O Colar do Parvo escrita por Marko Koell


Capítulo 19
Invocare Focus




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– Mãe eu vi... eu vi como aconteceu mãe... – eu dizia a ela em choque, enquanto ela me abraçava.

Meu mundo agora havia desmoronado de vez. Se não bastasse eu me sentir culpado pela morte de Júnior, eu o vi morrer, e suas últimas palavras foram, “não faça nada contra ele, por favor... não com o Kayo”. Júnior tentou me proteger, até mesmo sem saber quem era aquela criatura que causara aqueles terríveis danos na minha vida.

Eu gritava. Chorava. Me retorcia no chão, pois a dor que eu sentia era tão grande, além da vergonha de olhar nos olhos de Matheus, que tentava se aproximar de mim, e eu pedia para que se afastasse de mim. Todos tentavam entender o que estava acontecendo comigo, mas naquela situação, só tentavam me reconfortar.

Minha tia então chegou com um chá e me forçou a tomar, e logo eu consegui me acalmar. Fiquei inerte áqueles sentimentos de culpa e pelo choque de ver a cena aterradora que eu tinha visto.

– Quando estiver mais calmo filho, nos conte o que aconteceu... – dizia minha mãe aos prantos contidos, evitando que eu chorasse mais.

Meu pai acabou saindo da casa junto com Kauvirno, retornando um tempo depois. Todos estavam prestes a ouvir a coisa mais horrível que eu teria que contar, pois me senti na obrigação, principalmente para Matheus, que estava sentado em um canto da sala, recolhido e chorando, enquanto me olhava e não se conformava com o que estava acontecendo.

Respirei fundo e enquanto as lágrimas desciam de meus olhos cansados eu via nos olhos dos outros a tristeza pelo acontecido. Eu não me conformava em saber que até em seus últimos instantes de vida, Júnior tentou me salvou e mesmo agonizando e suplicando para que fosse eu a sobreviver, esticou sua mão, enquanto eu estava sem nenhum aparente arranhão.

Matheus balançava a cabeça inconformado, enquanto era acudido pela minha tia e Mila. Tereza andava de um lado a outro, sem acreditar que eu tinha enfim, relembrado o momento mais infeliz da minha vida. Os gêmeos estavam um ao lado do outro, se olhando como se pudessem conversar através de seus pensamentos. Meu pai continha lágrimas encostado aos ombros de Kauvirno que parecia sereno apesar de toda a situação, e eu ainda ali, abraçado com a minha mãe, lamentando tudo o que tinha acontecido.

O meu melhor amigo, havia morrido suplicando pela minha vida, a uma criatura que ele talvez tenha pensado que fosse a própria morte vindo lhe buscar. Mal ele sabia que todos ali estavam morrendo por minha culpa. Por eu ser o guardião do Colar do Parvo.

Independente do horror que eu havia me lembrado, eu precisava me recompor. Não podia deixar que mais ninguém fosse ferido pelos os fardos que eu não queria carregar. Respirei fundo e comecei a falar sobre o lugar onde eu havia ido antes de me lembrar do que de fato havia acontecido naquele dia.

Ninguém disse nada, todos apenas ouviram.

Eu pedi para que minha mãe me levasse ao o quarto, pois eu queria ficar sozinho. Naquele momento, a vergonha de Matheus era tão grande que o que eu mais desejei foi não ter aceito aquela carona, onde delicadamente ele me beijou. Já no quarto, eu chorei por mais algum tempo, até que Matheus entrou e apenas deitou ao meu lado, firme como uma rocha.

– Não se envergonhe pelo o que aconteceu... eu ainda estou com você! – disse ele, beijando minha boca docemente.

Eu acabei por dormir, acordando no meio da noite com fome. Fui até a cozinha e lá estava Camila. Ela me abraçou por um tempo, e disse apenas que logo aquela sensação ruim, passaria. Acabamos por conversar mais sobre a visão da caverna e de Átimos sendo acordado pelo seu filho.

– As coisas estão saindo do controle. – disse ela.

– E você acha que eu não percebi isso ainda? – eu comentei – Oras, é a minha vida que está em jogo.

– A sua e de muitos!

– Que seja! Ele me viu lá, ele, a águia e Étimos. Vieram em minha direção.

– Mais isso é impossível. Você voltou no tempo, e o que aconteceu, é passado, não tem como interferimos no passado.

– Mais aconteceu, Camila.

