Sob os Olhos do Napoleão escrita por Ana Barbieri


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

POV: Holmes



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Capítulo 7

Anne provavelmente ficaria irritada com a reação de Mycroft ao seu convite. Meu irmão passou a se divertir com suas provocações para com ela desde que descobriu sua habilidade em formular respostas rápidas. Apesar dos olhares externos sugerirem apatia mútua, a relação entre ambos era de extrema camaradagem. Eles demonstravam o quanto em suas ironias.

Quando mencionei o convite para jantar, Mycroft sorriu e perguntou se Anne estava deixando seus ideais feministas de lado e se eu aprovava seus dotes culinários. Visualizei a reação dela logo em seguida. As sobrancelhas arqueadas e a boca esboçando um sorriso debochado, pronta para soltar uma de suas respostas, e meu irmão provavelmente riria.

O assunto se desviou para um dos recentes trabalhos dele quando fomos interrompidos por um dos membros do clube que viera avisar que uma senhora estava a minha procura do lado de fora do prédio. Presumi que só poderia ser Anne mais uma vez desrespeitando as regras com as quais previamente fingira concordar e sorri comigo mesmo. Convidei Mycroft para descer comigo, afinal, ela havia reclamado do fato de fazer séculos que não o via.

Contudo, para minha surpresa e grande aflição, foi a senhora Hudson quem encontrei parada na calçada. Seu rosto estava vermelho e seus olhos deixavam claro que ela estava tentando reprimir o choro, o que me fez pensar em Anne instantaneamente.

─ O que houve, senhora Hudson? – perguntei sem conseguir conter a agitação, segurando-a pelos ombros. – Aconteceu alguma coisa com Anne?

─ Oh, senhor Holmes, é terrível... ela... ela se foi. – respondeu a nossa senhoria sem mais conseguir reprimir suas lágrimas e atirando-se aos meus braços em busca de conforto. Todavia, eu era a última pessoa que poderia oferece-lo a ela naquele momento.

─ Sumiu?! – repeti tornando a segurá-la pelos ombros, agora com força. – Como?!

─ Foi minha culpa... eu... eu a deixei sozinha com um homem...

─ Quem era esse homem, senhora Hudson? – a minha voz já estava um tom acima do habitual e chamava a atenção de todos que passavam por nós.

─ Ele chegou dizendo que queria vê-lo, presumi que fosse um cliente, mas tentei impedi-lo de entrar porque o senhor não estava. A senhora Holmes interveio e pediu que ele entrasse. – ela tentava explicar em meio a soluços desesperados. E não me dera a informação que eu realmente queria.

─ O nome dele, senhora Hudson!

─ Ele não disse, senhor Holmes. – respondeu ela.

─ E como foi capaz de deixa-la sozinha a mercê de um homem que não tem sequer a decência de dizer seu nome? – indagou Mycroft, fazendo com que eu me lembrasse de sua presença.

─ Eu estava planejando um jantar especial de boas vindas para os dois... recebi o recado do açougueiro que o faisão que eu encomendara havia chegado... – a senhora Hudson tornou a explicar, mirando meu irmão com súplica de indulgência nos olhos.

Meu sangue fervia e minhas pernas começaram a tremer depois que a soltei. Olhei em volta, passando a mão pela cabeça. Só havia uma pessoa a quem eu poderia ligar aquele sequestro. O único em Londres com sangue frio suficiente para me afrontar daquela forma como vingança. E pela primeira vez desejei que minhas deduções fossem passíveis de grande erro, pois nunca antes sentira aquele medo e aquela sensação de impotência tão fortes. Eu não poderia permitir que tais sentimentos me dominassem se quisesse trazê-la de volta com vida...

Com vida... Só a mera hipótese de falhar e ter de encarar o corpo dela sem vida... E é exatamente assim que ele espera que eu me comporte, que eu me sinta. Aquele seria um teste para as minhas habilidades e nada mais do que um jogo para ele. O prêmio seria a vida da minha esposa.

─ Vamos trazê-la de volta, Sherlock. – assegurou Mycroft repousando uma das mãos no meu ombro.

─ Volte para Baker Street, senhora Hudson. – pedi quase ordenando. – Mycroft, pode vir comigo até a Scotland Yard?

─ Certamente, só espere enquanto eu apanho meu casaco e meu chapéu.

Era penoso ter que admitir, mas precisaria da ajuda de Lestrade no caso. Moriarty disporia de todos os meios obscuros para mantê-la sob seus olhos e em contrapartida eu deveria reter todos os outros para encontra-la. O professor não seria capaz de cometer a tolice de deixa-la em Londres, logo, o mais provável é que estivesse escondida nos arredores mais afastados da cidade. E assim que me aproximasse de lá, ele a moveria para outro lugar.

