A Morte tem olhos carmesim escrita por Witches


Capítulo 1
A morte bate à porta.




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Quando Lyanna abriu a porta e se deparou com aqueles olhos vermelhos encarando-a de um jeito intrigante, ela não fazia ideia do que esperar, ou nem sabia se esperava alguma coisa...

Muitas vezes não percebemos o tamanho de um problema, porque já estamos preocupados com muitos outros nos sufocando e rondando-nos por todos os lados. A questão é que, em certas ocasiões, o canto escuro que não olhamos é onde o verdadeiro monstro se encontra... e pior ainda quando ele está disfarçado com uma máscara amigável para nos fazer descarta-lo como uma real ameaça... É algo muito comum. Tristemente dessa forma. Porém, daquela vez, era o começo de um destino completamente incerto, mas que prometia crueldade. A mais pura crueldade.

Eles não sabiam, mas estavam bem mais próximos do quê imaginavam. Metade de um corredor, algumas portas eram o que os separavam, num local que não passava de um albergue barato localizado próximo ao centro de Mistic Falls, uma cidade que se poderia descrever unicamente como “medieval”. Não existiam tevês, computadores, geladeiras, tampouco energia elétrica. Lampiões iluminavam as ruas daquela noite fria de inverno, enquanto alguns homens calçando raquete de neves retiravam a funda camada de gelo que atrapalhava a entrada da hospedaria.

Aquele lugar era conhecido e, portanto, rejeitado e enojado pelos cidadãos de Mistic Falls. O nome da hospedaria há muito havia sido coberto pelo encardido de seus muros, mas ficara conhecido popularmente como “E.O” – Estadia Ordinária. Todos que pagavam barato para um quarto ali tinham motivos incomuns e, quem sabe, motivos que, de acordo com a sociedade, seriam imorais e perigosos. E Lyanna Storm se encaixava nesse aspecto, então se sentia em casa desde que chegara ali faziam apenas alguns dias. Homens de roupas ricas para aquela época a procuraram por seu codinome de mercenária, e deram-na uma missão: encontrar um cientista maluco chamado Makoto, suspeito de desaparecimentos de crianças, arrancar sua cabeça e trazê-la como prova de sua morte...

Em troca de todo esse trabalho, eles prometeram uma quantia gorda de dinheiro... é claro que a mercenária havia aceitado tamanho era o valor. E era simples. Encontrar e matar, afinal. Rotina de uma assassina de aluguel.

Utilizando-se de seus contatos, suas buscas frenéticas, ela o achou. Mas o filho da p*ta era mais cheio de truques do que ela imaginava...

Ela sofrera nas mãos dele. Fora presa, submissa à experiências, torturada até o ponto em que conseguira finalmente escapar levando consigo uma faca que conseguira roubar dele.

Mas a proposta ainda estava de pé. Lyanna não desistiria fácil de sua recompensa. Silêncio Sangrento não era chamada assim sem razão, afinal.

Então ela voltara ao hotel. Pedira mais um prazo para seus “patrões”. E, assim concedida, preparava-se para mais um ataque ao seu determinado alvo...

- Ora, Lyanna, você já teve missões piores. — ela dizia para si mesma, tragando um cigarro, sentada numa poltrona empoeirada, os pés afundados num carpete bagunçado enquanto ajeitava um tapa-olho sobre seu olho esquerdo. O quarto dela era uma verdadeira zona. Papelada em cima de cada mesa, roupas espalhadas por cada canto, sendo uma pequena parte delas, íntimas; culpa dos homens que serviam-lhe de diversão, que vez ou outra ela levava ao seu quarto...

Toc toc. As batidas na porta interromperam seus pensamentos. Ela olhou a madeira da mesma de uma forma curiosa. Poucas pessoas visitavam-na, afinal...

Quem sabe alguns dos seus “brinquedos” estava afim mais uma noitada...

Quem sabe alguém havia errado de endereço...

Mal sabia ela, nada disso. Ela não parou para pensar direito, e simplesmente se levantou, o cigarro, quase na metade, ainda em mãos. Indo até a porta, ela a abriu...

— O que quer? — ela indagou com um ar de quem não está nem aí pra nada. Típico.

— Hey — disse uma voz que ela nunca havia escutado antes, vinda de um rapaz que ela nunca havia visto antes... — Desculpa interromper, sabe... é que... bem, você tem açúcar aí, que possa me dar um pouco? Eu acabei de chegar e não tenho muita coisa no meu recinto.

— Açúcar? — ela indagou, meio... surpresa. Afinal, de todas as possibilidades que poderia pensar, jamais chegaria a suspeitar de que alguém batesse na porta de uma mercenária assassina para pedir açúcar...

Parecia tão clichê. E era.

