Realidade Imaginária escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 49
Amantes Amaldiçoados


Notas iniciais do capítulo

HELLOOOOOOOO, turubom jujubas?
Apesar da demora, aqui está mais um cap enooooormeeeeee para vocês ♥
Obrigada por todos os coments do cap anterior! Vocês são maravilindooos ♥
Sem mais delongas, que vem o cap!
ATÉ AS NOTAS FINAIS! #Kisses



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P.O.V. Annabeth 

— Por onde começamos? 

Leo deu voz aos meus pensamentos. Ao menos, a um deles. 

Fazia pouco mais de uma hora que havíamos atravessado a longa estrada coberta de neve que cortava a pequena e silenciosa cidade de Titan. A placa de alerta na entrada da cidade era bastante precisa já que o local transparecia uma aura pesada e sinistra. Pessoas vagando como fantasmas, semáforos piscando fracamente para os poucos carros que circulavam e as casas com fachadas sombrias compunham o cenário digno de filme de terror. A neve e o vento ruidoso que soprava de tempos em tempos não ajudavam a melhorar a primeira impressão. Apesar de meus dedos dormentes e o nariz ardendo do frio, minha curiosidade ansiava para que iniciasse as investigações naquele momento. Uma cidade amaldiçoada! Como eu não conhecia aquela cidade? Nunca ouvira falar de Titan ou de qualquer maldição que ainda afligisse uma cidade inteira. Aquele mistério me corroía por dentro e apesar de tentar focar no caminho a frente, meus olhos continuavam se desviando para todos os lugares, analisando e indagando. Apesar de meio lerdo, Percy me conhecia bem demais e logo senti sua mão na minha, tão gelada que quase me fez saltar. 

—Eu sei o que está pensando, Sabidinha, mas acho que todos precisamos arranjar umas roupas mais quentes e bolar um plano antes de explorar a cidade, certo? 

Assenti, meus lábios tremendo pelo frio e incapazes de pronunciar qualquer palavra sem que gaguejasse incontrolada. Aproximei-me de Percy, aceitando qualquer calor que conseguisse, enquanto forçava meus pés a darem mais um passo. O resto do grupo não parecia diferente. Jason e Piper andavam o mais próximo que conseguiam e Nico apertava mais Duda em seus braços a cada passo na neve espessa. Ela permanecia em um sono agitado, os lábios azuis e o corpo tremendo. Parecia tão pequena e frágil que fez meu coração apertar enquanto eu recordava do meu eu de doze anos chegando ao acampamento fraca e pequena, tão indefesa quanto Duda parecia naquele momento. Apesar da filha de Poseidon já ter bem mais treinamento, os desafios pareciam cada vez maiores para ela e aquilo me preocupava. Ela tinha mais poderes do que qualquer semideus que eu já conhecera, mas todos tínhamos um limite e aquela missão parecia tentar testar todos os limites dela. Eu me perguntava, com angústia, o quanto que ela conseguiria aguentar. Ela era da família e pensar no que ela ainda poderia enfrentar me enchia de raiva e tristeza. Por Duda, por Percy, por Nico. 

Suspirei. Todos merecíamos um pouco de paz. 

O único que não parecia profundamente atormentado pelo clima era Leo, seus passos derretendo a neve no solo enquanto seu corpo parecia um aquecedor automático no meio daquele deserto de gelo. Seria capaz de chorar de frustração quando ele teve de extinguir as bolas de fogo que queimavam em suas mãos por estarmos entrando na cidade. O vento pareceu ainda mais inclemente quando a fonte extra de calor sumiu o que fez todos se aproximarem ainda mais do filho de Hefesto, se é que era possível. Parecíamos uma enorme massa humana de passos lentos e resmungos sofridos. Estava prestes implorar pela hospitalidade dos cidadãos fantasmas e uma xícara de chocolate quente quando uma casa maior e um pouco mais apresentável surgiu a nossa frente. Uma placa velha e que parecia ter sido pintada às pressas balançava nas correntes, as palavras em russo pareciam zombar de nós. Com um praguejo baixo liderei o grupo para dentro jurando a mim mesma que ler e falar russo entraria no meu top cinco de habilidades necessárias para sobreviver em missões.  

O hall de entrada, que parecia mais uma pequena sala de estar sem sofá, era aquecido por uma lareira que mal conseguia manter o fogo aceso e um balcão de madeira na outra extremidade. Um velho robusto lia uma revista despreocupadamente e ergueu a cabeça com os olhos arregalados quando me aproximei.  

— Ahn, bom dia.  - Abri o sorriso mais largo enquanto pronunciava as palavras com calma. O velho me encarava com uma sobrancelha erguida, entediado. - Aqui é um hotel? Uma hospedagem? Precisamos de quartos. Pode nos ajudar? 

— Bol'she amerikanskikh idiotov...— O velho resmungou com a voz rouca.  

—Oh, desculpa, mas não falamos russo e... 

Antes que pudesse terminar o velho sumiu resmungando por uma porta às suas costas. Leo assoviou baixo. 

—Não falo russo, mas posso apostar que ele não nos deu as boas-vindas. 

—É, acho que ‘idiota’ é a palavra que mais se parece em quase todas as línguas. - Nico murmurou com o cenho franzido e os olhos cansados. 

Cruzei os braços sem querer admitir que também ouvira algo que se assemelhava a ‘americanos’ e ‘idiotas’ na mesma frase.  

—Devíamos procurar informações em outro lugar. - Piper sugeriu, a voz um sussurro cansado e cheio de tremor devido ao frio. - Todos precisamos descansar e posso jurar que vou congelar aqui mesmo se ficar mais um minuto sequer parada no frio. 

No entanto o som da porta abrindo chamou nossa atenção. Da porta que o velho sumiu apareceu um garoto que parecia ser poucos anos mais velho que Percy. O cabelo loiro era de um liso oleoso e descia até o pescoço onde ele o prendia em um minúsculo rabo de cavalo. Os olhos azuis eram tão claros que quase pareciam cinza e os lábios finos estavam abertos em um sorriso caloroso.  

Privet, me chamo Nikolai! – O garoto saudou com um aceno amigável e um sotaque carregado. -  Sejam bem-vindos a pousada Nordic. Em que posso ajudar?

— Céus, alguém que fala inglês nesse fim de mundo! – Leo soltou num suspiro de alegria e logo ergueu as mãos, os olhos arregalados em constrangimento. – Com todo o respeito, é claro.

Nikolai riu descontraído.

Bez problem. Vocês tiveram sorte de eu estar por aqui nas férias. Sou um dos únicos da cidade que é fluente em sua língua. – Ele encolheu os ombros constrangido. – Peço desculpas pelo meu tio. Ele não gosta tanto de americanos, algo que remete à Guerra Fria e um roubo de cães, acho. Mas estamos felizes de ter turistas, não é tão comum por aqui.

— Por que será, não é? – Percy sussurrou sarcástico e dei-lhe uma cotovelada discreta. Ele gemeu, mas se calou.

— Não pretendemos ficar tanto tempo. – Expliquei com um sorriso amistoso. – Dois dias, no máximo.

— Bem, estamos com todos os quartos disponíveis, mas se quiserem ficar em grupo temos a suíte aventura que fica no último andar com duas beliches e duas camas de solteiro. Atende suas necessidades?

— É perfeito! – Sorri com entusiasmo fingido e me aproximei de Nikolai, sussurrando. – Nikolai estamos no meio de uma pesquisa importante então queremos evitar ser interrompidos. Pagamos adiantado por sua discrição.

— É claro, ledi.

Nikolai me passou a chave da suíte e passei parte dos dracmas para ele que arregalou os olhos e assentiu, logo nos guiando até o terceiro andar. O quarto era espaçoso e com aparência antiga, as camas eram simples e um aquecedor ultrapassado estava instalado em um dos cantos, junto com um guarda-roupa embutido na parede eram os únicos móveis do local. Uma porta levava a um pequeno banheiro e uma janela emperrada dava vista para a cidade coberta de neve.

— Obrigada por tudo Nikolai!

— Foi um prazer. – O rapaz me encarou com um sorriso um pouco largo demais e murmurou com a voz aveludada. – Qualquer coisa é só me procurar. Também sou um ótimo guia turístico.

Ergui as sobrancelhas e senti Percy tremer ao meu lado, as mãos cerradas. Podia imaginar como estavam seus olhos e os dentes arreganhados. Segurei o braço de meu namorado e encarei Nikolai séria.

— Não será necessário, podemos explorar por nossa conta. Obrigada pela hospitalidade.

Ele acenou e desceu as escadas. Quando seus passos sumiram ao longe todo o grupo já tinha se espalhado pelo quarto. Leo se jogou em uma das camas de solteiro enquanto Nico depositava Duda na outra e se sentava ao seu lado, as mãos passeando despreocupadas pelos cabelos dela. Percy permanecia parado ao meu lado, os lábios crispados.

— Vamos lá Cabeça de Algas, não venha dizer que ficou com ciúmes... – Ergui os olhos. Os verdes de Percy pareciam um mar revolto durante a tempestade. Suspirei. – É claro que ficou.

— É difícil não ficar quando o cara nem tenta disfarçar que está dando em cima da sua namorada!

— Nada disso tem importância se a sua namorada só tem olhos para você. – Sorri de lado quando as bochechas de Percy coraram. Segurei seu rosto entre minhas mãos, meus olhos prendendo os seus. – Eu amo você e só você. Nenhum cara que der em cima de mim chegaria aos seus pés então não tem motivos para ter ciúmes. Você já deveria saber disso!

