'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 18
26 velas vermelhas & 26 problemas embrulhados pra presente


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, desculpem a demora! Postando na correria, espero que gostem!



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– Oh… - ela ficou espantada - Mas é claro, Colin! Ó que tolice, crianças, é claro que permito o namoro. Pelo amor de Deus, vocês nem precisavam pedir permissão… são bem adultos!

– Sou um cavalheiro à moda antiga, minha senhora - Killian depositou um beijo em sua mão enrugada - Fico mesmo feliz por namorar sua neta, cuidarei dela com o carinho que ela merece.

Sorri, abraçando-o de lado. Vovó, de olhos marejados, começou a fungar alto quando Killian tirou do bolso a caixinha preta de veludo. Meus olhos se arregalaram: da última vez que eu vira uma daquelas, perdera meu amor no dia seguinte, quase como se o anel de noivado tivesse trago má sorte. Mas Killian estava era me oferecendo um anel de compromisso, afinal. Vovó caiu no choro.

– Vovó, é só um pedido de namoro - soltei uma risada, controlando minhas emoções antes de chorar feito criancinha.

– Não deixo de ficar emocionada. Faz tanto tempo desde a última vez que eu te vi tão feliz... Obrigada por aparecer na vida dela, Colin.

Tanto tempo desde que eu fora feliz… Achei que, depois do Peter, nunca mais fosse ter estabilidade emocional. Mais do que tudo, achei que nunca mais fosse ter alegria em viver… Killian aparecera pra mudar isso, quase como se estivéssemos destinados a ficar juntos.

– Eu é quem agradeço por tê-la em minha vida - disse ele, seu sorriso quase derretendo meu coração.

A vovó o levou para a sala de estar da pensão, na qual os moradores costumavam se reunir vez ou outra. Não havia ninguém por ali, a não ser o Billy. Ele ia saindo quando íamos entrando e, pela expressão em seu rosto, percebi que não estava muito a fim de interagir conosco.

– Olá Ruby! Colin! - ele e Gancho se cumprimentaram com um aceno de cabeça (o Killian não gostava muito dele. Por ciúmes, claro!). - Me deem licença!

Alcancei Billy quando ele já ia subindo as escadas. Felizmente, eu o conhecia bem o suficiente para saber o quanto ele gostava de mim. Infelizmente, era obrigada a, mais uma vez, destruir suas expectativas. Digamos que não era a primeira vez que ele ficava daquele jeito por me ver com um namorado.

– Hey, espera! Você mal me cumprimentou…

– Desculpe - ele parou no degrau que estava, virando-se para me olhar - Como você está?

– Bem. E você?

– Vou indo… Parece que alguém vai ficar mais velha nos próximos dias… Eu não esqueci! - disse, e eu ri - Não posso te comprar coisas caras, você sabe, mas vou te dar um presente especial.

– Eu vou gostar de qualquer coisa que você me der, Billy.

É claro, ele achava que meu namorado rico fosse me dar o melhor presente de todos. Bem, podia até ser, mas nem por isso eu ia menosprezar outros presentes. Conversamos por um tempo, sentados na escada. Ele disse que eu parecia mais feliz. Todos que me conheceram na época da morte de Peter diriam o mesmo. Aquilo me irritava. Será que todo mundo pensava que eu era infeliz até conhecer Killian, ops, Colin? Eu não era infeliz, mas feliz tampouco. Não significava que minha vida fosse ruim antes.

– É bom saber que tudo está dando tão certo pra você - Billy falou, coçando os pelos que cresciam em seu maxilar - Depois do Peter… você merecia alguém…

– Billy… eu sei que é idiotice perguntar, porque acho que já sei a resposta, mas… você tem sentimentos por mim?

Ele não respondeu logo. Continuou coçando o maxilar e evitou me encarar quando finalmente respondeu:

– Eu estaria mentindo se dissesse que não. Mas você já encontrou alguém e eu não era a pessoa mais indicada pra você, de qualquer forma.

– O que quer dizer? - franzi a testa. Como assim não era o mais indicado?

– Ah esquece! - ele se ergueu e, antes de subir para o andar de cima, sorriu - Espero que você e Colin sejam felizes por muito tempo. Apenas saiba que, se as coisas derem errado, eu vou estar aqui, se precisar…

E aquilo foi muito estranho! Parecia até que ele esperava que algo de ruim fosse acontecer. Não dei muita importância. Voltei à sala e encontrei a vovó contando um caso ao Killian.

– … porque ela não queria ir à escola - ia dizendo ela e os dois riam.

– O que vocês estão… Vovó! Não mostre isso!

Eles estavam vendo meus álbuns de fotos! Killian ria até não poder mais.

– Eu não sabia que você era tão birrenta quando criança - disse ele, me mostrando uma das fotos.

A Ruby da fotografia usava um uniforme de escola e tinha os cabelos divididos em trancinhas. De cara feia e braços cruzados, chorava por ter que ir ao colégio. Ao fundo da imagem, um velho ria: meu avô. Eu me lembrava muito bem daquela ocasião. Fora meu primeiro dia de aula na segunda série e eu me recusara a ir á escola não por preguiça, ou por revolta pelo fim das férias, mas porque sabia que era ali que o inferno se iniciava.

O ciclo se repetia todo ano: a tentativa de fazer amigos, que na maioria das vezes era frustrada; a conquista de poucas, mas boas amizades; o começo das idas às casas dos colegas; a recepção de amiguinhas na pensão da vovó; as perguntas de sempre: “por que você vive com seus avós?”, ou “onde estão seus pais?”; e todos me abandonavam quando concluíam que eu era muito esquisita…

E nunca fora capaz de entender. O fato de eu ser orfã e morar com meus avós não devia ser tão mal visto. Por que as pessoas eram tão tradicionalistas? Não conseguiam enxergar a minha família como normal e eu, a pobre e esquisita Ruby Lucas, invejava aqueles que tinham pai e mãe. Ninguém sabia realmente por que eu sempre me recusava a ir à escola. As únicas duas pessoas que sabiam, estavam mortas. Uma delas estava na foto.

– Ah essa aí tinha um gênio muito forte durante a infância - tagarelava a vovó, animada com as lembranças de família - Birrenta e atrevida! Depois que virou adolescente, amadureceu e aprendeu a ser mais comportada. Nunca mais me deu trabalho!

Rimos. Killian apontou para o velho risonho da foto.

– Era seu avô?

– Era! Ele achava graça das minhas malcriações.