– Está bem. Você esta nervoso, cansado e confuso.

Ela saiu da cozinha e eu terminei de comer. Matheus veio falar comigo, e eu acabei por deixá-lo sozinho, e subi para o quarto.

Na manha seguinte, na sala, todos estavam reunidos. Falavam sobre o dia de hoje. Sobre a tal reunião de Átimos.

– Bem, Alim é convidado para servir. Sempre foi assim! – disse Camila.

– Você tem desempenhado um ótimo serviço, Camila. Dou-lhe os parabéns. – disse Kauvirno.

– Obrigada! – disse ela num tom sem graça.

– Bem, então você irá como combinado e assim que puder nos passe o que está acontecendo.

– Está bem. Só peço desculpas por não ter falado antes de Átimos, foi uma semana bem conturbada. Idas e vindas no bar, muita gente perguntando. Infelizmente as coisas que se falavam lá são as mesmas que vocês já sabem. Não se comenta mais nada.

– O homem de capuz, ontem. Era Étimos, não era? – eu perguntei a Camila.

– Provavelmente. Eu nunca vi o rosto dele.

– Ele era idêntico, me refiro a capa, na visão que eu tive.

– Então se trata dele. Devemos tomar muito cuidado. A magia que eu uso para me disfarçar é antiga e poderosa, mais ele sentiu quando você apareceu lá. Tome cuidado! – disse ela, em alerta.

Todos então comeram pão, tomaram café. Havia um pedaço de bolo de chocolate ali também.

– Eu ainda não sei o que fazer em relação aos pais do garoto. – disse Kauvirno pensativo, sentado no sofá.

– Devemos esperar eles entrarem em contato.

– Sim Tereza, mais confesso que essa demora esta me angustiando. Imagine ao garoto.

– Filho, você deveria falar com Matheus. A forma como você o tratou ontem, despedaçou o coração dele. – disse minha mãe na mesa.

– Onde ele está? – eu perguntei.

– Saiu com os garotos, foram buscar algumas ervas que sua tia pediu para poções. Devem estar rondando o terreno da casa. Vá lá fora. – disse ela.

Sai da casa então para procurar os meninos. O céu ainda estava nublado, contudo fazia menos frio. O terreno estava igual ao de sempre e aos olhos de qualquer um a casa ainda estava abandonada. Mais isso não era algo que nos temia, já que quase ninguém vinha até a casa achando que a mesma era assombrada.

Fui então para o fundo da casa, tinha alguns arbustos ali e um longo terreno vazio e morto. Não consegui ver Matheus e os meninos. Fui caminhando e caminhando esperando que minhas pernas, através do que eu sentia por ele, fosse me guiando, no entanto andei e andei e não cheguei a lugar algum. Resolvi retornar circulando a casa.

No caminho, eu vi realmente o quanto idiota eu tinha sido com Matheus. Ele jamais iria me punir por algo que estava fora do meu alcance resolver, e talvez, já estava passando da hora de eu retribuir o amor que ele tinha por mim. Infelizmente o que aconteceu com Júnior foi horrível, e a única coisa que eu podia fazer naquele momento era vingá-lo.

Do outro lado da casa, no bosque, eu vi então algumas árvores, também mortas, no meio delas encontrei quatro figuras, decidi ir até eles. Era Nathan, Adrian, Matheus e uma moça, de estatura mediana e cabelos negros. Chegando mais perto agora pude perceber quem era. Aline.

– Olá! – eu disse.

– Kayo? Nossa você também esta vivo!

Senti um desapontamento em sua voz.

– É!

– Ela me ligou, estava desesperada então ela veio me ver. – disse Matheus. Adrian parecia muito interessado nela, não parava de olhar para seu rosto.. Nathan me olhou e depois desviou o olhar.

– Sei. Não era para sair de casa Matheus, é arriscado. – eu disse.

– Arriscado porque? – perguntou ela – O que esta acontecendo?

– Nada Aline, longa historia e já tem muita gente envolvida nisso. – eu disse.

– Então me envolva também! Vocês são meus amigos não vou deixar vocês na mão.

– Aline, nunca fomos amigos. – eu disse.

– Então é uma boa hora de sermos.

– Aline?

– O que foi Matheus?

– Estão acontecendo coisas muito estranhas...

– Estranha sim, você some da escola, seus pais somem... e você não desgruda do Kayo.