— Bem, é sempre bom ouvir de novo. – Ele deu de ombros e eu ri empurrando-o de lado. Ele me puxou para perto e beijou minha testa. – Eu também de amo Sabidinha. Sempre será você.

Puxei Percy para a beliche restante e suspirei de prazer quando senti o colchão afundar embaixo do meu corpo cansado. Ouvi Percy fazer o mesmo na cama acima da minha.

— Finalmente um pouco de paz e sossego.

— Por enquanto... – Acrescentei sarcasticamente.

— Nessa vida a gente agradece pelas migalhas de descanso. – Leo comentou com um bocejo.

— Na verdade ainda nem acredito que conseguimos chegar até a pousada sem nenhum incidente com monstros. – Piper falou com surpresa, sua voz abafada pelo travesseiro que repousava sobre seu rosto. – Ainda mais numa cidade amaldiçoada.

— Como eu disse, grato pelas migalhas...

O suspiro foi coletivo dessa vez. Ou quase. Voltei os olhos para Nico que permanecia encarando a filha de Poseidon. Seus olhos não desviavam por um minuto sequer dela, os pensamentos pareciam distantes. Acredito que Percy observava o mesmo pois sua voz quebrou o silêncio.

— Como ela está Nico?

— Exceto pelos braços, ela não tem mais ferimentos. – Nico respondeu cansado, a voz um simples sussurro. Podia jurar que estava um pouco embargada. – Seu corpo parou de tremer, acho que ela está apenas exausta, mas está tão imóvel que...

— Pelo que ela nos contou deve estar completamente esgotada com a criação do portal e tudo mais. – Leo sentou na cama encarando Duda com um sorriso fraterno. – Tenho certeza que precisa apenas descansar. Logo estará acordada e correndo para o perigo como é de costume.

— Para o meu desespero. – O filho de Hades murmurou com um suspiro, mas pude ver seus lábios se contraírem em um sorriso mínimo, a mão entrelaçada com a de Duda.

— Aliás como que Nikolai não percebeu Duda desmaiada? – Jason questionou enquanto pulava do beliche para sentar ao lado de Piper. – Que bela hospitalidade.

— Ele não a viu. – Nico explicou, os olhos finalmente se desviando da garota para Jason. – Eu manipulei as sombras, então ele provavelmente me viu segurar apenas uma mochila. É fácil fazer isso para esconder apenas uma pessoa ou objeto. Um grupo já fica mais complicado.

— É um bom truque. – Comentei e sorri. – E evitou perguntas indesejáveis.

— E por falar em perguntas indesejáveis, por onde começamos? – A pergunta de Leo trouxe todos de volta à realidade. Ele ergueu as mãos como se pedisse desculpas. – Odeio ser aquele que acaba com a paz e sossego, mas só quero terminar essa missão infernal. Estamos na reta final.

— Tem razão. – Jason assentiu, a cabeça apoiada nas mãos e o cenho franzido. – Bem o trecho da profecia é até bem óbvio: E, da maldição, Titã seja liberta. Estamos em Titã que é assolada por uma maldição.

— Então o ponto é descobrir qual é a maldição. – Finalizei, os pensamentos trabalhando a mil. – Mas há causas infinitas para uma maldição! Mal vimos pessoas na rua então a cidade pode ser assolada por alguma doença ou feitiço.

— Nikolai parecia bem saudável pra mim. – Percy comentou um pouco emburrado. – Também não parecia enfeitiçado. Nem o tio dele.

— Então pode ser algum monstro que ronda por aí? – Piper palpitou.

— Ele teria sentido o cheiro de um grupo de semideuses. – Nico falou. – Já estaria nos atacando nesse momento.

— Temos que investigar. – Falei levantando da cama e encarando a janela. A neve caía constantemente do lado de fora. – E aproveitar para comprar roupas mais quentes.

Ficou decidido que Piper, Leo e Jason procurariam a loja mais próxima para comprar roupas enquanto eu e Percy investigaríamos pela cidade. Como esperado Nico não saiu do lado da cama de Duda assim como Totó que deitou aos pés dela choramingando baixo. O filho de Hades apenas nos desejou boa sorte e voltou a acariciar a mão da filha de Poseidon com carinho.

Quando chegamos a porta da frente da pousada a neve tinha se intensificado, o frio tomando o ambiente como um cobertor pesado.

— Vai ser difícil encontrar uma loja de roupas nesse tempo. – Piper suspirou, o corpo tremendo em um calafrio.

— Tem uma logo do outro lado da rua, duas casas para a direita. – A voz animada soou ao redor e todos nos viramos com surpresa. Consegui conter a mão de Percy que já vagava em direção a sua caneta quando percebi se tratar de Nikolai logo atrás do balcão, os cabelos loiros agora soltos enquanto ele sorria abertamente. – Desculpem o susto, acho que o som da nevasca cobriu meus passos.

O alívio foi perceptível apesar da tensão em Percy ter triplicado quando ele percebeu os olhos de Nikolai sobre mim. Revirei os olhos me contendo para não beliscar meu namorado idiota.

— Obrigada pela dica Nikolai, nós vamos.... – Parei, uma ideia surgindo em minha mente. – Na verdade, você teria um tempo para conversar?

O brilho nos olhos do russo se intensificou e seu sorriso ficou ainda mais largo. Percy me encarou incrédulo. Eu mereço...

— Claro! – Nikolai falou rapidamente, se empertigando e ajeitando a gola da camisa com ansiedade. – Estou totalmente livre.

Sorri amigável e me voltei para o grupo com a voz baixa.

— Nikolai conhece o lugar e pode ser um dos únicos moradores amigáveis o suficiente para falar sobre a maldição.

— Faz sentido se tomar o tio ranzinza dele como referência. – Leo comentou em um sussurro.

— Então Leo, Piper e Jason você vão para a loja e comprem apenas o suficiente para ficarmos aquecidos enquanto eu e Percy interrogamos Nikolai.

Todos assentiram e antes que o trio sumisse pela porta da frente eu e Percy paramos no balcão. Nikolai sorriu para mim e logo encarou Percy com certa desconfiança. Percy sustentou o olhar com fúria. Era melhor acabar logo com aquilo.

— Oh, por Deus! Acabei de perceber que não me apresentei, Nikolai. Que falta de educação a minha! – Sustentei uma expressão de indignação e desapontamento.

— Nem eu mesmo percebi. – O loiro voltou os olhos para mim deslumbrado.

— Bem eu me chamo Annabeth Chase. – Ergui a mão que o loiro logo pegou em um cumprimento. Inclinei a cabeça para Percy e alarguei o sorriso. – E esse é Percy Jackson, meu namorado.

Num piscar de olhos a expressão animada e brilhante de Nikolai murchou, seus olhos cheios de desapontamento. Durou segundos e ele disfarçou com um pigarro e forçou o sorriso de volta aos lábios.

— Ahn, muito prazer, Percy.

— O prazer é meu. – A voz de Percy soou baixa e perigosa, o aperto de mão tão forte que fez Nikolai exprimir uma careta.

— Nós somos estudantes de intercâmbio da universidade de Moscou assim como o resto do nosso grupo. – Tentei deixar o clima mais leve, sorrindo como se realmente fosse uma simples mortal atrás de conhecimento. – Estamos no início do curso de História então pra conhecer melhor o país decidimos fazer um projeto de pesquisa sobre a história e cultura de cidades russas e Titã chamou nossa atenção pelas histórias que ouvimos nos corredores da universidade.

— Ah, a tal maldição, isso? – Nikolai comentou com descaso, os olhos revirando.

— Isso! – Deixei animação transbordar em minha voz e Nikolai me encarou como se olha para uma criança que acredita no Papai Noel. – Quando chegamos vimos a placa na entrada. Você sabe algo mais sobre a maldição?

— Suposta maldição. – Ele corrigiu e se recostou no balcão. – Não passa de uma superstição idiota.

— E você tem ideia de onde surgiu essa superstição?

Ele parou por um tempo, pensando. Contive minha expressão para não demonstrar minha ansiedade.

— Só sei o que ouvi dos mais velhos na minha família. É apenas uma história. – Ele deu de ombros. – Eles contam que há mais de mil anos, quando a Rússia não passava de um amontoado de províncias que guerreavam entre si um dos chefes mais fortes, buscando o poder absoluto, pediu a ajuda do deus da guerra e da abundância, Svetovid. O deus prometeu ajudá-lo, mas em troca queria desposar a filha primogênita do chefe.

—  A típica paixão pela beleza arrebatadora da mortal. – Percy zombou com um revirar de olhos. – Que clichê!

— Na verdade, pelo que dizem, ela nem era tão bonita. O deus se encantou pela força e coragem dela. Mesmo com todo o preconceito da época, ela era a melhor guerreira de seu clã e liderava o exército do pai. – Nikolai continuou. – Bem, o chefe e o deus firmaram o acordo, mas a filha não ficou nada feliz. Isso porque ela já era apaixonada pelo cavalariço do pai. Eles se conheciam desde criança e mantinham um relacionamento secreto pois, ela sabia que o pai nunca aprovaria. Apesar de implorar ao pai que desfizesse o acordo, o homem foi irredutível e mandou que ela se conformasse. Não haveria melhor casamento para ela do que se casar com um deus! O cavalariço sugeriu que fugissem, mas ela recusou por medo que o deus descobrisse e despejasse sua ira sobre seu amado. Quando faltavam poucos dias para o casamento, sem ver nenhuma saída, ela rezou fervorosamente para Lelya, deusa do amor e da primavera, ofertando tudo que ela possuía de maior valor. A deusa, comovida pela dor da moça, ajudou o casal a fugir, escondendo-os dos olhos de Svetovid. Ela os abrigou no local mais afastado das províncias aonde nenhum humano jamais tinha ido. Era congelado e repleto de neve, mas a deusa da primavera tornou o lugar habitável e vivo, como um oásis em um deserto de gelo. Por muitos anos o casal viveu em paz.

