Realidade Imaginária escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 48
Manual de Aterrisagem para Portais Infernais


Notas iniciais do capítulo

Babys jujubaaas olha eu aqui mais uma vez!!
Aliás Feliz Ano Novo!!
Pra quem sentiu saudades esse cap está enorme e cheio de emoção.
Obrigada a todos os novos favoritos e a todos que comentaram!! Não desistam de mim! Apesar de demorar a postar repito minha promessa: nunca desistirei dessa fic! Ela será concluída!
Então, sem mais delongas, have fun!



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— Certo, chica, o que tá rolando?

Contive o revirar dos olhos, meus lábios crispados em desgosto. Leo riu da careta que tomou meu rosto.

Fazia poucos minutos que havíamos chegado ao México, especificamente a Teotihuacan, o antigo centro urbano de cidades incas marcado por enormes pirâmides de pedra com topo quadrado, como Leo fez questão de explicar antes que Annie pudesse abrir a boca, o que não a deixou tão satisfeita. No entanto ela foi a responsável por confirmar que aquela era precisamente a próxima parada da nossa missão: Teotihuacan significava deliberadamente “local onde os homens se tornam deuses”.

Um problema a menos. Só restava sobreviver ao próximo desafio: a batalha do labirinto. Ou o que quer que aquilo significasse.

Sendo um ponto turístico do México ficou decidido que atuaríamos durante o final da tarde onde o fluxo de turistas era menor, evitando contratempos desnecessários. Com as poucas horas livres até o fim da tarde o grupo se dispersou: Annie, Piper, Jason e Percy seguiram para um frondoso carvalho a leste das pirâmides, Annie em busca de mais informações sobre o Mestre depois do que foi revelado por Héstia enquanto os outros curtiam o pouco tempo de descanso.

Em poucos minutos estávamos apenas eu, Leo e Nico. E um silêncio perturbador. Era difícil ignorar os olhares intensos do filho de Hades sobre mim, era como fogo vivo sobre minha pele, mas resisti bravamente pronta para implorar para Leo passear comigo pelas ruínas, qualquer coisa para me afastar daqueles olhos negros que aqueciam meu peito ao mesmo tempo que me quebrava por dentro, mas Nico logo murmurou “vou conseguir comida” e sumiu na sombra mais próxima num piscar de olhos.

O alívio e a tristeza lutavam dentro de mim, mas puxei Leo e passamos a caminhar tranquilamente como meros turistas admirando as formações enormes. Até o moreno soltar a fatídica pergunta. Na verdade, ele conteve sua curiosidade mais tempo do que eu esperava, mas era óbvio ela viria mais cedo ou mais tarde. Não era como se eu e Nico escondêssemos muito bem. Os olhares intensos seguido do desviar dos olhos, o silêncio automático sempre que estávamos próximos, a distância entre nós. Qualquer um estranharia para um casal que um dia antes não conseguia ficar longe um do outro.

Deixei o silêncio durar mais um pouco, torcendo para que Leo mudasse de assunto diante da minha clara aversão a falar. Ergui os olhos. O filho de Hefesto ainda me encarava com as sobrancelhas erguidas, ele não desistiria tão fácil. Suspirei.

— Não foi nada...

— Nem me venha com “não foi nada demais” – Leo falou ao mesmo tempo com uma imitação ridícula da minha voz que me fez rir um pouco. – Você é minha amiga, Duda. Sei que tem algo de errado. Até porque o di Angelo volto a ser o carrancudo de antes. Então fala logo.

— Certo. – Admiti derrotada e dei de ombros, amenizando o assunto com um descaso fingido. – Eu e Nico... a gente se desentendeu. Foi só.

— Ah, não! Pode melhorar isso! – Leo exclamou exasperado enquanto se recostava na base de uma das pirâmides, os braços cruzados no meio do meu caminho. – Detalhes, chica, quero detalhes.

— Tudo bem, gossip girl! – Resmunguei e parei a sua frente, os olhos baixos enquanto sentia minhas bochechas corarem. – Quando estávamos na China, procurando pistas em um dos jardins, as coisas entre nós ficaram mais... intensas.

— Oh, agora tá explicado porque o Percy encarava Nico como se fosse mata-lo com a força da mente. – Leo falou consigo mesmo, acenando e sorrindo zombeteiro. – Não me diga que ele viu!

— É, ele viu... só um pouco. Mas esse não foi o problema. – Confessei e voltei os olhos para Leo que apenas inclinou a cabeça, um ouvinte atento me incentivando a prosseguir. – Antes de Percy surgir na mensagem de íris eu soltei uma frase maldita que foi o que causou tudo isso. Eu...eu disse para Nico que o amava.

Então o silêncio. Leo me encarava com os olhos arregalados e suavizou o sorriso ao ver meu rosto envergonhado. Senti a mão quente e pesada dele sobre meu ombro.

— Imagino que ele não disse nada depois disso.

— É. – Respondi fracamente, as mãos frenéticas contra meu cabelo. Meu coração apertado ao relembrar a cena. Culpando Nico. Culpando a mim. – Acho que isso foi pior, de certa forma. Se ele tivesse dito que não me amava, ou que não sentia tudo aquilo naquele momento ou mesmo que... que era tudo uma paixão momentânea teria sido melhor. Ao menos eu teria uma resposta! Mas o silêncio me fez especular tantas coisas, principalmente que eu sou uma idiota por amar tão rápido alguém que não sente o mesmo.

— Não, Duda, você não é idiota. – Leo falou suave me puxando de lado e voltando a caminhar comigo por entre as pirâmides, o braço sobre meus ombros de forma protetora. – E não acho que o silêncio de Nico quer dizer que ele não te ama.

— Nico sempre tem uma resposta para tudo! – Falei aborrecida. – Como ele não tinha nada a dizer sobre isso? Como o silêncio foi a única coisa que veio à mente dele?

— Nico é impulsivo para qualquer coisa que o deixe irado ou chateado, mas não para declarações que o deixe feliz, para sentimentos bons. – Leo explicou como se ensinasse algo a uma criança. – Pensa bem, você provavelmente o conhece muito mais do que eu. Depois da mãe e da irmã dele Nico se fechou completamente para sentimentos que não fossem a raiva ou a tristeza. Admito que deveria ser uma vida amarga, mas ao menos ele não sofreria novamente por amar alguém que poderia sumir a qualquer momento. O coração dele estava seguro, até você chegar.

— Bem... eu... – Gaguejei ao perceber o quanto as palavras de Leo faziam sentido, mas não dei o braço a torcer. – Eu também perdi pessoas que amava e mesmo assim sou capaz de amar de novo! Eu... eu não sou suficiente para ele fazer o mesmo?

— Esse não é esse o caso, chica! – Leo explicou com certa impaciência, mas sorriu. – As pessoas reagem a perda de formas diferentes. Você e eu, por exemplo, suprimimos a perda de quem amamos procurando amar ainda mais outras pessoas importantes em nossa vida como uma forma de superar a dor com sentimentos bons, entende? Mas Nico seguiu o caminho oposto. Ele suprimiu a dor expulsando esses sentimentos completamente. Acho que ele pensava que a forma de não sofrer mais com as perdas era não amar mais ninguém. Um método solitário de encarar as coisas, mas será que a gente pode julgá-lo?

Eu não tinha respostas para aquilo. Me senti ainda mais idiota por não ter pensado em tudo aquilo, por ter sido tão mesquinha. A mão de Leo apertou meu ombro me fazendo erguer o rosto envergonhada.

— Você é suficiente para ele, isso fica claro para qualquer um que fique perto de vocês por cinco segundos! Só você não percebe o quanto ele mudou depois que você caiu de paraquedas na vida dele. Acredite em mim quando digo que, apesar dos ocasionais ataques de sarcasmo e rabugice, Nico é uma pessoa completamente diferente agora. Uma pessoa melhor. Apenas dê tempo para ele também perceber isso. E um pouco mais de tempo para ele expressar isso em voz alta.

Me aconcheguei no abraço de Leo sentindo o coração mais leve. Ele estava certo. Nico sofreu tanto quanto qualquer outro semideus, até mais do que alguns. Ele só queria proteger o coração e, ainda assim, abriu parte dele ao admitir que era apaixonado por mim. Mesmo que os sentimentos dele não fossem tão intensos quanto os meus, ainda era muito para alguém que se privou de tanto. Eu fui mesquinha, egoísta e agora sabia que a culpa era toda minha por querer algo que Nico ainda não estava pronto para dar. Se paixão era o que eu teria dele, aquilo bastaria. Eu o amava e aquilo seria suficiente para nós dois porque o presente era tudo o que tínhamos já que o futuro era tão incerto. Naquele momento eu só queria me estapear por ser tão imatura, mas contive o impulso e voltei os olhos para Leo com um sorriso genuíno.

— Obrigada. Eu realmente precisava dessa conversa. – Suspirei e senti Leo bagunçar meus cabelos carinhosamente. Ergui uma sobrancelha quando ele se afastou alguns centímetros, ainda caminhando ao meu lado. – Mas como você ficou tão sábio de repente?

— Minha gostosice pra dedéu abrange um campo bem amplo, vai de beleza até sabedoria. – Ele debochou com ar superior – Poderia ter sido filho de Atena, isso é claro.

— Ah, com certeza. – brinquei e empurrei Leo de lado que riu. – Mas sério agora, como você sabia tudo isso?

— Bem, eu não tenho certeza, Nico e eu não somos melhores amigos da vida toda. – Ele deu de ombros, os lábios em um sorriso suave. – Mas imagino já que foi como me senti depois da Calypso.

Ele se calou, o silêncio pesado e estranho tendo Leo como companhia. Encarei o rosto duro e grave de meu amigo lembrando de sua expressão abatida quando nos encontramos no riacho do jardim chinês.

— Bem, como eu contei o que está rolando comigo, que tal agora contar o que tá rolando com você?

— Eu... – Ele estava prestes a negar até encarar meu rosto decidido e rir. – Eu não vou escapar mesmo né?

— De jeito nenhum.

— Ok.

Ele suspirou e narrou sem preâmbulos sua história desde o término com Calypso e sua amizade com Lucy. E seu beijo com Lucy. E o sumiço de Lucy antes dele sair em missão. A cada palavra Leo parecia mais abatido e preocupado.

— E agora, com essa revelação de Héstia, nada tira da minha cabeça que Lucy está envolvida de alguma forma. – Ele finalizou com a voz esganiçada, as mãos presas nos cabelos enrolados com força. – Eu só me sinto péssimo por não ter falado nada antes. Talvez nada disso tivesse acontecido se eu tivesse sido impulsivo como você foi. Se ao menos tivesse dito...