– Ah ele adorava essa menina - disse vovó, passando o dedo pela foto, sentindo falta do marido morto - Os dois eram cúmplices. Não importava o que eu dissesse, ele sempre a defendia. Era um velho teimoso…

Ver meus pais, vovô e Peter nas fotos me deixou triste. Quando as pessoas não me abandonavam porque queriam, abandonavam por uma fatalidade. Vocês não devem imaginar, mas, todos os dias de minha vida, eu temia perder aqueles que amava. E se algum dia eu acordasse e não tivesse mais a vovó? Ou o Killian? Ou todos os outros que tinham um lugarzinho no meu coração? Ver as fotos apenas aumentou meu temor e Killian percebeu. Ele me entendia tão bem, que sabia o que eu estava pensando ou sentindo sem nem precisar perguntar.

– Você não precisa ter medo - ele disse, quando nos sentamos no carro e eu girei a chave na ignição - Ninguém mais vai te deixar.

– Como sabe?

– Não sei. Mas eu prometo: ninguém nunca vai me tirar de você. Nada pode nos separar.

Ele estava certo, afinal…

***

Depois de nossas inusitadas aventuras pelo país, Killian resolveu dar um tempo das caçadas. Passáramos por coisa demais e o coitado, de braço quebrado, nem dirigir podia (disséramos pra vovó que Colin escorregara numa casca de banana, quando ela perguntara como ele quebrara o braço). Em todo caso, agora que não podia trabalhar, Killian se ocupava em ver TV, desenhar e me importunar. Parecíamos a versão humana e moderna de A Cigarra e a Formiga: eu trabalhava e ele cantava!

Rah-rah-ah-ah-ah! Roma-roma-ma! Ga-ga-ooh-la-la! Want your bad romance.

– Iiiih lá vem a Killian Gaga! - reclamava e ele só cantava mais alto.

Parecíamos criancinhas. Mesmo depois de oficializar nosso namoro - no dia 1º de maio - agíamos como melhores amigos retardados, não como namorados. Óbvio, nós estávamos sempre nos pegando, mas sem aquela coisa de “amorzinho” pra cá e “benzinho” pra lá. Nos últimos tempos, Killian dera pra me chamar de Rubão. Por vingança, passei a chamá-lo de Killianna (ou de Gaga, já que ele estava sempre cantando).

– Ei, Rubão, Mary diz que vai tentar vir para seu aniversário.

– Ah é? Pensei que todos estivessem ocupados demais para poder vir, Killianna.

– Eles dizem que vão tentar estar aqui no dia. Em todo caso, podemos comemorar sozinhos… se é que entende…

Senti meu rosto queimar, enquanto ele sorria malicioso. Eu bem que imaginava que tipo de comemoração seria esta em que ele pensava…

Em todo caso, o tempo foi passando e ninguém mais falou em festa. Todos estavam ocupados demais com suas caçadas e com suas próprias vidas. Embora soubesse disso, senti-me magoada. Será que eu não era importante o bastante pra que interrompessem seu trabalho por um dia? Será que eles sequer se lembravam do meu aniversário? E as pessoas da pensão, que sempre fizeram ótimas festas pra mim? Nem estas pareciam se importar, já que não haviam comentado nada. Embora tivesse um namorado maravilhoso, estava decepcionada com meus amigos. Que ingratos! Pelo visto, eu não era assim tão importante, ou não teriam se esquecido de mim.

Acabei por me recolher um pouco. Passei a ficar quieta e calada por longas horas (e quem me conhece sabe que eu não sou assim), o que incomodou Killian.

– O que é que você tem? - ele perguntou, certo dia - Você parece chateada. Eu fiz algo de errado?

– Não, Killian, só estou pensando… - sempre dizia.

O fato de meus amigos terem me abandonado não era a única coisa que me perturbava, na verdade. Pensamentos ecoavam por minha cabeça e toda vez que eu prestava atenção neles, sentia-me terrivelmente mal.

Pra começar, eu estava mentindo cada vez mais pra vovó. Quando Killian dissera que devíamos assumir o namoro publicamente, fiquei com o pé atrás: assumir meu namoro com Colin Simons apenas aumentaria as mentiras a um nível surpreendente. A vovó não merecia isto. Mas eu tampouco podia revelar a verdade, seria catastrófico. Ele tanto me pressionara que eu acabara por concordar. Agora a culpa me corroía por dentro, porque a vovó estava certa de que eu tinha um futuro brilhante pela frente. Isso porque ela não sabia que meu namorado percorria o país matando monstros…

Também havia o fato de que Jefferson tentara matar meu Killian e isso só mostrava o quanto ele podia ser perigoso. Regina se afastara dele e passara a odiá-lo e eu temia pela pequena Grace, que tinha de conviver com aquele monstro. Por falar nisso, estava aí mais um problema: Regis me dissera que Grace não parava de perguntar por mim. Na opinião da prefeita de Storybrooke, a menina me queria como mãe.

Claro, também havia o fato de eu ter sido assombrada naquela noite em que dormira na casa da Gina. Por mais que Gold tivesse revirado a mansão, não encontrara nenhuma criatura. Não saber o que me assombrara me enlouquecia.

Com tudo isso, é de se esperar que eu não estivesse no melhor de meus humores. Killian confundia meus momentos explosivos com a TPM e os sensíveis com carência. Meus momentos de introversão passaram a ser vistos como necessidade de espaço e os momentos mais tristonhos como saudades das pessoas que eu perdera. Ele só pensava isso, porque eu não quisera expor a verdade. Talvez fosse melhor ele não saber o que se passava em minha cabeça.

Em todo caso, embora no momento eu estivesse com raiva dos meus amigos, comecei a receber presentes mais ou menos uma semana antes do meu aniversário. Coincidiu com a época em que Gancho voltou a trabalhar. Até ele! Até ele ia estar ocupado no dia mais especial do ano, isso eu podia apostar.

– Você devia ficar e descansar. Como é que vai caçar com o braço quebrado?

– Ora, eu me viro! Não vou estar sozinho, Encantado e Pinóquio vão estar lá. É um caso complicado, eles precisam de mim.

Claro que eu não pude fazer nada pra impedir. Quando Killian Jones enfia algo na cabeça…

E foi isso aí: ele saiu apressado, desaparecendo no elevador, enquanto fui pra cama, me enrolei como uma bola e chorei feito bebê. E pensar que em 1º de maio ele jurara nunca me abandonar…

Minhas lágrimas quase criaram um rio. Só parei de chorar quando ouvi o Toque da Correspondência. Aquilo era novo no prédio (Killian e suas ideias geniais). Quando voltáramos pra Seattle, Gancho instalara um sistema de campainha que tocava toda vez que o carteiro deixava algo na porta da garagem. Às vezes os caçadores trocavam cartas ou mesmo presentes de aniversário e Natal (e afinal, hoje em dia as pessoas andam tão apressadas que é mais fácil enviarem tudo pelo correio). O carteiro conhecia o Gancho - Killian o salvara de uma criatura chamada Wendigo -, por isso sabia onde entregar as correspondências que vinham com “ao senhor Jones” no destinatário (não era inteligente colocar o endereço do QG, uma vez que ele devia parecer um prédio abandonado).

