O Colar do Parvo escrita por Marko Koell


Capítulo 52
Inevitável




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Não que tenha sido mais uma noite aterrorizante como eu supostamente já previa que seria, devido ao ataque de agora a pouco. Mas sim o medo que crescia a cada vez mais em meu coração, o temor de que algo pudesse acontecer aos meus pais, aos outros da ordem, e principalmente com Matheus.

Eu fiquei o resto da noite ali, sentado na cadeira, abraçado a um cobertor vermelho, olhando pra ele. Seu sono era tênue e ele quase não se movia.

Lembrei-me do dia em que ele me abraçou no corredor da escola, quando eu resolvi voltar a “uma vida normal”, logo depois do acidente. Foi quando todo aquele amor despertou em mim. Um doce e delicado amor. Recordei-me dos momentos ruins e bons que passamos. Nossa! Como aquilo era horrível, lembrar-se dessas coisas me trazia coisas ruins à mente. Tais como se algo de ruim acontecesse a ele.

Obviamente que Átimos sabia que eu o amava, tanto quanto ele amava seu filho, Étimos. Tanto que deixou que os outros morressem para que apenas ele sobrevivesse. Eu fecho os olhos e me arrependo piamente do que fiz aquele homem. Eu me arrependia, mais não sentia culpa. Eu fiz o que tinha que ser feito, e aquele era meu mantra, o que me mantinha certo de que coisas horríveis, simplesmente aconteciam.

Eu segurava o Colar do Parvo, e agora, olhando para ao coração eu pude ver um homem sentado em um tronco, com o olhar perdido, barbudo e de cabeços sebosos, vestia uma roupa suja e parecia estar faminto, ou doente. Era-me familiar aquele homem, no entanto, parecia viver em uma época bem diferente da minha. Pensei logo que talvez fosse uma visão que o colar estivesse me mostrando, deixei que ele me conduzisse até aquele rapaz.

Vi-me dentro da floresta, ao lado do homem, ainda enrolado no cobertor vermelho, foi quando o homem, subitamente e com uma voz triste disse:

– O que fazes aqui? – disse ele.

– Eu gostaria de saber, também!

– Não pode ficar aqui.

– Não?

– Quem lhe trouxe aqui? – dizia o homem, calmamente.

– Eu... eu vim sozinho.

– Aqui não se chega sozinho.

O que dizer agora?

– Onde estamos?

– Em um lugar escondido da mente.

– Escondido da mente?

– Se esta aqui, então deve saber o que isso deve significar.

– Na verdade eu fui trazido até aqui, mas eu não sei o porquê.

– Por acaso estava com seus pensamentos perdidos? – disse o rapaz, curvando-se mais para o chão, como se estivesse tentando enxergar algo melhor.

– Eu acredito que sim.

– E no que pensava?

– Em tudo.

– E o que seria tudo?

– Pensava em minha vida.

– E porque ao invés de pensar, você simplesmente não deixa as coisas acontecerem? É mais fácil e com toda certeza você terá menos dor de cabeça.

– Eu já pensei em fazer isso, mas e se eu não conseguir segurar as rédeas com firmeza?

– Provavelmente você cairá, e então ficara de pé e fará tudo novamente, só que melhor. Arriscar sempre é algo bom de fazer, a menos que não seja capaz ou que o ato seja impraticável.

– Desculpa, mas quem seria você?

– A pergunta seria, quem lhe trouxe aqui.

– Um colar mágico! – eu respondi sem delongas, algo me dizia que aquele homem não poderia me fazer mal algum.

– Um colar? Mágico? Então talvez isso explique o motivo de você estar aqui. – disse ele com um leve sorriso - O Colar do Parvo, não é? – disse o rapaz, ainda mais curvado. Percebi que ao redor tudo escurecia, como se a noite estivesse chegando.

– Sim. – eu respondi, suavemente.

O rapaz então forçou as pernas e ficou de pé, era quase do meu tamanho. Lentamente virou-se a mim e eu pude ver que seus olhos eram escuros, sua pele manchada, talvez de lama.

– Eu já disse como eu cheguei aqui, então eu agora pergunto, quem é você?

– Eu sou aquele que esta por detrás de seu poder!

– Como assim?

– Eu sou aquele cujo o coração foi mordido por uma serpente. Eu sou o parvo da tal lenda contada.

Aquilo era impossível, ou talvez nem fosse, mas era de estranhar que eu estivesse ali conversando com o Adamastor, o dono do coração cujo estava dentro da boca de uma serpente, que há anos se transformou em um colar e hoje estava sobre a minha posse.

– Como é possível? – eu perguntei.

– Muitas perguntas provavelmente virão a sua cabeça, e infelizmente nenhuma delas eu poderei responder. Tudo o que eu sei é antes do dia em que eu sucumbi aos sussurros de uma serpente, depois disso, nada! Mas no colar, uma parte de mim ainda vive, o meu coração, e eu tenho acompanhado tudo o que se passa durante todos esses anos. E é lamentável o que alguns homens estão dispostos a fazer para obter um pouco mais de poder.

– Sempre esteve me acompanhando? Se realmente fez isso poderia ter evitado muitas coisas que já aconteceram comigo, não?