— Ei, não, eu o proíbo de pensar algo assim! – Falei em um sussurro raivoso quando entramos na fila de turistas para conhecer o topo de uma das pirâmides. Enquanto o guia falava sobre sacrifícios antigos e história sobre a construção do local, me aproximei de Leo evitando os olhares curiosos dos turistas. – Não importa quem esteja sobre controle do Mestre, nós vamos resgatá-lo. E tenho certeza que Lucy deve estar sã e salva no acampamento, morrendo de saudades de você. Quando voltarmos você terá todo o tempo do mundo para se declarar e eu, finalmente, vou ver meu casal preferido juntos.

— Esse não era Percy e Annie?

— Eu posso ter mais de um casal preferido!

Leo me recompensou com um sorriso que não chegou aos seus olhos e prendi meu braço ao seu tentando transmitir uma segurança que no fundo eu não sentia. Mas Leo precisava disso. Então apenas inclinei a cabeça em direção a fila que iniciava a subida pela pirâmide e seguimos os turistas enquanto a voz melodiosa do guia continuava a narrar fatos e mais fatos sobre as ruínas. Depois de quarenta minutos e muitas reclamações de turistas cansados chegamos ao topo. Encarei a cidade abaixo, as pessoas como formigas no chão gramado e os prédios ao longe brilhando sob a luz intensa do sol. Era uma paisagem maravilhosa. Eu e Leo estávamos em uma parte da pirâmide com o menor fluxo de turistas e enquanto Leo me contava sobre sua fascinação pelo México, as comidas picantes e a história do lugar eu imaginava o quanto minha mãe teria amado aquele local. Senti meu coração aquecer diante de minha imaginação fértil e quase podia jurar ter ouvido a risada dela ao meu lado quando senti os dedos de Leo se prendendo em meu braço com impaciência. Voltei os olhos para ele que inclinou a cabeça em direção à uma das paredes de pedra da pirâmide com ansiedade.

— O que houve?

— Você estava perdida em pensamentos olhando pro nada e ignorando completamente minha mina de conhecimento sobre as melhores comidas mexicanas então resolvi explorar um pouco o lugar. – Ele falou olhando ao redor e suspirando de alívio ao ver que, naquele momento, não tinha turistas a vista. – E olha o que eu descobri por acaso.

Ele ergueu a mão apontando para um espaço particularmente vazio da parede. Cerrei os olhos procurando ver melhor, mas nada parecia diferente de um pedaço de pedra cinza e quente. Me aproximei um pouco e quando começava a ver os contornos de algo a mão de Leo pousou no local e um brilho laranja pálido surgiu por baixo de seus dedos, os contornos antes opacos e esmaecidos ficando vívidos pela luz.

Um martelo, o símbolo de Hefesto.

— Então é você novamente? – Questionei confusa quando o símbolo perdeu o brilho no momento que Leo tirou a mão do local.

— Não exatamente.

Ele caminhou pela extensão da parede, as mãos sobre a rocha e os olhos atentos até parar de repente, poucos metros depois de onde o símbolo de Hefesto se manifestara. Ele apontou para um espaço na parede e eu forcei os olhos, dessa vez percebendo mais rapidamente os contornos de um símbolo que lembrava uma flor elaborada. Era tão esmaecido que parecia sumir e aparecer continuamente diante da luz do sol, mas estava lá.

— O símbolo de Afrodite! – Leo deu voz aos meus pensamentos e cruzou os braços me encarando intensamente. – Acho que dessa vez todos nós fomos escolhidos.

A teoria de Leo foi comprovada quando contornamos o topo da pirâmide e encontramos em três das paredes dois símbolos de deuses gregos em cada ponta e na última apenas o símbolo de Poseidon solitário no centro.

— Sete símbolos. Dois de Poseidon, um de Hades, um de Hefesto, um de Atena, um de Afrodite e um de Júpiter. – Concluí e Leo concordo quando voltamos à fila de turistas que já iniciavam a longa descida. – Você estava certo, somos todos nós dessa vez.

Leo deu de ombros com uma despreocupação fingida enquanto saltava um dos degraus e piscava para mim.

—  Preparada para formar o Megazord, chica?

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P.O.V. Nico

A viagem nas sombras foi mais rápida do que eu esperava. Ou melhor, do que ansiava. Acho que também posso culpar a atendente do McDonalds por ser tão versátil. Em poucos minutos todo o lanche estava pronto e ela me dispensou com um sorriso sedutor que só aumentou minha raiva. Além de deixar seu número no verso da caixa do McLanche Feliz. Revirei os olhos ao entrar na sombra ao lado do restaurante. Engraçado como um mês atrás eu provavelmente teria entrado em contato. Algo rápido, sem apego, era o que eu sempre procurava.

Mais engraçado era saber como um mês depois eu nem ao menos conseguia pensar em qualquer outra garota. Na verdade, eu nem queria pensar.

Emergi das sombras silenciosamente parando atrás do carvalho velho onde a maior parte do grupo se reunia. Annie e Piper pareciam muito entretidas com o laptop de Dédalo enquanto Percy babava com a cabeça jogado no colo da namorada.

— Já disseram que você deveria andar com um sino para deixar de ser tão furtivo? – Jason falou de repente, os olhos azuis com um brilho de divertimento quando ergui as sobrancelhas surpreso.

— É. – Murmurei lembrando quem exatamente tinha dito aquilo o que apenas piorou meu humor. – Já disseram.

— Oh, pela sua cara já até imagino quem disse...

Ignorei a alfinetada e me recostei no tronco ao lado do filho de Júpiter, distribuindo os lanches. O aroma de hambúrguer e batata frita arrebatou meus pensamentos por poucos segundos, minha barriga roncando em resposta, quando abri a caixa vermelha e amarela, ignorando propositalmente o telefone em caneta azul rabiscado no lado.

Até retirar o lanche junto com o brinde surpresa: Um pequeno boneco do Batman. O que levou meus pensamentos de volta a ela e suas referências constantes aos quadrinhos.

Incrível como cada detalhe me lembrava dela, principalmente quando eu me esforçava ao máximo para pensar em qualquer outra coisa.

Estava me perguntando se tudo aquilo tinha o dedo de Afrodite quando Jason chamou minha atenção com um empurrão de ombro.

— Se eu ouvir mais um suspirou seu juro que lanço você do outro lado desse parque. – Revirei os olhos dando uma mordida generosa no sanduiche e guardando o pequeno Batman em minha mochila. Jason riu. – Cara, o que tá rolando?

— Nada.

— Claramente é alguma coisa. – O loiro cruzou os braços e me encarou com um sorriso debochado. – Você não sabe o quanto é bizarro ouvir você suspirar tanto. Foi uns sete suspiros só enquanto abria a caixa! Nem sabia que você conseguia qualquer outro tipo de expressão que não fosse revirar os olhos ou um sorriso sarcástico....

— Tá, tá! Se eu contar você promete calar a boca? – Rugi apertando uma batata no punho fechado enquanto Jason ria e acenava, nada amedrontado. – Eu e a Swan... a gente se desentendeu.

— É, isso tá na cara. – Ele deu de ombros e me encarou de lado. Esperando.

Não sei o que me fez continuar. A expressão de desinteresse fingido de Jason ou a minha inominável necessidade de colocar toda aquela frustração para fora. Quando vi, não conseguia mais parar.

—  Quando cada um de nós estava investigando o jardim chinês, - Baixei o tom de voz e encarei Percy de relance involuntariamente. -  Eu e ela acabamos indo parar no banheiro....

— Nico, seu pervertido!

— Não passou de beijos! – Expliquei com um murmúrio lançando uma batata na boca e bebendo um gole grande do refrigerante ao lembrar da cena. Ou melhor, do calor. Espantei os pensamentos. – De qualquer forma, estava tudo bem até...

— Percy surgir no meio dos amassos? – Jason arriscou tentando conter a risada.

— Não. Por incrível que parece a situação se complicou antes disso. – Confessei recostando a cabeça na árvore e fechando os olhos, lembrando exatamente de quando tudo desandou. – Ela se declarou pouco antes de Percy aparecer. Ela disse que me amava.

— Ah, por favor, não me diz que você ficou calado! – Jason falou exasperado se virando para mim com os olhos azuis cerrados.

— É. – Murmurei envergonhado de repente. – Eu fiquei calado. Mas ela me pegou de surpresa!

— Porra, di Angelo.

— É, eu sei. Estraguei tudo.

— Mas porque não disse nada? – Jason perguntou com sinceridade. – Podia até ser o famoso “eu sei”.

— Bem, isso seria uma mentira, porque eu não sabia. Não sabia que os sentimentos dela eram tão fortes assim. – Respirei fundo encarando o loiro intensamente. – Não sabia que alguém ainda podia sentir algo tão forte assim por mim.

O silêncio foi total. Apenas os dedos frenéticos de Annie contra o teclado e o ronco baixo de Percy. Voltei os olhos e suspirei aliviado por nenhuma das garotas estar prestando atenção na minha clara confissão. Bem, Cupido, só faltava você aparecer agora!

— Eu fiquei em choque, totalmente sem palavras e só consegui ficar encarando enquanto ela parecia se quebrar diante de mim. – Falei com raiva e frustração. – Eu sou um idiota.

— Ah, nisso eu tenho que concordar! – Jason falou com um aceno firme e riu da minha expressão raivosa. – Cara, sempre ficou bem óbvio para todo mundo como vocês se sentiam em relação ao outro, mesmo antes de finalmente assumirem um relacionamento sério. Ela olha pra você como se não existisse mais nada ao redor e você parece não conseguir manter os olhos longe dela também. Sempre pareceu ser algo mais intenso do que suas costumeiras paixonites.

— E é algo mais intenso, mas eu não sabia o quão mais intenso era até ver nos olhos dela. Amor, de verdade. Não paixão ou desejo. Um sentimento tão cru e verdadeiro como o que apenas minha mãe e Bianca demonstravam, mas ao mesmo tempo tão diferente. – Bufei procurando as palavras certas enquanto erguia os olhos para as pirâmides, involuntariamente caçando os cabelos volumosos e o corpo esguio dela como se qualquer outra coisa fosse impossível. – Eu... eu não sei descrever.

— Bem, cara, essa é a descrição mais próxima de amor que você vai conseguir, pode acreditar! – Jason riu e me encarou intensamente. – A questão é: você sente o mesmo? Você também a ama?

A pergunta pareceu vagar pelo ar ao meu redor. Brincando, instigando, levando meus pensamentos a vagarem junto com ela. Algo dentro de mim ainda lutava. Meu antigo eu, aquele que perdeu tudo o que mais amava e decidiu não amar nunca mais. Ele sussurrava em meu ouvido. Assim é mais seguro, ele sibilava, assim é melhor. E realmente foi, por um bom tempo aquela foi a melhor forma de me reerguer, de descobrir quem eu era, quem eu precisava ser.  Aquele foi um ótimo escudo para sarar toda a dor.

