”. Torceria para que meu filho fosse tão sensato quanto eu.

– Devíamos ter pensado em usar proteção... – comentei, sentando-me à cama para que Killian me colocasse os sapatos. O fato de estar com o braço engessado me enfurecia, já não podia fazer nada sozinha.

– Ruby! Acho que foi você quem não gostou da notícia... É tão ruim assim carregar um filho meu?

– Não – ri de sua indignação – Claro que não, Killianna. É só que... eu jamais pensaria em ter um filho agora, não estou preparada. E você é um caçador... Caçadores não deviam ter filhos, não é? Quero dizer, é uma vida de riscos...

– É, você está certa! – se sentou ao meu lado, acariciando minha mão boa – Mas é uma família afinal. Já que aconteceu, vamos lidar com isso como uma família normal. Em todo caso, sei que vamos ser os melhores pais do mundo. Eu vou ser melhor do que meu pai foi pra mim. Meu filho vai ter tudo do bom e do melhor. Se quiser a lua, dou de presente.

– Ih, essa criança vai ser tão mimada! – ri de seu exagero, apoiando a cabeça a seu ombro.

– Por você, não é? Aposto como vai ficar cheia de dedos com esse bebê. Eu, pelo contrário, serei o paizão liberal. A não ser que for menina, daí terei de criá-la sob as minhas vistas.

Rimos, imaginando nossa vida como um casal normal criando os filhos. Bem, de que adiantava me iludir? Sabia que nossas vidas jamais seriam normais, mesmo que de uma hora pra outra Killian desistisse das caçadas. Em todo caso, não falamos mais nisso.

Fui ver Cherry mais uma vez antes de deixar o hospital e Klaus se postava ao lado da cama dela, protegendo-a enquanto ela dormia. Damon e Éden deviam estar se agarrando em algum canto, enquanto que Shirley e Brooke fofocavam pelos corredores.

Não falamos no jornalista. Nem em Jefferson.

Por ora, queríamos aproveitar o finalzinho da tarde. Não me fiz de rogada e pedi que passássemos por um drive-thru no caminho pra casa. Gancho me comprou fritas e um enorme hambúrguer do Burger King. Meu sorriso devia estar maior do que a cara, porque ele riu.

– É bom aproveitar enquanto pode. Daqui a umas semanas, vai ter que regularizar sua alimentação.

– Por quê? – tentava limpar a mostarda que pingara em minha roupa – Tenho certeza de que o bebê não vai reclamar do que eu como.

– Não vai é? – ele achou graça, erguendo um dedo pra me limpar o canto da boca – Então ele vai ser do grupo dos comilões?

– Aham. Eu estava pensando... acho que devíamos contar pra vovó... Embora eu não tenha muita certeza de que a reação vá ser boa.

– Relaxa! Ela vai adorar. Eu que fiz! É sinal de que o neto dela vai nascer com as características de um deus.

Depois dessa, eu só podia gargalhar e rolar os olhos.

Na pior das hipóteses, ela diria que fôramos muito apressados e que eu devia ter pensado melhor no futuro que queria. Ou, para ser otimista, ficaria feliz pela honra de ter um bisneto antes de falecer.

Killian estacionou em frente à pensão e se apressou a me carregar até a porta, poupando-me de fazer esforço. De dentro do casarão, uma discussão se fazia ouvir. Apurei os ouvidos, mas não pude escutar com clareza. Apenas notei que vovó estava brava com alguma coisa e descontava sua raiva no que encontrava pelo caminho.

– Acho que não é um bom momento pra darmos aquela notícia – Killian opinou e concordei com um aceno de cabeça. Adentrando o casarão, encontramos uma Myrna (também conhecida como Mãe-Do-Archie) que varria cacos de vidro no hall de entrada. Ela arregalou os olhos ao nos ver e tentou nos botar porta afora.

– Não é um bom momento, queridos, me desculpem! – disse com sua vozinha esganiçada, barrando o caminho – Voltem depois, Annise está soltando fogo pelas ventas.

– Por quê? – arqueei uma sobrancelha, desconfiada, e a mulher apenas sacudiu a cabeça, empurrando-nos porta afora.

– Um mau humor terrível! Acordou com torcicolo e agora desconta nos pobres hóspedes... Vá, filhinha, descanse e se recupere...

Killian forçou entrada, ao que Myrna guinchou e fez escândalo, o agarrando pelo braço. De um dos quartos da casa, vovó brigava com alguém, coisas caindo e se quebrando como se uma guerra se passasse ali dentro. Ouvi uma voz desconhecida de homem e franzi a testa para Myrna.

– Quem ta aí?

Ela se fez de sonsa, brincando com o cabelo ruivo escuro (que hoje estava mais bagunçado e esquisito do que de costume).

– Ah, ninguém importante! Um hóspede folgado que tentou passar a perna em tua avó.

Você devia ter o mínimo de consciência! – ouvimos vovó gritar, do andar de cima – Aparecer aqui! Agora! Eu lhe disse que devia esperar!

O tom dela era pessoal demais para que se dirigisse a um hóspede qualquer. Fiquei desconfiada. Empurrando Myrna para o lado, encaminhei-me na direção dos gritos, ignorando a mulher que guinchava e me agarrava pelo braço. Dali a pouco, um loiro descia as escadas em desabalada carreira, com vovó em seus calcanhares.

– Volte aqui, Emppu ! – guinchou ela, se jogando contra o coitado e o prensando contra a parede.

Tarde demais... Myrna soltou um guincho abafado e vovó congelou no lugar, me encarando como se visse fantasma. Emppu estatelou os olhos, olhando de mim para Gancho, como se estivesse frente a frente com Brad Pitty em um par de ceroulas. Olhou para a vovó e perguntou, quase sem voz:

– É ela, não é? Deus do céu!

Ela não respondeu e ele nem esperou por uma resposta. Antes que eu tivesse qualquer reação, me sufocou num abraço. Apesar de ser bem uns vinte centímetros menor do que eu, tinha força suficiente para me erguer do chão.

– Ruby! Minha pequena, que saudade!

– Ela levou um tiro, seu inconseqüente! – esganiçou-se vovó para o filho, que me pôs no chão no mesmo instante, desculpando-se. Mergulhado em lágrimas, agarrou meu rosto, me avaliando. Suas mãos chacoalhavam, pegas por repentina tremedeira. Talvez fosse apenas a emoção do momento, mas eu senti uma estranha e forte ligação com o homem.

– Como você ficou linda, filha! – disse, acariciando meu rosto. Sendo um tanto mais baixo, precisara erguer a cabeça. Falava entre pausas, tomando ar entre uma frase e outra. – Não acredito... Faz tanto tempo, tanto tempo... Maior do que eu... Um mulherão, como sua mãe...

– Acho que ela precisa de um momento... – disse Gancho, notando minha expressão atordoada. Assenti e Emppu deu um passo para trás. Me olhava, ainda com lágrimas escorrendo pelo rosto. Bem, ele devia me amar mesmo, apesar de só aparecer agora, depois de vinte e cinco anos. Vê-lo surgir de uma hora para outra fora um choque. Não me lembrava dele e nunca o vira em fotos, porque a vovó se livrara de todas elas depois que ele saíra de casa.

– Você nem deve se lembrar de mim, filhinha – disse ele, sorrindo ternamente e passando as mãos pelo rosto molhado – Sabe que sou seu padrinho, não?

– É, eu soube recentemente – lancei a vovó um olhar acusatório. Encostada a parede, uma mão no coração e a expressão de quem estava sem ar, ela soltou um suspiro exagerado, chamando a atenção do filho, que a encarou com a sobrancelha arqueada.

– Nem contou à menina que, em todos esses anos, ela tinha um padrinho? – questionou, zangado.

– Ora, que diferença faria ela saber ou não saber? – retrucou ela – Você nunca esteve presente! Não sabe metade das coisas que aconteceram a essa garota!

– Estou pronto pra descobrir – ele abriu os braços, sorrindo pra mim. – Por que a senhora não prepara um café, enquanto eu mato a saudade?

– De jeito nenhum! Ruby já está de saída – e, dizendo isso, ela se recompôs e foi me empurrando em direção à porta – Ela teve dias difíceis, precisa de descanso.

