Diário do Silêncio escrita por Vaalas
Notas iniciais do capítulo
Hey!
“Aqui jaz um grande poeta. Nada deixou escrito. Este silêncio, acredito, são suas obras completas.” — Paulo Leminski
“Hey, então, você não me disse seu nome.”
E foi assim, sendo atingido por aquela bolinha de papel, que eu acordei em plena aula de física. Digo, não é lá como se eu fosse um mau aluno. A questão é que o silêncio dá sono, física dá sono, e ler os lábios de um professor velho demais dá sono. Tudo dava sono naquela aula. Então, quando a bolinha de papel me acertou a cabeça, meus reflexos por completo saltaram e eu não tive escolha senão pausar o sono.
Encarei o remetente, virando o rosto para o lado e dando de cara com um sorriso. A garota de mais cedo estava ali, me olhando com o canto de seus olhos — que, creio eu, eram de um castanho meio esverdeado um tanto comum demais. Aliás, ela era um tanto comum demais.
Depois que li, cheguei à conclusão de que em meio ao seu falatório de mais cedo ela houvesse dito o seu nome — algo que eu, obviamente, fui incapacitado de ouvir. Suspirei, apanhando a caneta e rabiscando o pedaço de papel.
Está aí mais um problema de ser surdo — como se só o fato de ser já não fosse um pacote completo. — todos os professores, todos, tinham que ficar me encarando enquanto explicavam o assunto, de modo que eu pudesse fixar o olhar em seus lábios e lê-los.
Naquele momento, Sr. Albert me encarava com seu semblante enrugado. Ficou assim por uns cinco longos minutos, e eu ali, fingindo que me concentrava nele e esperando a brecha para lançar o papel.
O único problema de estudar em uma escola não-especializada era esse: Você era especial. Em escolas preparadas para surdos, todos eram surdos, então ninguém era especial. E para ser sincero, não estava com nenhuma saudade desse tipo de escola.
Depois do que pareceu ser uma eternidade — podia sentir meus olhos lacrimejando pelo tempo que ficaram abertos —, ele virou para o quadro e começou a anotar algo. Joguei o papel e observei enquanto ela o lia.
“Foi mal, mas sou Elliot. E foi mal de novo, mas esqueci seu nome.”
Sim, sim. Nossa Elliot, como és mau. Fica fingindo-se de não-surdo enquanto a garota simplesmente quer se aproximar. É, eu sou patético, até mesmo fico conversando com um diário como se isso fosse algo másculo e normal.
Ela sorriu abertamente e bagunçou o cabelo curto — se é que era possível bagunçá-lo mais —, pegou a caneta e escreveu novamente. Não demorou muito até eu ter este papel em mãos.
“Estava imaginando que você provavelmente não prestou muita atenção no que eu disse mesmo...” Parei a leitura e olhei para ela. A garota sorria, mas não olhava em minha direção. “Não se preocupe, é normal, ninguém escuta tudo o que eu digo. Aliás, estava até estranhando o fato de você não ter me forçado a fechar a boca. De toda a forma, sou Cassie.”
A dita Cassie agora olhava para o quadro, como se não estivesse se importando com a resposta àquela cartinha boba. Era tão óbvio quanto tolo o fato de estar na cara que ela queria uma resposta. Logo, tentando saciar o que quer que ela estivesse tentando fazer — ou talvez, quem sabe, preencher aquele maldito silêncio com algo mais —, peguei novamente o papel e risquei-o.
“Não diria que não prestei atenção. De fato, tentei, mas você falava rápido demais. Posso levar os créditos por ter tentando entender e você pode levar créditos por tentar me fazer entender...”. Suspirei, percebendo só então que o Sr. Albert estava na frente da minha cadeira, a mão apoiada na cintura e o olhar um tanto severo e pesaroso. Severo, pois eu estava mandando bilhetinhos durante a sua aula. Pesaroso, porque eu era surdo. Eis aqui um dos benefícios de ser defeituoso. Você é como o "café com leite” no jogo chamado vida.
“O que pensa que está fazendo, Sr. Hathaway?” Ele indagou-me, movendo as mãos no ar e falando comigo pela linguagem dos sinais.
Baixei a cabeça, percebendo como toda atenção agora estava sobre mim. Até mesmo Cassie, a nova garota estranha de cabelos curto bagunçados estava estudando tudo atônita, como se não pudesse acreditar que, de fato, eu era surdo.
“Desculpe, Sr. Albert. Não se repetirá. ” Respondi, também com os sinais.
Digo, não é como se a culpa fosse minha, certo? Aquela garota era que estava me levando ao mau caminho.
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Acho que deve ter sido notado que as falas por leitura labial ou por meio de sinal está entre aspas e as falas escritas em papel estão em aspas e itálico. Qual Elliot falar (o que acontece com um pouco de frequência) suas falas curtas, estará com travessão normal.
E é isso, capítulo curto que também está mais para introdução. Diria que começa a ficar divertido (ou não) a partir do próximo, que acho que irei postar de noite, porque estou a fim.
Até logo e obrigada pelos reviews.