Mas eu ainda precisava dele?

Lembrei do sorriso dela, do revirar de olhos, dos movimentos precisos e daquele deliberados. Das vezes que ela me enfrentou frente a frente e das vezes que ela apenas me ouviu. Das vezes que ela se defendeu com coragem e das vezes que ela me permitiu defende-la. De como ela era sensível e ao mesmo tempo implacável. Como ela passou por tanto, como ela também perdeu tanto e mesmo assim continuava a sorrir. Continuava a amar.

Como ela me amava e demonstrava isso em cada detalhe, em cada olhar, em cada toque.

E como foram as pequenas coisas, as mais simples que transpassaram minhas barreiras completamente e me fizeram sentir de novo. Alegria, prazer.

Amor.

O antigo eu evaporou como fumaça quando finalmente descobri que nunca mais voltaria a ser daquela forma. Eu não tinha mais medo de amar. Eu não precisava mais do escudo.

Ergui os olhos ao ver a silhueta curvilínea e a risada sincera da garota que caminhava em direção ao carvalho. Da minha garota. Sorri sem perceber, como uma resposta automática aquela voz. Acho que meus olhos brilhavam e meu coração acelerava no peito. Minha pele formigava e a resposta à pergunta de Jason pareceu algo simples, natural. Imutável.

— Eu a amo. – Sussurrei alarmado diante da verdade que eu já sabia muito antes, mas só se mostrou real quando proferi em voz alta. Meus olhos não se desviaram da garota que caminhava ao lado de Leo a poucos passos do grande carvalho, mas minha voz continuava baixa como se guardasse um segredo. – Eu a amo.

Jason sorriu pousando a mão em meu ombro.

— Então só falta dizer isso a ela. – E inclinou a cabeça em direção à morena que acabava de parar diante de Percy com um sorriso brilhante enquanto acordava seu irmão.

Encarei Jason com os olhos arregalados e assenti como se saísse de um transe, um sorriso glorioso se abrindo em meus lábios ao perceber que eu lutava para que as três palavras não saíssem antes da hora. Apesar de querer gritar pro mundo todo o sentimento recém-descoberto, sussurrar isso no ouvido dela repetidamente para que ela nunca esquecesse era minha prioridade.

Eu apenas esperava que não fosse tarde demais.

Caminhei decidido em direção à Swan que ainda brincava com Percy sobre ele babar demais e parei a sua frente, a sacola do McDonalds presa nos dedos. Ela ergueu os olhos surpresos para mim e contive o sorriso presunçoso quando a vi corar.  Percebi Leo se afastando de nós enquanto recebia a sacola que Annabeth lhe ofereceu e piscando discretamente para mim o que ajudou a aplacar um pouco a raiva que eu sentia dele. Voltei os olhos para Swan que sorria brincando com um cacho dos cabelos castanhos.

— Precisamos conversar. – Falamos ao mesmo tempo.

— Acho que pensamos o mesmo. – Swan riu, o som tão doce que fez meu coração saltar.

— É. – Foi minha resposta inteligente. Engoli em seco e ergui a sacola, o nervosismo repentino fazendo minhas mãos suarem. – Você deve estar faminta. A gente pode conversar quando terminar de comer.

Ela assentiu e encarou o embrulho, fixando no nome do restaurante, e riu com uma sobrancelha erguida, insinuante. Dei de ombros, mas não consegui conter um sorriso quando os dedos dela tocaram nos meus por segundos enquanto ela tomava a sacola nas mãos e sentava em frente ao grupo. Logo todos estavam reunidos em uma pequena roda ouvindo o relato de Swan e Leo sobre os símbolos no alto da Pirâmide da Lua.

— Então somos todos nós dessa vez? – Percy questionou com um bocejo, os olhos ainda vermelhos do cochilo recente.

— Pelo que nós percebemos, sim. – Leo respondeu dando a última mordida no seu hamburguer.

— E, de acordo com o guia, o nosso grupo de turistas foi o último autorizado a subir. – Swan completou, as pernas cruzadas e o olhar pesaroso. – Eles têm diminuído o tempo de visitação devido alguns ataques de animais selvagens que vem ocorrendo há alguns dias.

— Monstros. – Falei surpreso e ela apenas assentiu tomando um longo gole do refrigerante. – Então eles vêm se expondo cada vez mais?

— Pelo jeito o mestre está ficando mais confiante. – Piper resmungou apertando a grama verde entre os dedos.

— Ou mais descuidado. – Jason rebateu pensativo e todos olharam para ele confusos. – Bem o cara vem sendo um completo mistério esse tempo todo. Não acho que ele ia liberar seus bichos de estimação de uma hora para outra. Provavelmente ele está com foco em outro lugar e os monstros podem estar se aproveitado disso já que estão mais inteligentes.

— Faz sentido. E o foco dele deve ser a gente, no caso. – Swan comentou, os dedos mexendo freneticamente nos cabelos, ansiosa. Seus olhos verdes se ergueram para Annabeth. – Então Annie, alguma novidade nas suas pesquisas?

— Nada tão preciso, mas as informações de Héstia diminuíram bastante a lista de suspeitos de quem é o metre. – A loira digitou no laptop e crispou os lábios. – A certeza de que ele é de outro mundo eliminou os principais vilões gregos e romanos como o Cronos, por exemplo. Mas abriu um leque muito maior para outras culturas: nórdica, indiana, brasileira, egípcia...

— Egípcia? – Percy questionou, os olhos arregalados para Annie que assentiu com compreensão, como se estivessem em uma conversa que apenas os dois entendiam.

— E vocês dois suspeitam de algo. – Comentei encarando de um ao outro. – Ficou claro nessa troca de olhares. O que é?

— Bem, nós temos amigos que tem certa ligação com a cultura egípcia. – Annie confessou e suspirou. – Mas nossa única comunicação possível com eles é um celular velho que ficou no acampamento.

— Caramba, eu nunca imaginaria haver outros deuses. – Leo confessou encarando todos ao redor com os olhos arregalados. – Como eles decidiram quem dominava o que? Par ou ímpar? Adedonha? Ou foi automático pela combinação dos nomes? Tipo deuses indianos na Índia, deuses nórdicos pela Noruega, deuses egípcios no Egito...?

— Bem os deuses gregos dominam os Estados Unidos, então acho que sua teoria é meio inválida. – Swan cortou com uma risada diante da cara emburrada de Leo. – De qualquer forma acho que podemos focar nas culturas que tem alguma serpente como deus ou monstro já que o tal pergaminho que Apolo encontrou falava sobre uma serpente.

— É, eu pensei exatamente isso. – Annie bufou e mostrou um compilado de fotos que representavam deuses e monstros em formato de serpentes. – Mas temos serpentes em todas essas culturas!

— Teria sido de grande ajuda se Arthur tivesse revelado só um pouco sobre de onde ele era. – Swan comentou pesarosa e fechei a cara.

— Isso seria! – Annie concordou e fechou o laptop. – De qualquer forma precisamos seguir com a missão. Quem sabe se acharmos os outros fragmentos daquele papel que sempre vem nos livros não consigamos descobrir quem realmente é o tal mestre.

— E a gente podia continuar agora mesmo. – Swan afirmou de repente. Seus olhos se voltaram pra mim como se pedisse perdão. – Podíamos ir agora mesmo para a Pirâmide da Lua já que o horário de visitação já acabou e as pessoas já estão indo embora. Quanto mais rápido completarmos a missão aqui, mais rápido teremos o resto do pergaminho e estaremos um passo mais próximo de acabar com o mestre.

Apesar da decisão repentina, todos concordaram ao perceber que o número de turista diminuíra drasticamente. Enquanto o resto do grupo jogava copos e caixa no lixo segurei Swan pelo braço fazendo os olhos verdes-mar me analisarem com curiosidade.

As palavras fugiram de mim diante daquele olhar.

— Swan, eu... – Comecei e o sorriso dela me desestabilizou completamente. Era a coisa mais importante da minha vida que eu iria dizer para a pessoa mais importante da minha vida. Eu estava surtando por dentro. Engoli em seco. – Eu....

— Não, Nico, não precisa. Eu sei.

— Você... você sabe? – Pigarreei tentando escolher as palavras diante de minha confusão. – Como?

— Tá na sua cara, idiota! – Ela riu diante de meus olhos arregalados e tocou meu rosto tão carinhosamente que eu jurava que derreteria ali mesmo. – Eu sei que você é apaixonado por mim, eu sinto isso. Mas esse sentimento não é amor e eu entendo e posso lidar com isso. Eu te amo e posso esperar até você estar pronto para sentir o mesmo. Eu vou esperar. Desculpe por ter sido tão egoísta, por não ter pensado no que tudo isso significava pra você. Eu fui uma idiota e prometo não tocar mais nesse assunto até você estar pronto, tá?

Eu estava atônito diante das palavras dela, da compreensão e do amor em cada sílaba, mesmo que ela não precisasse esperar nenhum minuto a mais por mim. Eu estava pronto. Tomei suas mãos nas minhas, meus olhos fixos nos dela querendo que ela visse e sentisse todo o amor que preenchia meu corpo. Todo o amor que era dela.

— Swan, não...

— Desculpe interromper a reconciliação dos pombinhos, – Percy surgiu do nada, o rosto em uma carranca enquanto me encarava e apontava por cima do ombro – mas precisamos de você di Angelo.

— Que novidade! – Rosnei amaldiçoando tudo e todos que insistiam em interromper os poucos momentos de privacidade em minha vida.

— O que houve? – Swan questionou com calma encarando o irmão.

— Apesar de quase todo mundo ter ido embora os guardas por aqui não saem tão cedo. – Ele apontou para pessoas de uniforme azul, dois em cada uma das pirâmides vigiando as bases delas com atenção. – Provavelmente aumentaram a segurança devido os ataques.

— Então temos que ir lá pra cima de outra forma. – Jason completou surgindo ao lado de Percy com um sorriso brincalhão. – Uma forma mais sorrateira, se é que me entende.

Não contive a risada quando Swan arregalou os olhos ao perceber qual era a ideia do semideus. Ela gemeu frustrada, mas segurou minha mão com força. Em poucos minutos todos estavam de mãos dadas, uma corrente humana embaixo do carvalho. Estava prestes a entrar na sombra da árvore quando olhei ao redor, confuso.

— Acho que tem algo faltando... – Arregalei os olhos e assoviei alto. – Totó!

De repente um latido alto surgiu do meio das folhas. Logo uma bola de pelos pretos pulou em meu braço desesperada e eu segurei Totó com todas as forças antes de sumir no meio da escuridão junto com o grupo, a mão de Swan apertada contra a minha como se sua vida dependesse disso.

