'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 23
Game Over ao Lunático & Casos de Outubro + Horroland: O Festival de Samhain


Notas iniciais do capítulo

Antes de qualquer coisa, quero dizer que já mandei fabricarem minha armadura a la Homem de Ferro, porque é provável que eu seja apedrejada depois de tanta demora. Eu sei, minha gente, fui uma autora muito relapsa pelos últimos meses. Não me matem, senão ficam sem fic kkkk Milhões de desculpas não são suficientes, eu sei. Algumas chegaram a pensar que eu abandonei a fic e volto a reforçar que, mesmo que se passem meses sem atualização, jamais desistirei de minhas fics, principalmente dessa, que é minha queridinha (junto com a Lord of the Seas). Bom, depois de um terrível bloqueio, finalmente consegui colocar minhas ideias no lugar e escrever esse capítulo. Me desculpem se não tiver atendido às expectativas, mas depois de tanto tempo, posso ter perdido um pouco o jeito dessa fic. Espero que possam me perdoar, já que eu fiz um capítulo imenso, como sempre.
Bem, podem achar um tanto cansativo, mas eu precisava incluir informações importantes, que serão necessárias mais pra frente. O próximo traz a continuação do Halloween e prometo que será mais ágil.
Sei que algumas não curtiram esse lance do bebê, mas eu trouxe essa criança pra causar umas tretas e abalar estruturas. Porque eu sou má muahahahaha. Então não vão achando que tudo serão flores e que Ruby e Killian poderão ser pais normais.
Esse capítulo está infestado por spoilers. Os anteriores também, mas esse, especificamente, deve conter uns dez spoilers ou mais. Quem descobrir pelo menos um vai ganhar capítulo dedicado. Uma dica: pesquisem significados de nomes...
Também estão me perguntando a quantidade de capítulos dessa temporada. Fiz uma listinha do que será cada capítulo, mas como vocês sabem que eu me empolgo e escrevo demais, o mais provável é que acabem sendo mais capítulos do que o esperado. Enfim, acho que por hoje é só. Mais uma vez, perdoem a demora. Também deixei uns comentários sem responder, por esquecimento mesmo, mas eu li e amei TODOS. Mais uma vez, muito obrigada por todo o carinho e por continuarem me acompanhando e ameaçando me matar pela falta de atualização kkkkk Aproveitem a leitura!



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Você prefere ser perseguido por um palhaço com pernas de aranha ou fugir de um lunático que esculpe manequins com a sua cara? Pois eu teria preferência em lutar contra um bando de múmias saltitantes a me ver como uma escultura de cera. Mas isto não era uma opção.  

Conhece a sensação de estômago revirando como se girasse numa máquina de lavar? O gosto amargo de bile invadindo sua boca? O estado de tremedeira nervosa que transforma seu corpo em bandeira em noite de tempestade?

É, era exatamente desse jeito que eu me sentia. Pra não mencionar o fato de parecer a versão live action da Noiva Cadáver. Se bem que estou sendo generosa: estava mais pra zumbi de The Walking Dead.

Enquanto sufocava com meus próprios fluidos e regurgitava na pia do banheiro, Regina e Bae reviraram o covil secreto de Jefferson. Eu posso encarar a realidade de várias maneiras, sabe. Só não me peça para aceitar o fato de o Chapeleiro ter mais vidas do que pode dar conta. Escultor de bonecos de cera? Isso eu não consigo engolir.

 Tentaram me poupar. Gancho até mandara Regina encerrar a missão e bater em retirada. Mas me recusei a me render tão fácil. Porque pior do que saber, é não saber. E em se tratando de Jefferson, estar um passo a frente significava muita coisa.

— Olha o quanto você já sofreu! – dizia Killian, me encarando com preocupação. Enganchou meu queixo com os dedos, forçando-me a olhá-lo – Está horrível! Precisa descansar...

— Não posso descansar enquanto o tresloucado da cera está à solta, posso? – retruquei, livrando-me de seu toque. Tornei a me sentar de frente pra TV, ignorando a mancha esverdeada de vômito no tapete – Não importa como eu me sinta. Isso tem que acabar!

Regina e Gancho trocaram um breve olhar em concordância. Ela estava parada no centro do covil, bem onde o casal de bonecos estivera rodopiando uns minutos antes. Não podia depreender muita coisa acerca do lugar, além do que já tinha visto. Só sabia que era um espaço amplo, de paredes de tijolos escuros e que aparentava pouquíssima ventilação. Parecia-se muito com o abrigo antiaéreo em que tivera a infelicidade de ser baleada e quase morta pela Jenna Djinn.

— Certo – disse Regina, com um suspiro – Não sei como vão absorver isso, mas Baelfire e eu descobrimos umas coisinhas muito inoportunas. A começar pelo mural de culto à Ruby. Depois de uma observação mais atenta, descobrimos...

— O quê? – a incentivei a continuar, já muito preocupada.

— Vejam por si mesmos!

Ela saiu da esfera de visão da câmera, virando-a em direção à parede dos fundos e dando zoom na imagem. Não havia um centímetro sequer de tijolos à mostra. Tudo fora recoberto por fotos minhas. Algumas Jefferson conseguira em minhas antigas redes sociais, que eu não usava há anos. Outras...  

— Onde ele as conseguiu? – Gancho franzira a testa, tão próximo da TV que seu nariz quase tocava a tela.

— Acho que isso responde sua pergunta – Regina apontou para uma sequência de imagens que me mostravam deixando a Biblioteca Pública de Seattle e entrando no Impala. Levou apenas alguns segundos para que notássemos que a maioria das fotografias compartilhava o mesmo cenário de fundo: a contemporaneidade cinzenta de Seattle.

— DESGRAÇADO! FILHO DE UMA QUENGA! – berrou Killian e Grammy pulou no assento.

— Algumas fotos foram tiradas de cima – Regina continuou, apontando retratos aleatórios –, o que me faz pensar...

— ... que ele hackeou as câmeras de tráfego! – completou Killian, suas orelhas vermelhas indicando a raiva contida – Não podemos nem sair à rua sem sermos observados? Será possível que ele tenha olhos em todo lugar?  

— Considerando que seu adorável primo tenha ido ao hospital, estou certa de que a resposta é sim. Finnian com certeza está envolvido. Eu quero dizer, faz todo sentido, não faz? Quem mais os espionaria em Seattle enquanto Jefferson fazia a feira em Storybrooke?

Antes que qualquer um de nós pudesse dizer algo, Graham se pronunciou, erguendo um dedo e meio grogue por ter enchido a cara:

— Fiz umas ligações depois do ocorrido no hospital...  Finnian realmente é funcionário do SeattOnline. O editor o enviou para cobrir a história do ato heróico na universidade.

— Isso não anula a hipótese de que ele seja comparsa do excêntrico do laquê. – contrapôs Regina, tornando a virar a câmera para si – Aliás, devo reconhecer a engenhosidade do método de stalking. Um bobalhão armado com uma câmera, aproveitando-se da profissão e seguindo a Ruby por onde quer que ela vá... É muita filhadaputagem, mas, ainda assim, é engenhoso.

Gancho estava prestes a arrancar os cabelos, tamanha a força com que coçava a cabeça.

— Acontece que Finnian é jornalista por formação, com certeza deve ter largado as caçadas depois de... bem, depois de tudo que aconteceu. Não temos certeza de que ele foi ao hospital a mando de Jefferson. Eu revirei aquele quarto dos pés à cabeça, não encontrei câmeras, nem escutas, nem nada do tipo. E, afinal, por que raios ele seria cúmplice do esquizofrênico? Devo lembrá-los de que Ruby estava drogada quando foi entrevistada?

— Ei! – protestei.

— É sério? – Regina revirou os olhos, inconformada – Está defendendo Finnian? Parece que ele ainda significa algo pra você, apesar de tudo.

— Não temos provas contra ele, Regina! Vou considerar sua aparição como uma desagradável coincidência. Eu poderia ter me metido em encrenca só por tê-lo espancado!

— Hum, reconheço que posso ter me precipitado – eu disse - Ele me fez perguntas estranhas, mas isso não prova nada.

— Acontece que vocês não sabem tudo sobre Jefferson. – rebateu Regina, irritada – Coisa ruim atrai coisa ruim! E esse maldito Chapeleiro é esperto! Aposto como ele não pensaria duas vezes antes de recrutar um comparsa que compartilhasse o mesmo ódio que ele tem por você, Gancho. Ou você acha que Finnian ainda te considera o priminho de que ele mais gostava? Depois do que você e Graham fizeram...

— Ah eu gosto tanto de você! – guinchou Grammy, abraçado a uma almofada e parecendo meio encantado – Que mulher inteligente!

Regina sorriu de lado, lisonjeada, e eu me virei para encarar os dois homens.

— O que vocês dois fizeram?!

— Nada! – responderam juntos, tão rápido quanto um raio.

— Ah, quer dizer que ela não sabe? – exclamou ela, soltando uma risada maldosa – Não contaram a ela que vocês...

— CALA A BOCA, REGINA!

— Tá bem, tá bem... Agora me digam: se não foi Finnian quem tirou as fotos, quem foi? Porque Jefferson não poderia dar conta de todas as vidas que tem e ainda bancar o fotógrafo, não é? Eu quero dizer... olhem só pra esse lugar! Ele teve bastante tempo pra construir este...

— Altar! – completei.

— ... este altar de culto à deusa Ruby!

Aquela frase não soou muito bem aos meus ouvidos, sabe, porque acabei por me dar conta de uma coisa: Jefferson me elevara à posição de divindade. Regina continuou:

— Além do mais, ele sabe a localização do nosso quartel – ela apontou para um conjunto de fotos externas do QG. Um mapa do bairro fora afixado ao lado, uma tachinha vermelha marcando o ponto em que se encontrava o prédio. Não era uma surpresa, uma vez que eu já recebera inúmeros presentes dele pelo correio – e de que outro modo descobriria o prédio senão por Finnian?

— Se ele for mesmo um hacker, deve ter dado um jeito – Killian escondera o rosto nas mãos, sua aparência denunciando o quanto ele estava esgotado – Se é só isso, Regina, deixe Ruby descansar...

— Há mais problemas do que vocês imaginam – suspirou ela, tornando a aparecer na tela – A pergunta é: terão forças para suportá-los?

Os ombros de Regina estavam caídos. Ela parecia apreensiva, amedrontada até. Hesitava em nos mostrar o que quer que a tivesse perturbado. Devido à minha insistência, porém, tornou a virar a câmera, apontando um conjunto de imagens na extremidade esquerda da parede. Formando um perfeito círculo, fotos individuais de integrantes da família Jones estavam pregadas sobre um mural magnético, como uma espécie de árvore genealógica.  Killian no centro do círculo, sua imagem sorrindo marota; destacava-se por ser a maior foto e pelo terrível fato de lhe faltarem os olhos, pois Jefferson os furara com um abridor de cartas – que Regina encontrou por ali –, aparentemente num surto de raiva. O Chapeleiro rabiscara anotações em post-its colados no entorno do círculo. Informações, provavelmente provenientes de fontes ilegais.

— Ele sabe tudo sobre sua família, Gancho. – falou Regina, tentando focar os escritos para que pudéssemos lê-los – Mais até do que você mesmo. Não acho que dê pra vocês enxergarem, mas percebe-se que ele cavou fundo, preocupado em saber todos os detalhes.

A caligrafia de Jefferson – fina, inclinada e cheia de floreios – não nos permitia ler com clareza, de modo que Regina precisou ler post-it por post-it (logo descobrimos que ele tinha uma desagradável preferência por post-its vermelho-claros, o que era uma óbvia homenagem a mim). Informações sobre Milah e Helen – que incluíam, entre outras coisas, um breve histórico de suas formações educacionais – traziam também suas datas de falecimento, bem como a exata localização do túmulo desta última.

Causa mortis: assassinada por vampiro Alfa, em recusa a transformar-se num dos sanguessugas – leu Regina sobre Milah, arrancando o post-it do quadro e fazendo menção de amassá-lo, até mudar de ideia e decidir guardá-lo. - Eu vou fazer um favor a vocês e recolher tudo o que puder levar agora. Posso voltar amanhã para pegar essas horríveis bonecas de cera. Sem ofensa, Ruby, mas são sinistras!