– É que eu e Kayo temos muita coisa em comum...

– Coisas em comum? Tipo o que?

– Matheus cala a boca. – eu disse o repreendendo. Ele não podia contar, seja lá o que estava pretendendo.

– Não mande ele se calar Kayo. – disse ela.

– Isso vai dar rolo! – murmurou Nathan. Adrian ainda olhava apaixonado por Aline.

– Aline, volte pra sua casa e não conte a ninguém que nos viu, ok?

– Não!

– Como não?

– Eu vou ficar com vocês.

– Não você não vai. – dizia Matheus.

A voz dela mudou. De doce para furiosa.

– Eu quero saber o que está acontecendo e agora. – disse ela – Matheus sempre fomos amigos, sempre tivemos um relacionamento legal.

– Isso foi antes de eu conhecer o...

– O Kayo, eu já sei! O que acontece entre vocês? Estão juntos? Você virou gay por acaso?

– Sim eu virei, se isso satisfaz os seus questionamentos.

Ela ficou em silêncio.

– Eu não acredito.

– Eu amo o Kayo, e nesse momento é isso o que importa.

Eu comecei a sentir frio.

– Como assim o ama. Você ama a mim.

– Eu pensei que te amava, não amo mais. Você é apenas uma amiga...

– Amiga? E os dias que passamos juntos, e as noites? Era amizade aquilo?

– Talvez naquela época não.

– Como naquela época não?

O frio começou a piorar. Nathan olhou para mim.

– Esta acontecendo alguma coisa. – disse ele, se aproximando de mim e olhando para o alto das arvores.

– Você tem que me amar... – Aline estava confusa e começou a chorar – Eu fiz tudo certo. Não esta me amando agora?

– Não! – disse ele.

– Como não? – disse ela indagando-o – COMO VOCÊ NÃO ESTA ME AMANDO AGORA?

O encanto de Adrian por ela pareceu cessar.

– O que você queria? Me ver? Agora me viu, vá embora antes que aconteça alguma coisa...

– Essa região esta sem proteção. – eu ouvi Nathan dizer ao irmão, Adrian concordou com a cabeça.

– Mas eu te amo! – ela começou a ficar agitada.

– Aline, o que está acontecendo com você? – perguntou Adrian.

Ela não respondeu.

– Eles mentiram pra mim... eles mentiram pra mim.

– Quem mentiu pra você? – eu perguntei.

– Desculpa meu amor... me perdoa. – disse ela se ajoelhando aos pés de Matheus.

Nathan e Adrian tiraram suas varinhas, que estava escondido por debaixo da blusa, fizeram um movimento elas se transformaram em suas bengalas.

O frio piorou nesse momento, e um forte vento soprou nas arvores mortas. Eu olhei para uma delas e vi algo se mexendo.

– Fiquem atrás de nós. – disse Adrian, olhando no mesmo ponto que eu.

Dali uma figura de asas surgiu, de cabelos vermelhos. Saltou e posou no chão. Sua roupa antes camuflada pelas árvores, agora se mostrava vinho. Era uma mulher. Suas asas sumiram das costas. Seu rosto opaco e belo se tornou assustador, com dentes grandes e olhos brancos.

– Mortais tolos! – disse ela numa voz melodiosa.

Aline ainda pedia desculpa.

– O que você quer? – perguntou Adrian.

Eu e Matheus fomos para trás dos irmãos, que seguravam as bengalas contra a vampira. Arrastamos Aline para atrás deles também. Ela ainda chorava.

– O Colar, obviamente!

– E meus pais? – perguntou Matheus.

– Ainda vivos, fracos e vivos, infelizmente. A raiva que eles sentem de vocês dois, me serviu de um ótimo jantar.

– O que você está querendo dizer com isso?- perguntou ele.

– Cale-se Matheus. – disse Nathan – Diga vampira, como faremos a troca?

– Troca? – perguntou ela, depois deu uma longa gargalhada – Está bem, o garoto pelos pais. Troca justa.

– Eu vou! – disse Matheus.

– Você é inútil garoto, me refiro ao guardião do colar.

– Eu vou! – eu disse.

– Não! – disse Nathan – Ninguém será trocado dessa maneira.

– Então os pais do lindinho amor de Kayo irão morrer.

– É o colar que vocês querem? Eu lhe dou o colar e façam bom proveito. – eu tirei o colar do pescoço. Ela pareceu vibrar.