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P.O.V. Percy

— Annie?

Minha voz ecoou pelas paredes de pedra, pelo caminho que se estendia a frente, interrompido por uma curva sinuosa a poucos metros de onde eu estava.

A resposta foi o silêncio.

Aquele lugar era tão familiar e, apesar das paredes ao meu redor serem tão altas quanto prédios, eu podia jurar que o caminho a frente se curvava e se enroscava com o único objetivo de levar os desafortunados viajantes à loucura.

Aquilo era um labirinto. Literalmente.

— Mas que diabos!

Caminhei resignado enquanto repassava os acontecimentos anteriores, qualquer pista que confirmasse que os outros estavam bem. Depois que todos saíram das sombras criadas por Nico, Duda mostrou onde cada símbolo estava na rocha que formava a pirâmide e nos colocou na exata posição. Quando todos tocamos as mãos sobre eles o topo da pirâmide se iluminou e senti meu corpo ser sugado para dentro da parede. Era tão ruim quanto viajar com o poder de Língua Encantada de Duda. Senti meu estômago embrulhar quando ergui o corpo e me vi dentro do enorme labirinto. A luz era fraca vindo magicamente de algum lugar não identificado já que o teto era completamente fechado. A paredes de pedra cinza eram tomadas por plantas e o silêncio era perturbador.

Eu poderia ter andado por minutos ou horas ou dias. Cada curva era uma esperança e frustração ao mesmo tempo. Suspirei depois que mais uma curva me levou ao início.

— Certo, basta lembrar o que a Sabidinha falou sobre labirintos... – Encarei as paredes e retirei a caneta do bolso. Com Contracorrente em mãos marquei a parede mais próxima. – Marcar onde você já esteve e seguir com a mão sobre uma das paredes, nunca tirar a mão!

Sorri satisfeito usando o brilho de contracorrente para melhorar a iluminação e imaginando o sorriso de Annie ao descobrir que minha cabeça de alga serviu para lembrar de algo importante afinal. A cada curva eu deixava uma marca e depois de sete marcas um som chamou minha atenção. Franzi o cenho, o som aumentou.

Passos. Rápidos.

Apertei os dedos no punho da espada e posicionei os pés. Os passos aumentavam a cada segundo até o lampejo de dourado aparecer na curva a minha frente. Relaxei com um suspiro, um sorriso surgindo involuntariamente ao ver os olhos cinzentos da garota a minha frente.

— Sabidinha! – Em poucos passos estava com Annie em meus braços, seu corpo estranhamente tenso quando pousei a cabeça sobre a sua. Afastei-a de mim para olhar em seus olhos. – O que foi? Aconteceu algo?

— Não, nada. Eu só... – Ela mexeu a cabeça confusa, mas logo ergueu os olhos e sorriu. – Estava procurando você. Imaginei que seria complicado sair desse labirinto sozinho.

— Bem você me conhece bem demais. – Respondi envergonhado, mas ergui as sobrancelhas e a puxei de lado, voltando a seguir o caminho marcando a curva seguinte. – Mas que bom que lembrei do que você me disse sobre labirintos.

Encarei-a de lado esperando seu sorriso debochado e sua explicação inteligente de como labirintos são fácies de solucionar com o conhecimento certo, usando aquelas palavras complicadas que sempre pareciam sexys quando ela falava. Mas Annie apenas franziu o cenho confusa, logo colocando um sorriso forçado no rosto.

— É, que bom!

Franzi o cenho quando ela voltou os olhos para frente.

Algo estava errado. Algo estava muito errado com ela.

Alguns minutos depois chegamos a uma encruzilhada e Annie simplesmente seguiu em frente sem pensar muito a respeito. Franzi o cenho ao lembrar do último aviso que Annie me dera sobre labirintos: em encruzilhadas sempre escolher o caminho a direita. Hesitei por minutos ao ver que naquele momento Annie seguia reto, decidida.

Mais uma curva surgiu e eu marquei o local, olhando de relance para Annie que apenas esperava despreocupada. Apertei contracorrente e forcei um sorriso para ela voltando a caminhar tranquilamente.

—É uma pena que tenha perdido sua adaga antes de entrarmos ou você poderia me ajudar a marcar o caminho e não andarmos em círculos.

— Uma pena mesmo. – Ela lamentou com uma sinceridade real. – Eu realmente gostava daquela adaga.

Senti meu sangue gelar. Annie, a minha Annie, estava com a adaga bem presa ao cinto antes de entrarmos no labirinto. Encarei a garota ao meu lado, um ódio fervendo dentro de mim.

“Um último teste. Apenas isso.”

— Bem, de qualquer forma não vejo a hora de terminarmos logo essa missão. – Suspirei, o sorriso tão forçado que faziam meus lábios doerem. – Preciso daquelas panquecas do jeitinho que você me prometeu, lembra?

— Claro. – Ela falou rápido demais evitando meus olhos.

Parei a sua frente, a espada perigosamente próxima.

— Como exatamente você prometeu as panquecas Annie?

Ela hesitou, as mãos trêmulas, os olhos arregalados. O rosto de Annie me encarando aterrorizado pelo meu tom raivoso. Aquilo quase me quebrou.

— Amanteigadas? – Ela chutou e aquilo foi a gota d’água.

Ergui a espada para o pescoço da impostora, meu sangue fervendo ao pensar em como aquela coisa tomou o lugar da minha Sabidinha. O que ela teria feito como a minha Annie?

— Panquecas intensamente azuis. – Rugi a resposta certa e vi a impostora revirar os olhos com deboche e maldade apesar da lâmina afiada contra sua pele, uma expressão tão errada no rosto de Annie que apenas fez meu ódio aumentar. – Quem é você e o que fez com a Annie?

— Não deveria ter subestimado uma cria de deuses. – A coisa sibilou, a voz de Annie sendo substituída por um ruído rouco e arranhado. – Eu apenas tomei a aparência dela. Por sorte estará morta na próxima curva. Se tiver azar, um de meus companheiros estará se divertindo bastante com ela. Os gritos de vocês são os sons mais doces que ouvimos em milênios...

Antes que o monstro pudesse tomar sua forma real minha espada cortou sua garganta, o líquido negro e viscoso respingando nas paredes cinzas enquanto a coisa arfava no chão. O rosto ainda era de Annie quando a coisa parou de se debater, os olhos cinzentos abertos e mortos. Desviei os olhos e me afastei quando o corpo sumiu em poeira. Meu peito acelerado enquanto eu corria e chamava Annie sem parar, me esquecendo de marcar as curvas ou manter a mão sobre a parede. Eu estava desesperado.

E se a coisa estivesse certa? E se tivessem capturado Annie? A aparência dela era idêntica à da minha garota. Cada pensamento era como um soco contra meu peito, arrancando pouco a pouco minhas forças.

— Annie... por favor.

Ergui os olhos, os punhos cerrados sobre uma marca na parede. E então passos vindos da curva seguinte. Ódio e frustração fazendo meu corpo agir por impulso quando saltei no corredor com a espada erguida.

— Por Hades, Percy! Mas que diabos...

Não me deixei levar pela aparência idêntica à de Nico e ergui a espada pronto para atacar no exato momento em que o garoto a minha frente se defendeu com a espada negra.

— Jackson, é você?

Forcei a minha espada enquanto ele manteve sua espada negra firme, os olhos confusos e espantados em minha direção.

— Quando te conheci você era fã de um jogo de cartas. – Soltei de repente, uma sobrancelha erguida apesar de não ceder a espada. – Qual era o nome? Responda, agora!

— Mitomagia! – Nico gritou quando fiz mais pressão e seu braço vacilou por segundos, mas ele se recuperou e sua espada riscou contra a minha. – Eu tinha quase todas as figuras de Mitomagia, menos uma. Hades, eu não tinha Hades até você me dar depois da missão com Bianca.

Baixei minha espada com alívio e Nico fez o mesmo, respirando fundo enquanto suor escorria por seu pescoço.

— Não vai me testar também? – Questionei.

— Você sabe sobre Mitomagia. – Nico rebateu entre arfadas. – Além de que se você fosse um desses monstros metamorfos não estaria me fazendo esse tipo de pergunta.

— Justo. – Concordei recostado em uma das paredes e recuperando o fôlego. Nico não parecia melhor. – Então, quem apareceu pra você?

— Swan – Ele suspirou, os punhos cerrados. – Foi fácil reconhecer que não era ela. A parte de matá-lo foi mais difícil. Eram... eram os olhos dela me encarando sem vida...

— Eu sei. – Falei simplesmente ao lembrar dos olhos sem vida de Annie e imaginar os olhos verdes e brilhantes de Duda da mesma forma. Era insuportável. – Eu preciso encontrar Annie, saber se ela está bem, se não foi capturada, se...

— Percy, você tá falando de Annabeth Chase. – Nico exclamou embainhando a espada. – Ela com certeza se virou tão bem quanto a gente.

— Mas se o monstro sabia a aparência exata dela com certeza a viu....

— Por algum portal ou o próprio Mestre se encarregou de mostrar exatamente como ela era. – Nico cortou despreocupado o que me acalmou um pouco. – Duvido muito que Annie tenha sido capturada e, de qualquer forma, correr enlouquecidamente pelo labirinto atrás dela não vai adiantar de nada. Elas estão bem, temos que acreditar nisso.

Concordei a contra gosto apesar de saber que Nico tinha razão e passamos a caminhar lado a lado enquanto compartilhávamos tudo desde que entramos no labirinto. Ele me contava como descobriu que a Duda era uma impostora quando um som de gritos e guinchos surgiu de repente. Apressamos os passos enquanto o barulho ficava cada vez mais claro. Após algumas curvas, um som de espada, um guincho inumano, um grito agudo e enfurecido, um praguejo em outra língua. Nico arregalou os olhos e passou a correr.

— O que foi? – Corri ao seu lado dobrando a direita em uma encruzilhada.

— Aquilo foi um palavrão...em português!

Meu coração foi parar no estômago. Corremos pela curva seguinte e derrapamos no corredor ao ver a cena que se desenrolava.

No fim do corredor, a uns 20 metros de onde estávamos, Duda lutava contra Nico, ou no caso um monstro idêntico ao filho de Hades, e às suas costas um portal dourado brilhava impetuosamente. Para meu total orgulho ela dominou o Nico falso facilmente, sua espada adentrando o corpo dele e saindo com uma rapidez formidável. O monstro caiu contra a parede enquanto Duda se voltava para o portal, hesitando segundos quando seus olhos viram a mim e Nico. O sorriso dela trouxe um alívio que eu não sabia estar precisando. Ela piscou com humor e ergueu as mãos para o portal, pronta para destruí-lo enquanto o corpo do Nico falso se movia às suas costas.