— Bem, e a maldição? – Perguntei um pouco impaciente. Não tínhamos tempo a perder.

— Quando o deus da guerra descobriu a traição de sua prometida, enfureceu-se completamente. Diziam que sua ira causou um dos maiores terremotos já registrados no país. Ele matou o chefe e passou anos procurando a moça para se vingar, mas a proteção da deusa permaneceu protegendo o casal por um longo tempo. Até que ele ouviu sobre um lugar miraculoso no meio do gelo onde pessoas que buscavam viver em paz eram aceitas e logo adotou sua forma humana e seguiu com um grupo que viajava para o lugar. Chegando lá ele logo avistou o casal fundador e, fingindo gratidão por o aceitarem naquele paraíso, deu um presente.

— O que era? – Arregalei os olhos me inclinando sobre o balcão sem perceber.

— Ninguém sabe ao certo. Alguns acreditam que era alguma arma de ouro, outros supõem que era um belo cavalo, mas a maioria se firma na ideia de uma joia enorme. No entanto, todos concordam que era algo belo e irrecusável. O deus teve bastante tempo para pensar em sua vingança. Ele não queria algo rápido, ele queria algo lentamente doloroso. Por isso os efeitos do presente foram sutis. A vida da filha do chefe foi declinando aos poucos. Ela perdeu o primeiro filho e o segundo nasceu com uma doença terrível. Seu marido morreu em um trágico acidente e ela foi desfalecendo cada dia mais. No seu leito de morte ela rezou mais uma vez à deusa que a ajudara em busca de discernimento sobre tudo que acontecera. A deusa se compadeceu pela segunda vez da moça e contou que o presente carregava uma maldição. Quem o possuísse sofreria por toda a curta vida. O presente havia sido feito por um deus e apenas ele poderia destruí-lo, enquanto isso ele continuaria assombrando geração após geração da família do possuidor. Em desespero a moça implorou que seu único filho, já doente, não sofresse mais por conta de um erro seu e a deusa, acatando ao último pedido dela, tornou a cidade possuidora do presente, abatendo a força da maldição ao dividi-la sobre todos aqueles que viviam na cidade. Logo o paraíso congelou, perdendo seu brilho e beleza para se tornar novamente um deserto de neve e seus moradores, apesar de não sofrer tanto quanto a moça, ainda são aplacados pela maldição. Todos na cidade têm alguma história dolorosa para contar e sempre atribuem isso a tal maldição. Turistas que vieram para cá também contam que, logo após sair da cidade, sofreram acidentes traumatizantes, perderam emprego etc. Por isso colocaram aquela placa na entrada, o que piorou ainda mais as coisas, principalmente aqui na pousada. Vocês são os primeiros a virem aqui em anos.

— As coisas vão melhorar Nikolai. – Encarei o loiro com um sorriso confiante. Seus olhos brilharam como se estivesse hipnotizado. – Tenho certeza! Muito obrigada pelo seu relato. Vai ajudar bastante em nosso trabalho.

Ele assentiu com o rosto corado até uma voz firme soltando palavras em russo encher nossos ouvidos.

— Tenho que ajudar meu tio com o jantar, ele ainda não lida bem com o fogão elétrico. – Nikolai coçou a nuca e logo olhou de mim para Percy animado. – Vocês estão todos convidados. Será um jantar tipicamente russo.

— Será um prazer.

Ele sorriu em despedida e logo sumiu pela porta lateral. Esperamos alguns minutos até perceber que ninguém mais apareceria da cozinha.

— Deus da guerra, deusa do amor... – Percy comentou em um sussurro com os lábios franzidos. – Acho que nosso casal olimpiano deu uma passadinha na Rússia e deixou uma bagunça como sempre.

— Apesar de anos, seus pensamentos inteligentes ainda me assustam um pouco Cabeça de Algas. – Percy bufou e segurei a risada, bagunçando seus cabelos com carinho. – Agora resta saber qual é esse presente e onde ele está. Para amaldiçoar a cidade inteira Afrodite deve ter o colocado na própria cidade. Mas aonde?

— A cidade não parece ser tão grande, mas será mais fácil se nos dividirmos.

— Não podemos sair por cinco minutos que vocês já saem bolando planos mirabolantes!

A voz de Leo foi a primeira a surgir no ambiente junto com o frio avassalador da porta aberta. Encolhi os ombros e suspirei quando o trio surgiu na sala junto com algumas sacolas lotadas de roupas.

— Piper! O que disse sobre comprar apenas o necessário?

— Mas é tudo necessário! – Ela falou com um muxoxo. – A Duda precisava de roupas novas, lembra? E pode relaxar porque, apesar de meio ultrapassada, a lojinha aceitou meu cartão então apenas fique grata e curta a nova moda outono-inverno by Piper McLean.

Revirei os olhos, mas logo aceitei o casaco que ela me estendeu. Contive o gemido de prazer quando o vesti e senti o calor bem-vindo.

— Então o que vocês falavam sobre nos dividirmos? – Jason retomou o assunto já vestindo seu próprio casaco.

Percy se encarregou de recontar toda a história enquanto eu apenas pensava por onde deveríamos começar.

O tempo estava correndo e eu sentia que estávamos mais perto do que pensávamos.

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P.O.V. Duda

Minha consciência retornou lentamente, como ondas em um mar calmo. Meu corpo formigou e logo senti o cansaço arrebatador que parecia impregnar até meus ossos, mas ao menos não havia dor. Minhas pálpebras pesavam, mas forcei meus olhos a abrirem e me surpreendi com a luz difusa quase inexistente. Eu sentia o travesseiro fino contra minha cabeça e meu corpo afogado sob vários cobertores. Logo percebi o som de um aquecedor velho e voltei os olhos para a janela simples ao lado da cama. Neve caía incessantemente do lado de fora cobrindo o topo das casas ao longe como um coberto branco. O sol lutava para ultrapassar o céu cinza, mas estava claramente perdendo a batalha. Respirei fundo e ouvi um suspiro profundo ao meu lado. Minha cabeça se virou rápido demais, mas apesar da tontura repentina consegui discernir o corpo repousado ao meu lado.

Na verdade, meio corpo.

Apenas do tronco para cima estava jogado no canto da cama enquanto a parte inferior descansava no chão. Os braços se esticavam na minha direção, os dedos quase tocando os meus. Seu rosto estava escondido no colchão, mas os cabelos negros o denunciavam tanto quanto se eu estivesse encarando seus olhos escuros ou seu sorriso sarcástico. Senti meus lábios ressecados se abrindo em um sorriso involuntário e forcei minha mão a se erguer centímetros, pronta para acariciar as mechas negras desgrenhadas até minha cabeça latejar. Não contive o gemido fraco.

— Isso já está ficando chato. – Murmurei, massageando as têmporas. - Não tenho dúvidas que atingi o recorde de desmaios do Jason...

— Ultrapassou, você quer dizer.

A voz sonolenta me fez virar a cabeça, dessa vez com mais cuidado. Os olhos negros de Nico estavam sobre mim, sua bochecha direita vermelha pelo contato com o colchão. Ele esticou os braços e o tronco, o pescoço estalando pela posição desconfortável. Encolhi os ombros, um sorriso envergonhado.

— Quem está contando, não é mesmo?

Ele franziu o cenho em minha direção e me preparei para o discurso furioso sobre minha irresponsabilidade e desejo constante de morte, mas ele apenas suspirou e esticou as mãos, tomando meus dedos quentes devido o cobertor entre os seus, frios. Passamos minutos assim, um silêncio calmo, o som baixo de sua pele contra a minha. Ele brincava com meus dedos, apertando minha mão as vezes. Parecia querer dizer algo, mas procurava as palavras. Seu rosto era um livro aberto, a preocupação deixando suas sobrancelhas franzidas, seus lábios entreabertos, movendo-se sem som.

Eu esperei até o som do aquecedor se tornar insuportável.

— Nico eu estou bem, só um pouco cansada. – Murmurei, meus olhos procurando os seus. – Eu...eu...droga, não posso prometer que isso não vai mais acontecer porque você sabe que faço qualquer coisa para essa missão ser um sucesso e para proteger você e os outros, mas...

— Você sumiu naquele portal e eu... – Ele me interrompeu, mas suas palavras eram quase um sussurro. Cerrei os lábios quando Nico baixou a cabeça, as mãos ainda unidas às minhas. – Eu não sabia o que pensar. Você poderia ter ido parar em outro país ou outra dimensão e eu não pude fazer nada.

— Não foi culpa sua. – Falei calmamente. – Nada disso foi culpa sua.

— Eu sei, mesmo assim foi aterrorizante se sentir tão incapaz. O pior foi não saber se você ainda estava viva. – Ele confessou com a voz embargada. Sua cabeça se ergueu e fiquei estarrecida com a cena: Nico chorava copiosamente. Podia até mesmo ouvir os soluços. – Eu passei todo o tempo tentando sentir se sua alma descia para o mundo dos mortos, mas isso era ainda pior. Eu...eu achei que nunca mais te encontraria.

Apertei suas mãos enquanto levei a outra até seu rosto, limpando suas lágrimas. Meu coração batia tão forte que tinha certeza que Nico poderia ouvir.

— Sempre vamos nos encontrar, anjo. – Murmurei com um sorriso amoroso. - Você não vai se livrar de mim tão fácil!