Daquela vez, porém, a entrega vinha com “à senhorita Lucas”. Tratava-se de uma caixa embrulhada em papel pardo. Quando a levei para dentro e abri, encontrei outra caixa dentro. Era vermelha, amarrada com um laço branco. Dentro, um mimoso cachecol vermelho, que se parecia muito com o do senhor Tumnus, de Nárnia. Eu adorei o presente, mas como não havia remetente na caixa, não soube quem me enviara. Podia apostar que era coisa de Mary Margaret, já que ela tricotava e me dera um cachecol parecido no Natal.

Naquela noite, Killian voltou pra casa reclamando por não terem conseguido nada com o caso que estavam investigando. Teriam de investigar mais no dia seguinte e isso significava que eu ficaria sozinha e depressiva por mais um dia inteiro. E o Gancho, imaginem vocês, nem se importou!

– Por que tanto drama, você já não está acostumada a ficar sozinha? Além disso, já passamos um mês inteiro grudados um no outro e você mesma disse que não gosta de homem pegajoso. - disse ele, com a toalha jogada sobre o ombro, parado à porta do banheiro.

Chorei de raiva durante à noite e ele, que roncou feito um porco, mal notou. Na manhã seguinte, saiu antes que eu acordasse e só voltou muito tarde, de novo, sem conseguir nada com o caso. Aquele dia só não foi pior, porque eu recebi mais dois presentes. O primeiro veio numa sacola vermelha, era um par de sapatos vermelhos com salto agulha. Só podia ser coisa da Regina, mas não havia nome no remetente. O segundo viera numa caixa redonda, vermelha e amarrada com laço preto. E imaginem o quanto ri com esse presente: era nada mais nada menos do que um lanche do McDonald’s e ainda estava quente! Era a cara do August me mandar aquilo, mas também não havia remetente.

No dia seguinte, quando Killian me largou sozinha, recebi mais quatro presentes. Todos vieram em embrulhos vermelhos e sem remetente. O primeiro presente era uma coleção de livros de bolso e claro, tinha que ser coisa da Belle. O segundo era uma caixinha de música em forma de carrossel, cujos cavalos giravam como num carrossel de verdade. Era coisa antiga e eu podia apostar que viera da loja de Gold. O terceiro era um porta-retrato digital que tocava a música Ruby, que Gancho tanto cantava pra mim. Devia ser presente do Bae, que afinal amava essas coisas cheias de tecnologia. O quarto era um bauzinho de madeira com meu nome entalhado na tampa. Coisa de Gepeto, com certeza!

Dois dias depois, mais oito presentes chegaram: todos em embrulho vermelho e todos sem remetente. Já estava achando aquilo estranho, mas acabei por concluir que era brincadeira de meus amigos. Certamente, haviam feito aquilo pra compensar o fato de não poderem vir ao meu aniversário. Os presentes eram: um celular ultramoderno, vermelho ainda por cima (coisa de David, outro que amava tecnologia); um gorro, um par de luvas e um par de meias, todos vermelhos e feitos de lã (presente que eu achei que podia ser de Graham); um mini jardim japonês - daqueles em que você arruma a areia como forma de desestressar - acompanhado de um livro chamado A arte de ouvir a voz da consciência: dez passos para se tornar uma pessoa mais ética e compreensiva (a cara de Archie dar um presente desses!); uma torta! Sim, uma torta de morango (coisa de Dean Winchester, que amava tortas); uma porção de livros sobre caçadas, todos escritos à mão (talvez este presente tivesse sido enviado por Sam, quem sabe); um kit de facas e dois pequenos revólveres (com certeza do Bobby); um pote de geléia de menta e hortelã, uma jaqueta vermelha chiquerríma e, corei quando vi, uma lingerie vermelha, minúscula e muitíssimo transparente, que veio com o bilhete “use com moderação… ou não” (presente de Zoe, com certeza absoluta); e por último - tive crises de riso com este - um anjinho de pelúcia que cantava Amém com a voz de Alvin e Os Esquilos (seria do Castiel?).

É claro que, depois de quinze presentes, não conseguia mais ficar com raiva de meus amigos. Até os Winchesters, Zoe, Bobby e Cass haviam me presenteado, coisa que eu não esperava. Nada disse a Killian sobre os presentes. Estava chateada com ele e me tranquei em minha bolha, como num de meus momentos introvertidos. Ele estava cansado e estressado com o tal caso que não conseguiam resolver, por isso apenas me deu um rápido beijo e foi dormir dizendo que acordaria cedo na manhã seguinte.

Como de costume, ele acordou antes de mim e saiu sem nem deixar um bilhete. Estranhava seu comportamento e já estava ficando desconfiada. Talvez ele escondesse algo de mim. Quem sabe não fora atrás dos vampiros outra vez? Ele não me contara muita coisa da caçada em Storybrooke, mas eu podia apostar que sua busca por vingança estava mais forte do que nunca depois de ele quase ter morrido pelas mãos (ou pelas presas) dos sanguessugas.

Não pensei mais nisso durante aquele dia, um sábado, pois preferi fazer coisas mais úteis. Procurava por uma receita de bolo, porque, pelo visto, teria de passar meu aniversário apenas com as pessoas da pensão. Regina telefonou naquela manhã - pra me dizer que, infelizmente, não poderia vir pra meu aniversário - e aproveitei pra lhe agradecer pelos sapatos, que eu amara, apesar de me deixarem mais alta do que já era. Ela, no entanto, não sabia do que eu falava.

– Sapatos? Que sapatos, Ruby? Eu nem comprei seu presente ainda…

Fiquei intrigada com aquilo, mas supus que os sapatos tivessem sido enviados por outra pessoa. Fiz menção de verificar os armários, à procura dos ingredientes de que precisaria para o bolo, quando meu celular tocou novamente. Era a vovó.

– Sinto muitíssimo, querida, não poderemos comemorar seu aniversário na terça-feira. A pensão está fechada para reforma, imagine você que os canos velhos estouraram e inundaram a casa inteira! As paredes mofaram com a umidade, o piso de madeira, que já era uma porcaria, apodreceu! Agora imagine você, querida, terei de pegar um empréstimo no banco pra pagar pelos consertos… Mas não se preocupe, meu bem, não se preocupe! Comemoraremos seu aniversário assim que possível, tudo bem?... Não, não se incomode, fique aí mesmo, os pedreiros não deixam ninguém se aproximar da casa, você sabe, é arriscado! Ah preciso ir, querida, até logo! - e desligou na minha cara!