Meu sangue gelou.

O monstro não se desintegrara.

— Swan! – O Nico verdadeiro gritou ao meu lado, o desespero palpável em sua voz.

Comecei a correr junto com o garoto ao meu lado, mas tudo aconteceu rápido demais. Apenas cinco metros nos separavam de Duda quando ela gritou sua palavra mágica e o portal brilhou mais forte no exato momento que o monstro se ergueu e correu em direção ao portal. Uma missão suicida que eu estaria feliz em deixa-lo concluir antes de ver suas mãos, que já se transformavam em garras, se prenderem nos braços de Duda e ele pular no portal instável.  O grito de minha irmã foi aplacado pela explosão de luz e energia que fez meu corpo ser jogado na direção oposta. Apesar dos sentidos embaralhados forcei meu corpo a se erguer e quando abri os olhos apenas o labirinto vazio me encarava de volta.

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P.O.V. Duda

Das várias perguntas que deveriam estar me martirizando naquele momento como: “porque não me certifiquei que ele estava morto?” ou “será que minha onda de azar um dia terá fim?” a única que se superou foi: “Onde esse portal dos infernos vai terminar?”

Eu poderia estar caindo por segundos ou dias, as espirais negras e douradas ao meu redor não davam nenhuma dica de onde eu estava. Bufei frustrada. Eu matara o monstro Nico falso logo que caímos pelo portal, dessa vez confirmando que minha espada o partira ao meio.

— Deveria ter demorado mais. – Murmurei, minha voz saindo como um eco no meio do nada. – Ao menos teria algum entretenimento agora.

Apesar da ansiedade e apreensão do que encontraria no fim minha cabeça voltava para a última imagem que vi: Percy e Nico me encarando com olhares de medo e desespero, os braços esticados como se pudessem me puxar de volta. Foi por muito pouco, mas agradeci aos deuses por eles não estarem mais perto. A explosão deve ter lançado os dois longe, mas se estivessem alguns metros mais próximos do portal poderiam ter sofrido ferimentos mais graves. Encarei meus braços que ardiam em vermelho, bolhas surgindo esporadicamente, e imaginei que eu também tivera sorte embora suspeitasse que ambrosia não curaria aquele tipo de ferimento.

Então senti meu corpo acelerar, o vórtice de poeira e fumaça cada vez mais rápido fazendo minha cabeça rodar. Senti uma pressão estranha ao meu redor como se toda a gravidade me comprimisse naquele exato ponto, meu estômago embrulhou e senti que minha cabeça poderia explodir a qualquer momento. Jurei que nunca mais implicaria com as reclamações de meus amigos pelas viagens com meu poder. Então tudo parou e senti o redemoinho ao meu redor sumir dando lugar a um espaço vazio. Meu corpo continuava a acelerar e senti como se atravessasse petróleo, o espaço silencioso e escuro ao meu redor moldava meu corpo, empurrando e puxando. Eu me sentia em câmera lenta, mas sabia que minha velocidade não diminuíra. Era uma sensação estranha, eu sentia o lugar como algo vivo que havia sido corrompido de alguma forma.

Como se falasse comigo e pedisse socorro.

Olhei ao redor e vi apenas luzes douradas como flashs e antes que pudesse focar em algo a mais fui lançada em outro portal. Dessa vez a viagem fora mais turbulenta e no momento que senti meu corpo no limite o portal sumiu mais uma vez e eu caí. O impacto foi como um soco, mas ao menos o chão não era dos piores. Só tive tempo de erguer a cabeça e vomitei tudo que havia no estômago, o que não era muito. Espasmos e tosse me dominaram e senti meu corpo ser erguido por mãos gentis e firmes.

— Que entrada, garota! Basta melhorar a aterrisagem.

Ergui os olhos diante da voz familiar e não contive o sorriso aliviado ao ver o olhar admirado e contente que Thalia me lançava. Já sentia meu corpo se recuperar da viagem pelo portal quando as caçadoras soltaram meus braços calmamente e Thalia se aproximou me abraçando com cuidado.

— Pelos deuses, como você veio parar aqui? Onde estão os outros? – Ela se afastou e encarou meus braços ainda vermelhos com os olhos arregalados. – Como conseguiu esses ferimentos?

Suspirei resumindo minhas desventuras desde que meu grupo se separou das caçadoras. Thalia ouviu atentamente e quando terminei ela contou sua história enquanto me estendia uma folha de ambrosia e um pouco de néctar de um cantil. No momento estávamos na França, o quarto país que as caçadoras chegavam para acabar com a horda de monstros que aterrorizavam os mortais. Em nenhum dos outros países haviam portais, apenas grupos dispersos de monstros que pareciam focados em causar o maior caos possível. Até aquele momento.

— Matamos todos os monstros que estavam vindo para cá, mas chegamos a pouco tempo aqui e encontramos o portal. Você foi a primeira a sair dele. – Ela explicou.

— Na minha viagem para cá vi apenas o monstro que me atacou no labirinto. – Confessei enquanto encarava meus braços esperando as bolhas sumirem. Como suspeitava a ambrosia e néctar diminuíram o ardor, mas a vermelhidão e bolhas continuavam lá. Suspirei e encarei Thalia. – Quem sabe não esteja desativado ou algo assim.

Ela me encarou com a sobrancelha erguida. Nenhuma de nós acreditava nisso e como se para confirmar um barulho veio do portal, urros e rosnados.

— Você dizia...?

Antes que pudesse dar minha resposta sarcástica um bando de monstros saltou do portal como uma onda negra de presas e garras. Eram facilmente mais de cinquenta. Em segundos a batalha tinha estourado. Eu enfrentava três monstros de uma vez enquanto Thalia derrubava dois com suas flechas e mais dois com uma adaga. Parti um monstro com asas de morcego ao meio, mas fui lenta demais para atacar outro que saltou em minhas costas. Antes que suas garras pudessem cortar minha pele uma flecha surgiu entre seus olhos e ele explodiu em poeira. Ergui os olhos e vi Calypso ainda com o arco erguido, os olhos me fuzilando com uma expressão altiva. Só torci para que ela realmente estivesse mirando no monstro, não em mim. Inclinei a cabeça em agradecimento e ela apenas recarregou o arco com outra flecha e sumiu no meio da batalha. Decapitei mais um monstro, mas muitos outros eram cuspidos do portal. Senti as costas de Thalia contra as minhas e sua voz gritando sobre os sons de urros e metal.

— Tudo bem, já pode fazer sua mágica de destruir o portal.

— Seria um prazer, mas preciso de uma visualização melhor. – Gritei de volta, me abaixando para que ela lançasse sua flecha contra outro monstro. – Preciso chegar mais perto.

— Pode deixar comigo. – Ela respondeu e seus olhos azuis faiscaram, um sorriso sagaz em minha direção. – Ao meu sinal você se aproxima. CAÇADORAS, FORMAÇÃO.

Rapidamente todas as caçadoras se uniram em uma fileira, formando uma meia lua ao redor do portal e dos monstros que ficaram encurralados. Thalia me puxou para o meio delas e se colocou na frente, seu arco prateado também a postos.

— PREPARAR FLECHAS. APONTAR– Pude ouvir o som dos arcos sendo puxados, as cordas tensas enquanto todas as caçadoras miravam. – LANÇAR!

A chuva de flechas era tão bela quanto mortal. Então um a um os monstros caíram se transformando em pó. Quando poucos sobraram Thalia gritou meu nome e vi o caminho aberto para o portal. Eu tinha pouco tempo, já podia ver sombras enormes do outro lado do portal quando me coloquei a frente dele. Meu anel brilhou e abracei o poder, minha mente sendo dominada por algo antigo e familiar. Minha voz soou como se pudesse chegar aos confins do universo.

— TADMIR!

O portal explodiu poucos segundos depois e senti mãos me puxando para o lado quando o impacto reverberou. Logo restou apenas o vazio onde antes o portal dourado brilhava. Me sentei tossindo e senti Thalia se erguer ao meu lado.

— Explodir portais você já é expert. – Thalia comentou me estendendo a mão que aceitei grata. – Agora resta aprender a evitar a explosão!

— Eu não fico no caminho por ser idiota, Thalia. – Bufei tirando a grama e areia da roupa. – Quando uso esse poder é como se entrasse em transe. Como se algo me dominasse. Acho que deve lembrar um pouco o que a Rachel sente...

Thalia arregalou os olhos e ergueu as mãos como se pedisse desculpas. Dei de ombros, dispensando.

— Bem não sei porque você veio parar aqui, mas que bom que veio. – Thalia falou com um sorriso sincero. – Não teríamos como acabar com aquele portal.

— Provavelmente era esse o propósito cósmico por trás disso. – Resmunguei encolhendo os ombros. – Agora a questão é sabe como vou voltar para o México.

— Podemos tentar uma passagem para você. Acho que juntando...

— Ah não, pelos deuses, sem avião! – Guinchei apavorada. – Prefiro ir nadando!

— Bem isso pode demorar um pouco, mas...

E Thalia continuou a falar enquanto eu pensava em algo, mas não havia jeito. Teria que cruzar um oceano inteiro para chegar aos meus amigos no México. Suspirei chutando a grama aos meus pés.

— Se a droga do portal me trouxe aqui ele poderia ao menos me levar de volta. – Resmunguei comigo mesma irritada.

Então senti minha mão esquentar e voltei os olhos para baixo vendo meu anel brilhar em dourado mais uma vez. Encarei as caçadoras ao redor que me olhavam de volta com apreensão.

— Por favor não diga que tem outro portal com monstros por perto. Seu anel sempre faz isso quando está perto daquelas coisas. – Thalia gemeu já olhando ao redor com atenção. – Seria azar demais até para nós.

— Estou começando a aceitar que nada está tão ruim que não possa piorar... – Comentei com sarcasmo, mas voltei os olhos para anel que parecia brilhar cada vez mais. – Só que dessa vez não acho que seja isso. Ele quer que eu faça algo, mas não sei se sou capaz.

O anel pareceu pulsar como se me desafiasse. Eu podia sentir aquele poder ancestral serpenteando ao meu redor como se esperasse ansioso minha permissão para dominar de vez. Eu sabia o que tinha de fazer, a palavra que precisava falar estava na ponta da língua apesar de ser tão estranha quanto aquela que eu proferia para destruir os portais.  Mas eu hesitava em aceitar aquilo porque se funcionasse eu estaria um passo mais próxima de ser como o Mestre, poderia significar que meus poderes de alguma forma se conectavam ao dele.

Aquilo me assustava mais que qualquer monstro.

Mas eu precisava voltar e aquela seria a forma mais rápida. Se funcionasse.