— Você e sua teimosia. – Ele forçou um sorriso entre as lágrimas e me encarou profundamente. – É um dos motivos de eu te amar tanto.

— É, eu também... – Arregalei os olhos quando as palavras de Nico finalmente clarearam em minha mente. Minhas bochechas coraram apesar do frio. – Você...o que?

Ele levou uma das mãos ao meu rosto e se sentou na cama ao meu lado, a outra mão ainda entrelaçada com a minha. Seus olhos pareciam piscinas brilhantes de ébano. Eu poderia me afogar ali.

— Eu te amo. – Ele sussurrou próximo ao meu rosto como se contasse seu maior segredo, seu hálito fazendo minha pele arrepiar. – Eu amo sua teimosia e sua coragem. Amo como você consegue me tirar do sério com sua petulância e como me deixa louco com seu sorriso. Amo seus abraços e seus beijos. Eu amo como você me mudou e me fez amar de novo. Amo você com todo o meu ser e morro todas as vezes que você se machuca ou desaparece. E dessa vez foi ainda pior, você sumiu antes que eu fosse corajoso o suficiente para dizer que a amo. Não sabe o quanto eu fiquei quebrado ao pensar que nunca poderia dizer essas palavras para você, que você nunca saberia que é a única que terá o meu coração para sempre.

Eu realmente não queria chorar, mas percebi que as lágrimas involuntárias já desciam incessantemente pelo meu rosto quando Nico as limpou com beijos cálidos em minhas bochechas. Eu estava atônita, as palavras sumiram da minha mente como se fosse fumaça em meio a uma tempestade. Eu era uma tempestade de sentimentos. Se antes meu coração batia rápido agora ele parecia sair por minha boca. O sorriso ladino de Nico apenas acelerou minha respiração ainda mais.

— Te deixar sem palavras é mesmo delicioso. – Ele falou em um suspiro ainda beijando minhas lágrimas. Seus olhos pousaram em meus lábios com desejo. – Mesmo que não tenha sido da forma que eu mais gosto.

Aquilo foi a gota d’água para mim. Cerrei os olhos e puxei Nico em minha direção tomando seus lábios nos meus com uma necessidade feroz. Apesar da surpresa com minha iniciativa ele logo tomou o controle para si deixando sua mão escorregar para minha cintura, apertando com carinho, enquanto a outra se perdia em meus cabelos sobre o travesseiro, me trazendo para mais perto do beijo. Não contive o gemido quando ele mordeu meu lábio inferior e abri os lábios deixando que sua língua invadisse, provando o seu sabor com volúpia. Meu corpo derretia a cada toque entre nossas línguas, a cada gemido rouco que saía de sua garganta, a cada aperto de sua mão em meu corpo. Se Nico era fogo eu sentia que queimaria feliz e eternamente naquele incêndio. Nos separamos em busca de ar, mas Nico apenas levou os beijos para minha bochecha e logo senti sua língua em minha orelha, seus dentes mordendo com possessão meu lóbulo. Eu estava enebriada de desejo e senti apenas ele subir na cama, seu corpo cobrindo o meu, seu braço sustentando o peso enquanto suas pernas se entrelaçavam nas minhas, até sua língua atingir uma parte mais sensível em minha orelha que me fez gemer alto e erguer a cabeça, deixando o pescoço completamente exposto. O sorriso de Nico fez um arrepio prazeroso percorrer meu corpo, principalmente em partes que tomavam vida apenas quando eu sentia seus toques. Seus beijos molhados em meu pescoço fizeram meu peito inflar em um suspiro satisfeito, deixando nossos corpos ainda mais colados. Logo sua língua dançava em minha pele, seus dentes marcando cada ponto que tocavam. Após uma mordida mais forte que eu poderia jurar que deixaria uma marca, Nico sorriu no meio de um rosnado rouco.

— Você é minha.

Minha teimosia queria revidar sua fala possessiva, mas apenas sorri perigosamente e puxei Nico pela gola da camisa, fazendo seu pescoço cair sobre meus lábios e deixando um chupão com toda a minha força que o fez gemer de surpresa e prazer. Ele logo me encarou, sua respiração descompassada. Mordi o lábio.

— Você é meu.

Acho que aquele foi seu limite. Logo seus beijos eram mais selvagens descendo até meu colo. Prendi os dedos em seus fios negros quando suas mãos puxaram minha cintura em direção à sua. Meu corpo estava tão quente que poderia derreter toda a neve daquela cidade. Desci minhas mãos pelo seu pescoço quando ele voltou a beijar meus lábios, sua língua habilidosa me levando à loucura. Minhas mãos encontraram a barra da camisa e logo senti a pele de suas costas entre meus dedos. Nico tentou conter o gemido quando arranhei suas costas, mas o som reverberou em minha boca. Nos separamos com um estalo molhado entre os lábios. Os olhos dele ainda marejados, mas banhados de desejo, me encaravam como se houvesse acabado de despertar de um sonho. Seu cabelo desgrenhado e os lábios inchados completavam a cena perfeita em minha frente. Ele era lindo.

— Eu te amo. – Ele murmurou como se não pudesse mais conter aquilo dentro de si. Então falou mais alto, um sorriso apaixonado no rosto. – Eu te amo, Swan.

Aquele era o momento perfeito que eu nunca pensei que poderia existir, mas, como sempre, eu poderia estragar tudo. Meu erro foi querer inverter nossas posições, eu gostava de estar no controle e a cara surpresa de Nico me excitava pra caramba. Prendi minhas pernas entre as suas com mais força e executei o giro de forma excelente, tanto que fui contemplada com os olhos surpresos de Nico e seu gemido quando pousei sobre seu abdômen. No entanto eu ainda não estava totalmente recuperada e logo uma tontura forte tomou minha cabeça e fez meu corpo oscilar para frente. Senti as mãos de Nico firmando minha cintura e respirei fundo tentando voltar a ver apenas um Nico em minha frente. Antes que voltasse completamente a mim senti Nico se sentando na cama, as costas na cabeceira, enquanto me puxava para perto me deixando sentada em seu colo enquanto sua voz preocupada enchia meus ouvidos

— Swan? Swan! O que foi isso? Você quase desmaiou!

— Só uma tontura, nada demais. – Pisquei e encarei os olhos angustiados do garoto a minha frente. Prendi minhas mãos em seu pescoço tentando voltar de onde paramos.

— Como eu fui tão sem noção? Você ainda não se recuperou e eu... – Ele rosnou consigo e revirei os olhos tentando calar sua boca com um beijo. Parecia impossível. – Eu te ataquei!

— Na verdade, eu que te ataquei, mas são apenas detalhes. Que tal nos atacarmos ao mesmo tempo agora?

— Você quase desmaia em cima de mim! – Ele me encarou exasperado, as mãos ainda pousadas em minha cintura como se eu fosse cair a qualquer momento. – Como pode ainda estar pensando nisso.

— Eu já disse que não foi nada e foi tudo minha culpa por inverter nossas posições. – Bufei com ódio de mim mesma. Encarei Nico mordendo o lábio inferior. Ele não resistiria! – Deixo você ficar por cima dessa vez.

— Morder o lábio assim é o golpe mais sujo, Swan! – Ele gemeu como se doesse fisicamente e percebi sua luta para não me puxar para perto. Ele parecia estar perdendo feio, mas suspirou e fechou os olhos como se tentasse bloquear um feitiço. – Não acredito que vou dizer isso, mas não posso te beijar mais. Pelo menos não até você estar totalmente recuperada. Vai ser como uma abstinência porque você é a maior tentação da minha vida, mas não vou suportar te ver inconsciente mais uma vez. Ainda mais se for por minha causa.

— Então voltamos às regras de amizade?

— Claro que não! Não fico longe de você por nada nesse mundo. – Ele se sobressaltou e me puxou para mais perto sem pensar, enfatizando suas palavras. – Mas vamos evitar situações mais...intensas como agora. Pelo menos por hora.

Bufei insatisfeita, mas ele tinha certa razão. Eu ainda sentia o cansaço tomar meu corpo e minha cabeça latejava de tempos em tempos então, a contragosto, acenei em concordância e ouvi seu suspiro de alívio. Logo que seus olhos voltaram a me encarar um sorriso aberto surgiu em seu rosto e lembrei algo que queria perguntar antes de deixar meu lado “animal” tomar conta de mim.

— Quando aconteceu? – Ele virou a cabeça com as sobrancelhas franzidas em dúvida. – Quando você percebeu que me amava?

— Jason teve certa culpa nisso. – Ergui as sobrancelhas surpresa e Nico riu, suas mãos brincando com meus dedos. – Foi depois da conversa que tive com ele no México que parei pra pensar sobre isso, depois que ele me questionou se eu sentia o mesmo que você.

Ele silenciou por segundos como se calculasse o que falaria em seguida. Esperei calada, o que para mim foi uma tortura.

— Percebi que amar você não foi algo repentino, mas lento e calmo como cair no sono.

— Esperava algo como “de tirar o fôlego” – Zombei com um sorriso irônico. – Como cair de um precipício, por exemplo.