— Não! – bradou Gancho. Não consegui ler sua expressão, mas, pelo visto, não parecia nem um pouco perturbado pela descoberta da árvore genealógica circular – Deixe tudo como está! Se o desequilibrado mental voltar e não encontrar tudo como deixou, vai logo desconfiar de você. Não precisamos de mais problemas.

— Você não entende que o que temos nas mãos é um vasto instrumento de pesquisa? – argumentou a Rê e, mesmo sem poder vê-la, imaginei que seus olhos estivessem brilhando – É o mundo dele! Tudo o que ele sabe sobre vocês está concentrado nesta sala. Seria ainda mais vantajoso se Baelfire conseguisse descobrir a merda da senha que desbloqueia o computador.

A voz de Bae ecoou de um canto da sala.

— Não me pressione! Já disse que tem tipo um trilhão de combinações possíveis!

— Pois dê jeito de burlar a segurança, é pra isso que estou te pagando! Em todo caso, como eu ia dizendo, ter acesso a este covil secreto nos coloca na mesma posição do chapeleiro. Saberemos tudo o que ele sabe! Talvez consigamos ficar um passo à frente!

— Eu concordo! – exclamou Grammy, ao que Gancho lhe atirou uma almofada.

— Cala a boca, Grammy!

— Bem, a decisão não é de vocês – continuou Regina – porque eu também me sinto muitíssimo invadida! Não se esqueçam, ele colocou uma câmera no meu banheiro! Além do mais, há pastas e mais pastas de arquivos e eu certamente não sairei daqui sem levar ao menos metade delas. Sabem de uma coisa? Vocês têm que me pagar um jantar digno, num restaurante luxuoso. Sem mim ninguém descobriria este lugar, afinal fui eu quem rolei escada abaixo, perseguida por uma chita.

— Jaguatirica – corrigiu Bae – E não vamos nos esquecer de que eu também ajudei.

— Ah, sim, claro! Um jantar pra mim e uns ingressos de cinema pra esse garoto, afinal ele está na idade de assistir pornô.

Grammy refreou uma risada e Gancho revirou os olhos. Bae ia dizer alguma coisa, mas Regina voltou para o mural, onde apontou com uma unha comprida a foto de um senhor de olhos azuis e cabelos começando a ficar grisalhos. Nem precisei perguntar. Não era outro, senão o ilustre Senhor Jones. A foto era antiga, de quando ele ainda era um homem de posses e inspirava poder com seu sorriso confiante e olhar duro.

— Talvez queira saber que o velho ainda reside em Seattle. No subúrbio, mais precisamente. Blutbad Street, número 58, apartamento 16B. Ao que parece, ele leva a vida como traficante de drogas. Está voando sob o radar da polícia, sempre se movendo de um lugar a outro, mas, pelos últimos cinco meses, manteve moradia fixa. Nosso amiguinho Chapeleiro ainda adicionou a informação de que o velho é dependente químico.

— Eu, sinceramente, não me importo – pronunciou-se Gancho e, apesar de seu tom indiferente, analisando sua expressão eu podia dizer que ele se importava sim. Pelo menos um pouco. E isso eu podia perceber pelo modo como ele reagiu à notícia. Ele mesmo não notara, mas apertava uma almofada com tanta força que seu conteúdo vazava pelo zíper aberto. – Mas vou contar ao Liam. Soubemos que aquele desgraçado estava vivendo num estado deplorável. Em todo caso, esse negócio ilegal deve ter rendido bons frutos ao velho Jones.

— Incrível como as pessoas detestáveis de que não gostamos relutam em abandonar esta cidade. – comentou Regina, num tom exclamatório – Sabe o que eu faria em seu lugar, Gancho? Uma denúncia anônima! Um único telefonema e o velho estaria atrás das grades. Eu ainda faria sapateado fantasiada de canguru quando fosse visitá-lo, mas isso não vem ao caso.

— E quanto a Finnian? – perguntou Graham – Se bem percebi, a foto dele está bem onde devia estar. Será uma confirmação de que o parentesco com Amos não passa da relação tio-sobrinho?

Amos era o pai de Killian. Analisando a árvore genealógica, o que se entendia é que Finnian era mesmo primo de Gancho. Bem, ao menos a foto dele estava interligada à foto do irmão de Amos, o que indicava que aquele era o pai dele. Teríamos nos convencido de que Finnian não era filho do Senhor Jones, não fosse o fato de haver uma enorme interrogação numa das anotações do chapeleiro. Jefferson ainda não fora capaz de descobrir aquela informação

— Apenas o próprio Amos poderia dizer – falou Regina – Já pensou em perguntar a ele, Gancho?

— Eu perguntei milhões de vezes e ele negou todas as vezes. – retrucou ele, tornando a irritar-se – Não me interesso mais pela resposta. Sendo meu irmão ou não, Finnian extrapolou os limites da minha paciência quando deixou Graham para morrer. Tudo o que ele merece é meu desprezo.

E não podíamos fazer mais nada além de concordar.

— Em todo caso – ele continuou, soltando um suspiro de exaustão -, sugiro que você e Bae saiam logo daí. Leve o que achar necessário e amanhã pensaremos no que fazer. Todos nós precisamos de descanso.

Regina balançou a cabeça em negação.

— Ah, meu querido, eu bem gostaria de poder rolar nua pela minha confortável cama, mas, infelizmente, isso não é tudo. Ele sabe sobre sua família também, Ruby. Devo admitir, nosso amiguinho fez um bom trabalho de pesquisa.

Ela caminhou em direção à parede dos fundos, esta fracamente iluminada pela luz pálida que vinha de cima. Me assustei. Jefferson fizera outra árvore genealógica, desta vez com as fotos dos que viviam na pensão. Tal como Killian, eu me encontrava no centro do círculo, minha foto em destaque, decorada por pequenos corações adesivos. Gancho torceu o nariz e me senti enojada. As fotografias estavam interligadas por uma bagunça de setas e inúmeros post-its acrescentavam informações aleatórias sobre cada integrante da “família”. Jefferson sabia que a vovó era viúva, por quanto tempo fora casada e até com que idade tivera os filhos. Regina não se preocupou em ler sobre os outros, mas pude ver que Archie estava ligado a Myrna e Martin e uma enorme interrogação parecia indicar a curiosidade de Jefferson em saber por que pais e filho haviam se afastado. Em todo caso, a dimensão das informações era tão grande que ele gastara quase metade de uma parede de sete metros para montar aquela árvore.

Vendo através de uma câmera, não consegui perceber a gravidade dos fatos. Da minha esfera de percepção, nada parecia haver de urgente ou extraordinário na árvore da família. Jefferson apenas se preocupara em descobrir mais ao meu respeito. Regina, no entanto, chamou minha atenção para algo que de início eu não notara: a foto de Billy fora circulada em vermelho. Ao lado de sua imagem sorridente, em letras grandes e volumosas, Jefferson escrevera com um pincel atômico: Possível concorrente. Eliminar.

Ele estava em Seattle para matar o Billy!

Meu estômago tornou a revirar, mas não havia mais o que botar pra fora. Se já não estivesse sentada, bem teria caído. Tremia feito vara verde, meus membros fraquejando em seus movimentos. Mal tive forças para apanhar o copo d’água que Gancho me oferecia, de modo que ele precisou encostar a borda do mesmo aos meus lábios, molhando toda minha roupa ao calcular mal a manobra.

— Ele vai matá-lo! – guinchei histérica, lágrimas de desespero brotando de meus olhos. – Temos que tirar ele de lá, temos que escondê-lo...

Ninguém disse nada. Nem Regina, que, pela primeira vez, parecia não ter resposta. Ela simplesmente ficou lá, estagnada e olhando para a câmera.

Killian veio trazendo uma toalha, que eu afastei gentilmente com um gesto fraco. Um pouco de umidade nas roupas não fazia mal a ninguém. O que estava me matando por dentro era o medo inspirado pelo chapeleiro. Sempre um passo à frente, sempre brotando nos lugares mais improváveis. A sensação era a de que não havia lugar seguro. Estávamos em campo aberto, expostos à esperteza e engenhosidade daquele lunático.

O que é que podíamos fazer, meu Deus?

— Eu tenho uma solução – falou Regina, depois de alguns minutos. Parecia ter pensado ferozmente, porque havia um vinco em sua testa, onde as sobrancelhas estavam contraídas. – As Beauchamp, vou pedir que escondam a pensão e o seu amigo. Você sabe, a Joanna é boa com feitiços de proteção e o Chapeleiro não vai ser capaz de burlá-los, sendo um humano comum.

Me acalmei, aliviada. Ainda me sentia enjoada, no entanto. Engoli duas pílulas de um calmante, respirando fundo pra me manter estável. Killian ia ralhar comigo, mas desistiu quando eu argumentei que aquilo me faria dormir tranqüila.

— Pronto! Perfeito! Era disso que precisávamos! – exclamou ele, de pé no meio da sala, gesticulando para a TV – Podemos discar anonimamente e denunciar esse filho da puta por arquitetar a morte de outrem.

Eu ainda ficava impressionada quando Gancho usava um vocabulário tão rebuscado! Arquitetar a morte de outrem. Que homem!

Regina soltou um muxoxo de impaciência, pois estivera tentando falar e o entusiasmo de Gancho a atrapalhava.

— Não seja idiota! – retrucou ela, num grito que saiu em forma de guincho – As forças policiais estão do lado de Jefferson! Ele é um White Hat, Killian!

Grammy, Killy e eu fizemos cara de interrogação, o que fez Regina revirar os olhos, decepcionada por nossa ignorância.

— Gíria de hacker – explicou, como se fosse óbvio - Um White Hat descobre falhas ao burlar sistemas. São hackers do bem!

— Um hacker do bem! – Gancho jogou a cabeça pra trás, rindo estrondosamente – Como você é engraçada, Regina! – mudou o tom para uma severidade que nos assustou – NÃO EXISTEM HACKERS DO BEM! TUDO O QUE EXISTE SÃO PERVERTIDOS SEXUAIS TENTANDO TIRAR A MULHER DOS OUTROS! Ele pode ter feito um trabalho admirável ao nos investigar, mas, para nossa infelicidade, o fato de ele ser um stalker não prova que seja também um hacker. Aliás, acham mesmo que aquele esquizofrênico teria capacidade mental para chegar a esse patamar? Essas coisas são complexas demais pra mente de um babuíno.

Por mais que Killian parecesse certo, eu já estava mais do que convencida de que Regina tinha muito mais razão do que ele. Me pronunciei:

— E de que outro modo ele descobriria tanto sobre nós se não fosse por meios ilegais?

— Caçadores falam demais, Ruby. Pague a alguém uma bebida e a pessoa vai citar até a cor da sua roupa de baixo... – argumentou Gancho.

Regina bufou alto, o que, em sua impaciência, soou feito o mugido de um boi. Grammy danou a gargalhar e caiu do sofá, indo se enroscar aos pés de Gancho, que se dobrara ao meio e tentava se controlar. Consegui me manter séria para não irritá-la, mas bem podia ter quebrado as costelas com a força que fazia para não rir.

— Vocês são retardados ou o quê?! – ela contorceu o rosto numa careta de desaprovação, o que só fez Grammy ter mais um acesso de risos. Continuou a matraquear, porém, ignorando-o – Acham que sou amadora? Até parece que não conhecem Regina Mills! Eu jamais repassaria uma informação bombástica antes de ter cem por cento de certeza de sua veracidade. E acontece que enquanto Ruby botava as tripas pra fora e vocês dois panacas a amparavam, Baelfire e eu reviramos essa batcaverna do avesso. E agora, vejam só, parece que nosso Bruce Wayne não se preocupa muito com a segurança de suas gavetas...

 Ela caminhou até um dos cantos da sala, em direção a arquivos metálicos de escritório. As gavetas estavam abertas e dava pra ver pastas vermelhas impecavelmente organizadas em cada uma delas. Regina apanhou uma delas, cujo conteúdo estava bagunçado por já ter sido revirado antes. Ela apoiou a pasta sobre a gaveta aberta, virando a câmera para baixo pra que pudéssemos ver pedaços avulsos de papel.

— Ele coleciona recortes de jornal – mostrou ela, chamando atenção para as manchetes de algumas reportagens desbotadas pelo tempo - Mais precisamente, recortes de jornal que fazem menção a um tal hacker que, há uns treze anos, ganhou uma nota preta ao invadir o sistema da CIA e descobrir um erro de segurança. O tal hacker ficou famoso desde então, porque é um White Hat, um hacker “bonzinho”. E adivinhem como é o nome dele...