Algo me dizia que funcionaria.

Respirei fundo e caminhei para o ponto onde o antigo portal estava. Senti o vento contra meu rosto e voltei meus pensamentos para o labirinto de onde saíra pouco tempo antes, montando-o em minha mente com o máximo de detalhes que me lembrava. Quando fiquei satisfeita com o resultado abri os olhos e liberei o poder. A presença que me circundava entrou de uma vez e suspirei de surpresa quando atingiu todos os pontos de meu corpo de uma vez como uma explosão de energia. Era revigorante, uma fonte constante de poder que fazia meu sangue correr mais rápido nas veias e meu corpo pulsar. E então, como se fosse uma velha amiga perdida nos cantos mais profundos de minha mente, a palavra brilhou atrás de meus olhos. Uma palavra tão antiga e poderosa que precisei de toda minha força para força-la a sair de meus lábios. Minha voz era rouca e suplicante, como uma escrava se dobrando a seu senhor, ao mesmo que soou como um trovão no meio do silêncio da expectativa.

— KHALAQ!

Nos segundos seguintes nada aconteceu e eu não sabia de me sentia aliviada ou frustrada. Então um minúsculo ponto brilhante surgiu a minha frente. Ele pulsou e cresceu, logo estava do tamanho de uma bola de basquete e num piscar de olhos a luz ficou mais intensa e logo pude ver um portal idêntico ao que eu destruíra brilhando em minha frente.

Senti o ar sair de meus pulmões e cambaleei para trás, os olhos vidrados no que acabara de criar. Ouvi vozes sussurrando ao meu redor, mas tudo parecia distante.

Eu fizera aquilo, eu criara um portal. Um portal idêntico ao do vilão que eu tentava destruir.

— Você...você... – Thalia balbuciou incrédula. Desviei os olhos para a filha de Zeus que tinha os olhos arregalados e os lábios abertos em surpresa. Deixar aquela garota sem palavras era um feito e tanto.

— Eu... não sabia. – Confessei em um sussurro dolorido. – Não sabia que era capaz de fazer isso.

Ela apenar me encarou perplexa e voltei meus olhos para o portal quando vi o mesmo tremeluzir. Podia jurar que ele diminuíra alguns centímetros enquanto falava com Thalia.

— Você tem que ir logo. O portal está instável, parece estar sumindo. – A filha de Zeus deu voz a meus pensamentos e eu assenti ainda abalada pelo novo poder. Caminhei em direção ao portal determinada até sentir a mão de Thalia contra meu braço. – Espera, quase esqueci.

Ela tirou do bolso uma pena enorme que brilhava em laranja e dourado como se refletisse o próprio sol. Ergui os olhos confusa enquanto segurava a pena com cuidado.

— Encontramos com uma das hordas de monstros, eles se mataram literalmente para proteger isso. – Thalia explicou com o cenho franzido. – Parece a pena de um pássaro bem grande, mas nunca vi nenhum animal assim. Acho que pode significar mais para vocês do que para nós.

Eu não fazia ideia do que poderia significar, mas guardei a pena na mochila com cuidado e abracei Thalia.

— Se cuidem!

— Algo me diz que nos veremos logo, garota. – Thalia piscou com carinho e bagunçou meus cabelos. – Diz pra Annie e pro Cabeça de Algas que mandei um abraço.

Assenti e corri para o portal que parecia estar ainda menor. Com uma última olhada para as Caçadoras que se postavam ao redor de Thalia saltei para o portal, sentindo a pressão nada bem vinda amassando meus órgãos e a aceleração me jogando para frente como se eu não passasse de uma boneca de pano. O vórtice negro deu lugar ao espaço vazio como da última vez e apesar de ainda estar sendo lançada para frente dessa vez pude ver melhor as luzes que surgiam como pequenas supernovas. Portais, dezenas deles espalhados como galáxias pelo espaço. Senti meu peito se apertar e sabia não ser por causa da viagem. Aquilo era insano, como eu poderia destruir tudo aquilo? Sentia o desespero começar a me dominar quando cai dentro do portal mais uma vez. Vórtice, poeira, enjoo, pressão, tudo de uma vez. Já estava implorando pela viagem nas sombras até a Antártida no lugar de mais uma viagem por aquele portal quando finalmente vi-o se abrir e meu corpo foi jogado contra algo duro fazendo meus pulmões expelirem o resto de ar que possuíam.

Eu realmente precisava melhorar minha aterrisagem.

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P.O.V. Percy

— Nico se você resmungar ou rosnar mais uma vez eu juro que vou te deixar inconsciente. Prefiro carregar seu peso morto o resto do caminho.

— Desafio você a tentar Jackson!

Suspirei quando dobramos mais uma esquina e marquei a parede ao meu lado. O filho de Hades me encarou com ódio.

— Como você pode estar tão calmo? – Ele vociferou arrastando a lâmina de sua espada negra no chão com frustração. – Sua irmã foi levada por um portal dos infernos logo antes dele explodir. Eu não posso ser o único com desejos assassinos nesse momento.

— E não é! – Confessei passando as mãos pelos cabelos com impaciência. Voltei os olhos tristes para Nico que finalmente pareceu ficar sem palavras. – Você não acha que estou remoendo a culpa durante todo esse tempo? Eu poderia ter corrido mais rápido, poderia ter entrado na luta antes, poderia ter tentando tirá-la do caminho daquele monstro. Mas não fiz nada e isso é o que me mata. Nem ao menos sei se ela conseguiu....

— Não! – Nico me cortou com raiva, me desafiando a continuar o pensamento. – Ela atravessou o portal. Eu saberia se ela...não tivesse conseguido.

Assenti com tristeza e voltamos a caminhar, Nico finalmente em completo silêncio me deixando remoer meus pensamentos.

Desde garoto eu nunca acreditei muito que poderia me importar tanto com alguém ao ponto de me sacrificar. Minha mãe era a única que me amava verdadeiramente e a única que eu amava. Logo aprendi que era mais fácil, apenas uma pessoa que amava logo apenas uma para proteger com minha vida. Então Annie apareceu e o amor por ela era algo novo e tão poderoso que me fazia querer ser melhor. Eu certamente morreria por ela sem piscar e sabia, apesar de angustiado, que ela era capaz do mesmo por mim. A gente se completava de uma forma especial e eu sabia que nunca sentiria algo assim por mais ninguém. Então Duda surgiu e, mesmo antes de saber que era minha irmã, ela já era tão destemida e fiel que me fazia admirá-la. Descobrir que ela também era filha de Poseidon trouxe uma avalanche de sentimentos, alegria por uma nova irmã assim como medo pelo que aquilo representava para ela. Depois de saber tudo o que ela enfrentou antes mesmo de saber que era semideusa eu jurei a mim mesmo que iria protegê-la com tudo de mim. Ela não iria mais estar só, isso eu garantiria. Meu amor por ela crescia a cada dia e, mesmo sendo diferente, não era menor do que o que eu sentia por minha mãe ou por Annie.

Vê-la ser levada por aquele portal foi como ter quebrado o juramento comigo mesmo. Eu era um dos Heróis do Olimpo e ainda assim não consegui proteger uma das pessoas mais importantes para mim. Aquilo me destruía por dentro e ver o garoto do meu lado com a mesma expressão desolada me fez ter ainda mais empatia com Nico.

Ele a amava e vê-la sumir estava o matando internamente.

Nico crescia em meu conceito de cunhado sem que percebesse.

Estava prestes a comentar algo na tentativa de aliviar a tensão palpável do momento quando dobramos a última parede e chegamos ao fim do labirinto. O centro era um círculo amplo de pedra e trepadeiras verdes, no centro um pedestal de mármore com um livro repousado como se estivesse ali por séculos.

Ao lado do pedestal Annabeth estava recostada com impaciência, seu olhar analisando o livro e tudo ao redor como se aquilo fosse uma bomba prestes a explodir. Totó no chão ao seu lado parecia imitar o olhar dela.

— Sabidinha? – A palavra saiu de meus lábios como uma prece, uma súplica e uma esperança, tudo ao mesmo tempo.

Annie voltou os olhos cinza para mim e sorriu. Senti parte de meu desespero evaporar quando meus pés me levaram correndo na direção dela e em segundos ela estava em meus braços.

— É bom que seja você mesmo Cabeça de Algas. – Ela murmurou contra meu pescoço e meu peito se agitou em uma gargalhada.

— Eu ainda babo enquanto durmo se é o que você quer saber.

Ela se afastou apenas um pouco e seu sorriso se alargou logo antes de eu tomar seus lábios nos meus, um beijo tão necessitado quanto o ar.

— Eu e Totó não precisamos presenciar isso. – A voz de Nico soou e me separei de Annie com relutância. – Aliás como que Totó foi parar com você Annie?

— Ele não estava comigo. – Ela explicou com um dar de ombros e o cãozinho lambeu sua perna com felicidade. – Quando cheguei ao centro do labirinto ele já estava aqui.

Totó latiu com superioridade e caiu a cabeça para o lado enquanto nós três o encarávamos com admiração.

— Por favor, me lembrem de nunca subestimar esse cão. – Sussurrei para Annie que riu e revirou os olhos.

— Algum sinal dos outros? – Ela perguntou, os olhos alternando entre mim e Nico. – Não encontrei com nenhum deles no caminho. A não ser o falso Percy que me interceptou pouco antes de chegar aqui. Se esses monstros decidissem ser atores eles morreriam de fome.

Annie contou como desmascarou o monstro que fingiu ser eu enquanto eu e Nico contamos nossos encontros com os monstros metamorfos. Ela ouviu atentamente e pude ver um sorriso orgulhoso despontar em seus lábios quando contei como foi fácil perceber que o monstro não era ela de verdade.

— Então não encontraram com mais ninguém no caminho?

Senti meu peito afundar e pude ver a expressão de Nico ficar dura, seus punhos cerrados, mas antes que pudéssemos explicar o encontro com Duda ouvimos passos ao nosso redor. Preparei Contracorrente, Anne se postou ao meu lado com sua adaga e Nico a minha esquerda com sua espada negra brilhando. Totó entre as pernas de Nico rosnava para uma das entradas do labirinto. Em poucos segundos os passos aumentaram e da entrada que Totó encarava surgiu Leo, Jason e Piper.

Ou nós esperávamos que fossem mesmo eles.

Ficamos de frente para o grupo recém chegado sem desfazer a posição de ataque. Jason também ergueu sua espada dourada enquanto Piper deixava a adaga preparada e Leo erguia seu martelo.

— Como vamos saber se são eles mesmos? - Questionei Annie sem tirar os olhos de Jason que também parecia apreensivo.

— Fácil. – Ela respondeu e apertou mais a adaga levantando a voz para os três a nossa frente. – Qual a profecia que uniu os Heróis do Olimpo?

