Essence of Time escrita por Seraphina Morgenstern


Capítulo 10
The Camp Half-Blood




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A maioria dos campistas era mais velha que Annabeth. Seus amigos sátiros eram maiores que Grover, todos trotando de um lado para outro de camisetas cor de laranja do Acampamento Meio-Sangue, sem nada para cobrir os traseiros peludos à mostra. Annabeth normalmente não era tímida, mas o modo como olhavam para ela a deixou pouco à vontade. Era como se esperassem que ela desse um salto mortal ou coisa assim.

Annabeth olhou para a casa de fazenda trás dela. Era muito maior do que ela pensara – quatro andares, azul-céu com acabamento em branco, como um hotel de veraneio de primeira classe à beira-mar.

Annabeth estava conferindo o cata-vento de latão em forma de águia no topo quando algo lhe chamou a atenção, uma sombra na janela mais alta do sótão. Alguma coisa havia mexido na cortina, só por um segundo, e Annabeth teve a nítida impressão de que estava sendo observada.

– O que há lá em cima? – Annabeth perguntou a Quíron. Ele olhou para onde ela estava apontando e seu sorriso desapareceu:

– Apenas o sótão.

– Mora alguém lá?

– Não. – Disse em tom definitivo. – Nem uma única coisa viva.

Annabeth teve a sensação de que ele falava a verdade. Mas também tinha certeza de que algo havia mexido naquela cortina.

– Venha, Annabeth. – Disse Quíron, o tom despreocupado agora um pouco forçado. – Há muito para ver.

Eles caminharam pelos campos de morangos, onde campistas colhiam alqueires de morangos enquanto um sátiro tocava uma melodia numa flauta de bambu.

Quíron contou que o acampamento cultivava uma bela safra para exportar para os restaurantes de Nova York e para o Monte Olimpo.

– Paga as nossas despesas. – Explicou. – E os morangos não exigem esforço quase nenhum.

Ele disse que o Sr. D produzia esse efeito sobre plantas frutíferas: elas simplesmente enlouqueciam quando ele estava por perto. Funcionava melhor com as vinhas, mas o Sr. D estava proibido de cultivá-las, portanto, em vez delas, eles plantavam morangos.

Annabeth observou o sátiro tocando a flauta. A música fazia com que filas de insetos saíssem dos canteiros de morangos em todas as direções, como se fugissem de um incêndio. Ela imaginou se Grover podia fazer esse tipo mágica com música, e se ainda estava dentro da casa, levando broncas do Sr. D.

Quando se aproximaram, Annabeth se deu conta de como a floresta era enorme. Tomava pelo menos um quarto do vale, com árvores tão altas e largas que a impressão era de que ninguém entrara lá desde os nativos americanos.

Quíron disse:

– Os bosques têm provisões, se você quiser tentar a sorte, mas armada, é claro.

– Provisões de quê? – Annabeth perguntou. – Armada com o quê?

– Você verá. O jogo Capture a Bandeira é na sexta-feira à noite. Você tem a sua própria espada e escudo?

Annabeth pensou na faca que usara em ambas as vezes em que enfrentara monstros, e imaginou se Grover, que provavelmente a havia pegado de volta, poderia devolvê-la. Estupidez, é claro. A faca nunca havia sido dela. Mas também não é de Grover, Annabeth pensou vagamente.

– Não. – Quíron respondeu a própria pergunta. – Não creio que tenha. Acho que o tamanho cinco vai servir. Mais tarde vou visitar o arsenal.

O passeio continuou. Annabeth viu a linha de tiro com arco-e-flecha, o lago de canoagem, os estábulos (dos quais Quíron parecia não gostar muito), a linha de lançamento de dardo, o anfiteatro para cantoria e a arena onde Quíron disse que eles realizavam lutas de espadas e lanças.

– Lutas de espadas e lanças? – Annabeth perguntou, curiosa.

– Desafios entre chalés e coisas assim. – Explicou ele. – Não são letais. Normalmente. Ah, sim, e há também o refeitório. – Quíron apontou para um pavilhão ao ar livre emoldurado por colunas gregas brancas sobre uma colina que dava para o mar. Havia uma dúzia de mesas de piquenique de pedra. Sem telhado. Sem paredes.

– O que vocês fazem quando chove? – Perguntou Annabeth.

Quíron a olhou como se ela tivesse ficado meio maluca.

– Ainda assim temos de comer, não temos?

Annabeth resolveu deixar para lá.