— Vicious Nutmegs? – perguntei, meus olhos se arregalando tanto que previ o momento em que saltariam das órbitas.

— Exatamente! – exclamou ela, orgulhosa de sua descoberta. - Jefferson não fez fortuna trabalhando como estilista de chapeus. Na verdade, ele é pago para proteger sistemas do governo. Estamos lidando com um gênio da computação!

Nós três ficamos muito abobados, assimilando aquela informação. Mas, vocês sabem, Killian era teimoso. E, como São Tomé, só acreditava vendo.

— Está bem, está bem! Recortes de jornal não provam que ele seja o hacker mencionado nas notícias. Duvido que tenham tirado uma foto dele. – rebateu ele.

Regina respondeu pacientemente.

— É claro que não tiraram uma foto dele, mas quer prova maior do que isto? Por que mais ele colecionaria estas notícias a não ser por orgulho? Por Deus, eu mesma o denunciaria se não precisasse explicar o fato de ter invadido propriedade privada. Já pensaram no que a Grace vai se transformar, tendo um pai desses?

— Não me surpreende o fato de ela ser tão macabra – comentou Gancho e me indignei.

— Killian!

— O que foi? Ela é mesmo!

— Algum de vocês já se perguntou o que o levou a ser caçador? – questionou Grammy, recostado tranquilamente às pernas de Gancho – Porque o cara é genial demais pra um trabalho desses.

— Eu perguntei a ele. A esposa foi morta por bruxas. – Regina informou – Desde então, ele mata qualquer coisa feia que cruze seu caminho. Ei, por que será que ele não tentou matar o Killian ainda?

— Cala a boca, Regina! Não gostei, achei ofensivo!

Ela riu, fechando a pasta e caminhando a esmo pela sala.

— Hum, essas bonecas são mesmo sinistras. Como podem ver, a batcaverna é bem equipada. Aposto como aquelas telas são as inúmeras câmeras que ele tem espalhadas pela cidade – ela virara a câmera para uma parede ocupada por telas 17 polegadas, que se ligavam umas às outras e ao computador em que Baelfire trabalhara pela última hora, sem sucesso. O garoto estava sentado diante da enorme tela, onde uma caixa de digitação exigia uma senha de desbloqueio – E então, Goma 2?

— Eu desisto! – Bae girou na cadeira para olhar para a câmera – Não tem como burlar a segurança. É impossível!

Impossível é uma palavra inexistente no meu dicionário!

Ele continuou, sem dar importância ao que a Rê dissera:

— E ainda estou tentando decifrar o nome de hacker dele. Sei que isso tem que ter um significado!

— Ah, vocês já pensaram que Jefferson pode estar envolvido no negócio do Amos? – Grammy sugeriu, botando uma mão no queixo, todo pensativo – Eu quero dizer, o senhor Jones é traficante!

— Ah, mas é claro! – ironizou Killian – Os dois traficam noz-moscada!

— Vai dormir, Grammy! – riu Regina – Ai, como vocês me matam de rir! Vou ficar que nem o Coringa, com a boca rasgada. – ela tentou imitar, arreganhando os lábios e exibindo os dentes. Grammy disse que parecia o sorriso do Burro de Shrek, o que nos arrancou escandalosas gargalhadas.

Meu abdômen já estava muito dolorido pelo esforço de vomitar e as pessoas ainda insistiam em me fazer rir.

Estava em meio ao ato de enxugar meus olhos quando a tela do computador atrás de Bae piscou e ficou completamente escura. Ele deu uns cliques com o mouse e digitou códigos no teclado, tentando descobrir o que acontecera.

— Que droga! Acho que ele bloqueou o acesso!

— Sabe que estamos aqui... – sussurrou Regina.

Nem bem terminou de falar e a tela tornou a piscar. Surgiu uma imagem estática do chapeleiro, que um segundo depois começou a se mexer. O desgraçado sorriu e, usando seu tom mais debochado, provocou:

— Ora, ora, ora! Quem diria! A prefeita de Storybrooke metendo o bedelho onde não é chamada...

— SEU MANÍACO DESGRAÇADO! EU VOU TE MATAR POR ESPIONAR MINHA INTIMIDADE!

Ele riu aquela risada leve e descontraída, que eu tanto odiava. Só podíamos vê-lo do tronco para cima. Parecia enfiado num roupão de luxo e seus cabelos fofos estavam bagunçados, aparentando terem sido recentemente secados com um secador.

— Ah, querida Rê, você decerto pensa que eu sou facilmente passado para trás. Você e este bando de... eu emitiria um xingamento indecoroso, mas não vou fazê-lo, em respeito à minha Ruby...

— SUA É O CARAI! – berrou Killian, erguendo-se de um pulo, gotículas de saliva atingindo a tela da TV.

— Ah, não vamos nos exaltar... – sorriu o outro, tão tranquilamente que parecia um drogado em estado de êxtase – Sabem, eu devia estar zangado. Afinal, vocês, ratazanas, invadiram minha privacidade e meus domínios. Olhe só pra você, Regina... sendo rebelde quando não segue os demais – e riu da própria piada – Ah chica, acredita mesmo que eu permitiria que dois espiõezinhos amadores fraudassem meu sistema? Ah eu fiquei impressionado por sua inteligência, sem dúvida. Estive contemplando seus passos, como um telespectador ávido. Querida, eu estou extasiado por sua performance. – ele sorriu com afetação, então cruzou as mãos sobre o peito, balançando na cadeira em que se encontrava sentado – Um desempenho notável! Cheguei a invejar sua obstinação. Até me lembrar de que sou ainda mais obstinado.

— VAI PRA PUTA QUE PARIU! – xingou Regina, lhe mostrando o dedo do meio.

Ele tornou a rir.

— Ah, meu bem, não se rebaixe de tal maneira. Nós dois sabemos que você bem poderia ascender de status. Regina Mills, você é, verdadeiramente, uma dama. Sempre me surpreendendo... E pensar que alcançaria elevado prestígio social se me ouvisse. Mas, bem, nem todos têm consciência de sua capacidade. – ele suspirou, o tempo todo sorrindo – Em todo caso, vocês me julgaram por tolo. Quem é o babuíno sem capacidade mental mesmo? Realmente acreditaram que eu fosse permitir que gatunos se apoderassem de informações confidenciais? Ah eu posso não ser lá muito bom com refúgios secretos e reconheço que preciso reforçar a segurança de minha mansão; mas, minha querida, eu tive o cuidado de proteger cada pequeno dado contido em meus computadores.  Eu não sou idiota, sabem? Tão logo vocês botaram suas patinhas imundas em meu jardim, eu soube. Queria, porém, ver até onde iriam chegar. Ah, meu bem, e só Deus sabe o quanto me diverti! A perseguição da jaguatirica... – e desatou a rir, até, subitamente, ficar muito sério e endireitar-se na cadeira. Ergueu a mão para o lado, apanhando algo fora de nossa esfera de visão. Então ergueu uma taça de champanhe, como se estivesse prestes a brindar, e delicadamente a levou aos lábios – Tim-tim! Sabem, eu normalmente não faria isso, mas gosto de pensar em segundas chances. – afastou a manga do roupão, verificando o relógio em seu pulso – Vocês devem ter uns quarenta segundos até a polícia de Nova York chegar aí. Estão avançando até esta cidadezinha decrépita e pacata a toda velocidade. Apressem-se!... A não ser que queiram desfilar de laranja-abóbora pelo resto de suas vidas... Mas não se preocupe, pequeno Bae, você passará por um reformatório antes...

     Na falta de ter o que esmurrar, Killian berrou o mais alto que conseguia, atirando longe as almofadas. (Não o culpem, ele costuma ter acessos de raiva...).

— DESGRAÇADO! FILHO DE UMA PORCA AMALDIÇOADA!

Nem vou transcrever os xingamentos que vieram em seguida...

Os dois delinqüentes se apressaram em fugir, não sem antes agarrar o que estivesse em seu alcance. Com Baelfire em seus calcanhares, Regina levava o máximo de pastas de arquivos que conseguia carregar. Saíram da mansão o mais rápido possível, e, correndo feito condenados, infiltraram-se na floresta que margeava a propriedade de Jefferson. Foi quando perdemos o sinal.

  - Merda! Merda! MERDA! FILHO DA PUTA DESGRAÇADO, ENGOMADO DO CARALHO! – Killian se atropelava em seus xingamentos, bufando e caminhando de um lado para outro, apertando os punhos com força – Vou meter uma bala bem na testa daquele desgraçado! Os miolos vão saltar feito serpentina de Carnaval!

E continuou berrando palavrões por mais uns dez minutos.

Durante longa meia hora, aguardamos apreensivos. Sem sinal de Regina e Bae, também não conseguíamos contatar Gold e Belle. Embora as pílulas calmantes me deixassem em estado sonolento, recusava-me a dormir. Grammy, porém, roncava feito um porco, ao meu lado no sofá. Enquanto isso, Killian se ocupava em ouvir as rádios policiais de Nova York, tentando, desesperadamente, escutar trocas de informações que revelassem o destino de Bae e Gina. No fim, acabamos presumindo que Jefferson blefara.

— Fomos idiotas! Não seria interessante pra ele se a polícia descobrisse aquele esconderijo. A não ser que ele tenha controle sobre os militares também. – disse Killian, sentado ao sofá, onde coçava a barba.

Dois minutos após dizer isso, recebemos uma chamada de vídeo de Regina. Ela estava abatida e ofegante, quase desmaiando de exaustão. Mas em segurança, pelo o que pudemos notar. Estava em seu quarto impecavelmente arrumado, socorrendo um Baelfire em crise asmática.

— VOCÊ PODIA TER MATADO ESSE GAROTO! – ralhava Killian, quase arrancando os cabelos – VOCÊ É UMA INCONSEQUENTE, IRRESPONSÁVEL E SEM JUÍZO! QUE MERDA VOCÊ TEM NA CABEÇA, REGINA?

— Graças a mim vocês descobriram informações que nunca chegariam a vocês! Me agradeçam! – ela massageava as costas de Bae carinhosamente, incentivando-o a usar a bombinha de asma mais uma vez – Tudo bem, filhinho, tudo bem! Você foi incrível, Garoto-do-Nome-Esquisito.

— Eu tô bem, tio! – murmurou o garoto, sugando ar com imensa sofreguidão.  

Regina apanhou uma mala no closet. Abriu-a sobre a cama e pôs-se a enfiar mudas de roupas dentro dela, sem preocupar-se em organizá-las adequadamente.

— Saírei da cidade e levarei Bae comigo. Não podemos nos arriscar a ficar aqui.

— QUÊ?! E nem vai ter a decência de contar ao Gold o que você obrigou esse menino a fazer?

— Eu não o obriguei, Gancho! Bae veio por livre e espontânea vontade. Diga a ele, garoto.

— É verdade! Eu fui porque quis!

— Belle e Rumplestiltskin estão caçando pererecas no brejo e Baelfire está sob minha responsabilidade até voltarem – informou ela, ainda sem fôlego pela correria.

Killian e eu franzimos nossas testas.

— Caçando pererecas no brejo? – indagamos ao mesmo tempo.

— Ah, pelo amor de Deus! – ela nos encarou com indignação – Não sabem nem entender linguagem codificada?  

— Ela quis dizer que eles foram para um hotel de luxo em Miami, porque, aparentemente, não podem fazer sexo quando estou em casa – falou Bae, para surpresa de Regina, que até se engasgou com a franqueza do garoto. – Na verdade, me sinto muitíssimo grato. Não precisava mesmo ficar ouvindo ruídos constrangedores a noite toda.

— Você sabia?! – guinchou Regina, em choque.

— Tenho dezesseis anos, não sou retardado!

— Aaaah! Eu estava certa, ele está na idade de assistir pornô. Que cara é essa, Gancho?

— Não deviam ter compartilhado essa informação. Agora vou ficar imaginando Gold e Belle fazendo coisas. Eca!

— Como se você e Ruby não fizessem! Em todo caso, talvez queiram saber que aqueles dois se casaram na surdina e só vieram me contar quando descarregaram o Menino-do-Nome-Esquisito na minha porta. Precisavam ver a expressão decepcionada do pobrezinho do Baelfire, sendo excluído da viagem a Miami.  

— Como assim eles se casaram?! – guinchamos Killian e eu.