– Não! Eu vou ficar! Preciso muito de um café.

Emppu riu, piscando pra mim com um ar divertido. Contra a vontade de vovó, me levou até a sala de estar do térreo, na qual nos sentamos. Myrna se postou a um canto, de expressão vigilante, enquanto tricotava alguma coisa com lã verde-limão. Fingia estar absorta no trabalho, mas na verdade nos vigiava, como que para garantir que Emppu não dissesse o que não devia. Ele a ignorava. Tratava-me como uma sobrinha favorita, paparicando-me.

– Está confortável, filhinha? E essa perna? Soube que salvou sua amiga, vi sua foto nos jornais.

Ainda ligeiramente aturdida, notava as semelhanças entre mãe e filho. Vovó era pouco mais baixa do que Emppu, que devia ter um metro e sessenta de altura mais ou menos. Os dois tinham as mesmas feições e o mesmo sorriso. Vovó parecia realmente satisfeita em poder criticá-lo, a começar pelos cabelos compridos e escorridos que ele usava até os ombros. Eles nem pareciam mãe e filho. Vovó era uma velha comum, com seu cabelo branco prateado e seus óculos na ponta do nariz. Uma típica senhorinha, simpática e acolhedora. Emppu era uma criatura meio exótica. Ninguém diria que eles eram parentes.

– Você é durona hein, filha? – ria ele, comentando o ocorrido do dia anterior – Que nem sua mãe. Esse é exatamente o tipo de coisa que ela faria por um amigo. Você herdou tudo dela. Menos os olhos. Os olhos são do teu pai.

Myrna o fuzilou com o olhar, achando que eu não perceberia. Qual o problema dessas pessoas? Até então, não estava achando meu tio tão ruim quanto diziam.

Estranho... Vovó não agia como uma mãe raivosa que não via o filho há vinte e cinco anos. Eu quero dizer, ela não parecia tão desgostosa quanto dizia estar. Seus olhos expressavam saudade. Pra ela, não importava o que o filho tivesse feito de ruim. Sua ira era só fachada. Na verdade, ela estava felicíssima por ele ter voltado. Mas, claro, jamais iria admitir.

– Ela me perseguiu com uma frigideira, não acho que isso seja coisa de quem está feliz – contrapôs ele, quando eu disse o que pensava. Vovó trouxera o café e se retirara da sala, suspirando profundamente e dizendo que tinha mais o que fazer. – Em todo caso, estou feliz por ter voltado. Me lembro como se fosse ontem, filha, aquela coisinha rechonchuda rindo pra mim. Não vai se lembrar, mas nos divertíamos muito, principalmente quando você resolvia que era muito mais divertido atirar papinha nos outros a comer a gororoba.

Gancho riu até não poder mais, ouvindo as histórias de minha infância. Tio Emppu contou que estivera na Escócia, investindo em sua carreira musical, que lhe rendera bons frutos. Não era uma celebridade, mas conhecido no país por fazer parte de uma banda de gaita de foles. Vovó, debochada que só ela, insinuou que também usaria saia escocesa e assopraria gaita se isso rendesse a alguém uma carreira promissora.

– Por que estavam brigando antes de chegarmos? – perguntei.

– Ela não queria que eu viesse, disse que eu devia ter vergonha por aparecer depois de tantos anos. Você me perdoa, não é, filha? Eu teria voltado, mas o orgulho foi maior. Nos últimos tempos, no entanto, percebi que não podia mais negar minha família, principalmente depois da trágica morte de papai...

– Devia se envergonhar por chamá-lo de pai! – a senhora surgiu à porta, brandindo uma colher de pau – Nem teve a decência de mandar flores para o enterro! Não dê ouvidos a ele, Ruby, Deus sabe que eu a criei sozinha, enquanto esse vagabundo assoprava flauta e rebolava de saia.

– Alto lá, velha! – Emppu se ergueu, medindo forças com a vovó. Pareciam dois anõezinhos de jardim se encarando – Não meta o bedelho na minha arte! Ficou aí apodrecendo junto com a casa, criando traças e teias de aranha. Já não está mofada o suficiente pra querer criticar os outros?

– Ora, seu moleque!

Recomeçaram a discutir e Killian lutava para manter a seriedade. Revirei os olhos, uma risada escapulindo. Aqueles dois ainda iam brigar muito antes de admitir que sentiam falta um do outro. Billy e outros hóspedes vieram espiar a confusão. Pareciam se divertir. Convenhamos, nada de interessante acontecia por ali desde que Cora fora embora.

– Ela está mais insuportável do que antes – comentou meu padrinho, depois que vovó saiu em direção à cozinha, xingando-o de todos os nomes feios que conhecia e mandando os hóspedes desocupados arrumarem serviço – Até senti falta disso... – sorriu, sua expressão assumindo a leveza de quem vive um momento nostálgico – Nós costumávamos brigar muito antes de eu sair de casa. Era até engraçado... Mas me conte de você, querida. Que tem feito?

Ah estive caçando criaturas sobrenaturais, trabalhando pra um caçador, investindo na carreira fashionista e fugindo de um hacker hijo de puta.

Contei as mentiras habituais e ele pareceu acreditar. Até perguntou pra Gancho quando ele pretendia pedir minha mão em casamento. Killian ficou sem graça e não conseguiu balbuciar nenhuma resposta decente. Nos entreolhamos, meio que nos comunicando telepaticamente. Ele achava que devíamos contar sobre o bebê. Resolvi esperar até que as coisas se acalmassem. Vovó andava uma pilha de nervos.

– Moda, é? Ah sua mãe ia adorar! – exclamava Emppu, maravilhado por saber detalhes de minha vida. Ele me olhava com a expressão de quem via a coisa mais linda do mundo. Lembrava um pouco a forma como Killian me olhava. A diferença é que Emppu parecia não acreditar nos próprios olhos, como quem não sabe se está sonhando ou acordado. – Você ficou tão bonita quanto ela. Simplesmente idêntica! E olha que todo mundo achava que você ia ser parecida com seu pai. Terrível engano!

– Já chega, Emppu, a menina precisa descansar – falou Myrna, de braços cruzados à porta. Emppu lhe lançou um olhar irritado. – Não me olhe assim. Sabe como é a Annise, ela não quer você colocando coisas na cabeça da Ruby.

– Que tipo de coisa eu colocaria na cabeça dela? – riu ele, debochado – Ela já é bem grandinha pra se deixar influenciar.

– Ah, eu sei lá! Você largou tudo pra dançar de sainha e soprar foles. De repente a Ruby pode querer abandonar tudo e virar hippie, não é? Considerando que a avó dela já até vendeu arte na feira...

– A vovó vendia arte na feira?! – choquei.

– Ora, menina, será que não sabe a história de como teus avós se conheceram? – ela botou a cabeça no corredor, berrando pela vovó – ANNISE! NUNCA CONTOU À RUBY SUA HISTÓRIA DE AMOR HIPPIE?

– Ora, que diferença isso faz? Foi há tantos anos!– vovó adentrou a sala, enxugando as mãos no avental manchado e encardido. Se dirigiu a mim, avaliando minha expressão pálida – Vá logo pra casa, menina, estou preocupada com essa perna.

– Eu estou bem. Que história é essa de amor hippie?

– Tua avó era hippie – falou Emppu, achando graça na expressão constrangida da mãe – Pelo o que sei, ela fugiu de casa e foi viver nas ruas, vendendo roupas e bijuterias. Até que conheceu seu avô. Diga-me, mamãe, o amor de vocês nasceu antes, durante ou após vocês compartilharem o baseado?

– Ora, seu moleque! Entojado! Atrevido! – ela partiu pra cima dele com tapas, meu tio gargalhando e tentando imobilizar as mãos dela – Por Deus, o que Colin vai pensar de mim? Não ligue, Colin, a história não foi assim. Eu tive mesmo uma fase rebelde, mas não fumava baseados... ora essa!

Como a encarássemos com expressões de curiosidade, ela desatou a contar tudo, fazendo gestos para ilustrar a narrativa. Myrna apanhou um saco de jujubas, chamando o marido para se sentar junto a ela.