Joguei longe o livro de culinária e por pouco não quebrei a cozinha inteira. Que ódio! Eu ia passar meu aniversário sozinha, porque nem Killian iria se lembrar da data, obcecado que estava com aquele caso.

Ouvi o Toque da Correspondência. Desta vez haviam chegado mais onze presentes. Eu já estava estranhando aquilo, por que será que ninguém colocara nome no remetente? Será que por um motivo de segurança? É… fazia sentido. Não pensara nisso. Alegremente, levei meus presentinhos vermelhos pra cima.

Os quatro primeiros com certeza eram das Beauchamp: um licor de cereja, cujo rótulo dizia ter poderes afrodisíacos (devia ter sido preparado por Freya, a deusa das poções); um enorme e antigo livro que contava uma fascinante história sobre poderosas feiticeiras (Ingrid teria um livro desses); um colar com pingente de rubi em forma de coração e alguns frascos de perfume (havia pelos de gato na caixa, o que me deu certeza de que fora Wendy quem a enviara); alguns amuletos, ervas aromáticas e um baralho de tarô (coisa de Joanna). Uma caixa vermelha em formato de coração estava cheia de doces, então logo pensei em Gabriel. Uma outra viera cheia de esmaltes, mas não esmaltes diferentes, todos vermelhos, só que em tons que variavam. Talvez fosse de Leroy, considerando que Regina dissera que ele não tinha nenhum senso pra comprar presentes. Uma caixa de bombons com um buquê de flores, que com certeza eram do romântico Billy. Uma bolsa e sapatos Prada, que agora sim deviam ser de Regina. Uma escultura em estilo grego, que me fez pensar em Killian Gardiner (afinal ele era um deus grego). E os dois últimos, que vieram com remetente e, consequentemente, me fizeram ter vontade de atirá-los pela janela. Um de Grace: uma série de desenhos feitos por ela, me representando nos mais diversos tipos de vestimenta (segundo a carta que ela me enviara, aquelas eram algumas das roupas que ela estilizara com a ajuda do pai). O de Jefferson era um estiloso chapéu vermelho escuro com plumas de ganso no topo (ele fez questão de escrever uma carta me parabenizando, pedindo desculpas pelo ocorrido em Storybrooke e dizendo que ele mesmo desenhara e fizera o chapéu).

Sinceramente, só não joguei os dois últimos fora por consideração a Grace e porque o chapéu era mesmo muito luxuoso, afinal.

***

Na terça-feira, 25 de maio, completaria 26 anos. Não sabia por que, mas pensar nessa data me dava uma vontade danada de sair incendiando tudo. E não, não adianta você dizer que é errado. Talvez assim alguém me desse atenção!

Todos estavam muito ocupados pra estar comigo. Vovó e as pessoas da pensão haviam sumido e os malditos pedreiros nem tinham me deixado entrar no casarão pra ver o estrago. Também não sabiam me dizer pra onde tinha ido todo mundo.

Meus amigos, apesar de me mandarem presentes, nem me ligaram pra dizer que sentiam muito e que não podiam vir ao meu aniversário - a única que ligou foi Regina. Killian? Uma semana investigando o mesmo maldito caso sem encontrar uma maldita de uma solução. Ele nem me dissera que coisa era essa que estava caçando, o que achei uma grande falta de consideração, afinal, eu me metera em muitas enrascadas por ele. Por causa dele eu quase fora esfoiceada por um espantalho. Por pouco não fora pisoteada por uma manada de elefantes e atropelada por gazelas galopantes. Por causa dele eu ficara presa por horas num quadro, sob um sol escaldante. Sem mencionar o perigo que correra num museu cheio de bonecos de cera e fósseis que tentavam me matar. E o crocodilo no esgoto? E os lobos no maldito seriado de Gabriel? E todas às vezes em que eu correra perigo pra ajudá-lo?

ACHO QUE MINHA VONTADE DE TACAR FOGO EM TUDO É PERFEITAMENTE COMPREENSÍVEL! E SIM, EU VOU ESCREVER EM LETRAS MAIÚSCULAS PRA DEMONSTRAR MINHA INDIGNAÇÃO COM AS PESSOAS! NINGUÉM LIGA PRA MIM! NINGUÉM SEQUER SE IMPORTA COM MEU ANIVERSÁRIO E EU TO MUITO PUTA!

(E sim, há uma razão pra eu escrever isto no presente, vocês vão entender nos capítulos que se seguem…).

Depois de dias sendo praticamente ignorada por Gancho, a terça-feira finalmente chegou. Amanheci toda animadinha e com um sorriso no rosto. Killian não estava em sua cama. Eu, otimista, imaginei que ele estivesse na cozinha, preparando uma surpresa pra quando eu acordasse. Ah… haveria uma linda refeição de aniversário posta à mesa. Ele teria comprado tudo de que eu gostava, apenas pra me agradar e me fazer feliz naquele dia. Haveria um lindo buquê de flores vermelhas e um presentinho especial que ele comprara com todo carinho. Ele me esperaria com um enorme sorriso no rosto, então me beijaria ternamente, puxaria minha cadeira e diria: “meus parabéns, meu amor!”. E então passaríamos o dia juntos, importunando um ao outro e cantando as músicas da Lady Gaga, enquanto ele me mimava e irritava ao mesmo tempo.

Acho que idealizei demais este aniversário…

Meu sorriso morreu quando cheguei à cozinha e não encontrei café da manhã, nem buquê de flores, nem presentinho, muito menos Killian Jones. E pensam que ele se importou em deixar ao menos um cartão? Nada! Nem um mísero bilhete escrito em guardanapo usado! Eu ficaria feliz até se ele me desse um “parabéns, vadia!”, mas nem isso…

Aí pensei: “Não preciso de homem pra ser feliz! E não preciso de ninguém pra comemorar um aniversário!”. O que eu fiz? O que eu fiz? Fiz minha própria festa, com direito a comilança, música alta e bebida. Comi sozinha uma pizza tamanho família! Não me perguntem como! Enchi a cara mesmo! Dancei em cima da mesa, gritando feito louca, fazendo de conta que era dançarina profissional e que um monte de homem me assistia e aplaudia. Bati cabelo, fiz coreografia, cantei em alto e bom som, desafiei os vizinhos a chamarem a polícia (e nós nem tínhamos vizinhos), desfilei de salto agulha, mandei beijos para meus admiradores e fiz tudo de novo, até cansar!

Caí da mesa no meio de uma batida de cabelo e por pouco não quebrei a cara no chão. Na queda, acabei por derrubar junto a mesa, mas isso não tem muita importância. Gargalhei loucamente, enquanto o uísque vazava da garrafa quebrada e o ketchup manchava o chão. Deitada de costas, ri incontrolavelmente, sentindo minha cabeça girar tão rápido que eu fiquei tonta. Corri pro banheiro, vomitei tudo o que eu comi. Maldito uísque, maldita pizza, maldito ketchup, maldito Killian Jones!