— Algumas partes tiraram o fôlego. Outras me deram ele de volta. – Nico confessou e eu prendi a respiração. Quando ele se tornara um poeta? Seus olhos negros me observaram seriamente. – Primeiro amei seus olhos quando nos esbarramos do corredor da escola e então amei sua teimosia quando encarou aquele manticore como se tivesse anos de experiência. Amei seu toque e sua confiança em mim todas as vezes que viajamos juntos nas sombras e amei sua coragem quando enfrentou aquele monstro no acampamento e revelou seu segredo a todos para que pudesse salvá-los. Amei seus sorrisos, do mais amável até o mais sarcástico, principalmente quando eram para mim e amei sua lealdade quando não me afastou apesar de toda a dor que te causei. Amei sua voz quando disse meu nome pela primeira vez e em todas as vezes que ela me salvou, foram muitas. Amei sua amizade, sua ira, sua determinação em tantos momentos que poderia passar horas enumerando. Então meu amor foi algo construído como peças de um quebra cabeça. Não foi como amar minha mãe ou Bianca, algo instintivo, foi um amor conquistado. Um amor restaurado, como reaprender a andar ou voltar a respirar depois de estar tanto tempo debaixo d’água.

Ele falava cada palavra seriamente, os olhos prendendo os meus como ímãs no metal. Eu controlava a respiração, meu coração palpitando como louco. Contive a ímpeto de me beliscar para saber se tudo aquilo não passava de um sonho, mas nada me faria soltar minhas mãos das de Nico naquele momento. Ele respirou fundo e voltou a falar, dessa vez mais angustiado.

— Acho...acho que todas as peças desse quebra cabeça se uniram no dia em que saímos na missão, quando eu vi você parada no meio do meu quarto com aquele olhar perdido e decepcionado ao presenciar aquela cena horrível da...

— Nem me lembre daquilo. – Rosnei baixo.

— Quando você fugiu para o seu chalé dizendo que nada daquilo importava foi como cravar uma adaga em mim. Apesar das suas palavras eu sabia que tinha perdido sua confiança. Você se afastaria. Aquela foi a primeira vez que imaginei minha vida sem você e foi aterrorizante. Só pensar nessa possibilidade me destruía por dentro, uma dor insuportável. Ou era o que eu achava. - Ele riu de escárnio, a cabeça baixa, os cabelos caindo sobre os olhos. – Apesar de não te ter comigo, eu suportaria se soubesse que você estaria bem e feliz, mesmo distante de mim. Por um tempo até achei que seria melhor já que eu te machucava demais com minhas ações e minhas palavras. A dor realmente insuportável era perder você para a morte. Era saber que nunca mais veria esses olhos mesmo que fosse apenas me fuzilando com ira, ou nunca mais ouviria sua voz mesmo que fosse para gritar comigo. 

— Nico...

— E durante a missão eu senti essa dor vezes demais. Quando você se jogou daquele penhasco, quando sumiu na Grécia e quase foi levada por aqueles monstros e dessa vez foi ainda pior quando foi jogada naquele portal maldito e quando voltou parecia tão fraca e pálida, tão frágil. Ainda assim usou suas últimas forças para nos trazer até aqui. Te carreguei todo o caminho até aqui e você estava tão gelada e tão imóvel, sua respiração quase não era perceptível. Você não parecia desmaiada, parecia morta.

— Eu estava bem viva e quente alguns minutos atrás. – Alfinetei tentando deixar o clima mais leve. Nico ergueu a cabeça de repente, os olhos me fuzilando, mas vi seus ombros relaxarem um pouco. – Aliás “desmaiar” já se tornou um pré-requisito para ser Eduarda Swan, vou até incluir no meu currículo. É melhor se acostumar.

— Nunca vou me acostumar a isso. Na verdade, isso vai me deixar com cabelos brancos antes do tempo, com toda certeza.

 - Realmente, já consigo ver alguns fios claros daqui. – Estiquei a mãos e arranquei um fio negro com uma cara fingida de preocupação. Nico revirou os olhos e eu ri. Tomei seu rosto em minhas mãos e me aproximei ainda mais fazendo seus olhos focarem apenas em mim. – Eu te amo. Acho que te amo desde o primeiro dia que você me olhou com todo a sua carranca e foi totalmente mal-educado, gritando comigo em inglês no meio daquele corredor. Não tenho culpa se sempre amei um clichê. Uma romântica irreparável como sempre.

Nico riu, mas rodeou minha cintura sem tirar os olhos dos meus.

— Eu te amo e acho que não vou conseguir mais parar de dizer isso. – Ele encolheu os ombros como um garotinho envergonhado. - Desculpe por ser tão lento para perceber e não falar antes.

— A convivência com filhos de Poseidon tem esse efeito.

Sua gargalhada fez meu sangue borbulhar e ele se inclinou involuntariamente em busca de meus lábios. Coloquei meu indicador sobre os seus, impedindo seu movimento.

— Sem beijos até eu estar recuperada. – Imitei sua voz com um sorriso de lado. Nico arregalou os olhos e gemeu em frustração. – Suas regras, não minhas.

— De qualquer forma é melhor. Nossos beijos sempre levam a algo mais. – Ele deu de ombros, mas pude ver sua frustração. Me senti poderosa por saber o que causava em Nico. Ele recostou a cabeça na cabeceira, recuperando o fôlego. – Até porque logo os outros voltarão. Se Percy nos ver desse jeito a veia na sua testa vai estourar.

— E por falar neles, aonde foram? – Questionei finalmente olhando ao redor para o quarto simples. – Aliás, onde estamos?

Então Nico resumiu nossa chegada na cidade de Titã e a conversa entre o grupo enquanto eu estava fora do ar.

— Uma cidade amaldiçoada. – Murmurei, a mão sobre o queixo enquanto pensava. – Que macabro! Não pensei que ainda existisse algo assim.

— Você é a cinéfila aqui. – Nico comentou. – Alguma ideia do que possa ser.

— Nenhuma, mas logo vamos descobrir.  – Então olhei para a porta no canto do quarto e quase gemi de alívio ao imaginar a água quente correndo por meu corpo. – Antes eu preciso de um bom banho quente. Acho que vou me agarrar ao chuveiro e nunca mais soltar.

— É possível sentir ciúmes de um banheiro? – Nico questionou seriamente e eu empurrei seu peito com uma risada antes de sair de seu colo e pular da cama. Graças aos deuses a tontura sumira completamente e o latejar na cabeça era apenas um eco fraco.

Pesquei o último conjunto de roupas não usadas que ainda tinha na minha mochila além do casaco negro de Nico. Pude ver o sorriso satisfeito do filho de Hades ao ver o tecido negro sobre meu ombro e sumi pela porta.

— Qualquer coisa é só gritar. – Ele falou através da madeira fina da porta logo quando tirei completamente minha roupa e já me preparava para abrir o chuveiro, deixando a água no ponto mais quente.

— Como se eu fosse te chamar para entrar aqui quando estou...desse jeito.

— Desse jeito como, Swan? – Ele incitou com inocência fingida, sua voz rouca e baixa.

— Você sabe, di Angelo!

— A esperança é a última que morre. – Ele falou simplesmente e ouvi seus passos se afastando.

Revirei os olhos e bufei, mas não contive o formigamento em meu corpo ao imaginar Nico surgindo pela porta, seu olhar deixando um rastro de fogo em mim, seu sorriso ladino.

— Deuses, sou uma completa pervertida!

Abri o chuveiro e a água quente atingiu minha pele em cheio tirando os pensamentos lascivos de minha cabeça, deixando apenas a sensação de prazer que o contato com a água sempre me proporcionava. Senti minhas forças se renovando e respirei fundo com um sorriso. Logo minha mente voltou a trabalhar, dessa vez pensando sobre a missão e a tal maldição. Na verdade, além dos momentos de corrida, no banho era onde minha mente mais vagava então não percebi quanto tempo ficara embaixo do chuveiro até ouvir uma batida forte na porta. Saltei com a voz de Nico.

— Swan? Aconteceu alguma coisa? Faz mais de meia hora que a água do chuveiro não para de cair. – Ele pausou por segundos esperando uma resposta. – Se você não der um sinal de vida eu vou arrombar essa porta agora mesmo!

— Não, Nico, eu tô bem! – Desliguei o chuveiro e logo me enrolei na toalha. Quem sabe as ideias que passavam pela cabeça do filho de Hades. – Desculpa, logo eu saio.

Ouvi ele se afastar murmurando irritado algo sobre morrer de ataque cardíaco. Abafei a risada e logo vesti a roupa, um sorriso grande desenhado no rosto ao lembrar das palavras de Nico minutos atrás.

— Ele me ama. – Sussurrei encarando meu reflexo no espelho sobre a pia. – Ele me ama mesmo.

Respirei fundo contendo meu pulso acelerado e repassando toda a declaração dele na mente como um filme que não se cansa de assistir. Penteei os cabelos com os dedos ainda com um sorriso enorme no rosto. Acho eu nunca mais pararia de sorrir. Apesar dos versos finais da profecia ainda serem como um mau agouro em minha mente, as palavras de Nico trouxeram uma esperança que eu nem ao menos sabia necessitar. Sem perceber eu me vi fazendo planos para o futuro, um futuro em que sobrevivíamos àquela missão. Um primeiro encontro perfeito, momentos de paz e beijos lentos e sem risco de eu perder a consciência no meio deles.

Tudo parecia possível.

— Mas antes a missão. Temos que conclui-la e sair sãos e salvos. – Meus dedos apertavam a porcelana da pia. Falar era fácil.

Eu pensava em tudo que aconteceu até ali. Parecia um quebra cabeça difícil demais de ser completado. Então arregalei os olhos ao lembrar de algo.

— Quebra cabeça...

Saí do banheiro e dei de cara com uma das cenas mais fofas que iria presenciar na vida: Nico de bruços na cama fazendo cócegas na barriga de Totó com o nariz enquanto o cãozinho latia de satisfação.

— Deuses será que dá pra congelar essa cena e guardar em um potinho?