Ainda mais alguém que ela jamais tinha ouvido falar, ou mesmo visto por aí, nem que fosse de passagem... E tinha certeza de que, se já o tivesse visto, se lembraria. Afinal... aquele homem era tão estranho. Usava roupas simples demais, até mesmo para aquela época. E calçados? Nem se pensava. Ele estava descalço ali, pisando naquelas tábuas de madeira sujas que formavam o corredor. Pálido, ele era. E com olheiras profundas. Parecia até um defunto... seus cabelos bagunçados e absurdamente negros davam ênfase aquela hipótese. Mas o contraste debaixo daquela franja emaranhada foi o que mais lhe chamou a atenção...

Íris vermelhas se escondiam bem ali. Brilhavam, olhos como ela jamais vira, encarando-a tão fixamente que pareciam nem mesmo piscar...

No meio de toda aquela análise, o olho azul dela foi obrigado à focar-se apenas no rosto dele, quando ele recomeçou a falar.

— Sim, sim. Mas se você não tiver, eu posso ir pedir em outro lugar e...

— Não foi isso o que eu quis dizer. — ela o interrompeu.

Numa situação daquelas, Lyanna o teria mandado pedir açúcar em um lugar bem específico... mas alguma coisa naquele rapaz a chamara a atenção. Ele parecia interessante... e, embora toda aquela aparência desengonçada, o dava um aspecto bem... exótico. Ela gostava disso. E então, a mercenária disse:

— Entre. Eu vou pegar uma xícara disso para você.

Ela deu as costas, olhando-o discretamente por cima dos ombros.

Muitas vezes não percebemos o tamanho de um problema, porque já estamos preocupados com muitos outros nos sufocando e rondando-nos por todos os lados. E é assim que ele simplesmente entra em nossas vidas... simples e rápido, sútil e discreto como uma bomba relógio...

Ele entrou. Fechou a porta atrás de si. Olhou em volta, não parecendo se surpreender com a bagunça... até fitar uma calcinha perto do pé da cama. E então ele inclinou a cabeça.

Lyanna voltara para perto dele, e estendera-lhe a xícara cheia de minúsculas pedrinhas brancas.

— Tome.

— Oh, muito gentil... — ele disse, pegando a xícara das mãos dela. — Obrigado.

— Enfim, você não se apresentou. — ela disse, cortando o agradecimento dele. — Disse que tinha acabado de chegar por aqui.

O rapaz coçou a nuca com a mão livre e inclinou a cabeça para o lado oposto ao de outrora, focando em Lyanna.

— De fato. Peço perdão por isso. Me chamo Beyond Birthday. Mas gosto quando me chamam simplesmente por “B”. E você?

— Sou Lyanna Storm.

Beyond Birthday... ela se recordava daquele nome de algum lugar... mas a mercenária só se lembraria de onde mais tarde...

— Belo nome, sabia? Um dos meus preferidos. Aliás... eu lembro de você. Mercenária, certo?

— Ao seu dispor.

— Legal.

Um silêncio vergonhoso se fez então enquanto ambos se encaravam... até Lyanna franzir o cenho de seu único olho, e Beyond pigarrear, apressando-se a dizer:

— O que uma mercenária faz por aqui?

— Missão sigilosa, cherry. Inacabada, entretanto.

— Bem, vejo que os boatos são verdadeiros. Alojam-se por aqui muita gente... hm... peculiar, não é?

— De fato, Beyond... aliás, B. — ela se corrigiu, girando sobre os calcanhares e sentando-se na mesma poltrona de antes, tragando o cigarro com força, deixando que a nicotina queimasse sua garganta, e então exalando a fumaça em direção ao rapaz, sem se importar.

Ele tossiu uma, duas vezes. Uma tosse que mais pareceu um engasgo, mas foi breve. Então a mercenária de olho azul inclinou a cabeça para ele.

— O que mostra que você não é tão normal quanto parec-.... digo... quanto deveria ser...

— Talvez. — ele deu de ombros num gesto amplo e, como se fosse para imitar ela, ele girou sobre os calcanhares mesmo que isto o fizesse se virar até a porta, então girou outra vez, voltando-se novamente para ela, e sentando-se, então, sobre uma cadeira um tanto afastada de onde a caolha se encontrava...

Seu modo de sentar... primeiro ele pulou para cima do assento, dobrou os joelhos para agachar-se ali, colocou a xícara cheia de açúcar no espaço entre sua cintura e colo, por fim sobrepujando seus pés...

Definitivamente ela estava certa quando evitou o “parecer” na última frase. Ele não parecia nada normal. Mas não era como se fosse uma ameaça, embora deixasse esta árdua suspeita no ar...

Seus pensamentos sobre os modos dele e suas pretensões foram interrompidos quando ela ouviu novamente a voz rouca e baixa dele fazer manifesto:

— Se você acha tão à margem da lei assim ou mesmo demasiado anormal andar de pés descalços, roupas largas, não pentear os cabelos com frequência, ser um vampiro, não gostar de azeitonas, ter dois olhos...