Chorei encolhida no chão, enquanto a água do chuveiro encharcava minha roupa e lavava minhas lágrimas. Berrei de raiva, sentindo-me rejeitada pelos amigos que tanto considerava, pela família que amava e pelo homem que tantas promessas me fizera. Gritei, joguei longe meus sapatos e arranquei minhas roupas. A água lavou meu corpo e mais uma vez vomitei, apoiada à parede. Depois, escovei os dentes, caminhei nua pela casa e fui me refugiar no quarto, na cama bagunçada de Killian. A roupa de cama tinha o cheiro dele. Seu colchão parecia o mais confortável do mundo, seu travesseiro o mais macio e seu cobertor o que melhor mantinha o calor do corpo.

Maldito Killian Jones! Pra quê fui me apaixonar?

***

Quando acordei, tudo estava na completa escuridão. Minha imaginação me enganou e achei que Killian estava a meu lado, me abraçando. Era o cobertor, no fim das contas. Que carência… confundindo o calor de um cobertor com o de um homem…

O maldito do celular estava tocando. Eu o largara em minha mesa de cabeceira, fui buscar. Era primavera, mas estava frio. Me encolhi quando uma brisa entrou pela janela, arrepiando meu corpo. Apanhei a coisa que tocava insistentemente e vi o nome de Mary na tela. Devia sentir raiva, mas me animei. Ao menos ela se lembrara de meu aniversário e ligava para me parabenizar. Talvez os outros tivessem ligado também, enquanto dormia, e eu não ouvira.

– Alô!

– Ruby, por que demorou tanto? - a voz dela veio apressada, parecia irritada - Não importa! Você tem que vir aqui, os rapazes se meteram numa encrenca.

– O QUÊ?! PELO AMOR DE DEUS, O QUE ACONTECEU?

– Olha, é muita coisa pra explicar tá? - ela falava tão rápido que as palavras saíam tropeçadas - Venha com seu carro e depois a gente te explica tudo!

– Eu não posso dirigir, eu bebi…

– Ah então chama a porra de um táxi! - Puxa vida! Ela estava mesmo irritada. Acho que eu nunca ouvira Mary dizer um palavrão. - Não, não precisa, eu mesma vou mandar o táxi. É melhor vir bem vestida, vai ter que falar com o delegado.

– Delegado?! - minha voz saiu esganiçada - Eles estão presos? Ah meu Deus, Mary, o que foi que eles fizeram?

– Quando chegar aqui vai saber de tudo! - e desligou na minha cara.

Corri a me olhar no espelho. Estava um caco… Mal tive tempo de pentear meus cabelos, enfiar o primeiro vestido vermelho que vi na frente, calçar os sapatos que largara no banheiro (quem vai de salto agulha à delegacia?), passar um corretivo pra disfarçar os olhos inchados pelo choro, pintar a boca com um batom claro, delinear os olhos e passar algumas camadas de máscara. Nem sei por que me arrumei tanto, mas acho que só queria causar uma boa impressão.

Fui esperar o táxi na frente do prédio, enquanto tentava desesperadamente falar com Mary. Ela parecia ignorar minhas ligações. Dali a pouco o táxi me pegou e perguntei ao motorista pra onde estávamos indo. Ele disse o nome de uma rua que eu não conhecia, mas que devia ficar no centro. Depois de dez minutos presos no tráfico, finalmente chegamos ao lugar. O motorista me indicou uma construção do outro lado da rua, que nem parecia uma delegacia, e foi embora depois de dizer que a corrida já fora paga. Nem me dei ao trabalho de atravessar na faixa de pedestres, saí correndo feito louca pela rua e por pouco não fui atropelada por uma moto quando o sinal abriu de repente. O motoqueiro me xingou de louca e desapareceu com sua motoca barulhenta.

– Louca inconsequente! Tá querendo morrer, mulher? - era David, que me esperava na frente do prédio. Ele usava blusa social vermelho-escura. Nunca o vira usando uma roupa daquela cor. Ele me arrastou até a entrada do prédio e não fez questão de responder nenhuma de minhas perguntas.

Mal tive tempo de entender o que acontecia, apenas me vi sendo empurrada para um elevador e depois saindo num terceiro andar mal iluminado.

– Dave, o que tá acontecendo? O que houve com os rapazes? Estão bem? Se feriram? Fizeram muita merda?

Ele não me respondia, só me arrastou até uma porta, que eu abri sem saber onde ia dar. Estava tudo escuro do outro lado e quando abri a boca pra perguntar o que estava acontecendo, todas as luzes se acenderam ao mesmo tempo e uma multidão quase me matou do coração gritando:

– SURPREEEESAAAAA!

E lá estavam os amigos que não se importavam comigo, a família que não me amava e o homem que não sabia cumprir promessas. Malditos! Sorriam pra mim, todos vestidos de vermelho e usando adereços com luzes que piscavam. Cai no choro!

– Ooooh não chore, Ruby-Loob! - Killian veio me abraçar e logo todo mundo se juntou ao abraço e já não era possível respirar.

– Desgraçados, achei que tinham esquecido meu aniversário! - falei esganiçada, agarrada ao pescoço de Gancho.

Todo mundo riu.

– Tá vendo? Eu disse que a pobrezinha ia se sentir rejeitada - veio Regina, abraçando minha cabeça - Foi ideia do Colin!

– Não importa de quem foi a ideia, solta o som DJ! - gritou vovó e todo mundo gritou apoiando.

Foi uma loucura. Todo mundo começou a dançar e cada um me sufocou num abraço. Killy, Mary, Dave, Gina, Archie, Marco, August, Bae, Gold, Belle, Graham, Leroy, Wendy, Joanna, Freya, Ingrid, Killian Gardiner, Dean e Sam, Zoe, Bobby, Castiel, vovó, Will e Anastasia, Myrna e Martin, Billy, Whale, Robin, Sidney Glass, Greg e Tamara e desculpem se eu esqueci de alguém. Todos me desejavam felicidades e muitos anos de vida. Alguns pediram desculpas por terem fingido ter se esquecido de meu aniversário, disseram que a ideia fora de Killian e que eu devia brigar com ele. Foi o que eu fiz.

– Não acredito que fez isso comigo, Jones! - disse, quando fomos pegos pela massa de gente que dançava - Minha vontade é de bater em você! Eu chorei o dia todo por sua causa!