Finalmente, Quíron mostrou-lhe os chalés. Havia doze deles aninhados no bosque junto ao lago. Estavam dispostos em U, dois na frente e cinco enfileirados de cada lado. E eram, sem dúvida, o mais estranho conjunto de construções que Annabeth já vira. A não ser pelo fato de cada um ter um grande número de latão acima da porta (ímpares do lado esquerdo, pares do direito), eram totalmente diferentes um do outro. O número 9 tinha chaminés como uma minúscula fábrica. O número 4 tinha tomateiros nas paredes e uma cobertura feita de grama de verdade. O 7 parecia feito de um ouro sólido que reluzia tanto à luz do sol que era quase impossível de se olhar. Todos davam para uma área comum mais ou menos do tamanho de um campo de futebol, pontilhada de estátuas gregas, fontes, canteiros de flores e um par de cestos de basquete (o que era mais a praia de Annabeth). No centro do campo havia uma enorme área de pedras com uma fogueira. Muito embora fosse uma tarde quente, o fogo ardia de modo lento.

Uma menina com cerca de nove anos estava cuidando das chamas, cutucando os carvões com uma vara.

O par de chalés à cabeceira do campo, números 1 e 2, pareciam mausoléus casadinhos, grandes caixas de mármore branco com colunas pesadas na frente. O chalé 1 era o maior e mais magnífico dos doze.

As portas de bronze polido cintilavam como um holograma, de tal modo que, vistas de ângulos diferentes, raios pareciam atravessá-las. O chalé 2 era de certo modo mais gracioso, com colunas mais finas encimadas com romãs e flores. As paredes eram entalhadas com imagens de pavões.

– Zeus e Hera? – Annabeth adivinhou.

– Correto. – Disse Quíron.

– Os chalés parecem vazios.

– Cada chalé é feito para abrigar os filhos de um determinado deus. Diversos chalés estão vazios, é verdade. Ninguém jamais fica no 2, pois Hera não tem filhos, mas, embora seja difícil de notar por fora, Thalia vive no 1.

Annabeth arregalou os olhos, espantada.

– Thalia é filha de Zeus? – Ela não conseguia imaginar aquela garota atrevida que a insultara sem nenhuma vergonha sendo filha do Rei dos Deuses.

– Sim. – Quíron assentiu. – Thalia chegou com Luke aqui há cinco anos, e só saiu uma vez desde então. Eles quase morreram na reta final, mas foram salvos por um pequeno milagre. – A expressão de Quíron era tão triste que Annabeth não teve coragem de perguntar o porquê.

O Chalé 3 não era alto e imponente como o chalé 1, mas comprido, baixo e sólido. As paredes externas eram de pedras cinzentas rústicas salpicadas de pedaços de conchas e coral, como se as pedras tivessem sido cortadas diretamente do fundo do oceano, e parecia vazio, como o 2, mas, aparentemente, não como o 1.

Mas a maioria dos outros chalés estava abarrotada de campistas.

O numero 5 era vermelho vivo: uma pintura muito malfeita, como se a cor tivesse sido jogada a esmo com baldes e mãos. O telhado era forrado de arame farpado. Uma cabeça de javali empalhada estava pendurada acima da porta e seus olhos pareciam me seguir. Dentro pude ver um bando de meninos e meninas mal-encarados, disputando queda de braço e discutindo enquanto o rock tocava às alturas. A mais barulhenta era uma menina de talvez treze ou quatorze anos. Usava uma camiseta do Acampamento Meio-Sangue tamanho GGG embaixo de um casaco camuflado. Ela mirou em Annabeth e lançou um maldoso olhar de desprezo. Fez lembrar Nancy Bobofit, só que a menina do acampamento era muito maior e de aparência mais cruel, seu cabelo era comprido, esticado e castanho, em vez de vermelho.

Annabeth continuou andando, tentando ficar longe dos cascos de Quíron.

– Ainda não vimos os centauros. – Ela observou.

– Não. – Disse Quíron, chateado. – Infelizmente, meus parentes são pessoas selvagens e bárbaras. Você pode encontrá-los no mato ou em eventos desportivos importantes. Mas não verá nenhum aqui.

Annabeth viu Thalia conversando com Luke na frente do último chalé da esquerda, o número 11.

– Ah, veja. – Disse Quíron. – Luke e Thalia estão esperando por nós.

Quando se aproximaram, Thalia olhou para Annabeth com um ar crítico, como se ainda estivesse pensando em como ela roncava.

– Thalia, Luke. – Cumprimentou Quíron. – Eu tenho aula de arco-e-flecha para mestres ao meio-dia. Vocês cuidariam de Annabeth a partir daqui?