Nico ergueu os olhos para mim em surpresa e vi seu rosto corar. E eu achando que a cena não poderia ficar mais fofa! Logo que me viu Totó se levantou nas patinhas curtas e rodou na cama latindo enlouquecido.

— Olá para você também! – Sentei na cama e acariciei a cabeça dele com carinho. – Por onde você andava Totó?

— Ele ficou comigo vigiando você depois que todos saíram. – Nico falou coçando atrás das orelhas do cão que se derreteu em minhas pernas. – Acho que antes de você acordar ele deve ter corrido para debaixo da cama onde era mais quente e provavelmente hibernou até minutos atrás quando pulou na minha cabeça.

— Provavelmente deve ter hibernado mesmo pra não ter atrapalhado nosso momento a sós como sempre faz. - Olhei para o cãozinho com desapontamento. – Desta vez nem precisou de você, Totó. Nico destruiu o momento por conta própria.

— Se você não pensa no seu bem-estar, eu penso! – Nico bufou, a cabeça apoiada sobre as mãos. – Por quanto tempo vai bater nessa tecla?

— Até você se redimir por me deixar desamparada!

— Quanto drama... – Ele revirou os olhos, mas logo me encarou com um sorriso cheio de promessas. – Mas eu vou me redimir e com juros. Basta esperar.

Um calafrio de expectativa correu por minha espinha e pigarreei para que minha voz saísse o mais normal possível.

— Bem, en...enquanto estava no banheiro lembrei de algo que pode ser útil. – Me xinguei mentalmente por gaguejar ainda lembrando da intensidade no olhar de Nico enquanto o idiota apenas sorria por seu efeito sobre mim.

Deixei Totó sobre a cama e logo alcancei a mochila de Annabeth tirando de lá os pedaços velhos de pergaminho. Estavam amarelados e pareciam extremamente frágeis. Com certeza tinha sido criado séculos antes. Espalhei os pedaços sobre a cama enquanto Totó e Nico observavam meus movimentos.

— Os pedaços de pergaminho. – Nico se sentou ao meu lado encarando os papéis pensativo. – Você acha que já dá pra decifrar algo?

— Só montando para saber. – Dei de ombros com um suspiro e encarei Nico com um piscar de olhos. – Ainda bem que sempre fui boa com quebra-cabeças.

Aquilo era mil vezes pior que qualquer quebra-cabeça!

Além do papel ter se desgastado com o tempo o que deixava os pedaços com um encaixe completamente sem ordem, as letras não ajudavam já que pareciam estar em uma língua totalmente estranha. Depois de muita paciência, gritos de frustração e uma massagem relaxante de Nico em meus ombros (nunca pensei que o filho de Hades fosse tão bom com as mãos!) finalmente consegui montar ou ao menos eu torcia que sim já que as palavras no papel não pareciam nem inglês, português ou grego. Então eu olhei mais atentamente e foi como se as palavras, no caso os símbolos porque aquilo no pergaminho eram vários desenhos em tinta negra, flutuassem do papel e se ordenassem em minha mente.

— Isso são hieróglifos? – Nico falou encarando o papel pardo com uma expressão confusa. – Como vamos ler isso?

— Eu...eu consigo ler.

— O que? – Nico virou o rosto para mim com curiosidade. – Não me diga que aprender a linguagem egípcia é um de seus hobbies.

— Não, na verdade eu nunca nem tive contato com essa linguagem até agora. – Encarei os símbolos mais uma vez e cocei os olhos, duvidando se estava realmente entendendo o que estava escrito ali. Ainda fazia sentido para mim. – Não sei como, mas entendo tudo que está aqui.

Nico não deixou de me encarar com admiração e então pigarrou, apontado para o pergaminho recortado.

— Certo, então qual é a tradução?

— É uma lista de itens. – Passei os olhos mais uma vez pelo papel, confirmando o que estava vendo. Apontei para cada conjunto de símbolos. Havia seis, um abaixo do outro. A letra não era caprichada e estava borrada em alguns pontos como se o autor tivesse escrito aquilo às pressas. Encarei Nico, apreensiva. -  Não sei se é bom que eu leia em voz alta. Não sei o que podem significar então não gostaria de trazê-los para cá sem querer caso esse pergaminho seja um documento oficial ou esteja escrito com a caneta encantada.

Nico assentiu em concordância e logo encontrei um pequeno bloco de anotações na mochila de Annie, escrevendo os seis itens em ordem. Nico franziu o cenho, lendo em voz alta.

— Pena de fênix, Dente de dragão, Pedra benben, Lasca de Troia, Escaravelho, Colar de harmonia - Ele franziu o cenho antes de ler a última palavra. - Sangue… e o resto?

— Não tem resto. - Mostrei o pergaminho a minha frente e apontei para o pequeno pedaço que ainda faltava no canto inferior da página. - O pedaço que falta esconde o resto da frase que começa com “sangue”. Lembra que essa foi a palavra que li quando conseguimos o primeiro pedaço?

Nico assentiu, os olhos encarando a parede à frente enquanto sua mente vagava. Estava prestes a questionar o que ele tanto pensava quando a porta do quarto foi aberta de repente e num piscar de olhos senti meu corpo ser prensado na cama em um abraço caloroso.

— Ai, caramba, chica, você escapou da morte mais uma vez! - Leo falou animado ainda me apertando forte. - Não sabe como estou feliz de ouvir sua bela voz enquanto é sufocada por mim.

— Que...bom...que...percebeu… - Grunhi, buscando por ar.

— Valdez será que dá pra soltar minha irmã? - Ouvi a voz de Percy. - Tem mais gente querendo abraçá-la antes que você a mate.

Leo murmurou com falsa chateação e me soltou com um sorriso. Logo todos os outros me deram abraços e beijos deixando Percy por último. Ele me encarou profundamente antes de me puxar para seus braços com carinho.

— Você ainda vai me matar do coração. - Ele sussurrou contra meu cabelo. - Não sei se aguento outra dessas.

— A missão está quase no fim. - Respondi, minha voz abafada em seu peito. - Acho que seu coração aguenta até lá.

Ele finalizou o abraço com um olhar zangado em minha direção que me fez rir baixo. Logo todos estavam espalhados pelo quarto, o som do aquecedor e de casacos pesados sendo retirados enchendo o lugar.

— Hum, roupas novas? - Encarei o casaco grosso que Percy lançou sobre a cama que eu estava.

— Só assim pra poder sair nesse tempo. - Ele inclinou a cabeça em direção à janela onde a neve ainda caía intensamente do lado de fora. - Nem todo mundo é o Valdez…

Leo sorriu superior, tomando as palavras de Percy como um elogio. Voltei os olhos para Annie que já digitava no laptop concentrada.

— Descobriram algo?

Annie franziu o cenho sem desviar os da tela brilhante a sua frente.

— Pode-se dizer que sim.

Ela ergueu os olhos do laptop e narrou a história contada por um tal Nikolai, o qual Nico explicou ser neto do dono da pousada em que estávamos e que estava prestes a ser assassinado por Percy por estar dando em cima de Annie. Contive a risada voltando a atenção para Annie que já finalizava o relato.

— Apesar de rodarmos a cidade em busca de mais informações que reforçasse a história de Nikolai, não conseguimos nada a mais com os poucos cidadãos          que quiseram falar. – Ela suspirou se recostando na cabeceira do beliche. – A história dos deuses e do casal apaixonado é sempre a mesma, mas o suposto presente dado pelo deus da guerra sempre varia. Um anel, um brinco, uma pulseira.

— Ao menos todos concordam que foi algum adereço. – Piper falou com um dar de ombros.

Nessa hora eu podia jurar que uma lâmpada acendeu sobre minha cabeça. Enquanto eles continuavam a discutir sobre como aquela estória podia se encaixar na missão eu observei o papel com a lista de itens que escrevi para Nico. Arregalei os olhos ao ler o item no final da folha.

— Talvez...talvez o presente do tal deus seja a nossa missão.

Todos os olhos se voltaram para mim, mas apenas recolhi os pedaços do pergaminho que estavam espalhados pela cama e entreguei-os para Annie assim como a lista traduzida.

— Eu acordei há pouco tempo e resolvi me ocupar com algo já que boa parte dessa maldita missão eu passei desmaiando pelos cantos.

— Swan... – Nico sibilou pronto para me repreender, até a risada engasgada de Leo surgir.

— Com certeza você ficou bem ocupada.... – Ele incitou com a sobrancelha erguida. Franzi o cenho, confusa, até ele tocar o próprio pescoço com um sorriso ladino, os olhos encarando o meu pescoço que, sem dúvidas, deveria estar “enfeitado” com uma bela marca vermelha.

Gelei com o olhar incisivo de Percy e puxei o casaco mais para cima, rosnando para Nico quando este prendeu a risada que saiu como um suspiro engasgado.

— Você não está tão diferente, Nico. – Jason ergueu o pescoço indicando seu pomo de Adão e encarando Nico com um sorriso. O filho de Hades arregalou os olhos e tocou o próprio pescoço, ficando vermelho tanto de raiva quanto de vergonha.

— Cala a boca.

— Ok, tirando a clara ocupação que os dois tiveram... – Annie comentou me encarando e recebendo um olhar indignado de Percy. – Acredito que você ia falar de algo relacionado ao pergaminho.

— I...Isso, é...é isso mesmo. – Falei rápido demais, agradecendo mentalmente pela mudança de assunto antes que Percy começasse a surtar. – Bem, eu lembrei que já tínhamos diversas partes do pergaminho e que você tinha dito que deveríamos tentar juntá-las. Foi o que fiz.

— E conseguiu isso? – Ela ergueu a folha branca na altura dos olhos e leu mentalmente o que estava escrito.