— Pois é, imagine que eles só se casaram no civil. Um absurdo! Podiam muito bem ter me chamado pra madrinha! E Rumplestiltskin é mesmo um sovina, nem se ligou em fazer uma festa rave pra comemorar! Você também, Baelfire, nem prestou pra fazer a cabeça dele...

E ri mais uma vez, antes de cair adormecida. Só mesmo Regina pra me alegrar em meio a tantas provações...

***

Killpop continuava a ecoar em minha cabeça.

Maybe I should let her go (Talvez eu devesse deixá-la ir) But only when she loves me (Mas só quando ela me amar).

Talvez eu devesse transformar seus miolos em serpentina. Mas só quando tiver coragem de empunhar uma arma contra outra pessoa.

Ou outrem, como diria Killian.

Acordara com minha cabeça pesada a ponto de estourar de dor. Apenas o ato de piscar disparava latejos por minha testa. Erguer-me da cama me custou um imenso sacrifício. Não fosse a sensação vazia em meu estômago faminto, bem teria dormido por mais umas doze horas.

— Fique quietinha aí! – a voz de Graham veio profunda e distante, de algum lugar do dormitório – Trouxe sua comida. Não queremos que se esforce.

Ia murmurar um “Eu to bem” em resposta, mas sequer tive forças para agraciá-lo com o tom de minha voz. Me limitei a assentir com a cabeça, arrependendo-me logo em seguida, quando uma dolorosa pontada me fez cair de volta no travesseiro.

— Vixe Maria! Você está com uma aparência horrível! – senti sua mão grande e áspera pousar em minha testa – Hum, não está febril, mas vou lhe dar uma aspirina. Não é pra ficar doidona outra vez...

Soltei uma risadinha que mais soou como um raspejar de garganta. Entreabi os olhos para vê-lo me oferecer um comprimido, que sorvi com um gole de suco de laranja. Despertei de vez quando vi uma pilha de panquecas numa bandeja. Meu estômago roncou alto, ansioso por sentir-se saciado.

— Demorou tanto a acordar que as panquecas esfriaram – comentou Grammy, sentado ao pé da cama, de onde me observava.

— Estão com consistência de borracha – ri -, mas estão boas. Você que fez?

— Foi.

— Imaginei. Killian sempre queima as dele. Onde ele está?

— Lá embaixo com a Joanna. Ela veio o mais rápido que pôde. Escondeu a pensão da sua avó do mapa, como Regina sugeriu. Jefferson não vai ser capaz de encontrá-la. Também protegeu sua família e seu amigo Billy.

Respirei aliviada.

— Ela bem poderia fazer o mesmo conosco e com o QG.

— Já fez! Aliás, fez melhor que isso! Segundo ela, ninguém mais vai ser capaz de perceber o prédio. As pessoas normais, digo. Ao invés, verão um bosque escuro e assustador, de forma que estaremos mais seguros daqui pra frente.

— Sabe, eu sempre tive a sensação de que podiam nos ver aqui, apesar dos vidros foscos.

— Bobagem! Ninguém liga pra um prédio velho! Em todo caso, nem mesmo o velho carteiro amigo do Gancho vai ser capaz de encontrar este lugar. Está livre de presentinhos do chapeleiro.

Mastiguei meus ovos mexidos com tanta alegria que mal me importei com o fato de estarem frios e emborrachados. Dali a pouco uma Joanna sorridente saiu do elevador, acompanhada de um Killian que carregava um Ruppy que se debatia. O cachorro saltou de seus braços e pulou para minha cama, derrubando a bandeja na manobra. Fez festa pulando sobre mim, em êxtase por me ver acordada. Ri tentando aquietar a bola de pelo, que então começou a latir loucamente, como se expressasse o quanto estava feliz.

— Quieto, Ruppy! – ralhou Killian – Esse cachorro está muito indisciplinado!

Joanna me cumprimentou, aquietando o cão com um gesto de mão. Ela me abraçou, então agarrou meu rosto com preocupação.

— Já está com uma aparência melhor. – falou – Esses dois cabeças-de-ovo deviam ter me chamado tão logo você foi levada ao hospital! Teria curado seu corpo há muito mais tempo.

Só então notei o óbvio: meu ferimento de tiro estava completamente curado e sem sinal de cicatriz. E as escoriações resultantes de minha aventura na floresta haviam sumido. Joanna também afirmou que recolara meus ossos do punho quebrado, mas que eu ainda precisava ir ao hospital pra tirar o gesso.

— Você dormiu por mais de doze horas, depois acordou berrando e vim niná-la – contou Killian. Quase dois dias haviam se passado desde a invasão à mansão do chapeleiro. Ao todo eu dormira por cerca de trinta horas.  – Então a Jo a fez dormir por mais umas horas, enquanto seu corpo descansava e se curava.

— Também tive o cuidado de envolvê-la com um feitiço de proteção. Essa coisinha aí no seu ventre tem de estar segura até o nascimento. O cabeça-de-vento do seu namorado devia ter pensado na possibilidade de você ser atacada por criaturas sobrenaturais e afins. Seria arriscadíssimo para o bebê!

Killian fez bico e se defendeu:

— Ora, foram tantas surpresas ao mesmo tempo que eu mal raciocinei quanto a isso.

— Quer dizer que estou imune a bichos feios e assustadores? – questionei, arregalando os olhos.

— Sim, vocês três e o cachorro. Por algum tempo apenas. Veja bem, esses feitiços têm prazo de validade, de forma que preciso atualizá-los regularmente, como uma vacina semestral. Também estão protegidos de eventuais acidentes e tentativas de assassinato. Mas como eu disse a esses dois, não vão se animando muito, depois do uso a longo prazo o corpo se acostuma ao feitiço e este perde a eficácia.

— Não estaremos seguros pelo resto da vida? – minha crescente animação caiu por terra.

— Não, sinto muito. Posso assegurar a vocês uns dois anos de proteção, no mínimo. Talvez três ou quatro ao bebê. De qualquer forma, consegui escondê-los do radar do chapeleiro. Estão livres dele pelos próximos seis meses. Retornarei antes que o feitiço dissipe. Protegi você, Killian e Regina quando estiveram em East End. Foi isso que a impediu de ser quase morta enquanto bancava a heroína.

E eu achando que fora pura sorte! Em todo caso, Joanna disse que nos últimos dias o feitiço estivera fraquejando, perto de perder a validade. Fora por isso que os djinns tiveram o poder de me ferir.

— Isso não é motivo pra você bancar a heroína outra vez – falou Gancho, muito sério – A Jo disse que criaturas muito poderosas podem burlar o feitiço.

— Isso! – ela assentiu – Então é melhor a senhorita tratar de sossegar.

— Falam como se eu gostasse de bancar a heroína! – revirei os olhos – Foi caso de extrema necessidade!

— Sabemos! De qualquer modo, o que você fez foi loucura! – Gancho fez questão de lembrar, pela milésima vez. Ao que retruquei:

— Diz o cara que largou a escola pra se aventurar em caçadas!

— Você sabe que eu não tive escolha!

— Que seja! – voltei-me para Joanna – Você pode prever o sexo do bebê?

— No momento não – ela balançou a cabeça – Ainda não está formado, não há como predizer assim. Talvez consiga ver pelas cartas, se as danadinhas quiserem me revelar essa informação. Isso me lembra que tenho de lhe contar: vou ser avó!

— Mesmo?! – abri um enorme sorriso – Freya e Dash foram rápidos! Espere aí, eles se casaram sem nos convidar?

— Ah, eles não se casaram! – suspirou ela, balançando a cabeça. Por sua expressão, percebi que a história era complicada – Freya acabou por desistir quando se deu conta de que está apaixonada por Killian. E depois que matamos Penelópe a coisa ficou realmente complicada. Quando Killian e Dash recuperaram os poderes roubados pela mãe quase mataram um ao outro. Você sabe, eles nunca se deram bem e a rixa ficou mais séria com a desmiolada da Freya no meio.

“O caso é que nesse meio tempo ela se descobriu apaixonada por Killian e terminou tudo com Dash enquanto ainda havia tempo. Ele não aceitou muito bem, sabe. Não é a primeira vez que ele perde uma noiva para o irmão. O caso é que Dash ficou muito perturbado com o término e com a recente descoberta de que é um bruxo.”

— Pera! Então o filho é do Killian?

— Antes fosse! Imagine você que Ingrid acabou se envolvendo com Dash! Sempre achei que ela seria a que menos me daria trabalho... – ela soltou mais um suspiro, claramente desgostosa – As coisas mudaram, no entanto. Eu realmente entendo o fato de ela estar se sentindo carente e sozinha, mas daí a se envolver com o ex da irmã? Desaprovamos totalmente esse comportamento...

— Mas então ela e Dash vão se casar?

— Cruzes! Eu jamais permitiria! E você pensa que Dash está pouco se importando com essa criança? Estou dizendo a vocês, ele está completamente perturbado! E o Killian largou a Freya por uma tal de Eva que ele conheceu sabe se lá onde. Imagine como as meninas ficaram arrasadas! Agora imagine o que é lidar com esse turbilhão de acontecimentos! A recente rixa entre mim e Dash e entre Dash e Freya... Foi uma decepção, sabe. Um rapaz que eu considerava meu filho... Agora o nome dele passou a ser proibido na residência Beauchamp. E o de Killian também, porque eu simplesmente não posso aceitar o que ele fez com Freya. E Ingrid também se sentiu profundamente decepcionada, já que tinha enorme afeição por ele. Ah e coloque uma rixa mortal entre Wendy e Dash e Wendy e Killian aí no meio. Sem mencionar que a coitada da Ingrid quase foi linchada por Freya e Wendy, precisei intervir antes que a matassem a pancadas. As meninas ainda estão meio brigadas, sabe. E Wendy queria matar Killian e Dash com um facão, mas eu disse a ela que não valia a pena... 

Refreei a vontade de rir ao imaginar uma Wendy enlouquecida brandindo um imenso facão contra os dois deuses gregos. Pobre Joanna! Só podia imaginar quanta dor de cabeça ela tivera nos últimos meses. E ainda encontrara tempo pra vir nos proteger! Eu só podia agradecê-la imensamente, como sempre.

— Imagine! – riu ela, quando a sufoquei num abraço –Vocês são como meus filhos. Já me ajudaram tanto! Pensei em mandar as meninas passarem uns tempos com vocês.

— Mande mesmo! Vai ser bom elas espairecerem! – concordei veementemente.

— Duas grávidas no mesmo espaço? – exclamou Gancho – Estão loucas?! Eu mal dou conta de uma!

Bati nele com meu travesseiro e Ruppy rosnou demonstrando indignação. Joanna queria saber se já contáramos aos outros a notícia da gravidez e mostrou-se profundamente indignada quando confessamos termos mantido segredo quanto a isso. Ela achava que devíamos ser verdadeiros para com nossos amigos, mesmo eles desaprovando o fato de caçadores terem filhos.

— Até parece que você não conhece Regina e Gold – comentou Grammy, acariciando a barriga de Ruppy – Vão matar esses dois a pancadas. Não acho que os outros vão aceitar tão bem quanto eu, sabe.

O assunto acabou por morrer quando decidi me levantar da cama. Sentia-me renovada e a sensação de alívio por estar livre do Chapeleiro reverberava em meu âmago. Poderia dançar sapateado vestida de canguru, como dizia Regina. Mas limitei-me a me entupir de lasanha, sob os protestos indignados de Joanna e Killian.

***

Dias haviam se passado desde a louca, cômica e aventureira Operação Bala de Goma. Felizmente, Regina e Bae se encontravam no conforto de seus lares, em segurança e longe de encrencas. Nenhum dos dois tornara a voltar à mansão do Senhor Engomadinho, o que era o mais sensato a se fazer, uma vez que, muito provavelmente, ele teria aumentado a segurança de sua propriedade. Em todo caso, ficamos todos aliviados por ele ter blefado quanto a ter acionado à polícia e, depois de uma semana fora de Storybrooke, Regina e Bae puderam retornar sossegados. Claro, a Rê não se livrou do sermão do Senhor Gold, que, possivelmente, jamais deixaria o Bae aos cuidados dela outra vez.

Ela me contou que argumentara, profundamente indignada:

— Vocês deviam me agradecer! Deus sabe o quanto esse garoto se divertiu enquanto vocês caçavam pererecas no brejo! Aposto como não pensaram no pobrezinho uma única vez!

Nem Gold nem Belle entenderam nada e, imaginando suas expressões confusas, dei boas risadas.