– Chorou? Achou que eu tinha me esquecido de você? - ele riu, depositando um beijo numa de minhas bochechas - Me desculpe, meu bem! Não foi fácil te ignorar por uma semana, mas essa festa foi mesmo difícil de organizar. Acho que mereço ser perdoado - ele sorriu maroto, me fazendo rir. Claro que o perdoei. Não conseguíamos ficar com raiva um do outro por muito tempo mesmo…

Enquanto todo mundo pulava ao som de I Gotta Feeling, me atentei aos detalhes da festa. Estávamos num salão bem espaçoso e de teto alto, locação específica para festas. A pista de dança ficava bem no centro, com luzes de balada no teto, um chão que piscava e mudava de cor e uma mesa de DJ perto. August (que eu nem sabia que era DJ), comandava o som. No fundo do salão, um palco com instrumentos musicais e um microfone. Na extremidade direita, um bar com bartenders profissionais, que faziam malabarismos com garrafas. Na extremidade direita, mesas redondas para os convidados e mesas de bufê. A decoração era toda vermelha e branca, mas o vermelho predominava. Desde as toalhas de mesa, até as cadeiras e balões de gás, tudo era vermelho!

– Gostou, miga? - Regina agarrou minhas mãos, saltitante feito uma criança feliz - É nossa pequena homenagem pra você.

– Eu amei! - lágrimas denunciavam minha emoção - Não acredito que fizeram tudo isso pra mim.

– Você merece! - veio Mary, me oferecendo uma taça de um líquido vermelho (que logo descobri ser licor de morango).

Aliás, até a comida era vermelha. Levaram uma semana inteira pra planejar todos os detalhes, era por isso que Killian saía tão cedo e voltava tão tarde. Valera a pena! O resultado ficara maravilhoso! Havia fotos minhas por todo o salão e uma enorme faixa de Feliz Aniversário na parede do fundo. Me arrependi tanto de ter tido raiva de todo mundo!

Garçons serviam os comes e bebes em bandejas. Ri ao avistar um Dean que se empanturrava de salsichas em conserva, enquanto um Sam constrangido se afastava e fingia não conhecê-lo. Castiel balançava no lugar, usando seu vestuário de sempre e parecendo meio perdido no meio de tanta gente. Zoe interagia com as pessoas que não conhecia. Vovó conversava com Bobby e Marco e eu tentava decidir qual parecia o melhor pra ela. Belle e Ingrid conversavam animadamente, obviamente, sobre livros. Freya fora para o bar, onde preparava bebidas com a ajuda de Killian Gardiner. O resto passeava pelas mesas de comia ou chacoalhava o esqueleto na pista de dança. Fui surpreendia por Gancho, que me abraçou por trás.

– Agora que já me perdoou, será que mereço um beijinho?

Ele nem precisava perguntar. Nos agarramos num canto mais afastado até sermos interrompidos por Wendy, que me arrastou até a pilha de presentes, que só agora eu notara. Fiz uma expressão confusa.

– Por que se incomodaram em comprar tantos presentes? Os que me enviaram pelo correio já me deixaram feliz.

– Não enviamos nada pelo correio, querida - disse ela, estreitando seus olhos de gata - Aqui! Esse é o presente especial das Beauchamp! - arrastou uma enorme caixa, que estava sob outros embrulhos.

Comecei a me preocupar. Abordei todo mundo, perguntando se haviam me enviado presentes pelo correio e todos negaram. Bem que eu achara aqueles presentes sem remetente suspeitos… Acabei por focar nos presentes da enorme pilha e, depois de abrir todos eles (não vou narrar tudo o que ganhei, vocês ficariam aborrecidos), fui surpreendida por Gabriel, que surgiu de repente.

– Que susto! O que está fazendo aqui?

– Olá, queridinha! Vim dar meus parabéns, é claro! - ele me sufocou num abraço apertado, antes que eu pudesse recusar - Não vai encontrar meu presente aí, você já está nele.

– Como assim? - arqueei uma sobrancelha, cruzando os braços.

– Ora, a festa! Eu a tornei possível. - ele materializou um enorme pedaço de torta, que abocanhou no mesmo momento - Ou você acha que seu namoradinho encomendou toda aquela comida e contratou os decoradores? Não, não, eu fiz tudo como ele mandou. Aqueles bartenders e garçons nem existem, são uma ilusão.

– Oh… e por que você faria algo que o Gancho mandou?

– Porque temos um acordo! - Killian me abraçou por trás - Uma trégua! Ele prometeu não fazer nenhuma travessura pelos próximos meses e, em troca, o deixamos vivo. Mas lembre-se, Gabes, uma gracinha e cinco de nós irão atrás de você.

Gabriel apenas abriu um sorriso e sumiu no ar em seguida. Ainda bem que não havia ninguém por perto pra ver. Virei-me para olhar Killian.

– Não disse que a festa foi trabalhosa? Achei que as coisas fossem fáceis para o Gabriel…

– E são, mas ele só apareceu na última hora. August estava caçando o Brincalhão e quase o matou como vingança pela coisa com a Pinóquia, mas aí eu interferi e sugeri que nos aproveitássemos dos poderes dele. Eu não ia te contar, mas nós quase nos matamos na última semana. Ninguém conseguia entrar num acordo, cada um achava que sabia do que você gostaria mais. E eu tenho de dizer: sua avó é uma maldita briguenta!

Rimos. Eu sempre soubera disso, ela tinha um gênio forte, apesar de não parecer. Disse a Killian que eu teria gostado de qualquer coisa que eles tivessem feito e ele acabou por se lembrar de que esquecera do meu presente.

– A festa já é um presente maravilhoso… - ia dizendo, mas ele me pegou pela mão e saiu me puxando.

– Sim, mas eu lembrei de outra coisa que você andava querendo. Eu devia ter providenciado há mais tempo, mas não conseguia me decidir.

Ele me levou pra uma salinha perto de um dos banheiros. Era uma espécie de depósito. Lá dentro, alguma coisa fazia barulho. Killian abriu a porta e morri de amores com meu presente. Um filhote de husky siberiano fazia bagunça e choramingava. Peguei o bichinho no colo, fazendo carinho.

– Awwwn que fofo, Killy! Obrigada!

O cachorrinho ia ser nosso mascote. Enquanto pensava num nome e andava com o bichinho de um lado pro outro, notei certa agitação entre Archie, Myrna e Martin. Cautelosamente - como uma verdadeira curiosa -, me aproximei pra descobrir o que acontecia. Eles discutiam num canto mais afastado e a música alta abafava suas vozes. Me escondi por trás de uns panos decorativos, de onde pude ouvir melhor.

– … porque você não consegue nos aceitar como sua família! - dizia Martin, usando um tom decepcionado.

– Família? - retrucou Archie, sua voz era dura - Pois família não é prisão. Eu nunca fui propriedade de vocês e, no entanto, me criaram como se fossem meus donos.

– Querido, nós só queríamos o melhor pra você… - Myrna estendeu a mão pra lhe tocar o rosto e Archie a afastou bruscamente.