– Na verdade, eu e meu falecido marido nos conhecemos durante uma batida da polícia. Ele fabricava e vendia flautas doces. Eu pintava panos de prato e vendia bijuterias. Só sei que os tiras ameaçaram nos levar em cana, sei lá por que. E levaram mesmo, foi a coisa mais constrangedora que já me aconteceu na vida. Trinta artistas de rua numa cela apertada e os policiais entupindo a barriga de rosquinhas. Teu avó estava entediado, tirou uma flauta do bolso e começou a tocar. Fizemos uma batucada na cela, eu e ele liderando a bagunça. Daí os tiras resolveram nos soltar, cansados do estardalhaço. Eu saí da delegacia, olhei para o céu escuro de abril e disse: “Vai chover!”. Então teu avô parou ao meu lado, me ofereceu um braço e perguntou: “Onde é que você mora, moça bonita? Vou levá-la pra casa!”. E eu disse: “Moro sob o viaduto Elvis Presley, segunda barraca, esquina entre as ruas John Lennon e Girassol Flamejante”. Ele soltou uma gargalhada, achando que eu estava brincando, mas era a verdade! Fomos para o viaduto Elvis Presley sob uma chuva torrencial que nos deixou mais encharcados do que capivaras. Eu o convidaria a entrar na minha barraca verde-oliva, mas vocês sabem, eu era uma moça de respeito, ainda que morasse na rua. Ele ficou por ali, papeando comigo e tirando umas notas na flauta. Depois, quando a chuva parou, pegou o caminho de casa e foi se embora, não sem antes me dar a flauta de presente. Eu ainda a tenho, sabem. Não sei tocar tão bem quanto ele, mas quando a saudade aperta, eu toco A Canção da Chuva, uma música que teu avô compôs naquele dia, após ter se apaixonado por mim.

“Depois disso, nós nos vimos outras vezes. Fomos presos mais outras dezenas de vezes. Ele me levou pra conhecer o viaduto Led Zeppelin, ele morava lá sabem. Que mania as pessoas tem de colocar nome de artista nas coisas! Ah aquele viaduto nem se comparava ao meu. Os rebeldes bem endinheirados viviam lá, enchendo a cara e compondo músicas de amor, morte e fama. Teu avô era tão rico que tinha uma barraca duas vezes maior do que a minha. Eu teria ido pra lá morar com ele, mas daí meus pais me encontraram e me arrastaram de volta pra esse casarão. Eu estava cansada dessa porcaria aqui, sabem, o ramo hoteleiro nunca nos rendeu boas oportunidades. Teu avô veio atrás de mim e meu pai disse a ele: “Se quiser ficar, tem que casar”. Daí, não tínhamos mais o que fazer, nem pretensões na vida, então nos casamos. Continuamos a vender nossas coisinhas pelas ruas. Aí nasceram tua mãe e esse traste do seu tio. Não posso julgar esse merda por ele ter resolvido sair de casa e se aventurar no ramo das flautas e saias xadrez. Ele herdou o lado musical do pai. A boiolice ele herdou de mim, ainda que eu não gostasse de saias xadrez.”

Emppu se dobrava de tanto rir, assim como Killian, que ria como hiena. Myrna aplaudiu a história, emocionadíssima (“Que lindo, Annise, parece história de cinema!”). Eu ria e chorava ao mesmo tempo, coisa que sempre acontecia quando se falava em meu avô. Ele fora uma das melhores pessoas que eu já conhecera. Sentia muita falta! Se eu tivesse de escolher entre ter Peter ou meu avô de volta, com certeza escolheria meu avô.

Sentia-me extremamente cansada e fraca, razão pela qual vovó insistiu pra que eu fosse pra casa. Eu devia estar mais pálida do que um fantasma, porque, em determinado momento, acharam que eu fosse desmaiar. Preocupação exagerada, é claro. Nada que uma boa noite de sono não pudesse resolver. Isso, claro, se eu não fosse assombrada por pesadelos.

– Então, quanto tempo pretende ficar? – perguntei a Emppu, já na porta de entrada com Killian.

– Eu diria: “pra sempre”, mas ninguém sabe o dia de amanhã – respondeu ele, sorrindo ternamente. Me puxou para um abraço, acariciando o topo de minha cabeça, então me deu um beijo no rosto – Descanse bem, filhinha. Depois vou querer ver seus croquis da faculdade, então aproveito pra tocar alguma coisinha nos foles.

– Ah isso é uma coisa que eu vou querer ver! – vovó chegou por trás do filho, risonha – Certifique-se de usar sua saia, Emppu, Deus sabe o quanto eu preciso rir.

– Tenho certeza de que a senhora vai querer uma saia como a minha – retrucou ele – Se bem que, com toda essa gordura, talvez não exista uma saia tamanho “elefante avantajado”.

– Ora, seu atrevido!

Recomeçaram a discutir, me fazendo gargalhar. Killian me carregou até o carro, me colocando no banco traseiro pra que eu pudesse esticar as pernas. Nunca pensei que levar um tiro pudesse ser tão dolorido. E o mais engraçado é que a dor só piorara horas depois.

– Ele gosta mesmo de você, seu tio – comentou Gancho, girando a chave na ignição. – Você não o conhecia mesmo?

– Não, nunca nem tinha visto fotos. Estranho... Não sei por que, mas acho que esta história está mal contada.

– Por quê? – ele me encarou pelo retrovisor.

– Sei lá... Eu só acho que há alguma coisa que não estão me contando. Não acha estranho ele só aparecer agora?

Ele assentiu concordando, os olhos fixos na estrada. Não falamos mais nisso.

Notei um pedaço de papel saindo do bolso de meus shorts. Era um bilhete escrito às pressas: Precisamos conversar, longe da pensão. Há um motivo mais sério pra eu ter saído de casa.

O que ele teria de tão importante pra me contar, longe das vistas de vovó? Talvez houvesse segredos guardados sob as tábuas daquela casa. O que, mais tarde, revelou-se como verdade. Literalmente.

Ah se as paredes pudessem me contar o que acontecera vinte e cinco anos atrás...

***

De volta ao QG, tomei um banho quente com a ajuda de Gancho e fui me aninhar no conforto da sala. Assistíamos a um programa qualquer de culinária, que me deixou com água na boca. Killian foi se aventurar na cozinha, enquanto eu surfava pelos canais, entediada. Tentava convencê-lo a me dizer o que exatamente Regina descobrira sobre Jefferson, além do fato de ele ser um hacker. Ele apenas desconversava e dizia que não devíamos nos preocupar. Parei em meio ao ato de abrir a boca para insistir pela sétima vez. Graham acabava de sair do elevador.

– Oi, Grammy! – cumprimentei, sorridente – Por onde andou?

– Por aí... Fui ao shopping.

– Ao shopping? – Gancho e eu perguntamos ao mesmo tempo, pasmos. Caçadores não se dão ao luxo de desfilar pelo shopping center como pessoas normais. Tentei não rir ao imaginar Graham passeando com sacolinhas de compras.

– Uhum – ele assentiu, ignorando nossas expressões chocadas. Carregava uma pequena caixa vermela, que estendeu a mim – Eu não sabia exatamente o que comprar, então... Espero que você goste.

Killian arqueou a sobrancelha, enciumado. Eu ri, perguntando o motivo do presente, afinal, não era meu aniversário. Ele nem precisou responder, eu acabava de abrir a tampa da caixa: ganhara uma mamadeira.

O primeiro item do enxoval de bebê. Jamais esqueceria aquela atitude de Graham. Logo ele, que parecia tão durão e insensível. Senti meus olhos marejados, ergui-os para encarar o homem parado acima de mim. Ele sorria. Foi o sorriso mais bonito que eu já vi Grammy oferecer a alguém.

– Como soube? – questionou Gancho, tão pálido quanto a camiseta que usava. Não contáramos a ninguém sobre a gravidez.

– Vi sua ficha no hospital – disse ele a mim – Foi meio sem querer, sabe. Em todo caso, fico feliz por vocês. Parabéns!

– Valeu, Grammy! – enxuguei uma lágrima.

– Sabem que os outros não vão aceitar muito bem, né? – ele se sentou ao meu lado no sofá – Nós fizemos um voto, prometemos nunca envolver crianças no nosso trabalho.