Em todo caso, os dias correram com a velocidade de uma lebre, de modo que, muito em breve, novembro bateria à nossa porta. O outono avançava com suas cores, a cada dia trazendo um pouco mais do inverno que se aproximava. E eu há muito ansiava pelo dia em que a cidade amanheceria banhada pelo brilho branco-prateado dos cristais de gelo nos galhos nus e enrijecidos das árvores.

Mais do que isso, ansiava pelas festividades de fim de ano. Meu fascínio por aquela época específica não se dava apenas pelo fato de ter encontrado pessoas especiais com as quais teria uma ceia farta e divertida. Não, não. Meu fascínio era justamente por pensar na dimensão do que aquela ceia significava. Não era apenas o fato de eu não estar mais infeliz e perdida. Ou o fato de ter reencontrado o amor em meio à desesperança. Nem mesmo o fato de estar bem comigo mesma. Era, senão, a alegria por pensar na evolução pessoal que me acontecera em um ano. E, convenhamos, muita coisa mudou pra melhor depois daquele beijo no terraço enevado.

Sabe... mudanças muito bruscas fazem a gente repensar a vida. Uns chacoalhões inesperados são necessários às vezes. Pena que, uns anos antes, eu não tivesse percebido o lado bom da coisa. A lição que eu aprendi nesse meio tempo é: sempre podemos tirar algo bom de nossas experiências. Até mesmo das piores...

De qualquer modo, devo dizer que, depois de alguns dias, o Chapeleiro foi esquecido. Seu nome passou a ser impronunciável, pelo simples fato de termos rebaixado sua existência a um mero imprevisto. Porque, lá no fundo, acreditávamos que ele nunca tivesse sido amado pelos pais. Regina viera com a ideia de que ele era órfão ou adotado, renegado por ter vindo ao mundo acidentalmente. “Tenho cem por cento de certeza de que a camisinha estourou”, dissera ela, com convicção. E até que fazia sentido. Ao menos explicava um pouco de sua perturbação mental e de seu apego emocional e doentio para com a minha pessoa.

Bae ainda estava trabalhando com a Rê por baixo dos panos, pelo o que eu sabia. Ainda que Jefferson não mais nos importunasse, agora que não podia nos encontrar, estávamos todos afoitos por saber mais sobre ele. Mesmo assim, abafamos nossa curiosidade por algum tempo. É que preenchêramos nossas mentes com outras preocupações mais prioritárias.

Tendo me recuperado física e emocionalmente, logo pude retornar à faculdade, que depois de umas duas semanas tornou a abrir as portas. Claro, já não podia mais caminhar pelos corredores sem atrair um bando de fãs, que se amontoavam à minha volta feito paparazzis desesperados por uma foto da Lady Gaga de biquíni. Sentia-me sufocada pelo excesso de atenção. Nessas horas, Damon, Éden e Cherry eram minha salvação, pois afastavam a multidão com a delicadeza de quem espanta galinhas (“Xô! Xô! Vão caçar o que fazer, bando de desocupados!”).

Todo o alvoroço se dera por conta da reportagem escrita por Finnian, que, em mais de três páginas, narrava detalhadamente o que a manchete chamava de “ato coletivo de bravura”. Eu fora colocada como destaque ao ser descrita como “a estudante de Moda que incorporou a aparência da icônica personagem Edna Moda, de Os Incríveis, para salvar uma amiga de assassinos”. Agora, naturalmente, todos se inspiravam em minha coragem. Até meus próprios amigos, que, mesmo tendo me ajudado naquela ocasião, afirmavam que não obteriam sucesso no resgate de Cherry não fosse minha obstinação em encontrá-la.

— Agora sabemos que Finnian realmente é o que diz ser – comentara Gancho, quando lera a reportagem – Por mais que o odeie, vou salvar esta matéria em meus favoritos. Não é todo dia que minha mulher tem seus cinco minutos de fama. Nosso filho precisa se orgulhar desta história.

Eu rira, balançando a cabeça.

— Eu não fiz nada demais! Você vive salvando pessoas e não ganha nenhum reconhecimento por isso. Por que nosso filho deveria se orgulhar mais de mim do que de você?

— Porque salvar pessoas já se tornou meu mantra. Mas no que diz respeito à senhorita, participar de atos heróicos desse tipo é algo realmente surpreendente. Sabe, eu sempre achei que você daria uma caçadora incrível. Mas me preocupa o fato de já ter tido essa confirmação. E mais de uma vez...

— Eu não vou mais caçar, Killian. Não sou louca! Esqueça o que eu disse aquele dia. Meu lugar sempre vai ser atrás dos livros.

Ah se eu soubesse que o destino estava para contrariar minhas convicções...

Na última sexta-feira de outubro, em que gélidos ventos bagunçavam nossos cabelos e folhas secas se agitavam em redemoinhos, sentei-me no auditório principal da Universidade de Seattle com meus amigos. Tratava-se de um evento formal obrigatório, em que o novo reitor se apresentaria à comunidade acadêmica. O lugar estava tão lotado que eu me sentia claustrofóbica. Me afundara o máximo possível em meu assento, tentando evitar os olhares curiosos. Cherry olhava nervosa para todos os lados, inclusive usando um espelho de pó compacto para espiar os cantos. Damon ria e fazia piada, ao que ela se zangava, explicando:

— Depois da Jenna, nunca mais confiarei em ninguém. Nunca se sabe quando criaturas malignas estão à espreita.

E pensar que ela tinha um namorado híbrido e dois amigos vampiros...

A questão era: não estávamos seguros. Em lugar nenhum, nem mesmo em nossas próprias casas. Nem o feitiço de proteção feito por Joanna me deixava cem por cento segura. Vez ou outra eu ainda tinha a sensação de perceber a maldade das pessoas no ar. Achei que podia estar captando vibrações negativas. Joanna não confirmou nada. Segundo ela, podia ser coisa da minha cabeça.

E não era.

Primeiro eu senti com o Chapeleiro. Ah, lembro como se fosse ontem! Tão logo botei meus olhos nele, soube que, no fundo, estava correndo perigo. Era como se eu encarasse o mal e o mal me encarasse de volta. Era por isso que eu tinha certa aflição em olhar nos olhos dele.

Segundo... Bom, eu senti o mesmo quando botei meu par de olhos verdes naquele novo Reitor, um tal Jeffrey Lee Harris. E quando o novo Reitor voltou seu par de olhos azuis em minha direção...

... primeiro tive a sensação de que já o conhecia. Depois senti uma espécie de congelamento na espinha e, muito embora o aquecimento estivesse ligado, meus pelos se arrepiaram em desconfiança. Meus ombros tensionaram e logo precisei me acomodar melhor na cadeira.  Remexia-me desconfortavelmente, cruzando e descruzando as pernas. Meus amigos deviam pensar que eu estava entediada pelo falatório do homem. Bem teria abandonado o auditório, mas me frustei ao virar a cabeça e dar com as portas fechadas. Óbvio que, de outra forma, metade dos alunos já teria escapado para o ar fresco do campus.

— ...e é simplesmente terrível reconhecermos que a oportunidade que me trouxe aqui, a tão ambicionado cargo, tenha sido uma tragédia de tão imensa dimensão. É lastimável! – ia dizendo o Reitor, num tom de voz baixo e calmo, mas que era muito claro e audível. Ele caminhava de um lado para o outro pelo palco, vez ou outra parando num ponto específico, onde fazia uma breve pausa antes de retomar a fala – Soube que há heróis entre nós. Não gostaria de expô-los mais uma vez diante da comunidade acadêmica, mas é necessário frisar o quão bravos e solidários estes alunos foram, ao colocarem-se em perigo em prol de um bem maior. E é representando a Universidade de Seattle e todo seu corpo docente e dirigente, que entrego a cada um destes alunos uma medalha por serviços prestados à escola.

Era só o que me faltava...

Senti minhas pernas bambas quando Éden, Damon e eu fomos chamados ao palco. Milhares de olhos se voltaram em nossa direção, enquanto milhares de mãos se batiam produzindo som. O ar era inspirado e expirado rapidamente, tão nervosa e envergonhada que estava. Não estava acostumada a ter reconhecimento em público. Muito menos diante da multidão fervorosa que gritava em êxtase.

Uma medalha de prata foi abotoada à minha lapela pelo Reitor, que tentava se sobrepor ao barulho. Percebi que expressava intensa alegria por me conhecer, ou pelo menos foi o que pude depreender, pelo modo como ele chacoalhava minha mão. Um arrepio me percorreu a espinha e senti-me imensamente desconfortável quando o homem me abraçou de lado para as fotos. Pude observá-lo melhor estando mais próxima. Ele realmente não me era estranho, o que me intrigava, porque, de outro modo, se o conhecesse me lembraria dele. Eu não esquecia rostos e nomes facilmente.

Jeffrey Lee Harris devia estar na faixa dos quarenta anos. Além dos olhos azuis, frios e penetrantes, ele tinha maxilar largo e destacado; um semblante que inspirava poder e certo respeito. Os cabelos castanhos estavam impecavelmente penteados, sem haver um único fio fora do lugar. Ele se vestia com a elegância de um lorde. E quando ria, a risada era leve e melodiosa.

Tão logo voltei para meu assento, ainda sentindo agitação e uma desconfiança que tomou todo o meu ser, soltei um suspiro que relaxou meu corpo. Ninguém notara minha tensão; nem mesmo meus amigos, que agora se agrediam verbalmente feito pré-adolescentes. Cherry ficara furiosa por não ter ganho uma medalha e Damon retrucara que ela não fizera nada de útil além de ser sequestrada. Ela respondeu que se não fosse por ela os djinns não seriam descobertos e que, provavelmente, dezenas de outros alunos estariam mortos a essa altura. Embora concordasse com ela, não pude refrear minha língua ao mandar que calassem a boca e deixassem de criancisse.

Jeffrey ainda me lançou um sorriso – que eu classificaria como suspeito e assustador – quando passei por ele na saída do auditório. Tão logo me afastei dele, a sensação de perigo se foi e pude respirar tranquilamente O resto da manhã correu melhor do que o esperado e em nenhum momento eu fui importunada por pessoas inconvenientes. É que Damon metia medo em qualquer um, com sua expressão de “Caia fora antes que eu quebre seus ossos”. No fim, ter amigos vampiros tinha suas vantagens.

***

Na verdade, ainda que eu me sentisse muito bem, as coisas estavam para ficar muito tensas. É que eu fiz uma desagradável descoberta quando cheguei ao QG.

— EU NÃO VOU! – bradei, os braços cruzados e uma expressão de teimosia. Gancho riu quando me viu fazer bico – NEM TENTE ME OBRIGAR, KILLIAN JONES!

— Qual o problema? É a Disneyland versão sobrenatural. Quem já correu de um lobisomem e matou um metamorfo não devia ter medo dessas coisas.

— Mas vai ter... palhaços... – senti meu rosto corar por constrangimento. Uma mulher do meu tamanho, estudada e bem resolvida, com medo de palhaços... Me julguem!

— Ah, Ruby-Loob, vai ser divertido! Não vou permitir que palhaços seqüestrem você. – brincou ele, rindo zombeteiro – Além do mais, as crianças estão muito animadas, falam desse passeio há semanas.

— Eu sei, eu sei! – bufei – Mas precisava mesmo ter palhaços?

— Não olhe pra mim, não foi ideia minha. Você sabe, quando Liam enfia uma coisa na cabeça, não tem quem tire... 

   Maldito Liam Jones! Em comemoração ao aniversário de Killian, em 31 de outubro, o Jones mais velho tivera a ideia de irmos todos a um parque de diversões em Marysville, a uma hora de Seattle. Eu estaria contente e saltitante como uma gazela, não fosse o parque ter o meigo nome de Horrorland.

Conviver com caçadores me ensinou a temer qualquer coisa com horror no nome. Pior ainda, me ensinou a esperar qualquer coisa, de qualquer lugar. Até de um parque aparentemente inofensivo, que usava verrugas falsas e maquiagem borrada para pregar sustos.

— Diga o que quiser, Rubão, sei que meu irmão só quer compensar o tempo perdido. – argumentava Killian, preparando alguma coisa apetitosa na cozinha – Ele foi um bundão por todos esses anos, nada mais justo do que me dar uma festa com direito a passaportes pra montanha-russa e balões de Dora Aventureira.

Gargalhei, imaginando uma decoração infantil em pleno parque de terror. Só faltava o bolo ser do Barney...