– Vocês nunca souberam o que era melhor! - ele fez menção de se afastar, mas Martin o segurou por um braço.

– Por favor, Archibald… - ia dizendo e Archie se livrou dele com brusquidão.

– Me deixem em paz! Eu já disse a vocês: não me procurem, não falem comigo, esqueçam que sou seu filho. Há anos que sou orfão! - e se afastou, pisando duro.

Depois dessa, fiquei de olhos arregalados e boquiaberta. O filho de Myrna e Martin, do qual eles tanto se queixavam - porque ele os rejeitava -, era Archie! Como eu não descobrira isso antes? Vendo Myrna chorar abraçada à Martin, fiz menção de ir atrás do Grilo, mas nesse momento a voz de Gancho ecoou pelo salão.

Boa noite, pessoal!– disse ele, que subira no palco e falava ao microfone - Tenho a honra de convocar todos vocês e minha querida Ruby a virem para perto do palco. - todos nos encaminhamos para o outro lado do salão e parei de frente ao palco - Obrigado! Como havíamos combinado antes, esta é a hora de nossas homenagens a esta pessoa tão maravilhosa. Esta pessoa que ilumina nossas vidas. Que nos faz rir e que ri de nossas piadas, mesmo que elas sejam muito ruins – ele piscou pra mim e todo mundo riu - Que está sempre com um sorriso no rosto, mesmo nos momentos mais sombrios e difíceis. Que é tão centrada e responsável nas coisas que faz. Que não cozinha muita coisa, mas sabe fazer o melhor bolo de chocolate do mundo! Mesmo que de vez em quando ele nos dê dor de barriga… – risos - Essa pessoa que só parece enxergar vermelho. Que grita e faz birra quando é contrariada. Que chora quando não se sente importante e acha que foi abandonada pelos amigos. Que se preocupa mais com os outros do que consigo mesma. Que tem um amor incondicional por aqueles que chama de família. Ruby Lucas, essa música é pra você!

Malditos olhos! Eu já sentia as lágrimas se formando. Foi questão de tempo até uma verdadeira cachoeira sair deles. Killian estava tocando violão e cantando Everything, do Michael Bublé. E com essa música ele queria me dizer muita coisa. Eu era uma estrela cadente, uma piscina num dia de agosto, a coisa perfeita pra se dizer, aquela que o fazia cantar, um carrossel, um poço dos desejos, aquela que o iluminava. Eu era everything! Quando ele acabou, todo mundo aplaudiu e eu me desfazia em pranto, borrando toda a maquiagem. Gancho se abaixou e me puxou pra um beijo, que arrancou ainda mais aplausos e gritos.

– Oh, querida, isso não é nem o começo - riu ele - As garotas prepararam uma coreografia especial.

E com as garotas ele quis dizer minhas amigas. Gina, Mary, Zoe, Belle, Anastasia, Wendy, Ingrid e Freya subiram ao palco, onde cantaram e dançaram My Best Friend, do Weezer. Regina e Wendy eram as que cantavam mais alto e Freya e Zoe as que mais dançavam. A cena foi tão engraçada que todo mundo começou a rir e elas mesmas tentavam se controlar pra não errar os passos e a letra. Apesar de tudo elas foram bem afinadas e com a mensagem da música me disseram: Quando tudo estiver errado, eu virei falar com você/Você faz tudo dar certo quando estou me sentindo triste/Você é uma benção tão grande e eu não vou estragar tudo/Com a única que traz luz para a minha escuridão/Você é minha melhor amiga/E eu te amo, e eu te amo/Sim, eu amo/Não há nenhuma outra que possa pegar o seu lugar/Eu me sinto feliz por dentro quando eu vejo o seu rosto/Espero que acredite em mim/Porque eu digo sinceramente/E é verdade quando te digo que preciso de você/Eu estou bem do seu lado/Nunca te deixarei ir.

Entre o riso e o pranto, aplaudi bem alto quando elas terminaram. Desceram do palco e vieram me abraçar com força, quase me partindo ao meio. E eu pensando que acabara… Dali a pouco todos os rapazes - exceto o Castiel - subiram ao palco e com uma coreografia sincronizada, que eles mesmos tinham inventado, cantaram Ruby, do Kaiser Chiefs. Ao final, desceram do palco e me vi sendo erguida por um mar de mãos, que me jogaram pra cima. Nunca ri tanto na vida!

Depois, as pessoas mais velhas, como num coral, cantaram uma música composta por elas mesmas - com o deus grego Killian Gardiner tocando a melodia no piano. A música dizia que eu era uma pessoa muito iluminada, cheia de vida e que com certeza os céus perdoariam meus pecados, apesar de eu ser uma criança atrevida e birrenta (pelo visto eu ia ficar com essa fama pelo resto da vida…). Também dizia que o papai, a mamãe e os velhinhos se orgulhavam de mim, mesmo que já estivessem no céu, e que um dia meus filhos e netos também se orgulhariam. Essas pessoas ainda iam me matar com essas músicas bonitas…

Quando August já ia voltar pra sua mesa de DJ, Dean Winchester anunciou que ia cantar uma música. Todo mundo fez cara de curiosidade, o que significava que aquilo não fora planejado. Ele subiu no palco, apanhou o microfone e convocou sua banda a assumir os instrumentos. Era só o que faltava! Todo mundo começou a rir. O loiro praticamente berrava ao microfone, com sua voz potente. Como todos os caçadores estavam usando nomes falsos, a coisa ficou assim:

Jim Beaver na bateria!– esse era o Bobby - Misha Collins no teclado!– era o Castiel - Jared Padalecki na guitarra– era o Sammy - Eion Bailey no baixo– o August - e Jensen Ackles no vocal!

Assim que todos assumiram seus lugares, começaram a tocar Toxic, da Britney Spears, em versão rock. Todos se perguntavam onde aquelas criaturas haviam aprendido a tocar instrumentos. A cena foi mais engraçada do que a dança das garotas. Tocavam com tanto vigor que realmente pareciam fazer parte de um banda de metal. Dean cantava com fúria, levando a plateia ao êxtase. Sam batia cabelo, August pulava e berrava, Bobby tocava bateria como se fizesse aquilo há anos e Castiel balançava a cabeça e acertava as teclas do teclado com força o suficiente para quase quebrá-las. Tive crises de riso junto com Zoe, que gargalhou até a barriga doer. Gabriel estava no meio da plateia e rolava de rir: aquilo só podia ser coisa dele. Quando a música acabou, os integrantes da banda estavam confusos e não conseguiam entender por que tinham feito aquilo.