— Espere aí. — ela disse imediatamente, interrompendo prolongação na fala dele. — Repita os últimos feitios, B.

— Ter dois olhos?

— Não brinque com a minha cara.

Beyond deu um fechado sorrisinho trocista.

— Ser um vampiro?

— Exato. Como diabos assim? Os vampiros de Mistic Falls foram extintos há muito tempo pelos magos. Ainda está brincando comigo ou...

Ela parou quando viu ele retirar as mãos da xícara e levar o indicador direito à boca...

Ele entreabriu os lábios, e pressionou a ponta do dedo contra seu dente canino... e foi como se parte dele saísse de dentro da gengiva, como se estivesse se escondendo ali...

Era enorme. Muito grande comparado aos outros dentes. Quatro caninos, dois em cima e dois embaixo, afiados e pontiagudos...

Antes mesmo que ela falasse algo – talvez nem tão convencida assim -, visou ele perfurar seu próprio dedo com aquele canino, e ainda arrastá-lo dali até o pulso, fazendo um rastro de sangue que só aumentava, incrivelmente profundo mesmo para dentes como aqueles...

Ele virou a mão ensanguentada para ela, para que visse nitidamente o corte e o sangue.

— Não se assuste, ok? — ele disse, mesmo sabendo que aquilo não surpreenderia uma mercenária assassina. Ele a fitou novamente, enquanto uma gota vermelha caía no carpete bagunçado. E mais outra. E outra. E de repente, parou....

O corte havia fechado. Repentinamente, apenas o sangue restara ali. Sangue que Beyond fizera questão de passar a língua...

— Vê? Eu não estou brincando dessa vez.

— Eu estou vendo, querido. — ela disse com um tanto de ironia, sem alterar, contudo, o timbre de voz, embora a fala tivesse demorado um pouco a se formar. Lyanna permanecera do mesmo modo, a cabeça inclinada, mas o olhar azul brilhava com uma pitada de curiosidade e... interesse. — Que cativante... então o rapaz à minha frente é um vampiro? Quase me sinto ameaçada. — ela ironizou outra vez, enquanto inclinava-se para frente, mais para perto dele.

— E se eu estivesse com sede? Você se sentiria definitivamente ameaçada?

— Bem, querido B, eu... — ela parou outra vez. Sentira uma brisa rápida passar sobre si, e quando se dera conta, Beyond havia sumido. Simplesmente sumido.

— Hey. — a voz dele ecoou bem ao seu lado. Sentado no braço da poltrona, o maldito. Lyanna instintivamente afundou-se na poltrona o mais longe dele, e escorregara habilidosamente uma das mãos até a adaga afiada que escondia sempre em sua bota...

Beyond pareceu ter notado aquilo. E abriu um sorrisinho para ela.

— Acho que se sentiria sim, não é?

— Você é deveras rápido, hun?

— Relaxe, Lyanna. Não vou te atacar. Aliás, nem tenho essa intenção.

— E qual diabos é a sua intenção, oras?

— Bem...

Ele aproximou o rosto do dela, a boca entreaberta deixando os caninos à mostra. Nem parecia o B que havia batido na porta, ingênuo, embora suspeito...

— Eu não digo que sou um vampiro para presas. Então você não é uma. Você é apenas... uma pretensão.

— Explique-se.

— Bem... tá rolando por aí um boato de que a espada conhecida de uma certa mercenária foi encontrada pela guarda real num beco qualquer, junto com um bilhetinho de “vença na próxima” e uma assinatura embaixo. Essa foi a sua missão sigilosa e inacabada, Lyanna?

A caolha arregalou o olho azul.

— Então você já sabia?

— Talvez. Mas fiquei na dúvida. Afinal... aquele cientista lá, Mako-alguma-coisa, não deve ser fácil de lidar...

— E não é. — ela disse, o olhar fixo no dele, e então cruzou as pernas sobre a poltrona, as mãos ainda à altura das botas. — Contudo, não parece ter muito conhecimento sobre ele.

— E não tenho. Na verdade, só ouvi dele depois que descobriram seu envolvimento com o tal.

— Que diabos isso tudo tem a ver, afinal? Não gosto que saibam de mim sem que eu mesma saiba desta pessoa, entende? — ela disse, colocando a mão no cabo da adaga em sua bota. — Você já está suspeito demais, cara do açúcar.

Beyond fez um biquinho inocente...

— Calma, Lyanna. Sério, sabe que essa adaga vai ser inútil... mas nem vai precisar usá-la, afinal não quero beber seu sangue nem nada do tipo. Serião.

O rapaz inclinou-se para trás, afastando-se dela. Coçou a nuca, voltou a fitar a mercenária...

— Você não quer se tornar uma vampira?

Continua...


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