— Exatamente! No início eu não entendi nada que estava no pergaminho até que ele estivesse em ordem. Mas o mais estranho é que mesmo em ordem ele não está escrito em nenhuma língua que eu já tivesse lido ou falado.

— Então como...?

— São hieróglifos. – Nico interrompeu, as pernas longas esticadas sobre a cama enquanto ele me encarava com certa admiração. – E a Swan conseguiu traduzir.

— Espera, o que? – Piper me encarou atônita. – Onde você aprendeu isso?

— Isso é o mais estranho. Eu nunca aprendi, nunca tive nem contato com essa linguagem a não ser naqueles livros de História do fundamental, mas nada tão aprofundado. – Suspirei e sentei no chão, a cabeça encostada no colchão enquanto eu divagava. – É como... não sei explicar bem, mas lembra a forma como o grego é para nós, semideuses. As letras flutuam e se reorganizam diante dos meus olhos e eu simplesmente entendo o que elas significam.

Annie nada disse, mas seus olhos pareciam me estudar com cautela como se observasse um espécime raro e desconhecido. Fechei os olhos por segundos e senti dedos longos acariciarem meus cabelos. Sorri pelo toque de Nico já ser tão familiar.

— De qualquer forma o pergaminho contém uma lista de itens. – Continuei encarando o teto. – Anotei todos nesse papel, mas o último ainda está incompleto. Acho que o pedaço que falta deve vir nessa missão.

— Mas qual a relação desses itens com a história de Nikolai? – Percy perguntou lendo a lista por cima dos ombros de Annie.

— Apesar das pessoas da cidade divergirem nas respostas, todos concordam que o presente do deus da guerra foi um adereço, uma joia. – Comecei e ergui a cabeça encarando meu irmão nos olhos. – Se você ler o penúltimo item da lista vai entender o que estou falando.

Annie foi a primeira a ler e ergueu os olhos em espanto enquanto o papel já amassado era passado de mão em mão para todos olharem.

— O colar de Harmonia. – Ela murmurou já digitando no laptop. – É isso, faz todo o sentido.

— Harmonia não era aquela deusa menor, filha de Ares e Afrodite? – Nico questionou, a cabeça apoiada sobre a mão que não acariciava meus cabelos.

— Essa mesma. – Annie confirmou virando o laptop para que todos víssemos a imagem de uma mulher com uma cobra circundando seu corpo. – Harmonia foi fruto de uma traição já que todos sabemos que Afrodite e Hefesto são casados. Então como presente de casamento dela com Cadmo, rei de Tebas, Afrodite deu de presente um colar. Em algumas versões é dito que Zeus quem deu o colar de presente, mas o importante é que todas concordam que foi Hefesto que criou o colar como vingança pela traição de sua esposa.

— Ah, sim. Agora lembro. – Piper exclamou enquanto desfazia os nós dos cabelos. – O colar era amaldiçoado e a pobre Harmonia sofreu até o fim da vida. Alguns contam que ela foi transformada em serpente assim que colocou o colar. Meus irmãos sempre contam essa história para os novatos pra fazê-los ficarem longe do pessoal de Ares ou Hefesto.

Leo revirou os olhos e Piper deu de ombros como se pedisse desculpas.

— Apesar das várias versões, a verdade é que o colar continha uma maldição que destruía a vida de quem o usasse. - Annie explicou, os olhos voltados novamente para a tela - Alguns morriam cedo, outros mais tarde, mas todos sofriam imensamente enquanto possuíam o colar. Depois da morte de Harmonia o colar viajou diversas cidades sendo usado como suborno e oferenda. Há registros dela nas cidades de Argos, Psophis, Delfos e, por fim, em Amathus onde ele sumiu misteriosamente.

E provavelmente caiu nas mãos da moça russa como um presentinho de Ares. - Jason completou. - Faz todo sentido.

Já suspeitávamos que o tal presente seria nossa missão. - Annie me encarou com um sorriso cansado. - Mas você confirmou nossas suspeitas.

É bom ser útil para alguma coisa… - Revirei os olhos, mas sorri brincalhona antes de receber um peteleco de Nico na orelha.

Swan, calada!

É apenas a verdade! - Sibilei, mas voltei os olhos para Annie. - De qualquer forma, o que me preocupa são os outros itens da lista. Se nossa missão é encontrar o tal colar e já estamos perto do final da profecia, como vamos localizar os outros itens? Não vai dar tempo!

Eu não sei. - Ela respondeu frustrada. Provavelmente tinha se questionado o mesmo. - Mas algo me diz que tem bem mais coisa por trás dessa lista. Só podemos seguir com a missão e esperar que descubramos logo como esses itens vão se encaixar.

Pensando pelo lado positivo, ao menos já conseguimos decifrá-los - Percy falou com um sorriso otimista tentando melhorar o astral. - O que leva a tentarmos investigar como você fez isso, maninha.

..eu não faço ideia. - Suspirei com o cenho franzido. - Mas não é a primeira vez que isso acontece. Durante nossa missão já houve outros momentos em que consegui ler ou entender essa língua, mas não sabia que era egípcio. Até agora.

Eu tenho uma suposição… - Annie se manifestou ajeitando a postura sobre a cama e me encarando séria. - Eu já vinha suspeitando disso, mas precisava de mais provas para confirmar. Eu já tive contato com egípcio devido uma aventura antiga com uma amiga versada na língua. Além disso, para minhas pesquisas sobre os Língua Encantada, tive de procurar livros em diversas línguas já que o material era bem escasso. Durante a pesquisa encontrei material interessante em basco, copta e árabe, sendo o livro em árabe o que tinha uma descrição melhor e mais detalhada sobre esse povo. A história de origem que ele descrevia era bem semelhante àquela que ouvimos Quíron contar, porém, no lugar de Apolo ter dado o poder de trazer à vida tudo que fosse lido, o livro contava que Tot, o deus egípcio da sabedoria, foi quem deu o dom da leitura ao primeiro Língua Encantada.

Ela pausou por um tempo absorvendo as expressões ansiosas e surpresas de todos, então prosseguiu.

Portanto, apesar de não ter certeza de que essa versão da história era verdadeira, eu já suspeitava que a mitologia egípcia tinha alguma relação com o seu povo, Duda. Minhas suposições foram se confirmando quando percebi que você compreendia palavras em egípcio, principalmente porque a palavra que usa para destruir os portais é nessa língua. Traduzir esse pergaminho só me levou a confirmar tudo. Você não é apenas meio grega, também é meio egípcia.

E ela soltou essa pequena frase com um olhar acolhedor e fascinado, nada diferente do olhar que todos no quarto lançavam em minha direção. No entanto, meus pensamentos a mil não me deixavam ficar irritada ou envergonhada com toda a atenção repentina.

Por isso entendi as frases estranhas que o Artur falou! - Soltei surpresa ao me lembrar de trechos das conversas que tive com o garoto misterioso na floresta. - Ele também tem ligação com a cultura egípcia.

Provavelmente sim. - Annie acenou em afirmação. - Não apenas isso, acredito que toda essa missão tenha correlação com a mitologia egípcia.

Eu sabia que aquele crocodilo enorme do acampamento me era familiar. - Percy murmurou perdido em pensamentos. - Acho que já tinha topado com ele ou um primo distante dele quando conheci Carter.

Isso significa que o tal Mestre também tem relação com a cultura egípcia. - Jason expôs o pensamento que todos tinham naquele momento. - Isso diminui ainda mais a lista de suspeitos.

Na verdade, isso diminui a lista para apenas duas opções. - Annie explicou levantando dois dedos para ilustrar sua fala. - a deusa egípcia Meretseguer e o monstro Apep, também conhecido como Apófis.

O silêncio repentino era sufocante. O som do aquecedor, ensurdecedor. Apesar de ninguém ali ter tanto contato com a mitologia egípcia, todos conheciam o mito de Apófis, a serpente diabólica e indestrutível. Senti um formigamento subir por minha espinha enquanto a mão de Nico congelou sobre meus cabelos. Eu quase podia ouvir a risada maléfica do Mestre dizendo “finalmente, cria de deuses”.

Ainda há uma chance de ser a tal deusa, não é? - Leo perguntou com esperança forçada, a voz morrendo ao fim da frase.

Bem, sim. - Annie afirmou com um sorriso penoso. - Mas todos os sinais apontam para Apófis. E, como estamos quase no fim, logo teremos a confirmação.

Leo gemeu frustrado enquanto eu apenas permaneci em silêncio, deixando a nova informação fixar em minha mente. No fim, não foi uma surpresa tão grande. Eu já imaginava que o Mestre era um monstro extremamente poderoso para conseguir ficar fora do radar dos deuses. Agora eu tinha um nome para ele. No entanto, o que uma serpente super poderosa e tão antiga quanto o próprio universo, que devia habitar o submundo egípcio, fazia em nosso mundo e, principalmente, o que ela poderia querer comigo? As suposições rondavam minha mente desde o início da missão. Ele queria meu poder de Língua Encantada, queria que eu lesse algo para nosso mundo, mas a questão é: o que seria isso? Algo que o poderoso Apófis não conseguiria obter por si só? Pensar nisso me assustava tanto quanto os últimos trechos da profecia.

Fui tirada de meus devaneios quanto o que Apófis poderia querer ao perceber que Annie voltara a falar, agora sobre nossa missão na Rússia.

Então é isso. - Ela acabava de concluir o pensamento. - O colar deve estar em alguma parte da cidade em algo ligado à cidade como um monumento, por exemplo. Vamos nos dividir. A cidade não é tão grande, mas ainda assim pode levar um bom tempo. Quanto mais rápido encontrarmos o colar, mais rápido seguimos para a próxima parte da missão.