A tensão me fez ter insônia por dias. Não bastasse o estresse da faculdade e da vida corrida, ainda precisava lidar com aquela fobia irracional. Não fazia ideia de onde viera aquele medo todo. Nem mesmo a vovó soubera me dizer, mas, segundo ela, desde pequena eu tinha exagerada aversão por palhaços. Não julguem, algumas pessoas têm medo da cor amarela...

Em todo caso, a animação de ambos Killian e Graham era visível. E eu não seria aquela a estragar evento tão importante. Não depois do que tinham feito por mim em meu aniversário.

O tal parque era o mais famoso do estado de Washington. Em minhas pesquisas, descobri que Horrorland quase fora à falência há uns anos, mas milagrosamente recuperara os lucros e agora liderava no ranking dos parques mais assustadores do país. Este, por si só, já era um fato preocupante. Entretanto, é claro, sempre havia alguém pra me lembrar das tenebrosas, bizarras e reais criaturas que eu já enfrentara em um ano. No fim, diziam, não havia o que temer num parque de diversões.

Ledo engano...

Me vi escolhendo fantasias de Halloween no sétimo andar do QG. Felizmente, nestas horas, nosso closet improvisado apresentava diversas opções de vestimenta. A maior parte daquilo tudo, é claro, vinha do closet da própria Helen Jones, que adorava comemorações de todos os tipos. Uma das exigências de Horroland era que todos comparecessem fantasiados, então acabei por improvisar um traje de bruxa. Bastante clichê, eu sei, mas não mais clichê do que Ruby Lucas se fantasiando de Chapeuzinho Vermelho.

No fim das contas, minha fantasia seria a mais normal de todas. Isso porque desci à cozinha do QG para descobrir que Graham estava se travestindo de...

— VOCÊ VAI DE AVATAR?! – e desatei a rir.

Grammy fizera o maior mistério com a fantasia, principalmente quando o flagráramos verificando o estoque de tintas corporais de uma loja. Naquela ocasião, ele desconversara e tentara disfarçar, mas desde então soubéramos que estava aprontando.

— Ah, pare com isso... – retrucou ele, meio aborrecido e parando em meio ao ato de pintar o rosto de azul. Sua peruca de trancinhas despencava da cabeça e avistei um rabinho azul de plástico sobre o sofá – Olha que eu não vou mais hein!

— Desculpe, não deu pra segurar... – a muito custo, consegui me manter controlada. Mas só por alguns míseros minutos, porque dali a pouco Killian veio descendo a escada.

— E então, Ruby-Loob, como estou? – ele se fantasiara de Freddy Krueger, o que muito me desagradou, devido à perfeição com que se maquiara. É, Gancho aprendera a deformar o rosto num tutorial do Youtube. E eu achando que não podia me surpreender com mais nada...

— Aterrorizante! Bem podia ter ido como Jason, como sugeri, ou como vampiro...

— Eu odeio vampiros, você sabe! – sua entonação sugeria indignação – E não encontrei uma máscara de Jason.

Ia me desculpar por meu deslize quando Grammy saiu do banheiro. Killian foi pego por uma intensa crise de risos que o levou a, literalmente, rolar pelo chão. Me descontrolei novamente e precisei correr ao banheiro antes que molhasse as calças. Graham, claro, fez um bico enorme e ficou de braços cruzados, esperando que parássemos de rir dele.

— Duas crianças – resmungava – Será que podem calar o bico e vir me ajudar a fazer minhas listras?

— Peça ao Killian, ele tem mais coordenação motora do que eu – disse, enxugando as lágrimas, que acabaram por borrar minha maquiagem escura.

Pra variar, não foi exatamente uma boa ideia, porque Killian não conseguia parar de rir e as listras em azul mais escuro pelo tórax e braços de Graham não saíram exatamente parecidas com as dos avatares do filme. Depois de muita luta, me uni a Gancho e conseguimos transformar nosso amigo num Avatar fajuto e bizarro, que também gargalhou feito hiena ao se olhar no espelho.

No fim, eu já estava bastante descontraída e nem me lembrava mais dos palhaços.  Me acomodei no banco do carona do Impala, tagarelando com um Grammy que usava apenas uma tanguinha bege em estilo indígena (ele deixara bem claro que usava uma micro sunga por baixo, mas não deixava de ser indecente). O resto de nossos amigos e a família de Liam nos encontraria no parque.

Killian enfiava o pé no acelerador, correndo pela estrada como se fosse piloto profissional. Precisei lembrar a ele que carregava uma criança no ventre e que já fora azarada demais ao sofrer dois acidentes de carro. Ele riu e diminuiu a velocidade. Pra variar, cantava as músicas da Lady Gaga, dizendo que seu filho cresceria ouvindo tudo o que havia de melhor no mundo.

— Meu pequeno herdeiro! – exclamava ele a todo momento, esticando uma mão para acariciar minha barriga – Já parou pra pensar que o fizemos num momento de grande... inspiração? Vai ser um gênio! Vai superar a inteligência de Einstein!

— Que exagero, Killian! – não pude deixar de rir de sua exaltação – Ele ainda é menor do que um grão de arroz...

— Mas já carrega as características do pai, não é? Ele vai nascer lindo e atraente como eu. Talvez tenha seu sorriso, mas os olhos com certeza serão tão azuis quanto os meus.

— Já lhe ocorreu que possa ser uma menina? – ergui uma sobrancelha. Meu instinto maternal, por alguma razão, me dizia que teríamos uma garotinha. E eu podia apostar que seria mais parecida comigo – Você já tem o Bae, que é praticamente seu filho, não prefere agora ter uma menininha?

— Só se for tão meiga quanto você, meu amor – sorriu ele, beijando minha mão esquerda. 

Concentrou-se na estrada e aproveitei para mudar de música no rádio. Ele protestou, fazendo biquinho. Incrível como Killian ainda tinha lapsos de infantilidade aos 31 anos! É como dizem, alguns nunca deixam de ser crianças... Sua animação era visível, ele não ia a um parque de diversões há anos. Por mais que tentasse compartilhar de sua alegria, me sentia tentada a voltar pra casa, me enrolar como uma bola e dormir como uma pedra.

— Ânimo, Ruby-Loob! – me cutucou com o indicador, notando minha expressão de tédio – É meu aniversário! Não é todo dia que se faz 31!

— Não me leve a mal, Killianna. É só que... halloween, um parque de terror, palhaços...

Ele nada disse e nem precisava.

Percorríamos estradas que cortavam florestas. Placas de travessia de animais silvestres eram vistas de quando em quando. Felizmente, nenhum cervo resolveu atravessar na frente do carro. Vez ou outra, a paisagem de mata fechada dava lugar a rochedos e um mar de brilho dourado. Barcos à vela navegavam lá embaixo e Killian brincou quando avistou um iate.

— É meu! Faz parte da minha frota de embarcações. Qualquer dia desses a levarei para um passeio.

E pensar que ele poderia mesmo ter um iate, não fosse tão econômico...

Estávamos a quinze minutos de Horrorland quando o carro começou a emitir estranhos ruídos. Começou com leves batidas, que então evoluíram para estalidos mais altos e perceptíveis. Na pressa de chegar logo ao parque, Gancho ignorou nossos pedidos pra que parasse o veículo no acostamento e verificasse o que estava acontecendo. Foi obrigado a fazê-lo no meio da estrada, quando o Impala morreu.

  - Era só o que me faltava! – exclamei em alto e bom som, bufando.

— Ah não, não, não, não... Por favor, bebê, só mais um pouco... – Killian insistia em girar a chave na ignição, tentando fazer o carro dar partida na marra. De nada adiantou. Tudo o que se ouvia era o som de peças se chocando umas nas outras. Pra completar, um cheiro de queimado entrou em nossa esfera de percepção, apenas poucos segundos antes de uma fumaça escura começar a escapar do motor.

— Ave Maria cheia de graça! – gritou um Grammy assustado, saindo porta afora com a velocidade de um raio. Foi parar do outro lado da estrada, a uma distância segura do veículo.

Carros buzinavam loucamente, motoristas berrando para que tirássemos “aquela lata velha” do caminho. Gancho se irritou, berrando pra que o Avatar da tanguinha viesse ajudá-lo a empurrar o Impala para o acostamento. O maluco abriu a porta sem olhar, por pouco não acertando um motoqueiro que ia passando. O rapaz xingou, nos mostrando o dedo do meio antes de sumir à distância. Liberada a via, Killian me fez descer e esperar no acostamento, enquanto analisava o motor com Graham. Concluiu que não havia o que fazer.

— Parece que o motor fundiu – anunciou, com um suspiro entristecido - Vou chamar um reboque... Nem faça essa cara, não vai escapar de ir a Horrorland!

Murchei. Logo agora que me animara, achando que poderia voltar pra casa, me enrolar como uma bola e dormir como pedra... Ele de repente fez uma expressão de desconfiança.

— Você não sabotou meu carro, sabotou? – questionou, os olhos semicerrados, como que concentrando-se em ler minha expressão.

— Claro que não, eu jamais faria isso! Acha que sou louca de sabotar alguma coisa em que minha filha e eu estejamos envolvidas? Sabe do que mais? É um aviso! Devíamos voltar pro QG enquanto é tempo. Forças estão conspirando pra que fiquemos em casa!

Ele jogou a cabeça pra trás e soltou uma gostosa gargalhada.

— De onde você tira essas coisas, Ruby-Loob?

— Sou vidente, não sabia? Estou recebendo energias e elas me dizem: “Não vá àquele lugar! Volte pra casa, se enrole como uma bola e durma como pedra.”

— Como diria nossa querida Regis: “Não vai rolar, minha filha!”. 

E não rolou mesmo.

Esperamos pelo reboque, que não chegou a demorar mais do que quinze minutos. Killian quase chorou quando viu o Impala sendo levado. Bem, quem estava prestes a chorar era eu, e não por um carro... Acreditem ou não, aquele filho da mãe teve a indecência de pedir carona, fazendo o gesto de erguer o polegar.

— Não podemos ficar no meio da estrada, não é? – argumentou tranquilamente.

Dali a pouco, uma van preta parou no acostamento. Uma moça de olhos grandes enfiou a cabeça pela janela, sorrindo de uma orelha a outra.

— Pra onde vão, queridos?

— Horrorland! – falou Grammy.

— Não diga! Nós também! Subam aí!

Quanta animação pra um parque de terror...

Subi para o veículo, ligeramente contrariada. Antes que pudesse desistir e dar meia volta, Killian e Graham entraram, empurrando-me contra a pessoa sentada ao meu lado. Era um rapaz de pouca idade, que travestia-se de zumbi. Sorriu pra mim e continuou com a delicada tarefa de maquiar-se como morto.

Aquele sangue falso não me assustava, muito menos as feridas podres que ele criava na cara. O que atiçou minha desconfiança foi um arrepiar de espinha, coisa que vinha acontecendo com freqüência pelos últimos dias, quando eu me encontrava em presença de pessoas negativamente carregadas. Meus pelos também se arrepiaram e, subitamente, me vi afoita por escapar do veículo e me afastar daquelas pessoas, o que não era uma opção, porque a van logo se pôs em movimento.

A moça de olhos grandes virou a cabeça para trás, nos avaliando. Seu olhar se demorou em Graham e ela sorriu divertida ao notar sua indecente tanga. Grammy lhe devolveu um sorriso safado que não passou despercebido a mim e Gancho. Quando o motorista pigarreou em alto e bom som, a moça disfarçou seu interesse (ou pelo menos tentou), piscando os brilhantes olhos verdes e ajeitando os longos cabelos.

— E então, como é que vocês se chamam? – perguntou, com sua voz melodiosa.

Nos apresentamos e ela notou o braço de Gancho sobre meu ombro.

— Que bonitinho, são um casal! E o Avatar aí é solteiro?

— Livre, leve e solto! – respondeu Grammy, numa tentativa falha de flerte, que logo foi impedida pelo motorista.  

Ísis! – fez ele, em tom autoritário.

A moça imediatamente se recompôs, virando-se para frente num gesto quase automático. Killian e eu lançamos um olhar de censura a Graham, que apenas fez expressão de inocência.

— Que cabeça a minha! – ela tornou a nos olhar – Nem nos apresentamos. Sou Ísis, esse é Osíris, meu namorado. 

Ísis e Osíris? – Gancho arqueou uma sobrancelha – Deuses do Egito?

