Chego ao grande edifício que é a minha escola, entrando com passos rápidos e largos. Faz seis dias. Eu realmente matei Lúcia.
Aguento os bombardeios de perguntas com tranquilidade. Por quê Lúcia não está vindo para a aula ?, Ela está doente ? Viajando ?

Não. Ela está morta.

E eu, sua melhor amiga, foi quem a matou.

Ando pela escola, e passo perto do armário de Lúcia e o encaro. Nunca vai voltar a vê-lo. Na verdade, não vai ver coisa alguma.
Já fui em sua casa depois de sua morte. Ela continua lá. Pálida. O chão manchado de um sangue que talvez nunca vai sair. Exalando um cheiro horrível. Seus olhos estão fechados como se estivesse dormindo. Se não fosse o sangue, e o fedor de seu corpo que apodrece eu poderia pensar que ela estava somente dormindo. E também se não fosse eu que a houvesse matado, claro.
Ela ainda não foi descoberta pela polícia ou por qualquer pessoa. Afinal, ninguém deu queixa. Lúcia não morava com os pais e eu era a única pessoa realmente presente. Eu era a única pessoa que podia dar queixa. Mas não vou simplesmente me entregar a polícia.

A coisa mais difícil disso tudo é fingir que estou realmente preocupada. Não estou. Milhões de pessoas me perguntam como estou. Se estou bem, como me sinto em relação a isso, e a minha real vontade é responder que estou bem. Porém, não posso. Tenho que fingir que sou uma espécie de pobre coitada que perdeu a melhor amiga, e que agora está deprimida e vai acabar se matando.
Mas posso perceber que as pessoas já desconfiam que não estou tão triste, e começo a me preocupar. Elas realmente precisam achar que estou triste, ou podem desconfiar que estou fazendo ou fiz algo... errado.

Ou desconfiar que tenho segredos.

E terei que voltar a eliminar... as pessoas que sabem demais. E isso seria ruim não é ? Pois quanto mais segredos você tem, mais vulnerável você é. Assim, decido me afastar das pessoas por algum tempo.
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Estou assistindo a televisão, distraída, quando de repente a tela fica preta. Continuo sentada tranquila, quando a casa de Lúcia aparece na tela, e eu fico alarmada. Sento na ponta do sofá, atenta a qualquer notícia. Uma mulher com um coque bem preso aparece na tela, com um microfone.

A imprensa não, por favor, isso não aconteceu, não acharam Lúcia.

– Boa tarde, Screenvile. Temos uma notícia trágica e triste da cidade. Foi encontrada a adolescente Lúcia, 16 anos, morta. Um ferimento do peito até seu quadril está aberto, e a faca foi encontrada na pia, o que dificultará a polícia.
'' Lúcia foi achada devido a queixa de uma amiga, Márcia, que tem sua idade e estuda na mesma escola, Colégio Screenvile. Márcia foi visitar sua amiga e, quando entrou na casa, se deparou com o fedor de um corpo em decomposição e sangue por toda parte. Alarmada, procurou sua amiga e viu seu corpo inerte e sem vida.
'' Com a faca limpa e a porta com impressões digitais misturadas, o caso vai ser dificultado para a polícia. Quando tivermos mais notícias, informaremos a população. Esperamos que esse crime hediondo seja solucionado.''
Passo a mão no meu cabelo, desesperada. No fundo, eu sabia que eles iriam a descobrir. Mas aquilo me chocou. Calcei meus tênis e corri até a casa de Lúcia.
Havia uma multidão, e eu me desesperava cada vez mais. Precisava também interpretar uma melhor amiga preocupada e triste.

Mas eu sabia que nos meus olhos eu era uma pessoa desesperada por saber que acabaria sendo descoberta. E isso me fez ficar mais desesperada ainda.
As pessoas sabiam. Eu tinha certeza que sim. Por isso, não fui até a casa de Lúcia, simplesmente passei direto, correndo para algum lugar longe dali.