– Você não me contou isso, Killian! – ralhei – Ah meu Deus, o que fomos fazer?!

– Era de se esperar – comentou Graham, sorrindo de lado – Pervertidos como vocês são!

– Falou o Rei da Safadeza – respondeu Gancho, rindo – Não se preocupe, Ruby-Loob, eu nunca fui de seguir regras. Ninguém pode dizer nada, nós fizemos essa criança, nós vamos criá-la.

E ponto final.

Comemos a pizza caseira feita por Gancho, mais felizes do que de costume. Ríamos de uma comédia que passava na TV, Grammy se dobrando ao meio e Killian quase engasgando com a cerveja. Quase que involuntariamente, acariciava minha barriga. Queria dar nome àquela coisinha crescendo no meu ventre, ainda que não soubéssemos o que ia ser. Gostava de Alice. Gancho, claro, ia querer um mini-Killian. Eu não acharia ruim se fosse menino, mas a dúvida me deixava ansiosa. Levaria tempo até que o ultrassom revelasse o sexo.

Terminado o filme, não me sentia nem um pouco sonolenta. Grammy e Killian pareciam compartilhar da mesma agitação. Jogavam videogame, um desafiando o outro a ser mais rápido numa corrida. Tornei a insistir com Gancho. Não saber o que Regina sabia sobre Jefferson me angustiava. Talvez fosse melhor se eu ficasse às escuras, mas não era bem uma escolha sensata quando se tratava do chapeleiro. Na qüinquagésima tentativa, Killian bufou, irritado com a insistência.

– Está bem, está bem! Maldita a hora em que fui te salvar de um lobisomem!

Gargalhei vitoriosa. Ele apanhou o celular na bancada da cozinha, tornando a se sentar entre mim e Grammy.

– Depois não diga que eu não avisei – falou – Regina recebeu uma ameaça via vídeo. Como já disse antes, não temos certeza nenhuma de que foi o chapeleiro, ainda que o endereço IP rastreado tenha vindo da casa dele.

Regina o enviara uma cópia do vídeo.

Começava com uma tela preta, então letras capitulares surgiam, formando a sentença: VOCÊ TEM CERTEZA DE QUE CONHECE BEM A SUA CIDADE? As letras se dissolviam, novas palavras apareciam logo depois: O QUÃO BEM? Letras tornam a se dissolver. Novas palavras: CONSIDERE ISTO COMO UM TESTE. VOCÊ JÁ FALHOU NELE, QUERIDA, MAS NÃO SE PREOCUPE, O POVO DE STORYBROOKE NÃO SABE.

– Que merda é essa, Killian? – perguntei, já assustada.

Corte da tela preta para uma filmagem da avenida principal de Storybrooke. Uma música de fundo começa a tocar, a letra diz: “Eu uso meus óculos escuros à noite, pra que possa te observar tecer. Eu uso meus óculos escuros à noite, pra que possa manter acompanhar as visões em meus olhos”. Baelfire está parado na frente da loja de penhores do pai. Sorri para uma garota bonita que passa. Corte. Interior da loja de Gold: o homem manuseia uma pistola, carregando-a. Corte. Interior da biblioteca municipal: Belle sorri ao ler um livro. Corte. Interior da delegacia: Emma franze a testa ao fazer anotações. Música de fundo para. Corte para tela preta. Letras capitulares: QUER MAIS? Palavras se dissolvem, surgem outras: APANHE UM PEDAÇO DE TORTA DE MAÇÃ E SE SENTE CONFORTAVELMENTE. AS IMAGENS SEGUINTES SÃO FORTES. Corte. Banheiro luxuoso: Regina está se olhando no espelho. Corte. Regina escovando os dentes. Corte. Regina sentada na privada. Corte. Regina tomando banho.

Nuvens de vapor sobem do box. Dá pra ver sua silhueta pelo vidro molhado do box, embora a opacidade esconda sua intimidade. Ela está cantando:

– Y tengo miedo de perder el control/Y no espero por volver a ti/Cada vez que te encuentre volverás a ser como el deseo/Que arde lento con mi fuego.

– És una chica talentosa, Regina – diz uma voz masculina. Regina ri, entreabre a porta do box e bota a cabeça pra fora.

– Gracias, guapito! – diz ela, então sorri safada – Não quer entrar aqui?

O homem não aparece na câmera. Sua voz é baixa e abafada pelo barulho do chuveiro. Num primeiro momento, não reconheço a quem ela pertence.

– Ah, mi cariño! Não posso. Sabe que minha menina está esperando. Ela não gosta quando me atraso.

– Ah, só um pouquinho, cariño! Ela nem vai notar seus cabelos úmidos...

– Regina, Regina – ele ri.

Finalmente é enquadrado pela câmera, ainda de costas. Aproxima-se para beijar Regina. Ela está com metade do corpo pra fora do box, envolve o pescoço do homem com os braços. Os dois se agarram loucamente. Noto que o homem tem costas largas e músculos definidos. Seus cabelos estão bagunçados e ele está vestindo, unicamente, uma cueca box azul petróleo.

– Que é que vou fazer com você, hein? Ah mi chica... Estou falando sério, preciso ir pra casa!

Regina solta um muxoxo de contrariedade, então volta a se fechar no box. O homem ri e apanha uma toalha pra enxugar o corpo. Se olha no espelho e então...

– PUTA QUE PARIU! NÃO ACREDITO! – soltei um berro. Minha segunda reação foi de indignação – NÃO ACREDITO! NÃO ACREDITO!

... ajeita os cabelos, que estão mais compridos do que da última vez que eu o vi. Logo, a filmagem é antiga, de uns meses atrás provavelmente. Ele nem parece a mesma pessoa, está mais desleixado. Talvez porque estivesse se divertindo loucamente, pouco antes de Regina entrar para o banho. Ela está cantando novamente:

– Y soy rebelde cuando no sigo a los demás/ Y soy rebelde cuando te quiero hasta rabiar/ Y soy rebelde... Você pegou minha toalha?

– Peguei! Vem aqui buscar!

Regina ri. Abre a porta do box. Corte para tela preta. Letras capitulares: CHICA, CHICA, É MELHOR TER CUIDADO, CARIÑO. Letras se dissolvem, novas palavras: EU USO MEUS ÓCULOS ESCUROS A NOITE. Música de fundo recomeça.

EU USO MEUS ÓCULOS ESCUROS PRA TE OBSERVAR.

EU USO MEUS ÓCULOS ESCUROS PRA VELAR TEU SONO.

EU USO MEUS ÓCULOS ESCUROS PRA TE COMANDAR.

EM BOCA FECHADA NÃO ENTRA MOSQUITO. MELHOR FICAR CALADA, SENÃO...

Corte. A tela fica escura. O som de um tiro me assusta. A imagem seguinte mostra um cemitério. Corte. Agora a câmera foca num túmulo. O nome Regina Mills está gravado na lápide. Corte. Uma animação tosca de uma noz se partindo ao meio. Gotículas de sangue vazam da noz e escorrem, formando as palavras: VICIOUS NUTMEGS PEGOU VOCÊ!

Fim do vídeo.

– Regina e Jefferson... – foi tudo o que consegui dizer.

– Eu avisei! – falou Gancho, deixando o celular de lado – Ela está tão constrangida! Jamais teria contado sobre o caso com Jefferson.

Levei um tempo assimilando o que acabara de ver. O que era pior? Câmeras nos vigiando ou o fato de Regina e Jefferson terem feito... coisas?

– Acho que vou vomitar... – balbuciei.

– Já descobriram o que é Vicious Nutmegs (Noz-moscada viciosa)? – perguntou Graham, mastigando tranquilamente um pedaço frio de pizza.

– Uma organização, talvez – Gancho presumiu, pensativo – Regina acha que é nome de hacker. Não faz muito sentido. Eu quero dizer, é um péssimo nome para hacker, mas tenho que admitir, quem o criou tem senso de humor.

– Vai ver Jefferson é traficante de drogas – opinou Graham. Gancho e eu o encaramos de sobrancelhas arqueadas – Que foi? Noz-moscada Viciosa. Viciosa! Vicia, que nem droga...

– Um tanto improvável que ele trafique noz-moscada, mas é uma hipótese – falei, achando graça. Só mesmo Grammy pra me fazer rir em meio à tensão.