– A vida é mais dura do que você possa pensar, meu garoto. O poder só pode ser conjurado por aquele que realmente o quer, não basta ter nascido de uma família mágica, é preciso querer possuí-la. Eu infelizmente, tive que aos poucos, ajudar você com essa questão. Eu não sou do tipo que prevê as coisas, mas eu posso dizer que algumas ainda estão para acontecer, e se você não souber o que realmente quer, irá cair. E levara todos com você. É um fardo que terá que ser aceito, mesmo que não queira carregá-lo.

– Porque eu? Minha mãe tem mais poder... não que eu queira que ela tivesse passando por isso, mas ela é uma bruxa, estudou e foi ensinada...

– Quando Átimos pegou a Taça dos Eruditos eu ouvi através dos ventos suas palavras que ainda ecoavam dizendo-se glorioso pela poção da Eterna Vida, e que um garoto seria o grande trunfo perante toda a comunidade mágica. Sua mãe sempre foi a mais fraca entre todos da família Taurino. Uma bela família e cheia de poder, no entanto alguns seguiram por caminhos errados. Sabendo da fraqueza dela, me mantive escondido perante aos olhos dos outros, ate que enfim eu consegui senti-lo. Lamento não ter chego à sua vida antes do terrível acidente, mas infelizmente, era algo preciso para que você pudesse aceitar o que estaria por vir.

– O que você esta querendo dizer com isso? – aquilo havia mexido com meus sentimentos, e eu estava com medo do que eu iria ouvir.

– Eu fiz com que Átimos soubesse quem seria o portador do colar. Eu deixei que eles descobrissem que você seria o meu guardião.

Aquilo era terrível de se ouvir. Eu havia confiado tanto no colar durantes esses anos, no entanto, ele tinha sido responsável pelo acidente que matara tanta gente. Inclusive, Júnior.

– Como assim? O que foi que você fez?

– Entenda, Kayo, era preciso...

– Preciso? Era preciso matar tanta gente? Era preciso matar meu melhor amigo? Você tem noção de quantos corações você partiu com essa atitude? Se não tivesse feito isso... talvez... hoje eles estariam vivos...

– Sim, talvez estariam, mas talvez você não tivesse descoberto o amor que sente pelo amado Matheus. Talvez não tivesse descoberto quem você realmente é e talvez eles teriam me achado antes de você, e hoje o mundo estaria perdido em trevas. Algumas coisas são necessárias para que outras ocorram, Kayo. É um mundo, inevitável.

– Não, eu não aceito isso como desculpa...

– Kayo, entenda, - o rapaz veio até mim. Ele não era velho, e nem jovem, e parecia perturbado com alguma coisa, o ambiente pareceu ficar mais escuro – Certas coisas simplesmente acontecem, para que outras sejam possíveis. Ás vezes nós temos que tomar decisões para que outras possibilidades surjam. Entendera isso quando for o momento certo, e saberá quando agir, e então me entenderá. Hoje você esta aqui comigo, porque eu devo-lhe minha lealdade. Mas não temos tempo para pensar, cogitar ou indagar os motivos das coisas feitas no passado. Deve abrir os olhos e partir, pois uma guerra se inicia com a morte do primogênito e você é o principal alvo dele.

A imagem de Adamastor foi se esvaindo lentamente conforme um rosto familiar ia se formando em minha frente. Era Matheus, que estava me olhando como sempre fazia, todas as manhãs.

– Bom dia! – disse ele docemente.

Ao abrir os olhos e desejar o mesmo a ele, eu me perguntei como havia parado na cama, já que eu estava sentado na poltrona do quarto. Mas na hora relevei, aquilo não era importante no momento. Eu precisava era desabafar com alguém.

Tomamos um banho e descemos para o café da manhã. Na mesa Kauvirno contou a todos sobre o ataque na madrugada e disse que as coisas estavam ficando piores. Já que a tal Brigada Inglesa estava se recusando em vir para o Brasil ajudar, dizendo que por lá estavam acontecendo ataques de grupos que se chamavam de Soberanus.

– É inadmissível eles acharem que isso parta dos Soberanus... – dizia Kauvirno quase que aos berros – O que eles precisam não esta lá e sim aqui... Átimos esta aqui no Brasil e eles precisam vir para cá... sempre foram assim.. ordenam mas não cumprem com suas funções e nós é que acabamos literalmente nos...

– Kauvirno cuidado com a boca... – disse minha mãe.

– Está bem, eu peço desculpas a todos... eu estou um tanto que fora de controle.

– Nós sabemos que eles agem assim... mas eles não sabem o porque os Soberanus estão atacando... pelo menos ainda não se foi comentado nada no meio de comunicação. – disse Marcelo com calma, tomando uma xícara de café com leite.

Após um conturbado café da manhã eu chamei Eduardo de lado e disse para me encontrar ao lado da piscina, pois queria falar com ele.

Aquele dia que passamos juntos, fez com que eu acabasse criando uma amizade incondicional com ele. Eu me sentia meio ridículo, pois sabia que ele gostava de mim, e as vezes parei para pensar que eu pudesse estar causando uma certa ilusão de que teria algo com ele. Mas algo me dizia que ele entendia muito bem as coisas. E por outro lado, ele ocupou o lugar de Júnior em meu coração... estranho pensar isso.


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