─ E o que quer que eu faça, senhor Holmes? – inquiriu Lestrade quando lhe expliquei a situação até onde eu a conhecia. – Que interrompa as atividades correntes da polícia para vasculhar a cidade? Sabe que não podemos sair invadindo casas ao nosso bel prazer. Precisamos de mandados e com essa magnitude podem levar algumas semanas...

─ Ela poderá estar morta em algumas semanas, Lestrade. Precisamos agir já! A Scotland Yard me deve mais favores do que eu jamais seria capaz de pedir. – disse com tom de voz cortante, fazendo com que ele me fitasse indignado. – Se não por mim, então por ela! Pela memória de Vladimir Bergerac que tanto contribuiu com a polícia. – acrescentei antes que ele pudesse me interromper.

Sabia que se ele concordasse em me ajudar seria pela consideração à antiga família Bergerac, pois por mais que apreciasse minha ajuda e valoriza-se meus poderes dedutivos, sempre existiria uma pequena rivalidade entre nós dois.

─ Muito bem, senhor Holmes. – disse ele por fim. – Faremos o melhor possível para reaver a senhora Holmes.

─ Eu agradeço imensamente. Espere por notícias minhas e mantenha seus homens atentos à saída da cidade. – disse me despedindo com um breve aceno de cabeça.

─ Não vai avisar seu amigo Watson? – perguntou Mycroft assim que saímos da delegacia. Foi como se houvesse sido atingido por um raio. Watson! É claro que ele deveria ser avisado, como amigo da família e como provável acompanhante na resolução daquele problema.

─ Por certo, mas não agora. Primeiro, voltemos a Baker Street para ver se ao menos uma vez Moriarty não foi cuidadoso ao encobrir suas pistas. – respondi chamando por um cabriolé. – Tomara que a senhora Hudson não tenha tentado arrumar alguma coisa.

─ Acha que houve luta? – indagou meu irmão, um tanto descrente.

─ Mycroft, você ainda a subestima. Anne jamais permitiria que a levassem de livre espontânea vontade, sem antes dar-lhes uma prova de com quem estão lidando. – disse com um quê de orgulho na voz.

Não havia móveis revirados, quando entramos no apartamento em Baker Street, mas o piso estava molhado há poucos metros da porta e um dos copos não se encontrava na bandeja com a jarra. Ela havia sido surpreendida por seu captor e tentou retardar seu sequestro jogando água nele. A janela direita estava aberta, o que prova que ela tentou chamar atenção de qualquer um que estivesse do lado de fora, mas foi impedida por Moriarty. Isto é, se ele agiu sozinho.

─ Viu isso, Sherlock? – interveio Mycroft, apontando para um pequeno envelope endereçado a mim que jazia sobre a minha mesa. Ao lado dele, a aliança de Anne.

“O Royal. Às sete. M.”

─ Bastante revelador. – desdenhei revirando o papel da carta.

─ De fato? – indagou meu irmão, também descrente. – Bem, ao menos ele escolheu o seu restaurante favorito. – acrescentou zombando.

─ Ele sabe que farei um escândalo por esse movimento ousado. Então, ao invés de vir até Baker Street mais uma vez para explicar as regras do jogo, prefere que eu me arrisque sozinho em local público, onde terei de parecer calmo com a situação...

─ E reprimir a sua raiva. Ou seja, ele se diverte duplamente ao sequestrar a senhora Holmes e com o a proteção das leis básicas de comportamento social. Sem falar no conhecimento de que, internamente, você estará passando por um sofrimento terrível. – concluiu Mycroft, solene.

─ Conseguimos entrar tão facilmente na mente dele, meu caro Mycroft, que poderíamos nós mesmos sermos os sequestradores. – comentei guardando a carta de volta dentro do envelope, voltando a minha atenção para o anel com o pequeno rubi.

Senti os olhos atentos de meu irmão enquanto o observava atentamente. A inscrição “mon cher souvenir” ainda estava bem nítida mesmo depois de todos aqueles anos. Uma brincadeira que fizera com Anne, já que possuía guardadas lembranças de alguns dos casos mais marcantes – como a fotografia de Irene Adler ou o carbúnculo azul* - e ela, por mais que fosse de carne e osso, não deixava de ter cruzado meu caminho graças a um caso. Tornando-se assim, o meu mais estimado souvenir. Reprimindo sentimentos que poderiam fazer daquela uma cena angustiante, tornei a coloca-lo sobre a mesa.