– E se for no sentido perverso? Noz-moscada Perversa. Faz mais sentido do que Noz Viciosa.

– A coisa só piora – falou Gancho, passando as mãos pelo rosto.

– Talvez Grammy esteja certo. Jefferson é perverso. Talvez só queira nos assustar – sugeri, um tanto trêmula. Digamos que a visão de uma lápide com o nome de Regina não era muito agradável – Ele quer que a Rê fique de boca fechada. Do que ela sabe? Por que uma informação dita por ela ameaçaria o chapeleiro?

– Regina sabe muitas coisas que nós não sabemos – Killian balança um pé, nervoso – Ela não nos conta tudo. Até escondeu de nós que andou se esfregando naquele... Enfim! É melhor você ir descansar.

Concordei. Ergui os braços, pedindo colo. Ele riu e me levantou do sofá. Afundei a cabeça em seu peito, acomodando-me no calor de seus braços.

– Manhosa!

– Só vai piorar com a gravidez – sorri.

– Hum, gente? – chamou Graham – Tem alguma coisa piscando na TV.

Gancho me colocou de volta no sofá, foi olhar a televisão. Um quadrado verde piscava no canto esquerdo superior. Uma chamada de vídeo. Killian apertou um botão no controle remoto e a imagem de Regina surgiu na tela. Viva a tecnologia! Graham fez cara de impressionado, vendo Regina falar ao vivo, a cores e em alta definição.

– Que bom que estão juntos! – falou ela, apressada e sem fôlego. Parecia ter corrido um bocado. Falava pelo celular, a imagem tremulando conforme ela se movia. – Vão ter imagens exclusivas!

– Aonde é que está indo, mulher? – Killian franziu a testa. Tentávamos reconhecer o lugar em que ela se encontrava, mas a pouca iluminação não ajudava. Estava num cenário exterior, aparentemente, visto a escuridão às suas costas e a luz pálida que vinha de cima. Devia estar na rua.

Ela não respondeu logo. Parecia trotar e falou com alguém, dizendo que estava indo o mais rápido que podia.

– Que ideia foi essa de vir de salto? – indagou uma voz distante.

Killian ficou para morrer.

– BAELFIRE! MAS QUE MERDA VOCÊ TEM NA CABEÇA, REGINA? UMA CRIANÇA! QUE MERDA VOCÊS VÃO FAZER?

Bae surgiu ao lado de Regina. Estava inteiramente de preto, usava touca preta com abertura apenas para os olhos e óculos escuros. Só então notei: Regina estava toda trabalhada no black.

– Não sou criança! – resmungou o garoto, indignado – Você já devia saber, tio. Achei um máximo poder participar disso!

– Caçar um metamorfo não foi o suficiente, garoto?

– O que raios vocês vão fazer? – perguntou Grammy, jogado no sofá. Regina respondeu com a maior naturalidade.

– Operação Bala de Goma: invadir a casa do esquizofrênico.

– Inva... VOCÊ FICOU LOUCA? NÃO ENVOLVA BAELFIRE NISSO!

Este, é claro, era Killian berrando. Baelfire revirou os olhos, como se dissesse: “Meu filho, por favor, me poupe! Tenho cara de criança?”. Grammy, piadista, achou graça:

– Operação Bala de Goma?

– Jefferson é viciado em balas de goma – esclareceu Regina, como se fosse óbvio.

– E como você sabe disso? Aaaah é... você levou ele pra cama! Ou foi ao contrário?

– Cala a boca, Graham!

– Vocês falavam em espanhol na hora do vamo ver?

– Cala essa boca!

– Você não cantava RBD no banheiro quando estávamos juntos...

– Cala a boca, porra!

– Shhh! – fez Bae – Vem vindo um carro! Ih, que merda! É a Emma!

– Porra!

– Puta que pariu! – Killian caiu sentado no sofá, praticamente agarrando os cabelos em sinal de nervosismo.

Regina e Bae correram para trás de uns arbustos. Viraram a câmera para a rua, de modo que pudéssemos ver o que viam. Os galhos retorcidos dos arbustos dificultavam a visão, mas pudemos ver um fusca amarelo parar no meio da via, Emma na direção. Ela abaixou a janela, olhando desconfiada para onde os dois inconseqüentes estavam escondidos.

– Merda! – gemeu Regina.

Emma desceu do fusca, estendendo a mão para o revólver em seu coldre. Um distintivo de xerife brilhava em seu cinto. Ela subiu para a calçada, esquadrinhando a escuridão por trás dos arbustos, tentando enxergar. A câmera agora apontava para a relva folhosa do chão, Regina e Bae praticamente deitados, tentando não ser vistos.

– Quem está aí? – perguntou Emma, autoritária.

Regina fez um “miau” tão autêntico que Graham cuspiu cerveja ao tentar segurar o riso. Emma abaixou a arma, fazendo cara de alívio. Talvez não estivesse a fim de atirar em ninguém. Entrou no fusca, arrancou e foi-se embora.

– Não acredito que ela caiu nessa – riu Bae, apanhando o celular das mãos de Regina e virando a câmera para si mesmo.

– Vocês podiam ter sido pegos! – ralhou Gancho – Que merda, Regina!

– E daí? – retrucou ela, debochada, olhando pra câmera por cima do ombro do garoto – Do que a Swan iria nos acusar? Andar à noite em trajes góticos?

– Andar na surdina em atitude suspeita!

– Ora, aquela vaca desbotada não poderia nos prender sem motivos. Em todo caso, vamos retomar nossa missão, Goma 2.

– Goma 2? – Graham soltou uma risada estranha pelo nariz (É nisso que dá encher a cara na cachaça, fica rindo a toa).

– É, eu sou Goma 2, ela é Goma 1.

– Estão achando que são espiões de verdade? – Killian arqueou a sobrancelha. Ele estava doido pra rir, embora fizesse cara de sério e zangado.

– Mas nós somos! Tá pensando o quê, meu filho? Regina Mills é quase profissional na arte da espionagem! - ela enfiou uma touca preta na cabeça, ficando só com os olhos de fora – As Três Espiãs ficariam no chinelo perto da gente, né não, Garoto-Do-Nome-Esquisito?

Desconfiava que ela também estivesse “ligeiramente” bêbada.

Os dois estavam a uma quadra da mansão de Jefferson, que ficava um tanto isolada da cidade. Claro, a localização perfeita para um hacker. Quem iria suspeitar do excêntrico engomadinho que morava à beira da floresta com uma menininha que se vestia como princesa?

A entrada da casa estava um exagero em iluminação. Ele claramente queria mostrar o quão era bem afortunado, embora quase ninguém fosse pra aquelas bandas. O jardim em frente estava de dar inveja, exibindo as cores da primavera em flores bem cultivadas e cercas-vivas de um verde magnífico. Regina, louca que só ela, teve a audácia de roubar mudas de lírios e tulipas que cresciam pelo caminho inclinado que levava a porta frontal.

– Onde é que eu arrumo um tatu? – perguntou ela, batendo as mãos sujas de terra na roupa.

– O que raios você vai fazer com um tatu? – questionou Baelfire, entre impaciente e divertido.

– Soltar nesse jardim, oras. Um tatu faria um estrago enooorme. Quer vingança melhor? Aliás, eu ando querendo um bichinho de estimação pra me fazer companhia. Por que eu preciso de um cachorro quando posso ter um tatu? Vou chamar de Tatu-Grace!

– Não me faça rir, Regina! – ralhou Gancho, deixando escapar uma gargalhada esquisita – Estou tentando fazer meu papel de sério.

– Ah continue tentando, querido, eu sei que estou divertindo vocês. Agora... como vamos desativar o alarme?

– Espere aí! Você não está realmente considerando invadir a casa, está? Regina, você tem merda na cabeça?

– Acharam que eu estivesse brincando? – ela botou as mãos na cintura – Acham que Baelfire e eu nos esgueiramos até aqui por diversão?

– POIS SAIAM DAÍ AGORA, ANTES QUE AQUELE TRESLOUCADO EXCÊNTRICO OS APANHE AÍ!

Regina revirou os olhos, empinando o nariz e fazendo sua costumeira pose de superior.