O grupo a nossa frente pareceu relaxar um pouco e Piper iniciou:

— Sete meio-sangues responderão ao chamado.

— Em tempestade ou fogo,... – Leo continuou e voltou os olhos para que Jason completasse.

— ..., o mundo terá acabado.

O loiro voltou os olhos para nós com a sobrancelha erguida e entendi que eles também testavam a gente. Ergui a voz já abaixando a espada.

— Um juramento a manter com um alento final.

— E inimigos com armas... – Annie continuou e voltou os olhos para Nico que cruzou os braços já com a espada embainhada no cinto.

— ... às Portas da Morte afinal.

Todos pareceram soltar um suspirou ao mesmo tempo e nos cumprimentamos. Depois que todos contaram suas experiências com os monstros, algumas mais complicadas que outras, Annie tomou a dianteira da discussão.

— Provavelmente essa foi a Batalha do Labirinto que a profecia cita. – Ela concluiu, os olhos carregando certa preocupação que me fez enlaçar sua mão na minha. – Esses monstros, nunca vi algo assim. Claro que os monstros normalmente podem se passar por mortais, mas sempre mantem alguma característica de monstros, os dentes ou olhos. Nunca foram capazes de ficar com uma aparência tão perfeita. Nunca puderam nos enganar.

— O Mestre não está apenas recrutando os monstros. – Nico completou com Totó em seus braços guinchando baixinho. – Ele está os modificando cada vez mais. Como que ele consegue fazer isso?

— A pergunta de um milhão de dólares. – Piper deu de ombros, as mãos mexendo nos cabelos enquanto ela parecia pensar. – Além disso posso jurar que eles está nos usando como testes para suas criações.

— Isso é verdade. – Jason suspirou e assentiu. – Através de nossas provações ele pode saber se essas aberrações conseguem enganar os outros, se podem se passar por pessoas comuns.

— Somos ratos de laboratório? – Leo cruzou os braços, uma seriedade incomum para o filho de Hefesto. – Não é tão diferente dos deuses então.

Ouvimos um trovão distante, mas ninguém se colocou contra o que Leo disse.

— Essa situação toda é uma droga, mas precisamos prosseguir. – Finalizei e transformei minha espada novamente em caneta. – A única forma de ter todas as repostas é encontrar logo o tal Mestre e acabar com isso de uma vez.

— Concordo, mas seguir para a próxima etapa é o problema. – Annie apontou para o pedestal às suas costas com cansaço. – O livro não sai dali.

Aproximei-me do pedestal, o livro era pequeno e as letras brilhavam em dourado sobre uma capa marrom que retratava um labirinto. Estiquei o braço, mas minha mão apenas ricocheteou em algo invisível. Um campo de força protegia o livro. Todo o grupo se aproximou e cada um tentou alcançar o livro, mas sem sucesso. Então no momento que estiquei o braço mais uma vez Annie fez o mesmo e nossas mãos chegaram ao campo de força ao mesmo tempo. Ainda não conseguimos pegar o livro, mas a proteção invisível tremeluziu por segundos. Arqueei as sobrancelhas e Annie sorriu animada.

— Talvez se tentarmos todos juntos...

Antes que ela concluísse o pensamento um barulho chamou minha atenção. Parecia um grito distante, um som nada humano. Logo todos nos voltamos para o labirinto e saquei a espada no momento exato que o primeiro monstro apareceu por trás das paredes de pedra e musgo.

Era idêntico a Rachel. Ele caminhou com uma calma predatória para o centro e logo percebi muitos outros surgindo às suas costas além de chegarem das outras entradas do labirinto. Travis, Connor, Quíron e dezenas de outros campistas. Todos com os olhos sanguinários e um sorriso diabólico.

— Acho que era a essa batalha que a profecia se referia, não? – Soltei com sarcasmo e pude ver o olhar resignado de Annie antes que o mostro Rachel saltasse em nossa direção, as mãos se transformando em garras afiadas.

Então a batalha explodiu. Rachel lutava com Annie enquanto Travis e Connor me lançaram contra uma das paredes de pedra. Era como lutar contra todo o acampamento e, apesar de saber que eram monstros, não foi fácil cortar a garganta de Travis ou decepar Connor. Meu estômago embrulhou antes que os corpos se transformassem em poeira. Eu já enfrentava mais três campistas quando senti as costas de Jason contra as minhas.

— Precisamos acabar com o portal. – Ele gritou por cima dos sons das espadas. – Prevenir para que não venham mais e.... espera! Cadê a Duda?

Senti meu coração doer e engoli em seco quando minha espada atravessou uma garota que eu poderia jurar ser filha de Atena.

— Não há mais portal, esses monstros provavelmente estavam escondidos pelo labirinto e atacaram apenas quando foram ordenados. – Supus respirando com dificuldade após as garras de um dos monstros fazer um talho em meu abdômen. Voltei os olhos sofridos para Jason por segundos e ele pareceu entender. – Duda, ela...destruiu o portal, mas...

— Ah, não. – Pude ouvir o lamento na voz de Jason pouco antes dele destruir dois monstros com um único golpe. Seus olhos tristes se encheram de ódio. – Ela...?

— Não sei, ela foi empurrada no portal pouco antes dele explodir. – Confessei com um suspiro aproveitando que o monstro seguinte ainda não chegara em mim para firmar os pés e erguer a espada com uma força renovada pelos pensamentos em minha irmã. – Não sei o que houve, onde ela está, se ao menos está viva!

— Nico viu? – Jason perguntou de repente e eu assenti, meus olhos se voltando para o filho de Hades que lutava com fúria a poucos metros de nós. Jason xingou baixo, mas me encarou com o queixo erguido. – Vamos encontrá-la. Aquela garota não é fácil de derrotar.

Meu peito inflou com as palavras de Jason e assenti com os lábios crispados, me agarrando a esperança que aquelas simples palavras me trouxeram. Logo os monstros estavam em cima de nós novamente e de certa forma agradeci pela batalha, uma distração bem vinda para os pensamentos que apertavam meu peito. Rápido demais para meu gosto o último monstro desapareceu em poeira e me recostei contra a parede de pedra do labirinto jogando com desleixo uma folha de ambrosia na boca. O talho em meu peito sumiu em segundos e olhei ao redor com alívio ao perceber que nenhum de meus amigos sofrera algo mais grave. Senti os braços de Annie ao meu redor e retribui o abraço com prazer. O arranhão em sua testa já desaparecia quando ela chocou seus lábios nos meus e eu apenas me permite aquele momento de alegria no meio de toda a desgraça.

Ergui os olhos para os outros que já se recuperavam e logo todos estávamos novamente ao redor do pedestal.

— Então, Annie, você dizia antes de ser rudemente interrompida... – Piper começou esticando o braço para minha garota com a respiração ainda irregular e os cabelos desgrenhados.

— Bem, acho que se todos tentarmos alcançar ao mesmo tempo pode funcionar. – Ela explicou organizando o cabelo no rabo de cavalo, os fios rebeldes caindo sobre o rosto. – O campo de força deve ser um método de defesa para que apenas nosso grupo possa ter o livro e não o Mestre.

— Não vai funcionar. – Nico murmurou impassível com Totó gemendo de dentro da mochila às suas costas. As palavras dele pareciam engasgadas e podia jurar que vi seus olhos marejados quando ele encarou o grupo com os dentes cerrados. – O grupo não está completo...

Ela baixou os olhos como se não suportasse pensar naquilo. O silêncio tomou conta do lugar quando todos perceberam quem faltava.

— Duda, ela...? – A voz de Leo saiu esganiçada e tão sofrida que senti meu peito afundar mais uma vez. A mão de Annie prendeu-se a minha com força. Respirei fundo.

— Ela sumiu pelo portal logo antes de destruí-lo. – Contei com os ombros encolhidos.

— Um monstro levou-a antes que ela pudesse se defender. – Nico falou com uma tristeza palpável na voz. Eu nunca o vira assim, como um homem destruído. – Antes que nós pudéssemos impedir.

— Então ela está por aí em algum lugar. – Annie falou séria me encarando com esperança. – Vamos encontrá-la e voltamos para pegar...

Mais uma vez, como se o universo risse de nós, Annie foi interrompida por um som estranho.

— É pedir demais um pouco de paz? – Leo murmuro com um choramingo enquanto todos nos voltávamos para a origem do som.

Diferente da batalha anterior o som não parecia de urros ou gritos, mas como se fosse estática, crepitando como fogo na madeira. Há alguns metros do pedestal um ponto brilhante surgiu no meio do nada como uma nova estrela surgindo no espaço. Logo o ponto pulsou e cresceu enquanto todos nos afastávamos, aguardando com expectativa. Em poucos segundo o ponto era do tamanho de um armário, brilhando em dourado.

— Um portal? – Annie sussurrou com os olhos arregalados, os dedos brancos de apertar a adaga.

Aquilo certamente era um portal, mas antes que pudesse ver para onde levava ou que monstro iria atravessá-lo um grito agudo ecoou e um corpo pequeno e completamente humano foi expelido logo antes do portal sumir tão rápido quando apareceu. O corpo que foi cuspido gemia no chão e não contive o arquejo de surpresa e alegria ao identificar quem era.

— Duda? – Minha voz era pouco mais de um sussurro perplexo quando os cabelos castanhos de minha irmã revelaram o rosto arranhado e os olhos verdes idênticos aos meus que encaravam o teto quando ela rolou de costas. – Duda!

— Em carne e osso. – A voz dela era rouca e arranhada. Ela tossiu e voltou os olhos para mim com um sorriso dolorido nos lábios. – Ou, no caso, os ossos que sobraram.

A última parte de meu desespero evaporou de vez e antes que eu pudesse chegar ao lado dela um vulto de cabelos negros me tirou do caminho e caiu de joelhos diante do corpo de Duda, puxando-a para seu colo com cuidado e devoção enquanto murmurava repetidamente “você está viva, você está viva!”.

— Se eu a tirasse dele nesse momento acha que eu sobreviveria? – Questionei Annie com humor sem tirar os olhos do casal, Nico tentando dar ambrosia para minha irmã enquanto ela recusava.

— Acho que você poderia tentar. – Annie riu com as mãos sobre os lábios. – Prometo que sua pira funerária será a mais azul de todos os tempos.

Revirei os olhos e caminhei em direção à minha irmã que já conseguia se sentar. Apesar dela dizer que estava bem, Nico não conseguia se afastar completamente, a mão repousada em suas costas com carinho enquanto ele olhava para todo o corpo dela em busca de ferimentos. Seus olhos negros se fixaram nos braços e percebi o porquê: manchas vermelhas e bolhas enchiam os braços dela do ombro até os dedos. Quando Nico tentou tocar nelas Duda chiou de dor e respirou fundo.