– Me dê! – disse ela.

– Eu quero os pais do Matheus aqui agora.

– Kayo não entregue o colar.

– Eu sei o que estou fazendo Nathan.

– Primeiro o colar. – disse ela

– Não.

Aline ainda chorava e pedia por perdão a Matheus.

– Garota tola! Acreditou mesmo que ele iria te amar? Ele não te ama!

– Ele me ama sim, só não percebeu isso ainda...

– NÃO AMA! – gritou a vampira.

Uma forma humana se formou do lado da vampira. Era Melissa.

– Uma reunião e eu não fui convidada? – disse ela sarcasticamente.

– Melissa entregue os pais do Matheus que eu entrego o colar a você. Nas suas mãos. – eu disse.

– NÃO, o colar será dado a mim! – disse a vampira.

– Cala-se morceguinha, - disse Melissa irônica – Eu dou os pais do garoto, me entregue o colar. – disse Melissa seriamente, esticando sua mão, mostrando toda a sua prepotência.

Outra figura surgiu atrás de nós. E depois outra. Ambos vestindo preto. Dois homens. Os dois estranhos homens que conversavam com Aline no dia anterior na frente da casa de Matheus.

– E que garantias eu tenho de que os pais dele serão soltos?

– A minha palavra!

– Não sei se confio em sua palavra.

– É a única que eu tenho a dar no momento. Entregue o colar, garotinho.

Mais duas figuras surgiram do nosso lado.

– Está ficando perigoso demais, vamos voltar... – sussurrou Adrian. Matheus segurava a minha mão com força, e a de Aline que tremia.

– Porque todos eles aqui? – Nathan perguntou.

– Vocês é que andam em bandos moleque, estamos apenas imitando vocês. – disse Melissa.

– CHEGA! O Colar será dado a mim! – disse a vampira.

Suas asas se abriram novamente e ela virou pó.

– Traidora. – disse Melissa – Ela vai roubar o colar. – gritou ela depois.

Os exilados então, com seus cajados e Melissa com sua varinha se puseram em forma de ataque. A vampira surgiu no céu e lançou alguns raios contra eles. Depois algumas bolas de fogo. Todos os exilados retribuíram.

– Eu estou alimentada, com muito poder a ser liberado, seus idiotas – dizia ela rindo.

– Cuidem-se! – disse Nathan.

Nós nos abaixávamos e nos esquivávamos dos raios. A luta não era com a gente naquele momento e sim deles. Víamos apenas explosões e zunidos e o barulho dos raios quando acertavam as arvores. Senti então um puxão. Ao abri os olhos tudo cessara. Matheus estava atônito. A vampira estava sugando no céu, com uma mordida no pescoço a energia de Aline. Era estranho ver aquilo, uma nuvem branca emanava do corpo de Aline e entrava por todas as partes no corpo da vampira. Logo ela soltou Aline que caiu no chão desfalecida.

– Mais poder! – disse a vampira – Me dê o colar.

Nathan e Adrian então se puseram a lutar contra a vampira. Agora tantos os bons bruxos quanto os maus lutavam lado a lado, contra uma única pessoa.

Eu resolvi por o colar e pensar em fazer algo. Foi então que lembrei de algo que minha tia comentara. Mentalizei então uma bola de fogo que protegia, eu, Matheus, Nathan, Adrian e o corpo de Aline. Desejei com todas as minhas forças e então senti calor.

Olhei para as minhas mãos e vi que elas pegavam fogo. Eu não estava queimando, podia sentir a energia emanando de mim. O fogo na minha mão foi ficando cada vez mais forte até que eu não consegui mais conter tanta força e joguei meus braços na direção da vampira. Ela pegou fogo e virou pedra, caindo no chão e virando pó. Os exilados nos olharam e pararam. Melissa parecia atordoada em ver aquilo.

– Invocare Focus. Impossível! – disse ela horrorizada.

Eu então desejei sumir dali o mais rápido possível, lancei os meus braços, que ainda pegavam fogo em direção a ela. A intenção não era acertar. Formou-se um circulo que protegia a mim, a Matheus e os outros. Desse circulo formou uma bola, ao qual ficamos protegidos e então ela diminuiu. Sentimos muito calor e quando nos deparamos estávamos novamente dentro da mansão.

No colo de Matheus, em seus gritos desesperados estava Aline. Seu corpo estava sem vida e gelado.


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