─ Esse M que assinou a carta – meu irmão começou a dizer, enquanto eu me sentava. – Tem alguma ideia de quem poderia ser?

─ Mais do que uma ideia, meu caro. E você também já ouviu falar dele antes, apenas ignorava sua tendência para a vilania. – respondi de pronto. – Professor James Moriarty.*

─ Moriarty? O autor do tratado sobre o teorema binomial? – exclamou meu irmão em choque. – Sherlock, isso é loucura. Um réis professor não teria tamanha influência. – pontuou ele em descrença.

─ Concordo que seja chocante para você, meu caro. Mas, a verdade muitas vezes parece ser. Asseguro-lhe, contudo, de que é a verdade. Pense em todos aqueles esquemas que pareciam não ter solução, Mycroft. Como vários deles pareciam estar intimamente ligados! A ligação é ele. O Napoleão do crime! – exclamei adquirindo um ar mais enérgico.

─ Você quase soa como seu maior fã, Sherlock. – observou meu irmão, arqueando as sobrancelhas.

─ O estilo e a classe com a qual ele conduz seus esquemas realmente me comove, meu caro Mycroft. – admiti. – Contudo, não ouse insinuar que aprovo as consequências deles. Como Anne sempre pontua: nossa mãe criou dois cavalheiros de altíssima lei moral. – acrescentei sério.

─ E você pretende comparecer sozinho a esse encontro. Mesmo conhecendo-o tão bem.

─ Ele provavelmente já sabe que fomos até a Scotland Yard e poderia formar um plano de fuga se eu levasse um dos agentes de Lestrade ou mesmo você ou Watson. Mas, não fará isso.

─ E o que lhe dá essa certeza? – quis saber meu irmão, visivelmente curioso.

─ Ele sabe que eu temo que qualquer movimento insensato poderá custar à vida dela. Então, ele sabe que vou agir com cautela. Correndo mais riscos do que o habitual. – expliquei.

─ Entendo. – assentiu meu irmão, se levantando para partir. Antes, no entanto, parou para analisar a aliança de Anne sobre a mesa. – Outra coisa que ele já sabe. Você se tornou mais parecido com um homem comum desde que se apaixonou por ela. Boa sorte, Sherlock. – comentou antes de fechar a porta.

Enquanto me preparava para o encontro com o professor, matutei aquela observação de Mycroft como uma espécie de conselho. “Mais parecido com um homem comum”. O Sherlock Holmes dos contos publicados no Strand pelo doutor Watson era um homem impassível, uma muralha rígida e impenetrável que jamais se sentira ameaçado por sentimentos. Até o dia em que a petulante e incorrigível senhorita Bergerac veio lhe pedir socorro. A partir dali, ele passou a ser visto dançando nos bailes de St.James, comprando presentes de aniversário em lojas femininas, assistindo a ópera de mãos dadas com uma encantadora senhora a quem fazia juras em francês como uma forma de provoca-la, visto o seu desprazer para com o país.

O Sherlock Holmes construído pelo doutor Watson receberia a notícia de um sequestro arquitetado pelo professor Moriarty como um desafio. Mas, o Sherlock Holmes que conhecera e se apaixonara pela senhorita Bergerac estava com medo. Moriarty sabia que eu tentaria esconder minha preocupação e brincaria com isso. Mycroft me alertara. E tendo isso em mente, guardando a aliança dela dentro do bolso interno do paletó, saí em direção ao Royale.

Ao entrar no restaurante, senti como se tudo conspirasse para que aquela noite saísse como o professor esperava. Ele não deu qualquer sinal de que notara a minha chegada à sua mesa até que o maître nos deixou. Estávamos localizados no centro do Royale, o que só comprovava a minha suposição de que ele pretendia fazer daquele encontro um teste para os meus nervos. Ainda sem trocarmos uma única palavra, ele acenou para que um dos garçons viesse à nossa mesa servir o vinho.

─ Bourdeaux, 1886. – deduzi sem mirar a garrafa. – Excelente safra.

─ Foi um excelente ano, de fato. – concordou ele, taciturno. – Não apenas para o vinho, creio eu.

Engoli o último gole do vinho em seco, sem deixar de fita-lo. 1886. O ano em que resolvera o caso Stanpleton e me casara com Anne. Realmente, Moriarty sabia ser mortífero em seus detalhes. Limitei-me apenas a sorrir de lado, esperando pelo próximo golpe.

─ Ao contrário do que a senhora Holmes parece pensar, você não confia tanto nela a ponto de revelar alguns dos seus movimentos. – Moriarty tornou a dizer.

─ Ela o conhecia através dos contos de Watson e eu pretendia fazer desse o máximo de experiência pelo qual Anne deveria passar. – respondi calmamente.