– Não seja imbecil! Acha que sou retardada? Não invadiria o lugar se não soubesse que está vazio. O Senhor Engomadinho não está na cidade. Aliás, faz semanas que ele não aparece por aqui. Aquela babá sonsa me contou que ele levou a Grace e por isso ela teve de arranjar outra família pra qual trabalhar.

– Não está em Storybrooke? – Killian franziu a testa, como que se perguntando onde aqueles dois teriam se metido. Tentei manter minha expressão neutra. Ah se ele soubesse que estavam em Seattle... – Pois não importa! Vocês vão voltar pra casa e tirar essa ideia maluca da cabeça. Compre seu tatu e plante suas mudas, é o melhor a se fazer.

– Eu não nasci pra ser ameaçada pelo excêntrico do laquê! – ela deu as costas à câmera subindo os cinco degraus que davam na varandinha frontal. Baelfire foi atrás, ignorando os resmungos de Gancho, que insistia que aquela era uma péssima ideia.

– Eu não disse? – falou o garoto, passando o celular para Regina. Aproximou-se da porta frontal, uma luz azul piscava no leitor biométrico que a destrancava – Vamos precisar da digital.

– Ah que bom que eu fui inteligente o bastante pra guardar uma das garrafas de cachaça que Jefferson me deu de presente. Estava cheia de impressões digitais. Me assista desbloquear esta porta, Gancho.

De fato, assistimos enquanto ela enfiava uma luva plástica na mão direita. Tivera a certeza de colher digitais dos cinco dedos de Jefferson. Pressionou o dedão sobre o leitor biométrico e uma luz azulada escaneou a digital, desbloqueando a porta com um clique. Regina retirou a luva, sorrindo vitoriosa.

– Onde aprendeu isso? – Killian arregalou os olhos.

– Na internet, óbvio!

Entraram cautelosamente. A casa estava às escuras, mas as luzes se acenderam automaticamente quando os dois passaram pela porta. Bae segurou Regina no lugar, preocupado. Na pressa, nem pensaram na possibilidade de haver câmeras e alarmes internos.

– Pela última vez – implorou Gancho, prestes a arrancar os cabelos – Saiam daí!

– Não viemos até aqui pra desistir no meio do caminho – guinchou Regina.

– JEFFERSON PODE TER VOLTADO PRA CASA SEM VOCÊ SABER! SAI DAÍ AGORA, PORRA!

– Não grita comigo!

– Merda! Tem outro alarme! – Bae apontou para um painel quadrado e pequeno ao lado da porta. Uma luz vermelha piscava, indicando que estava ativo.

– Não teria disparado quando entramos?

– Não sei...

– Como não sabe, menino? Pra que é que estou te pagando?!

– REGINA! NÃO ACREDITO QUE ESTÁ COMPRANDO O GAROTO! – berrou Killian, tão alto que Graham pulou do sofá (ele estivera cochilando abraçado à sua garrafa de cerveja).

– O que tem demais? Eu pago pelos serviços das pessoas... O que está fazendo, garoto?

– Tentando descobrir como desativar essa coisa – Bae encarava o painel de letras do alarme. Arriscou digitar alguma coisa, mas nada aconteceu – Pensei que a senha fosse Ruby.

– Não seja imbecil, ele não seria tão óbvio – Regis passou a câmera para o menino. Ergueu o indicador para digitar – Killian é um idiota... Não? Meu nome é Jefferson... Também não. Eu odeio Killian Jones... Eu amo a Ruby...

500 tentativas depois...

– Desisto! Não acredito que uma máquina nos venceu!

– Me deixe tentar – Bae digitou: S-A-C-U-L-Y-B-U-R. A luz vermelha piscou uma vez e se apagou. Regina soltou um guincho exagerado.

– É sério? Ruby Lucas ao contrário? Isso está chegando a um grave nível de obsessão! - Voltou-se para Bae com um olhar questionador – E agora?

– Devíamos procurar por câmeras, mas ele não seria idiota de deixá-las à vista – respondeu o menino, esquadrinhando o luxuoso ambiente.

– Ah, não seria mesmo! Eu ainda não encontrei a maldita câmera que ele colocou no meu banheiro. Deve ter usado uma micro câmera ou algo assim.

– Engraçado, você não parece nem aí para o fato de ele filmar você pelada – comentou Gancho, em tom jocoso – Cuidado, daqui a pouco sua intimidade vai viralizar na internet.

– Cala a boca, Gancho! – ela lhe mostrou o dedo do meio e Killian retribuiu o gesto.

– O que exatamente vão fazer aí, que mal lhes pergunte? – indaguei, ligeiramente enjoada (não sabia se pela gravidez ou pelo fato de eles poderem ser pegos a qualquer momento).

– Provar que Jefferson é um hacker, é claro! Anda logo, Baelfire, vá procurar o maldito computador! Vou estar na cozinha se precisar de mim. – ela encarou Gancho – Não vai berrar comigo?

– Eu não, nada do que eu disser vai fazer vocês saírem daí. – ele se acomodou melhor no sofá, deitando a cabeça em meu colo – Façam como bem entenderem.

A imagem na TV se dividiu em duas quando Baelfire ativou a chamada de vídeo em seu celular. Agora tínhamos o garoto de um lado e Regina do outro. Os dois conversavam entre si e conosco ao mesmo tempo. Vimos Bae subir a escadaria, em direção ao escritório de Jefferson, e Regina seguir para a enorme cozinha do térreo. O adolescente se sentara de frente ao gigantesco monitor na escrivaninha do chapeleiro, enquanto Regina – que devia estar preocupada em tomar conta do garoto – revirava a cozinha à procura de jujubas. Guinchou feito criancinha ao encontrar potes de doces num dos armários sobre a pia.

– Ursinhos de goma! Jujubas! Minhocas de goma! Corações de goma!... Chapeus de goma? Que estranho, nunca vi chapeus de goma no mercado... JESUS!

– Que foi? – Bae, Gancho, Grammy e eu perguntamos ao mesmo tempo, assustados.

– Nada! – Regina tentou esconder um dos potes pra que não víssemos seu conteúdo. Como estivesse fazendo isso com uma mão só, deixou o pote cair e o ruído do vidro se espatifando ecoou pela casa vazia – Merda!

– Olha aí, que merda você foi fazer! – gritou Killian - Agora ele vai saber que estiveram aí!

– Não vai não, é pra isso que estou usando luvas e sufocando sob essa touca preta! Não vou limpar essa porra, a empregada que se vire.

– Que merda é aquela? – praticamente pulei do sofá e Killian protestou quando quase caiu – Que merda é aquela na geladeira?

Regina se virou para olhar. Tentou mudar o enquadramento da câmera, mas era tarde demais.

– POR QUE ESSE FILHO DA PUTA TEM ÍMÃS DE GELADEIRA COM A FOTO DA RUBY? – berrou Killian e Graham tornou a pular de susto, desta vez deixando a garrafa de cerveja cair.

– Ah não só ímãs de geladeira, meu filho – respondeu Regina, abaixando-se em meio ao vidro quebrado. Apanhou um doce.

Era

Uma

Bala

Com

Meu

Nome.

– Ele mandou fabricar balas de goma personalizadas – continuou ela, tornando a revirar os armários à procura de mais potes – Viram? Deviam me agradecer! Agora já podem denunciar esse maníaco pra polícia. Olha! Morceguinhos de goma!

Eu estava mais pálida do que um lençol branco. Céus! Do que mais ele era capaz? Achei que os vinte e seis presentes fossem absurdo suficiente. Agora descobria ímãs com minhas fotos e balas personalizadas com meu nome.

– Como está indo aí, Garoto-Do-Nome-Esquisito?

– Tentando desbloquear o acesso – O menino depositara a câmera num ângulo que mostrava a parte de trás de sua cabeça e a tela colossal do computador particular de Jefferson. Digitava rapidamente, tentando acertar a combinação que desbloqueava o sistema – Ele usou senha de dez dígitos, vai ser uma merda pra descobrir. Tem tipo um bilhão de combinações possíveis.