O resto da festa foi muito divertido. Trouxeram meu bolo enorme, que era vermelho e imitava o formato de uma pedra rubi. Assoprei minhas vinte e seis velas vermelhas, sentindo nos ombros o peso da idade. Todo mundo bebeu demais, menos Bae é claro. Regina ficou doidona, apertou a bunda de Sam, caiu nos braços de Castiel e acabou se agarrando a Robin, que mal a conhecia. Vovó dançou agarradinha com Sam, enquanto Dean se acabava de rir. Ana e Will discutiam os piores jeitos de morrer. Wendy brigava com Graham, que derrubara ponche nela. Freya, Ingrid e Killian Gardiner dançavam em homenagem à lua. Archie, Sidney e Whale imitavam animais. Killian, Mary e David tiravam sarro de August (“Olha, papi, eu boio!”). Marco perseguia meu cachorrinho, que fizera xixi em seu pé. As outras pessoas, ou giravam feito loucas pela pista de dança, ou se empanturravam de comida, ou riam sem saber por que, ou caíam no sono jogadas em alguma cadeira.

No fim, todos estavam bêbados demais pra conseguir ir pra casa. Se arranjaram como puderam e entraram em sono profundo. Killian e eu não exageráramos tanto, por isso estávamos sóbrios e ríamos de tudo que se passava. Acabamos sentados no meio do salão, eu me empanturrando de bolo e docinhos e ele brincando com meus cabelos.

– Foi a melhor festa da minha vida - disse eu, lançando a ele um olhar e um sorriso meigos. - Obrigada, Killy!

– Você merece, Rubão! - ele bagunçou meus cabelos, me abraçando com força em seguida. - Não chega nem perto do que eu queria te dar. Na minha imaginação, a festa perfeita seria na França, bem no topo da Torre Eiffel.

– Vocês conseguiram fazer com ela fosse perfeita num prédio em Seattle e é isso que importa. Você faz tanto por mim, Killy, é por isso que eu te amo… - o beijei, até sermos interrompidos.

– Que bonitinho! - lá estava Gabriel, sentado sobre uma das mesas, fazendo barulho ao mastigar maçã do amor - Vocês formam um belo casal!

– Que quer agora, Gabes? - revirei os olhos - Obrigada pela festa, mas já não é hora de você ir pra casa?

– Ah, meu bem... - ele desceu da mesa - Eu já estaria enfiado entre os cobertores se não estivesse preparando o presentinho de última hora que seu namoradinho me pediu. Espero que o que eu fiz por vocês tenha sido o suficiente pra compensar minhas travessuras… - ele ergueu a mão e, antes de estalar os dedos, disse: - Aproveitem a noite, safadinhos!

No segundo seguinte, nos vimos na cozinha do QG. Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, meu celular tocou. Killian pareceu irritado, mas eu atendi, mesmo a ligação sendo de um número desconhecido.

– Alô!

Olá, querida, feliz aniversário! – disse uma voz masculina e gelei no mesmo momento. - Espero que tenha gostado dos presentinhos que enviei pelo correio. Eu tinha que chamar sua atenção de alguma maneira.

– Que foi, amor? - perguntou Killian, notando minha expressão - Está pálida…

Não consegui dizer nada, de forma que continuei a ouvir a voz de Jefferson vir do outro lado da linha.

Eu gostaria de ter ido à sua festa, mas não fui convidado. Acho que, a essa altura, você já deve ter percebido… Meus presentes falam por mim, não?

– Do que está falando? O que quer de mim? - perguntei, o coração quase pulando pela boca.

– Ruby! - Killian me encarava esperando uma explicação.

Ah não banque a ingênua, meu bem. Achei que você entenderia… Eu lhe enviei vinte e quatro presentes sem remetente e dois outros, um com meu nome e outro com o de Grace. Achei que fosse o suficiente pra você entender que eu mandara todos eles. Não percebe o que eles representam, amor? No minuto em que botei meus olhos em você, eu soube. Grace e eu concordamos numa coisa: você é a mulher perfeita pra minha esposa.

– O que está dizendo? - minha voz saiu num sussurro. Nem notei que Gancho se aproximara e escutava o que o outro dizia.

Jefferson riu.

Ah, querida, como você é lenta! Estou dizendo que não consigo parar de pensar em você. Meu amor, eu estou apaixonado!

Gancho arrancou o celular da minha mão e começou a berrar com Jefferson. Me deixei cair no primeiro assento que vi pela frente e nem prestei atenção ao que Gancho dizia ao outro homem.

Ele mandara os presentes! E o pior de tudo é que ele o fizera como se soubesse exatamente o que cada amigo me daria. E ele acertara meus gostos, o que significava… ele andara investigando minha vida…

– Por que não me contou sobre os presentes? - Gancho começou a gritar comigo, irado - Por que não me disse?

– Eu não sabia que ele tinha enviado, achei que fossem nossos amigos… Eu só soube que não haviam sido eles durante a festa, mas não imaginei que tivesse sido…

Minha voz saía em sussurros. Talvez vocês não entendam, mas eu entrei em choque. Naquele dia eu soube que devia temer Jefferson. Ele ainda ficaria obcecado por mim… Aqueles presentes representavam problemas… Gancho percebeu meu estado de choque e me abraçou, pedindo desculpas. Disse que não queria brigar, mas exigiu que eu queimasse tudo o que ganhara daquele homem.

– Claro, eu não quero mais nada! Podemos fazer isso amanhã, não? - mudei de assunto - Por que Gabriel nos mandou pra cá?

– Vamos subir, lá em cima eu te conto… - respondeu ele, sorrindo misterioso.

O quarto estava sem todas as camas. Havia apenas uma cama de casal no centro e velas aromáticas espalhadas pelo resto do espaço. Não era muita coisa, mas o suficiente pra me fazer queimar de vergonha. Killian falara sério quando dissera que devíamos comemorar sozinhos

– Hum - ele pigarreou, sorrindo malicioso - Foi meio que uma coisa que eu pensei na última hora, por isso não tive tempo de planejar bem… Eu sei que a gente não se conhece há tanto tempo e que namoramos oficialmente há menos de um mês. Também sei que nunca conversamos sobre isso e que faz tempo desde que você, ou mesmo eu, fizemos algo do tipo... Você não é virgem, é?

– Não - soltei risinhos.

– Hum… em todo caso, se você não quiser, eu vou entender.

Mas acabou acontecendo, mesmo nós dois estando inseguros. Fazia tempo desde que qualquer um de nós se relacionara com outra pessoa. Mesmo assim, pareceu a coisa mais certa no momento. Me senti amada e ele também. No dia seguinte, quando acordei com o braço do homem nu ao meu lado caído sobre a minha cintura, sorri. Fora o melhor aniversário de todos…


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Notas finais do capítulo

Olha aí, o que estavam esperando kkkk Espero que tenham gostado, safadinhas. Quero todo mundo comentando, esse capítulo deu muito trabalho!



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