– Sim, senhor.

– Chalé 11. – Disse Quíron para Annabeth, fazendo um gesto em direção à porta. – Sinta-se em casa.

Entre todos os chalés, o 11 era o que mais parecia um velho chalé comum de acampamento de verão, com ênfase no velho. A soleira estava desgastada, a pintura marrom, descascando. Acima do vão da porta havia um daqueles símbolos de médico, um bastão alado com duas serpentes enroscadas nele. Um caduceu.

Dentro, estava abarrotado de gente, meninos e meninas, em muito maior número que os beliches. Sacos de dormir estavam espalhados por todo piso. Parecia um ginásio onde a Cruz Vermelha estabelecera um centro de refugiados.

Quíron não entrou. A porta era muito baixa para ele. Mas quando os campistas o viram, todos se puseram em pé e fizeram uma reverência respeitosa.

– Então tudo bem. – Disse Quíron. – Boa sorte, Annabeth. Vejo você no jantar.

Ele partiu a galope ruma à linha de arco-e-flecha.

Annabeth ficou em pé no vão da porta, olhando para a garotada. Não estavam mais se curvando. Olhavam para ela, medindo-a com os olhos. Annabeth conhecia essa rotina. Havia passado por ela em muitas escolas.

– Tudo bem. – Instigou Thalia. – Vá em frente.

Annabeth entrou, um pouco incerta, e Luke anunciou:

– Annabeth Chase, apresento-lhe o chalé 11.

– Normal ou indeterminada? – Perguntou alguém.

Annabeth não sabia o que dizer, mas Thalia disse:

– Indeterminada.

Todos gemeram.

– Vamos, vamos, campistas. – Disse Luke. – É para isso que estamos aqui. Annabeth, você pode ficar com aquele ponto no chão logo ali.

– Luke será seu conselheiro por enquanto. – Thalia disse à Annabeth.

– Por enquanto? – Annabeth ergueu uma sobrancelha.

– Você é indeterminada. – Explicou Luke pacientemente. – Eles não sabem em que chalé acomodá-lo, então você está aqui. O chalé 11 recebe todos os recém-chegados, todos os visitantes. Naturalmente Hermes, nosso patrono, é o deus dos viajantes.

Annabeth para o minúsculo espaço de chão que eles lhe deram. Ela não tinha nada para pôr ali e marcá-lo como dela, nenhuma bagagem, nenhuma roupa, nenhum saco de dormir.

Annabeth correu os olhos pelos rostos dos campistas, alguns mal-humorados e desconfiados, outros com um sorriso idiota, alguns olhando-a como se esperassem uma oportunidade de limpar os meus bolsos.

– Quanto tempo eu vou ficar aqui? – Annabeth perguntou.

– Boa pergunta. – Disse Luke. – Até você ser determinada.

– Quanto tempo isso vai levar?

Todos os campistas riram.

– Venha. – Disse Thalia. – Vou lhe mostrar o pátio de vôlei.

– Eu já vi.

– Venha.

Ela agarrou o pulso de Annabeth e a arrastou para fora, deixando Luke para trás. Annabeth ainda pôde ouvir o pessoal do chalé dando risadas atrás dela, e fez uma careta.

Quando estavam a poucos metros de distância, Thalia disse:

– Chase, você precisa fazer melhor do que isso.

– Qual é o seu problema? – Annabeth agora estava ficando zangada, e ela já não gostava muito de Thalia. – E daí se matei um sujeito-touro? Você não pode esperar tanto de mim quando eu acabei de entrar nessa!

A expressão de Thalia suavizou, e ela disse:

– Você sabe quantos neste acampamento gostariam de ter tido a sua chance?

– De serem mortos?

– De enfrentar o Minotauro. Para que você acha que nós somos treinados?

Annabeth sacudiu a cabeça.

– Olhe, se a coisa contra a qual eu lutei era realmente o Minotauro, o mesmo das histórias...

– Sim.

– Então só existe um.

– Sim.

– E ele morreu, tipo, um zilhão de anos atrás, certo? Teseu o matou no labirinto. Portanto...

– Monstros não morrem, Annabeth. Eles podem ser mortos. Mas eles não morrem.

– Ah, obrigada. Agora entendi tudo.

– Eles não têm alma, como você e eu. Você pode bani-los por algum tempo, talvez até por todo uma vida, se tiver sorte. Mas eles são forças primitivas. Quíron os chama de ar... Arqué... Argh, algo assim. Enfim, eles se reconstituem.