– Continue tentando! É pra isso que estou te pagando! – ordenou Regina, ainda fuçando a cozinha. Encontrou uma porta escondida a um canto. Girou a maçaneta, abriu a porta com um rangido e entrou num cômodo escuro e aparentemente abafado. Procurou por um interruptor, praguejando ao tropeçar em alguma coisa – Por que essa merda não tem luz automática? Ah, o interruptor! Faça-se a luz!... PUTA QUE PARIU!

– Que foi?! – Gancho e eu gritamos ao mesmo tempo.

Ela estava na despensa. Uma senhora despensa. Era do comprimento de um ônibus e da largura de uma quadra de tênis. Estantes metálicas estavam dispostas de cinco em cinco, feito um mini supermercado particular. As prateleiras estavam forradas de cima a baixo com comida o suficiente pra um batalhão. Parecia até que ele tinha se preparado pra um apocalipse.

– Vou roubar uns enlatados, estão em falta lá em casa.

– Não! Deixe tudo como está, Regina! Que coisa! Já bastou ter quebrado o pote! – ralhou Killian, vermelho como tomate, ainda irritado pelos ímãs e balas personalizadas.

– MEU DEUS DO CÉU! TEM O NOME DA RUBY NOS PRODUTOS! ELE SABE ATÉ SUAS PREFERÊNCIAS DE COMIDA!

Senti meu estômago revirar.

De fato, havia post-its cor-de-rosa em algumas caixas e latas. Regina percorreu toda a extensão da despensa. O nome de Grace estava nas latas de leite em pó, caixas de cereais, vidros de groselha e sucos... Havia um congelador abarrotado de latas de sorvete e lasanha congelada. Na parede do fundo estava pregada uma extensa lista escrita à mão.

Faltam:

30 cheeseburguers de microondas.

4 caixas de Sucrilhos.

15 latas de leite condensado.

90 pacotes de coco ralado.

16 vidros de leite de coco.

100 pacotes de açúcar.

E estes eram apenas os seis primeiros itens da lista.

– Será que ele pretende fazer um beijão gigante? Ia precisar de uma panela do tamanho de um avião... – comentou Regina, avaliando a lista – Ruby gosta de beijinho, não gosta? Se bem que, com tantos ingredientes, dá pra fazer um banquete completo pra umas cinco mil pessoas.

– O que esse esquizofrênico pretende fazer com tanta comida? – Killian estava roxo de raiva. Apertava os punhos e a mandíbula com força.

– Não é óbvio? – falei esganiçada, meu estômago quase virando ao avesso de tão enojada – Ele pretende me seqüestrar!

Como é que eu ainda consigo pensar quando estou prestes a vomitar bile?

***

Ninguém conseguira dizer mais nada. Só Regina continuou a matraquear. Descobriu mais comida na geladeira. Jefferson me preparara um bolo Floresta Negra. Já estava azedo e a mulher torceu o nariz para o cheiro. Encontrou numa vasilha plástica um pedaço de uma pizza que parecia caseira. Um recado colado à tampa dizia: Meu amor, esquente no microondas por um minuto e meio. No congelador, uma forma de picolés caseiros de uva e limão. Outro recado: Meu amor, Grace fez estes pra você. Toda a comida estava apodrecida, resultado de ele ter passado tanto tempo fora. Killian já estava desconfiado. Uma hora eu ia ter que admitir que sabia onde eles estavam.

Baelfire esmurrava a escrivaninha, irritado. Não conseguia passar pelo maldito bloqueio.

Regina passou a percorrer a casa. Encontrou um quarto de hóspedes com banheiro privativo. Uma piscina gigante na área de lazer dos fundos, que também tinha churrasqueira, quadra para jogos e banheira de hidromassagem. O mais estranho era Jefferson não ter nenhum vigilante particular pra tomar conta de tanta riqueza. Quem é que podia confiar em alarmes? Hoje em dia não era tão difícil burlar os equipamentos de segurança.

No primeiro andar, Regis adentrou o quarto que pertencia a Jefferson. A cama de casal estava impecavelmente arrumada. Pétalas secas de rosas (que talvez tivessem sido brancas) estavam espalhadas pelo carpete e por cima do edredom vermelho-sangue. Um buquê de tulipas murchas se postava num dos criados-mudos ao lado da cama. Regina disse que havia um leve aroma de jasmim no ar. Acabou por descobrir um aromatizador de ambiente automático no teto.

A porta à esquerda levava a um banheiro quase tão grande quanto o quarto. A banheira de hidromassagem – do tamanho de uma piscina pequena – estava cheia, um vidro de sais de banho tombado na borda. Metade de seu conteúdo caíra e derretera na água.

– Eca! Tem larvas na água! – Regina torceu o nariz – Um imenso criadouro de Dengue!

Um robe vermelho pendurado num gancho próximo à banheira. Duas taças e uma garrafa aberta de vinho. Mais aromatizador com cheiro de jasmim. Mais flores murchas. Resquícios derretidos de velas vermelhas. Uma camisola sensual, vermelha e meio transparente. Sapatos salto quinze, também vermelhos. Toalhas vermelhas. Uma coleção de batons em tons de vermelho. Um closet.

Um closet do tamanho de um ônibus.

Abarrotado de peças, sapatos e acessórios.

Vermelhos.

– É o suficiente pra denunciarmos esse filho da puta! – esganiçou-se Regina, chocada.

Gancho, que passara de vermelho para roxo e de roxo para rosa choque, ergueu-se do sofá, gesticulando enraivecido para a TV.

– Por ter itens vermelhos? O que isso prova? Que ele tem fascinação por essa cor? E como explicar o fato de sabermos disso? Não está pensando direito, Regina! Não importa o que tenhamos descoberto, não há como incriminá-lo!

Rê assentiu, se dando por vencida. Gancho continuou, gotículas de saliva voando de sua boca.

– Larguem tudo e saiam daí! Não estamos lidando com criaturas, estamos lidando com um desequilibrado que tem vida tripla e persegue mulheres comprometidas nas horas vagas. Quem sabe do que ele é capaz?

– Está bem, você tem razão – a voz da mulher era baixa, longe de ser seu tom mais autoritário – Vamos embora, Bae! Nós tentamos...

– Já foi o suficiente – opinei, tentando recobrar minha sanidade. Sentia-me fraca e desprotegida, por mais que não estivesse sozinha. Aquela obsessão de Jefferson afetara, e muito, meu emocional. – Acho... acho que devíamos denunciá-lo.

– Sem provas? – questionou Gancho – Como? O que diríamos à polícia?

– Eu não sei...

Regina suspirou e saiu para o corredor. Encaminhava-se ao encontro de Bae quando as luzes da casa se apagaram, todas ao mesmo tempo. Seu primeiro pensamento foi:

– PUTA QUE PARIU! NOS DESCOBRIRAM!

Todos gelamos. Achamos que a polícia cortara a luz. Regina estava até esperando a voz estática de um policial vindo por um auto-falante, mandando os bandidos se renderem, ou invadiriam a casa. Nada aconteceu. Ela acabou por se lembrar:

– Ah é... não tem um departamento decente de polícia em Storybrooke. Duvido muito que a loira desbotada sairia do conforto dos braços de seu Palerma pra vir prender bandidos onde Judas perdeu as botinas. Bae! Onde é que liga a luz?

– Se eu soubesse já teria ligado, não é? – respondeu a voz distante do adolescente.

– Puta merda! Pra que fui vir de salto? Não bastasse, estou suando como porca dentro dessa roupa preta. Vida de espiã não tem nada do glamour que vemos nos fil... – ela parou repentinamente. Na escuridão, não pudemos identificar o que acontecia. Quando ela tornou a falar, sua voz era trêmula – Bae? Você ouviu um rosnado?

– Eu não!

– Eu ouvi... Bae... Acende a luuuuz...

– Porra! Acha que eu já não tentei? Os interruptores não funcionam! – ouviu-se um CABLAM! – PORRA! QUASE QUEBRO A CABEÇA!

– Baaaaaae... Tem um bicho na casa...

– Acalme-se, Regina! – suspirou Killian, passando as mãos pelo rosto – Deve ser um cachorro. Devia estar no quintal e você não viu.

– Baaaaaaae! – ela estava quase chorando. Quem diria! Logo Regina, que matava qualquer criatura, com medo de um cachorrinho – BAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAE!