─ Preferiu me subestimar, então. – cortou ele. – Achou que não haveria retaliação depois que impediu meu assalto ao Louvre?

─ Nenhum homem sensato o subestimaria. – comentei. – Digamos que eu apenas preferi abraçar a minha sorte que, cá entre nós, provou-se grandiosa nos últimos anos, ao invés de alimentar hipóteses a seu respeito e à segurança da minha esposa.

─ Uma péssima decisão. – zombou meu anfitrião. – A propósito, eu não tive a chance de cumprimenta-lo pessoalmente pela notícia de sua paternidade. É de fato uma pena que ela deva passar por tudo isso estando em um estado tão delicado.

─ Você lamenta, mas não posso deixar de pensar que foi justamente essa notícia que o incitou ainda mais a seguir com a ideia. – retruquei, sentindo meu sangue começar a ferver.

─ Não seria um espetáculo tão grandioso se não houvessem tantos pormenores circundando a vítima, não acha? – provocou ele, enquanto se servia com mais um gole de vinho.

─ E você já tem arquitetado o grande finale? – indaguei também me servindo com mais um pouco do Bourdeaux. Ele sorriu.

─ A minha resposta já deve ter passado pela sua cabeça. – respondeu com malícia nos olhos.

─ E a minha já deve ter passado pela sua. – disse friamente.

─ É muito simples, senhor Holmes. – ele continuou depois de um longo silêncio. – O senhor dispõe de todo o serviço policial britânico, mas ambos sabemos que eles não conseguem pegar nem mesmo uma mosca que esteja a um palmo do nariz deles. Enquanto eu detenho todo o submundo de Londres sob minhas ordens. Sua honra residi na capacidade de nunca deixar um caso sem solução, enquanto a minha residi no fato de nunca ser pego.

─ E a sua prepotência e sucessos anteriores o fazem crer que nesse caso a sua honra prevalecerá. – interrompi apoiando as duas mãos na mesa.

─ Bem como a sua prepotência e os seus sucessos anteriores o fazem acreditar que a sua honra prevalecerá. Contudo, eu tenho vantagem no que concerne a imparcialidade. – retrucou ele mais uma vez zombando.

Eu estava prestes a jogar toda a prataria sobre a mesa pelos ares e partir para um ataque corpo a corpo, mas me contive. Pretendendo sair dali antes que não conseguisse mais controlar meus impulsos. “Mais parecido com um homem comum...”

─ Obrigado pelo convite, mas acredito que nenhuma comida me faria bem agora.

─ Eu realmente não esperava que fosse ficar. – disse também se levantando. – Outro compromisso me esperando em vinte minutos.

─ Então, que o jogo comece. – falei oferecendo-lhe a mão.

─ Que o jogo comece. – concordou Moriarty apertando-a.


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Notas finais do capítulo

*Eu juro que pesquisei MUITO para ver se achava um sinônimo ou uma explicação, mas é carbúnculo mesmo! Aquele diamante azul que o Holmes achou no papo do ganso, lembram? Aquele foi um grande caso!

*Eu sei que não é confirmado ou certo que o nome do Moriarty seja James, mas PELOAMOR, é quase uma falsa cultura amplamente divulgada! E eu não achei correto mudar o nome tipo... pra Christopher, hahaha. Então, verdade ou não, o nome dele na fic é James Moriarty!

Não acho que o Holmes teria compartilhado suas histórias com Moriarty com o Mycroft. Então, assim como a maioria da polícia britânica, o maninho ficaria desconfiado das suposições do Holmes. Mas, é mais provável que até o final do caso ele acredite no Sherlock do que o Lestrade. E sim, "o melhor possível" da Scotland Yard é um envolvimento normal. Sem grandes alterações, mas pelo menos podemos contar com a polícia... ou será que não? TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN... sem spoiler!

E mais alguém achou a gravação na aliança da Anne a coisa mais romântica feat. típico do Sherlock, além de mim que teve essa ideia? Sério, eu tenho uma baita inveja da minha person que vive a MINHA história de amor! Então, pessoal, é isso! Espero que vocês gostem... aquela caixinha ali embaixo é para que vocês me digam se sim ou se não e detalhe: ela não morde e não tem que pagar pedágio para usar.

A faculdade voltou com tudo e estou meio que abdicando de alguns deveres para postar hoje, então, não me trucidem se o próximo capítulo demorar. Mas, prometo que a minha demora não vai ser de um mês e meio... nem eu sou tão sádica! Nem mesmo o meu lado Moriarty, hehe. Bjoooos! Ótima semana para todos!