— Siiiim! – exclamou ela, um sorriso maior do que a cara. Alguma coisa ronronou alto e, no segundo seguinte, um gato que não havíamos visto pulou do colo de Isís para o encosto de seu assento. Era um Mau Egípcio. O bichano encarou Gancho, Grammy e eu com desconfiança, então soltou uma espécie de rosnado antes de saltar para o painel sobre o porta-luvas, onde se acomodou. – E este é Rachmaninoff, nosso monstrinho de estimação. Ele não gosta muito de estranhos.

Osíris me espiou pelo retrovisor antes de voltar a atenção para a estrada. Usava apenas uma túnica egípcia que delineava bem seus músculos. De pele ligeiramente bronzeada, cabelos escorridos e olhos azuis delineados de preto, ele era um belo pedaço de mau caminho. Killian deve ter notado meu interesse pelo outro homem, pois me lançou um olhar mortífero. Bem, ele nada podia dizer para me repreender. Não quando olhava para Ísis descaradamente. E eu não o culpava, sabem. Ela era incrivelmente bonita, do tipo que tem todas as curvas no lugar certo e esbanja confiança por onde passa. Notei que estava vestida como uma das dançarinas do ventre do Antigo Egito. Isso me intrigou.

— Ísis e Osíris são mesmo seus nomes verdadeiros? – indaguei.

— Ah, não teria graça se lhes disséssemos nossos verdadeiros nomes – ela estava rindo, mas pareceu um tanto desconfortável. Foi salva quando três débeis começaram a guinchar feito macacos no fundo da van. Mal notáramos que havia outras pessoas sentadas mais atrás. – Ai, que imbecis! Não liguem pra esses demôninhos, são todos imaturos... Ryan! Não desperdice minha maquiagem!

Sabe o que dizem sobre a curiosidade matar o gato? Bom, nesse caso, a curiosidade quase matou a Ruby. É que eu caí na bobagem de virar a cabeça para olhar os tais demôninhos imaturos. E o que quase me matou não foi a freada brusca que nos jogou pra frente, quando Osíris por pouco não atropelou um alce. Não, não. O que me deixou de pernas bambas e respiração falha, foram os palhaços que faziam fuzarca no fundo da van.

Me agarrei a Gancho, tremendo feito varal em noite de tempestade. DE TODAS AS POSSIBILIDADES, FOMOS PARAR NUMA VAN CHEIA DE PALHAÇOS! Por que, senhor, por quê?...

— Jesus Cristo! – fez Grammy, agarrando-se as laterais de seu assento.

— Ai minha deusa! – fez Ísis, botando uma mão no peito – Essa foi por pouco! Estão todos bem aí?

“Não, eu não estou nada bem!”, pensei.

Instintivamente, Gancho botou uma mão em minha barriga.

— Tudo bem, Ru?

Quando notou meu ar de desespero, tentou me acalmar, achando que me assustara com a brecada repentina. Foi só quando Graham o cutucou e apontou um dedo para trás que a ficha caiu.

— Ah meu Deus! Fique calma, amor, eles não vão lhe fazer mal – sussurrou Killian, de modo que apenas eu pudesse ouvir. Enfiei o rosto em seu pescoço, minhas unhas formando sulcos em seus braços.  

Ísis tagarelava, sem nada perceber. Se ocupava em nos apresentar às outras pessoas da van. O zumbi ao meu lado era um rapazinho chamado Alex.  Havia ainda um indivíduo usando cabeça de chacal e outro usando cabeça de falcão: representavam Anúbis e Hórus, deuses da mitologia egípcia. Entre os dois, uma mulher de aparência semelhante a Ísis cochilava, ignorando a barulheira dos débeis imaturos. Essa aí representava a deusa Néftis.

E muito embora eu tivesse enxergado uns quinze palhaços, havia apenas três. Mas isso era mais do que o suficiente pra me fazer guinchar em pânico (não o fiz, óbvio, pois tentava manter o autocontrole).

— Bem, não cheguei a mencionar que somos atores do parque – ia dizendo Ísis, espiando a própria aparência no espelhinho do quebra-sol – Espero que visitem nossa atração, um show de horrores de arrepiar os cabelos. Já vi marmanjos molharem as calças...

Bem, quem estava prestes a molhar as calças era eu.

 Um dos palhaços veio por trás, esgueirando-se pelo estreito corredor da van, e resolveu atarracar no pescoço de Alex. Me encolhi, lutando para manter a calma. Não deu... Lágrimas invadiram meus olhos e senti um arrepio percorrer minha espinha, coisa que eu já sentira dezenas de vezes, quando estava em risco de vida. O coração disparado batia como se fosse explodir dentro da caixa torácica. Tinha quase certeza de que conseguiam notar meu desespero, ainda que continuassem a conversar como se nada acontecesse. Fiz arranhões profundos nos braços de Killian, que chegaram a sangrar. Massageando minhas costas com uma mão, ele tentava me tranqüilizar, o que de nada adiantou, pois minha respiração falhava e meus membros tremiam feito gelatina.

— Ela está bem? – Ísis me encarava de testa franzida, expressão preocupada.

Gancho respondeu, porque minha voz estava presa na garganta.

— Está sim, é que ela não gosta muito de viagens de carro. Tem um estômago meio fraco, sabe?

— Ah sim! Se for vomitar, tenha certeza de fazê-lo em cima desse idiota ao seu lado. Ele bem que merece!

O rapaz-zumbi lhe mostrou a língua, livrando-se dos braços do palhaço, que apertavam seu pescoço em ar de brincadeira. O palhaço o largou e, aproximando a cara maquiada de meu pescoço, soltou uma gargalhada maquiavélica. O suficiente para me fazer soltar um grito e esconder o rosto no peito de Killian, chorando feito criancinha.

— Ela tem medo de palhaços! – exclamou Ísis, antes de voltar-se para o idiota maquiado que ria da minha cara – Já chega, Ryan! Volte para seu assento!

— Tudo bem, mamãezinha! – debochou ele, gargalhando ao voltar para o fundo da van.

— Não ligue, ele é um retardado mental! E não ria! Vou mandar Rach te atacar! – ameaçou ela e o gato ergueu a cabeça ao ouvir o nome, seus olhos verdes iluminados pela luz do sol que entrava pelo para brisa – Ah o que eu fiz pra merecer... 

— Está tudo bem, Ru, é só um bundão fantasiado – tranqüilizou-me Killian, passando um braço por minha cintura, ainda acariciando minhas costas.

Com a cara enterrada em seu peito, soluçava baixinho, lutando para normalizar minha respiração e parar a tremedeira de meu corpo. Ísis murmurou um “coitadinha” e ligou o rádio para me animar e distrair. Acontece que ia tocando uma música da Lady Gaga e Gancho resolveu dar uma de cantor para me fazer rir.

— Ah, eu amo essa música! – guinchou ele, animado como uma criancinha que ganha um balão de gás. Ísis se juntou a ele na cantoria, o que me fez soltar uma risada pelo nariz – I live for the applause, applause, applause (Eu vivo para o aplauso, aplauso, aplauso)/I live for the applause-plause/Live for the applause-plause/Live for the way that you cheer and scream for me (Vivo para a maneira que você me anima e grita por mim)/The applause, applause, applause...

É, a letra servia muito bem para alimentar seu ego, que já era muitíssimo inflado. Osíris revirou os olhos e mudou de estação, murmurando algo sobre ouvidos sensíveis à cantoria de Ísis. Em resposta, ela começou a cantar Love Generation, do Bob Sinclair, que tocava naquele momento. Graham também acompanhou com seu vozeirão, o que animou os próximos minutos de estrada, mas não me fez esquecer os palhaços.

— Gostei de vocês! – exclamou uma Ísis esganiçada, divertindo-se por aborrecer o namorado – Todos os caroneiros deviam ser animados assim. 

Dali a pouco, um Osíris irritado procurava vaga no amplo estacionamento do parque. Muros delimitavam Horrorland e perdi o ar quando vi a entrada do lugar. Visitantes adentravam pela bocarra aberta de um imenso palhaço de maquiagem borrada, com sangue escorrendo dos olhos esbugalhados e aranhas gigantes emaranhadas em seu cabelo vermelho-sangue. O nome do parque se encontrava na testa do palhaço, esculpido em letras grandes e negras.

Gancho saltou para fora da van, comigo agarrada a seus braços. Minhas pernas falhavam em suportar meu peso, então fui sustentada por Freddy Krueger e um Avatar, que me encaravam com ar de pena.

— Pobrezinha! – fez Ísis, ninando o gato Rach como um bebê – Por que não dão a ela um pouco d’água? Eu e os rapazes temos que nos preparar para o show. Nos vemos mais tarde?

— Quer parar de falar e vir logo? – reclamou Osíris, que já se afastava com os outros.

— Já vou! Já vou! Até loguinho! – acenou para nós, correndo para alcançar o outros – Não se esqueçam de visitar a pirâmide!

Vi os palhaços se afastarem e pensei que meu medo parecia muitíssimo infantil e sem nexo. Pessoas fantasiadas, que usavam maquiagem e peruca! Só isso! E eu estava apavorada!

— Desculpe, Ruby, eu não sabia que ia ter palhaços lá – falou Gancho, me olhando com pena e me puxando para um abraço. – Se eu ao menos soubesse...

Tentei balbuciar algo, mas a tremedeira, o choro e a sensação de perigo não abandonavam meu corpo. Inspirava e expirava rapidamente, tão zonza e bamba que teria caído se Killian não passasse os braços por minha cintura e me carregasse até um banco. Mal o ouvi perguntar se eu queria ir pra casa, apenas me concentrei em normalizar minha respiração e enxugar o choro.

— Hum, eu acho que essa história de parque de terror foi uma má ideia – comentou Grammy – Não acho que devíamos entrar...

— Não, eu to bem – me pronunciei, ainda fracamente. Não queria estragar o dia de Gancho – De verdade. Só preciso de uns minutos pra me recompor. Afinal, são só palhaços...

Os dois me encararam meio hesitantes, mas nada disseram.

Multidões iam se acumulando perto da entrada, num tumulto para passar pelos seguranças. Logo descobrimos um singelo detector de metais, o que nos obrigava a abandonar nossas armas. Óbvio que caçadores não saíam desprevenidos, mesmo quando se davam ao luxo de agir como pessoas normais. Nos entreolhamos, sem saber onde esconder a mochila de Gancho em segurança. Fomos salvos pela chegada de um carro vermelho, que buzinou freneticamente quando os ocupantes nos avistaram. Não era outro senão Liam Jones, acompanhado de esposa e filhos.

— Tio Killian! Tio Killian! – as duas crianças saltaram do carro e vieram desembestadas.

Um Edward-Mãos-de-Tesoura em versão mini se dependurou em Gancho, enquanto uma mini Noiva Cadáver se agarrou ao meu pescoço. Killian desatou a rir, porque os dois monstrinhos não paravam quietos e Ian Jones estava engraçadíssimo com seu cabelo pra cima. Dali a pouco avistamos o casal Liam-Alexa, que hoje estavam transformados numa versão tosca de Gomez e Morticia Addams.

— Ah, pelo amor de Deus! – fez Alexa, parando abruptamente ao avistar Killian – Que foi que você fez com seu lindo rosto?

— Oi pra você também, querida cunhada! – riu, Killian – Oi, Gomez, como vai?

  Nem preciso dizer, Alexa e Liam franziram a testa e torceram o nariz para Graham, que se balançava nos pés tranquilamente, não se importando nem um pouco com a indecência de seus trajes. Pareciam muitíssimo animados, no entanto. Liam, é claro, porque Alexa era extremamente difícil de agradar.

— Você está bem, querida? – perguntou-me, notando minha palidez e a tremedeira que ainda não cessara. – Aconteceu alguma coisa?

— Ah, bem... – Killian não sabia o que responder.

— Palhaços... – murmurei.

— Ah! Eu disse que não devíamos vir a este lugar horrível! – ela encarou o marido, que se desculpou por não saber de minha fobia – Quer ir pra casa? Podemos ir a um lugar mais tranqüilo!

— Não, está tudo bem. Eu só... acho que vou vomitar!

E foi exatamente o que fiz. Sorte que havia uma lixeira em formato de múmia por perto. Meu vômito foi bater lá no fundo, produzindo um eco nada agradável. Gancho me deu batidinhas reconfortantes nas costas e Grammy correu a me comprar uma garrafa d’água num vendedor ambulante. Minutos depois, me acalmei, esquecendo-me da situação que passara na van. Liam e Killian se desculpavam e Alexa insistia que devíamos comemorar o aniversário de Gancho em outro lugar.