– Cala a boca, porra! Tô aqui! Cadê você? Ai! Merda! Quebrei alguma coisa.

– Deve ter sido um vaso de cinco mil dólares... – comentou ela, chorosa.

Regina soltou um grito agudo que me arrepiou os pelos do corpo. Baelfire ralhou com ela quando, com o susto, deixou o celular cair. Provavelmente trincara a tela sensível.

Dois pontos brilhantes surgiram na tela da TV. Regina tremia mais do que varal em noite de ventania. Baelfire soltou um suspiro de alívio, vendo os pontos brilhantes se moverem em sua direção:

– Ah é só um gatinho!

Depois, oito coisas aconteceram.

As luzes se acenderam.

Regina emitiu um grito que parecia rangido de porta antiga sem óleo nas dobradiças.

Bae saiu em disparada, mais rápido do que atleta em corrida olímpica.

Regina foi atrás, cambaleando nos saltos.

O “gatinho” deu a eles alguma vantagem, até resolver persegui-los.

Regina rolou escada abaixo, feito uma melancia gigante numa ladeira irregular.

O “gatinho” pulou por cima da melancia estatelada no chão.

Bae estava prestes a alcançar a porta da frente quando tomou um golpe de caratê felino nas costas e caiu por cima de um banquinho de apoio para os pés.

Tudo isso aconteceu sem que os dois espiões fajutos largassem seus celulares. O de Bae estava todo trincado, porém funcionando. O de Regina sobrevivera à rolagem da escada. Caíra com a tela pra cima, no penúltimo degrau da escada. A câmera agora mostrava o teto.

– EU NÃO QUERO MORRER! – a ouvimos a melancia escandalosa gritar. – EU NÃO QUERO MORREEEEER! JEFFERSON, SEU DESGRAÇADO! POR QUE FOI ARRUMAR UMA ONÇA DE ESTIMAÇÃO?

– Não é uma onça – corrigiu Bae, gemendo ao se erguer – É uma jaguatirica.

– Onça, jaguatirica, camelo, tanto faz! Ai! Quebrei minhas pernas, minhas costelas, minhas clavículas, meus braços e minhas pernas. E de quebra o nariz...

Ela estava exagerando. Não teve um arranhão sequer. Mas ficou dolorida por vários dias.

A jaguatirica sumiu. Só queria dar um susto nos invasores. Jefferson, mais tarde soubemos, chorara de rir e tivera falta de ar ao assistir as cenas pelas câmeras ocultas espalhadas pela mansão.

Ao menos a queda da melancia servira pra alguma coisa.

Estatelada no chão, Regina estendeu um dos braços pra apanhar o celular. Notou algo que alguém só notaria se observasse bem de perto: havia uma pequena falha, como uma fissura, entre o terceiro e quarto degraus. Ela teve um estalo. Engatinhou até a escada, sendo novamente enquadrada pela câmera do celular.

– Bae! Vem aqui! Me ajude a erguer isso!

– Erguer o quê?

– A escada foi feita de modo a abrir-se! É uma passagem secreta!

Que danada! Uma pessoa desatenta nunca descobriria. Ou melhor, só alguém que soubesse, ou tivesse rolado escada abaixo e estendido a mão para apanhar o celular, seria capaz de encontrar a passagem.

Tenho que admitir. Jefferson era um filho da puta de um gênio.

Tentaram a todo custo levantar os três degraus ocos. Por fim, quando estavam quase desistindo, Bae descobriu um botão na base do corrimão. Só alguém que soubesse, ou estivesse procurando um meio de abrir a passagem, encontraria o pequeno botão disfarçado de círculo decorativo.

Bae apertou o botão.

Houve o ruído de um clique.

A escada deslizou pra cima com um rangido, como o porta-malas automático de um carro.

Regina e Bae ficaram cara-a-cara com um buraco escuro e estreito.

Então luzes automáticas se acenderam, revelando uma passagem maior do que aparentava ser.

Os dois espiões se depararam com degraus de pedra que desciam para o subterrâneo.

Desceram.

Se depararam com escuridão e abafamento.

Então houve um clique.

Uma música do Slipknot começou a tocar. Era o refrão de Killpop. Oh, she's beautiful (Oh, ela é linda).

Luzes em fileiras começaram a se acender, revelando, aos poucos, uma sala ampla. Luzes vermelhas. A little better than a man deserves (Um pouco melhor do que um homem merece).

A segunda fileira acendeu. Oh, I’m not insane (Oh, eu não sou insano).

A terceira fileira acendeu. Please tell me she won't change (Por favor, me diga que ela não vai mudar). Ao mesmo tempo em que alguma coisa começou a se mexer sala. Dava pra ouvir o som da coisa se movendo por trilhos. Maybe I should let her go (Talvez eu devesse deixá-la ir).

A quarta fileira acendeu. But only when she loves me (Mas só quando ela me amar). A coisa que girava era um casal de bonecos de cera. O boneco tinha uma mão na cintura da boneca, a outra mão na mão dela. Estavam em posição de dança. Giravam como se dançassem pelo salão. Eram bonecos em tamanho real. O boneco era Jefferson.

A boneca era eu.

A quinta fileira acendeu. How can I just let her go? (Como eu posso deixá-la ir?).

A última fileira acendeu. Not until she loves me (Não até ela me amar).

A sala era o covil secreto de um hacker. E stalker.

Não apenas isso. Pior.

Me vi em centenas de imagens pelas paredes.

Havia bonecas de cera iguais a mim. Estavam em posição de manequim, vestidas com réplicas de roupas minhas.

A sala era um covil. E o devaneio de um louco.

Era um altar em minha homenagem.

Vomitei bile no carpete.


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Notas finais do capítulo

Eis o trailer da fic. Ficou enorme, mas foi pra comemorar o aniversário. https://www.youtube.com/watch?v=MAyNeJgToUA
Agora sobre o capítulo, preciso falar umas coisinhas. Primeiro, como vocês sabem, é raro eu introduzir um personagem que não vá usar outras vezes. É o caso de Shirley e Brooke, que vão voltar mais pra frente. Não sei se gostaram delas, mas eu dei boas risadas enquanto escrevia as cenas do hospital. E não, eu não estava drogada, só de bem com a vida kkkkk Essa história de Killian ter um primo surgiu um belo dia na minha cabeça, quando eu estava assistindo X-Men e babando por aquele lindo do James McAvoy. Eu pensei comigo mesma: “Seria ótimo eu ter como colocar essa beleza na fic”. Aí dei um jeitinho. Esse aí é outro que vai aparecer mais vezes e fica em aberto pra vocês fazerem suas apostas: Finnian e Killian são irmãos ou não? Isso eu vou revelar no capítulo 24, que também vai trazer um personagem queridíssimo (sqn). O aniversário do Killy ia ser nesse, mas acabou que o capítulo foi caminhando pra outro lado e eu precisei desenvolver mais toda essa confusão na vida da Ruby. Só digo que no próximo tem Let It Go e Killian Gaga e vai ser nosso capítulo de Halloween adiantado. Não sei se tem fãs de Nightwish por aqui, mas se tiver, devem ter notado que o Emppu foi inspirado numa pessoa real, o guitarrista Emppu Vuorinen. Apesar de o Nyah ter voltado a categoria de bandas, não vou listar o Nightwish nas categorias, porque só vou aproveitar os primeiros nomes e as aparências dos membros da banda. Isso mesmo, a galera da banda vai vir pra fic. Estava eu, num belo dia de sol, vendo o clipe de Élan, e eis que surgem milhares de ideias na minha cabecinha. É claro que eu tive que aproveitar. Algumas características reais deles vão ser aproveitadas. Deixo o link para o clipe, mas não vão achando que vão encontrar spoilers nele kkkk (talvez sim...): https://www.youtube.com/watch?v=zPonioDYnoY
Agora as dicas. São apenas palavras, mas podem levar a spoilers, se souberem interpretar as pistas. CAMISOLA COR DE ABÓBORA. CORINGA. ANAGRAMA. ARKHAM. SUPREMA. DELUSIONAL DISORDER. MAÇÃ VERDE (fãs de OUAT, não me desapontem). Falem nos comentários se tiverem hipóteses.



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