Annabeth pensou na Sra. Dodds.

– Você quer dizer que se eu matei um, acidentalmente, com uma faca...

– A Fúr... Quer dizer, a sua professora de matemática. Está certo. Ela ainda está lá fora. Você apenas a deixou muito, muito zangada.

– Como você sabe da Sra. Dodds?

– Você fala dormindo.

– Você quase a chamou de alguma coisa. Uma Fúria? Elas são torturadoras de Hades, certo?

Thalia olhou nervosamente para o chão, como se esperasse que ele se abrisse e a engolisse.

– Você não deve chamá-las pelo nome, mesmo aqui. Se acabamos tendo de falar nelas, nós as chamamos de as Benevolentes.

– Puxa, existe alguma coisa que se possa dizer sem que haja trovões? – Annabeth soou reclamona, até para ela mesma, mas naquele momento não se importou. – Por que tenho de ficar no chalé 11, afinal?

– Você ouviu Luke. – Thalia falou seriamente. – O Chalé de Hermes acolhe os viajantes. E a gente não escolhe simplesmente um chalé, Annabeth. Depende de quem for seu parente divino.

– Meu pai se chama Frederick Chase. – Disse Annabeth, franzindo a testa. – Mas eu nunca conheci minha mãe.

– Então é muito provável que sua mãe seja seu parente divino. – Respondeu Thalia.

Annabeth suspirou, esfregando ambas as têmporas, de repente se sentindo muito cansada.

– Eu tenho aceitado tudo isso muito bem até agora por que vi o Minotauro e uma Benevolente. – Disse ela calmamente. – Mas ainda não acredito que eu realmente seja filha de uma deusa.

Thalia suspirou. Era claro que já tivera aquela conversa com outras crianças.

– Você não estaria aqui se não fosse uma de nós, Annabeth. – Disse ela. - Eu até aposto que você ficou passando de escola em escola. Aposto que foi expulsa de uma porção delas.

– Como...

– Teve diagnóstico de dislexia. Provavelmente transtorno do déficit de atenção também.

Annabeth tentou engolir seu constrangimento.

– O que isso tem a ver?

– Tudo junto, é quase um sinal certo. As letras flutuam para fora da página quando você lê, certo? Isso é porque a sua mente está fisicamente programada para o grego antigo. E o transtorno do déficit de atenção... Você é impulsiva, não consegue ficar quieta na classe. Isso são os seus reflexos de campo de batalha. Numa luta real, eles a manterão viva. Quanto aos problemas de atenção, isso é porque enxerga demais, Annabeth, e não de menos. Seus sentidos são mais aprimorados que os de um mortal comum. É claro que os professores querem que você seja medicada. Eles são em maioria monstros. Não querem que você os veja como são.

– Você parece... Você passou pelas mesmas coisas?

– A maioria das crianças daqui passou. Se você não fosse uma de nós, não poderia ter sobrevivido ao Minotauro, e muito menos à ambrosia e ao néctar.

– Ambrosia e néctar.

– A comida e a bebida que estávamos dando a você para curá-la. Aquilo teria matado uma garota normal. Teria transformado seu sangue em fogo e seus ossos em areia e você estaria morta. Encare os fatos. Você é meio-sangue. – Thalia suspirou. – Acha que consegue achar o caminho de volta para o Chalé 11? Eu tenho aula de espadas daqui a pouco.

– Ah. Ah, claro. – Respondeu Annabeth, ainda distraída com toda a coisa de ela ser uma semideusa.

– Bom. – E, dito isso, Thalia deu as costas e foi embora.

Annabeth respirou fundo e apertou a mão direita em um punho, sentindo falta de sua faca que na verdade não era sua. E então, pela primeira vez, Annabeth se perguntou sobre a voz em sua cabeça. De quem era aquela voz? Porque não podia ser fruto da imaginação de Annabeth. E como ela entrara em sua cabeça?

Annabeth percebeu então que só havia escutado a voz quando segurara aquela faca. Talvez... Talvez a voz estivesse conectada com a lâmina de alguma forma. Talvez Grover também a escutasse.

A única certeza era que Annabeth precisava pegar aquela faca de volta.


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Notas finais do capítulo

Quero deixar bem claro que só estou postando tão cedo poque há pessoas boas e que t~em pena da autora que comentaram. OBRIGADA, PESSOAL, VOCÊS SÃO DEMAIS! Os outros, bem, todo mundo pode mudar. O que vocês acham? COMENTEM!