— Não precisa, estou bem! – disse – Acho que minha pressão caiu e...

— Vão buscar o medidor de pressão no carro! – exclamou ela, segurando um de meus pulsos e fazendo expressão de mãe preocupada.

Precisei insistir mais algumas vezes, até ela se convencer de que eu estava bem mesmo. Uma coisa que eu aprendera sobre Alexa na primeira vez que Killian e eu visitáramos Liam em Everett: ela era da espécie de mãe superprotetora, ligeiramente hipocondríaca e que estraga a vida dos filhos com o excesso de proteção. Abriu a bolsa, tirando meia dúzia de frascos de remédios para enjôo e mal estar. Empurrou um deles para minha mão, insistindo pra que eu tomasse uma pílula. Assim o fiz, agradecendo. Quem precisava de médico quando se tinha a Alexa?

Me senti  renovada e contagiada pela excitação das crianças, que corriam de um lado para o outro, ansiosas por entrarem no parque. Não foi fácil abandonarmos nossas armas no carro de Liam, mas nada podíamos fazer. Ainda precisamos enfrentar uns cinco minutos de fila, mas não chegou a ser muito ruim, porque as pessoas se lembraram de ser civilizadas e comportadas. (Grammy fora barrado por seus trajes imorais e precisou substituir a tanga por shorts).  

Fingi que não passava pela boca enorme de uma escultura de palhaço com aranhas na cabeça e olhos sangrando. A boca era um túnel com luzes vermelhas nas paredes, o que me deixou ligeiramente tonta. Saímos do outro lado, onde topamos com atrações costumeiras, já vistas em parques de diversões normais. A diferença entre esse e um parque normal era a absurda quantidade de pessoas fantasiadas de monstros. Confesso, não era assim tão assustador. Não pra quem já vira monstros de verdade, pelo menos.

A decoração era inspirada nas tradições de Halloween. Comemorava-se o Samhain, um antigo festival celta de passagem do ano. Basicamente, marcava o ínicio do inverno e celebrava a última colheita do outono. Acreditava-se que na noite de Halloween o véu que separa o mundo material do espiritual se atenuava, permitindo o contato com os espíritos do mundo dos mortos. Era por isso que tínhamos a tradição de usar fantasias naquela época do ano: uma espécie de disfarce para enganar e afastar os maus espíritos.

Devo dizer: desde que descobrira o maravilhoso mundo sobrenatural, acreditava em qualquer coisa. Ainda assim, era meu primeiro Halloween com caçadores, então não sabia exatamente o que esperar. Porque, pelos últimos vinte e seis anos, pra mim aquela festa nada mais tinha sido do que uma noite divertida em que as pessoas deixavam de ser elas mesmas e iam pedir doces de porta em porta.

Em todo caso, abandonei meus receios e recentes experiências traumáticas quando meu olfato captou diferentes aromas. O ar cheirava a abóbora, maçãs, cidra e vinho quente. Meu estômago imediatamente roncou, reclamando de sua vaziez.  

As crianças davam pulinhos de excitação, tentando decidir em qual brinquedo ir primeiro. Alexa fazia cara feia para um zumbi que tentara assustá-la. Gancho, nem preciso dizer, falava pelos cotovelos, chegando ao nível de guinchar infantilmente por avistar um vendedor de balões. E eu, já muito mais calma, começava a me animar. Fazia tempo desde que estivera num parque de diversões e estar em um me trazia sentimentos nostálgicos.

— Quer uma maçã do amor, Ruby-Loob?

Nem precisava perguntar, não é? Nossos olhos se arregalavam pela apetitosa comida. Tudo era uma bagunça de cores e cheiros. Pessoas se acotovelavam por um lugar à fila das barraquinhas; pareciam desesperamente encantadas pelas guloseimas. Não as culpava, sabem. Muito embora tivesse quase botado as tripas pra fora há uns minutos, me vi mordiscando uma deliciosa maçã caramelizada.  

— Vejam aquela bizarra boneca Annabelle – apontou Graham. Esperavamos por Liam, que fora comprar bilhetes para as atrações – Parece até a Regina, mas não acho que ela seria louca o bast...

— É A REGINA! – berramos Gancho e eu.

E lá vinha ela, caminhando graciosamente em seu vestidinho branco. Exibia um sorriso angelical, que na verdade lhe dava um ar sinistro. Embora tivesse caprichado na maquiagem, estava parecendo uma versão pobre e paraguaiana de Annabelle. Killian não segurou a língua, ao notar suas bochechas avantajadas.

— Você enfiou algodão nas bochechas?

— Não seja idiota, é um truque de maquiagem! – exclamou ela, ajeitando as trancinhas da peruca – E você? Que raios tinha na cabeça quando deformou a cara desse jeito?

— Ah, alguém concorda comigo! – falou Alexa.

— Ninguém gostou, Gancho, vá tirar essa coisa feia da sua cara antes que eu... MEU BOM DEUS! MAS QUE DIABOS... – e Regina gargalhou escandalosamente, pois acabara de avistar Grammy. Claro, ninguém conseguia se segurar perto dela, que ria feito uma mula engasgada – Pelo amor de Cristo! Esse seu cabelo é de plástico? E esse rabo amassado?

— Você devia ter visto ele de tanguinha – comentei, soltando uma risada.

— Não me façam rir! Vou ficar que nem o Coringa, com a boca rasgada – e fez sua imitação de burro do Shrek.

Nem preciso dizer, Ian e Clementine, os filhos de Liam, acharam Regina divertidíssima. Encheram a mulher de perguntas e se agarraram a ela feito macaquinhos. Alexa ficou cheia de ciúmes, óbvio.

Avistamos Mary Margaret na fila do algodão doce e todos nos sentimos humilhados. Estava maravilhosa, maquiada como caveira mexicana, seu cabelão encaracolado preso a um lado da cabeça por flores cor-de-sangue. Ela mesma se produzira, sendo especialista em maquiagem artística.

— Você por acaso enfiou algodão nas bochechas, Regina? – perguntou, enfiando uma quantidade generosa de algodão doce azul na boca.

— Não!

— E esse seu cabelo, Grammy? É de plástico? E esse seu rabo amassado? E... Killian, pelo amor de todos os santos! Que coisa é essa que fez na cara?

Pelo visto, todo mundo ia fazer os mesmos comentários. Minha maquiagem dark foi elogiada, ainda que tivesse borrado um bocado. E o pequeno Ian fez sucesso com seu cabelo arrepiado e maquiagem expressionista.

Como se a fantasia humilhante de Branca não fosse o bastante, Encantado surgiu da multidão, devorando um imenso pedaço de torta de abóbora. Nossos queixos foram parar no chão. É que ele estava de Jack Skellington, o famoso protagonista de Estranho Mundo de Jack. A maquiagem beirava a perfeição e o terno listrado não exibia um só vinco de amarrotado. Só faltava David começar a cantar em cemitérios também.  

Obviamente, os comentários sobre a Annabelle, o Avatar e o Freddy Krueger se repetiram, mas isso eu não preciso narrar outra vez.

Liam finalmente surgiu com nossos passaportes para as atrações. Gancho, sendo aniversariante, só pagaria pelo o que consumisse das barraquinhas. Ele logo me puxou em direção a uma das rodas-gigantes menos cheias. Nenhum de nós gostava muito das alturas, mas nos esquecemos do desconforto quando começamos a nos agarrar lá em cima.  

— Sua primeira volta na roda-gigante, não é, filhão? – falou ele, passando a mão por minha barriga. – A primeira de muitas. Papai vai sempre te trazer pra passear aqui.

Revirei os olhos, rindo.

Se a mamãe deixar.

Das alturas, podíamos avistar toda a extensão do parque, bem como as faixas verdes de floresta e o brilho dourado do mar. O parque ficava num trecho das montanhas, com uma bela vista para o oceano. Killian apanhou o celular e começou a gravar tudo o que via, tagarelando e me filmando contra minha vontade. Riu do meu grito de desespero quando a roda parou bruscamente bem no topo, a uns trinta metros do chão.

— Foi uma péssima ideia, eu quero descer!

— Relaxe, minha bruxinha! Nada vai nos acontecer, estamos imunes a acidentes, lembra-se?

De lá de cima vi a tal pirâmide que Ísis mencionara. Era uma réplica perfeita de pirâmide egípcia, só que bem menor do que uma real. Uma fila quilométrica serpenteava pelo parque. Pelo visto aquele show de horrores era a atração mais famosa dali.

Nosso assento oscilava com o vento. A brisa gélida arrepiava nossos corpos e Gancho me abraçara protetoramente para me aquecer. Muito embora aquela terrível maquiagem deformasse seu lindo rosto, ainda conseguia beijá-lo apaixonadamente. Entrelaçamos nossas mãos, retribuindo carícias e sussurros afetuosos.

Por um tempo, ficamos em silêncio. Não tive ideia de quantos minutos se passaram até que a roda tornou a se mover. Acima de nossas cabeças, o céu brilhava em alaranjado, o brilho do sol morrendo aos pouquinhos e dando lugar às estrelas. Luzes já começavam a se acender pelo parque.

— Ru, é hora da cortina entre os mundos se dissipar – falou ele, examinando o sol, que em mais alguns minutos desapareceria – Não se assuste se vir espíritos. Não vão nos fazer mal.

— Eu sei. Acho que nada me assusta mais do que palhaços.

— Nem lobisomens, vampiros e metamorfos? – Killy sorriu divertido.

— Esses aí eu afasto com prata. Palhaços eu não posso matar.

— Pode sim. Mas só se forem alguma espécie de criatura possuída ou algo do tipo.

— E quais as chances de eu encontrar uma criaturas dessas? Quinze em uma?

— Não seja boba, minha doce Ruby. Enquanto eu estiver ao seu lado, palhaço nenhum poderá machucá-la.

Retornamos ao chão. Poucos segundos depois, o céu escureceu completamente.

À meia noite em ponto, Killian Jones teria a maior surpresa de sua vida. E ela viria desfilando por um tapete de ossos...


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Notas finais do capítulo

OBSERVAÇÃO: O ator Adam J. Harrington, que escolhi para representar o Jeffrey, não tem relação com seu personagem em Supernatural. Aqui ele será um personagem diferente.
Espero que deixem comentários, esses capítulos dão muito trabalho. Aliás, toda essa história requer muita pesquisa, anotações, construção de personagens e enredos. Espero que levem tudo isso em conta e façam uma autora feliz XD Agradeço às que estão sempre comentando!
Talvez algumas de vocês já tenham sacado que tipo de criatura eles vão enfrentar no próximo.
O que esperar dos capítulos que estão por vir:
Capítulo 25: Aparecimento de um personagem não muito querido, que trará importantes revelações sobre o passado de um personagem.
Capítulo 26: Uma grande revelação sobre um personagem causará uma reviravolta na história. Em resumo: tretas, tretas, tretas...
Capítulo 27: Continuação do capítulo anterior. A narração será um pouco diferente. Digamos que um dos personagens fará uma volta no tempo.
Capítulo 28: Um personagem está revoltado. Um personagem está em perigo. Um personagem é designado para uma importante tarefa. Retorno das Beauchamp. Uma pequena celebração. Uma pequena passagem de tempo.
Capítulo 29: Um capítulo pra quebrar a tensão. Vai se passar fora dos EUA. Ou seja, alguém vai viajar. Haverá uma caçada diferente das que estamos acostumados.
Capítulo 30: Jefferson chega ao ápice de sua loucura (e vira o Chapeleiro Maluco). Dois personagens morrem lutando (não entrem em pânico, não é a Ruby, nem o Killian, nem a Regina, nem a Mary, nem o David). Alguém fica órfão. Alguém vai passar a usar uma bengala (está mais do que óbvio, não é, fãs de Once?).
Capítulo 31 (season finale): Finalmente é revelado o motivo de Ruby ter escrito a história. Em resumo: é nesse capítulo que vocês vão me matar! Kkkk
Bônus> Capítulo 1 da segunda temporada: Retorno de um personagem bonito. Um personagem será odiado (preciso dizer quem?). Alguém está sem memórias.
Bônus> Spin-off: Killian conhece Dora Aventureira (É sério, não estou brincando).

Muito obrigada por lerem! Beijos e até a próxima!



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