— O que aconteceu com seus braços? – Nico perguntou com a voz sofrida, os olhos não se desviando do rosto de Duda.

— Provavelmente foi a explosão do portal. – Ela suspirou encarando os braços com tristeza e me encarando em seguida. – Tomei ambrosia e néctar, mas eles apenas amenizaram o ardor. Eu imaginava que não fariam total efeito...

— Onde você foi parar? – Perguntei com cautela, meus dedos percorrendo seus cabelos com carinho. Eu precisava tocá-la para saber que não era apenas uma ilusão. Ela estava ali, viva. Eu tivera minha segunda chance de protege-la. – O que aconteceu depois que caiu no portal?

— É uma história engraçada...

Ela me estendeu a mão, as palmas sendo os únicos pontos que não estavam cobertos por manchas ou bolhas, e eu a ajudei a ficar de pé. Seu corpo vacilou um pouco, mas Nico prontamente segurou-a pela cintura enquanto ela se recompunha. Antes que pudesse dizer qualquer palavra ela se soltou de Nico e se virou vomitando compulsivamente. Mesmo com seus protestos Nico se aproximou acariciando suas costas enquanto segurava seu cabelo com a outra mão. Ele murmurava algo no ouvido dela e percebi o corpo dela relaxar aos poucos. Minutos depois ela ergueu as costas, as mãos tremendo com o esforço de vomitar e aceitou com gratidão a garrafa de água que ofereci. Sua respiração acalmou e suas mãos pararam de tremer quando a água desceu por sua garganta, renovando suas forças exatamente como fazia comigo.

— Viagem de portal é a pior de todas as Eras. – Ela me devolveu a garrafa e encarou Nico relutante – Viagem nas sombras caiu para segundo lugar.

O filho de Hades conteve o sorriso esnobe enquanto minha irmã iniciava o relato. Ela falou do espaço vazio que abrigava dezenas de portais além de sua luta ao lado das caçadoras.

— Antes de voltar Thalia me entregou isso. – Ela tirou da mochila uma pena enorme que brilhava e entregou para Annie analisar. – Disse que encontrou com um dos grupos de monstros e que parecia importante já que eles morreram para protege-la.

— Não pertence a nenhuma ave que eu já tenha visto. – Annie encarava a pena com cautela, o cenho franzido. – Sei que é impossível, mas ela parece irradiar um brilho próprio.

— Porque o mestre iria precisar de uma pena? – Leo questionou com os braços cruzados. – Pelo que a gente descobriu ele não seria uma serpente ou algo reptiliano?

— Bem, sei de alguns mitos de serpentes com asas como de pássaros. – Duda respondeu e deu de ombros, o cansaço era visível em seus olhos, sua postura parecia exausta. – Poderia ser algo assim?

— Não podemos descartar nada. – Afirmei e fixei os olhos em minha irmã que permanecia parada ao lado de Nico. Poderia jurar que se tentasse dar um passo sequer ela desmaiaria. – De qualquer forma, se você destruiu o portal que te levou até as caçadoras como conseguiu voltar para cá em um portal?

Ela engoliu em seco e fechou os olhos por segundos como se aquela fosse a pergunta que estivesse temendo. Ergueu a cabeça e me encarou resoluta.

— Eu criei. Não sei como, apenas senti o mesmo poder que me faz destruir os portais e usei a palavra oposta a ele: Criação. – Ela suspirou, as mãos se erguendo para mexer nos cabelos e parando no último segundo quando a dor em seus braços pareceu ficar insuportável. – Ainda não sei que língua é, mas eu simplesmente sinto e pronuncio. É confuso e difícil de explicar.

Ela parecia angustiada, o corpo ainda frágil e cansado e quando ela me encarou novamente vi medo cru ali. E então eu entendi. Com um passo eu estava a sua frente e ela caiu em meus braços, me apertando o máximo que seus braços machucados permitiam.

— Você não é como ele por criar portais. – Falei contra seus cabelos e senti o soluço dela sacudir meu corpo. Afastei-me para encarar seus olhos marejados. – Nosso poder não é tão importante quanto como fazemos uso dele. Criar portais pode ser uma dádiva se usado pela pessoa certa. Proíbo que você pense o contrário!

Ela tentou sorrir e limpei uma lágrima teimosa que rolou por sua bochecha. Ela se postou ao meu lado e a abracei, meu corpo sustentando o seu. Ela se mostrava forte apesar de seu corpo exausto traí-la. Ela ergueu os olhos para o grupo.

— Então, o que eu perdi?

Os relatos de cada um foi rápido e Duda pareceu especialmente sentida quando Leo contou que foi Lucy a aparecer para ele.

— Aposto que ela está bem, Leo.

O filho de Hefesto forçou um sorriso fraco enquanto Jason narrava a batalha contra os falsos campistas e terminava apontando para o pedestal com o livro relatando a teoria de Annie.

— Então o que estamos esperando?

Logo estávamos todos ao redor do pedestal novamente. Erguemos as mãos e na contagem de Annie tocamos a barreira invisível. No instante seguinte ela tremeluziu e ondulou sob nossos dedos. Com uma pequena explosão como uma bolha de sabão estourada a proteção sumiu e Duda esticou o braço e pegou o livro.

— A Batalha do Labirinto. – Ela leu com devoção e folheou o livro, inspirando com um sorriso.

Logo ela o abriu na última página e como esperado ali estava a pequena frase escrita em preto assim como mais um pedaço de pergaminho.

— Em nossa próxima parada precisamos tentar montar esse quebra-cabeça. – Annie recebeu o pedaço e guardou-o na mochila junto com os outros. – Acredito que já dê para entender melhor com as seis peças que temos.

Todos assentiram e vi Duda respirar fundo quando seus olhos focaram na frase negra que nos levaria para a próxima etapa da missão. Vi minha irmã firmar os pés e piscar freneticamente como se lutasse para se manter acordada. Nico também percebeu e se aproximou dela discretamente.

— Você está bem para fazer isso? – Perguntei vendo os olhos verdes dela desfocados. Ela piscou mais uma vez e assentiu fracamente.

— Tenho que conseguir. – Duda ergueu os olhos para todo o grupo e estufou o peito com um sorriso forçado. – Todos prontos?

Percebi que todos viam a exaustão nas palavras e ações dela mesmo que ela lutasse para parecer completamente disposta. Minha primeira ordem quando chegássemos no próximo local seria que ela descansasse nem que eu tivesse que nocauteá-la para isso, sabia o quanto ela era teimosa. Quando todos concordaram Duda ergueu o livro na altura dos olhos e iniciou a leitura, sua voz cansada, mas forte e poderosa a cada sílaba.

“Após vencerem o labirinto os meio-sangues foram à Maldição de Titã.”  

Ninguém se surpreendeu quando segundos depois o chão tremeu e as paredes do labirinto se moveram, se aproximando de nós com velocidade. Logo nosso grupo estava cercado por uma redoma de pedra que se fechava cada vez mais. Sentia Duda e Annie coladas em mim e percebi que todos estávamos na mesma situação de confinamento. Então as paredes sólidas começaram a se despedaçar, a poeira que se soltava rodopiando ao nosso redor. Logo tudo era apenas poeira e fragmentos de rocha. Senti meu corpo levitar e logo todo o labirinto deu lugar a um vórtice que puxou meu corpo para frente, me lançando em direção ao desconhecido. Meu estômago embrulhou como todas as outras vezes e apertei a barriga com um gemido. Graças aos deuses não durou muito e antes que todo o conteúdo de meu estômago se juntasse ao redemoinho de poeira, meu corpo foi jogado para fora e caí sobre algo macio e gelado.

Extremamente gelado.

Ergui os olhos e tudo o que vi foi um mar de neve. Meus dentes já batiam, o calor fugindo de meu corpo com uma rapidez espetacular. Todos pareciam estar na mesma situação a não ser Leo, seu corpo tão quente que fazia a neve derreter aos seus pés. Apesar disso todos se erguiam, as mãos frenéticas contra os braços na tentativa de se aquecer. Todos a não ser Duda que permanecia imóvel caída em um monte de neve.

— Swan!

Nico correu na direção dela e ergueu-a nos braços com facilidade, apertando-a como tentativa de aquecer. Seus olhos encontraram os meus com desespero.

— Ela está respirando, mas muito superficial além de estar gelada. Precisamos encontrar um lugar para descansar. Ela precisa se recuperar.

Leo tomou a dianteira fazendo pequenas bolas de fogo surgirem em suas mãos e todo o grupo se aproximou do garoto. Caminhamos por quilômetros no que pareceu uma planície coberta por neve. O céu estava repleto de nuvens e o sol que surgia de tempos em tempos não era forte o suficiente para nos aquecer.

Onde diabos nós tínhamos parado?

Quando minhas pernas já começavam a falhar com as câimbras nos chegamos ao fim da planície, uma estrada se estendia a frente com neve dos dois lados. Havia sido limpa há pouco tempo. Logo ao lado uma placa de madeira lutava para permanecer acima da neve, as letras vermelhas se destacando na imensidão branca.

— Que tipo de língua é essa?

Piper deu voz ao que todos questionávamos. Eu podia jurar que era minha dislexia atuando pois tudo o que via eram símbolos flutuando sobre a madeira escura.

— Não é grego, disso tenho certeza. – Murmurei com dificuldade, os lábios meio congelados.

— Espera um pouco.

Annie se aproximou da placa e espalhou parte da neve que a cobria. Abaixo dos símbolos surgiu duas pequenas palavras em inglês, tão apagadas que todos nos inclinamos para conseguir ler.

TITAN, RÚSSIA.

— Bem, agora faz sentido toda essa neve. – Nico resmungou e voltou os olhos apreensivos para Duda que gemeu baixinho em seu colo.

Voltamos a caminhar pela estrada o mais rápido que conseguíamos até que poucos metros depois uma segunda placa surgiu. Essa era maior, neve estava muito abaixo dela, as letras vermelhas soavam como um outdoor alarmante. Os símbolos, ou, no caso, as palavras em russo, continuavam a não significar nada, mas a tradução em inglês abaixo estava em letras grandes e pretas contrastando com o ambiente.

O aviso que elas continham fez meu sangue gelar ainda mais, se é que era possível.

CIDADE AMALDIÇOADA. VIAJANTES MANTENHAM DISTÂNCIA.


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Notas finais do capítulo

De onde será essa pena? O que esperar dessa cidade mal assombrada? Hoje, no Globo Repórter!
Então espero que tenham gostado! Comentem mesmo se tiverem odiado! Amo suas opiniões!
Aliás qual POV vocês gostariam de ver no próximo cap? Deixem suas sugestões!
Kisses e até mais!



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