Todos acenaram e começaram a organizar as mochilas até um barulho alto ressoar no quarto. Olhei para baixo alarmada ao perceber que o ronco viera da minha barriga. Sorri envergonhada.

Antes poderíamos comer algo? Acho que o sono não alimenta como diz o ditado.

Claro! - Annie riu e arregalou os olhos, animada. - E quase tinha esquecido: Nikolai nos convidou para um jantar tipicamente russo.

Como se tivesse sincronizado, alguém bateu à porta no momento que Annie se calou e logo uma cabeleira loira surgiu do vão da porta junto com um sorriso amistoso e olhos azuis brilhantes.

Spokoynoy nochi! - Ele falou em russo o que suspeite ser “boa noite” e fixou os olhos em Annie ainda com o sorriso no rosto. - Só vim avisar que o jantar já está pronto. A sala de jantar fica na porta à direita do balcão da recepção. Sintam-se à vontade!

Em minutos todos seguiam Nikolai para o térreo e logo o aroma de carne e vegetais fez minha boca salivar. Quando todos tomaram seus lugares, Nikolai se postou na cadeira a minha frente nomeando os pratos: Solyanka, uma sopa de carne e peixe e cogumelos; shashlyk, um espetinho de carne com vegetais assados; pelmeni, uma massa recheada com carne moída e a salada Olivier, que eu já conhecia do Brasil onde é chamada “salada russa”. Tudo estava delicioso e os elogios soltados ocasionalmente pelo grupo fizeram a carranca do avô de Nikolai se suavizar enquanto ele narrava a história dos pratos típicos, destilando seu ódio aos americanos que modificaram os pratos ao seu bel prazer.

A descontração do jantar melhorou o humor de todos, fazendo-nos esquecer voluntariamente, por ao menos algumas horas, as descobertas sinistras de minutos atrás. quando nos despedimos de nossos hóspedes russos sabíamos que não os veríamos novamente. Voltamos ao quarto apenas para pegar as mochilas e Totó que permaneceu escondido e latiu feliz quando ofereci um punhado de comida que guardei do jantar. Logo nosso grupo caminhava silenciosamente pelo hall de entrada, sem despedidas para evitar perguntas curiosas. Annie deixou o dinheiro sobre o balcão com um bilhete de agradecimento e saímos pela porta.

Apesar de não ser tão tarde, não havia ninguém na rua e apenas som de uivos distantes e do vento gelado era percebido. Podia jurar que havia caído dentro de um filme de terror, nas cidades abandonadas e macabras que escondiam figuras sobrenaturais em seus becos escuros. Me aproximei de Nico diante desse pensamento. A neve cobria tudo como um lençol branco, o ar que exalava era visível e eu já sentia meu nariz dormente. Senti o braço de Nico rodeando meus ombros e contive a vontade de enfiar meu rosto na curva de seu pescoço que parecia quente e convidativo.

O inverno russo não é brincadeira! - A voz rouca e o hálito gelado contra minha bochecha trouxeram arrepios por meu pescoço, não pelo motivo que eu gostava. Sorri, desviando de um amontoado de neve.

Eles ganharam duas guerras por causa dele. - Dei de ombros, o que ficou imperceptível por baixo do casaco pesado que eu usava. - Ainda duvidava?

Nico riu me apertando mais contra si e ouvi um grunhido insatisfeito de Totó vindo da mochila às costas dele. Não era apenas nós, humanos, que odiávamos aquele clima. A algumas quadras da pousada nos dividimos em dois grupos. De acordo com Annie, não sabíamos bem o que enfrentaríamos para obter o colar, então era mais seguro andar em número maior do que apenas dois. Depois que eu e Piper tiramos na adedonha com quem Leo iria (ele era a única fonte de calor em quilômetros!) e Piper comemorar sua vitória com uma dancinha ridícula, eu, Nico, Percy e Annie seguimos para o sul enquanto Piper, Leo e Jason seguiam para o norte. Combinamos de nos reencontrar naquela mesma esquina em uma hora, caso o colar não fosse encontrado retornaríamos as buscas sempre usando aquele ponto para reagrupar. Depois de todos concordarem, nos separamos, meu grupo seguindo para o sul por uma rua idêntica a todas as outras.

A neve dificultava a caminhada e eu sentia meus ossos congelando quando, depois de vinte minutos, Totó começou a latir enlouquecidamente, sacudindo a mochila de Nico sem parar.

O que foi, garoto? - Nico tentou tirar a mochila das costas enquanto ela não parava de mexer. - Calma!

Alguns passos e muitos latidos depois senti meu anel esquentar no dedo e logo ele começou com um brilho fraco. Então todo o surto de Totó fez sentido.

É um portal. - Falei no momento que Nico conseguiu pegar a mochila e abrir uma pequena fresta do zíper, a cabeça de Totó surgindo do vão, os dentes expostos enquanto o corpo permanecia coberto com todos os panos presentes na mochila. - Totó deve estar sentindo a presença dele também. Só espero que possamos destruí-lo antes que…

Mas antes que eu pudesse concluir a frase um rugido ensurdecedor reverberou em nossa direção, sendo seguido por outros sons: unhas arranhando, asas batendo. Os sons se aproximavam e quando uma mancha marrom surgiu no fim da rua a última coisa que ouvi foi a voz de Percy e o som de sua espada cortando o ar.

Tarde demais.

Então a batalha explodiu.

~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*

P.O.V. Piper

Eu mal via um palmo a frente dos meus olhos, o vento gelado castigava meu cabelo e podia jurar que meus dedos tinham necrosado com o frio pois, eu não os sentia mais. Puxei o capuz ainda mais para frente e senti o braço de Jason me puxando para mais perto. Apesar do calor reconfortante que emanava de Leo a nossa frente, o frio se sobressaia pouco a pouco. Bufei ao lembrar da indignação de Annie por tanta roupa que havia comprado.

— Se com três casacos ainda sinto meu corpo congelar, imagina com apenas um!

Jason me olhou de lado e eu sorri envergonhada. Ok, o frio estava começando a congelar meu cérebro. Havíamos nos separado do resto do grupo há pouco mais de uma hora, mas ainda não tínhamos nenhuma pista do colar de Harmonia. A nevasca parecia pior à medida que seguíamos para o norte da cidade e eu soprei o ar irritada.

— Você ao menos consegue ver para onde está indo? – Gritei, tentando sobrepor minha voz ao vento forte.

— Para o norte! – Leo gritou de volta e pude ver seu sorriso zombeteiro por debaixo do capuz pesado. Franzi o cenho e cruzei os braços, mas com aquele amontoado de casacos e meu rosto perdido sob o capuz eu não estava tão intimidante quanto queria parecer. Leo suspirou. – Ok, não, não sei aonde estamos indo. Mas culpe a nevasca. Apesar de meu calor derreter o gelo a frente, não sou tão poderoso para acabar com essa porcaria de vento.

Continuamos a caminhar, mas aquilo era inútil! Poderíamos ficar caminhando sem rumo por horas e não encontrar nada. Então uma ideia me veio a mente. Parei de andar e olhei ao redor. Respirei fundo, mas nada pode me preparar para o frio que atingiu meus ossos quando me ajoelhei na neve e enfiei a mão o mais fundo que consegui até tocar o solo da rua.

— Piper, o que você tá fazendo?

Bloqueei a voz assustada de Jason e os passos dos garotos que voltavam em minha direção. Me concentrei em minha mãe, no que me conectava à Afrodite e como eu era parte dela e ela parte de mim. Assim como o colar estava conectado a ela e aos descendentes dela. Trinquei os dentes quando o frio fez meu braço ficar dormente, mas forcei meu poder, ignorando o vento que açoitava minhas costas e pensando apenas que o colar de Harmonia era uma extensão de mim. Por um tempo nada aconteceu e eu estava prestes a desistir quando senti algo. Era mínimo, como um sopro, mas estava lá. Ergui-me em um pulo o que fez Jason e Leo afastarem um passo, assustados. Caminhei alguns passos para frente e senti o puxão no meu âmago ficar mais forte, o sopro se tornando algo como um estalar. Dei a volta e caminhei para o lado oposto, o sopro enfraqueceu. Erguei a cabeça com o sorriso apesar dos olhares confusos dos garotos.

— Eu sei onde devemos ir.

Tomei a frente do trio sentindo minha pele arrepiar, não pelo frio, mas pela intensidade do sopro que aumentava a cada passo que eu dava.

Estávamos muito perto.

Depois de dobrar em mais três esquinas parei, o puxão em meu peito fazendo minha respiração acelerar. Apoiei as mãos nos joelhos e senti a mão de Jason fazendo círculos calmos em minhas costas.

— Eu tô bem. – Respondi a pergunta silenciosa em seus olhos. Ergui meu rosto e forcei um sorriso apesar do cansaço. – Só o GPS do colar que foi um pouco demais.

Ele ergueu uma sobrancelha em confusão e eu bufei uma risada. Olhei ao redor e percebi que estávamos em uma praça. Alguns bancos de pedra se espalhavam em um círculo amplo e no centro da praça uma fonte se destacava, ou melhor, a escultura em pedra sobre a fonte tomava toda a atenção para si. Aproximei-me e suspirei ao percebe que se tratava da representação de um casal abraçado. Eles se olhavam intensamente e, apesar da neve que cobria tudo, era possível ver um sorriso apaixonado nos lábios de cada um. A moça com os cabelos soltos e um vestido que estava salpicado de branco tinha uma mão pousada no rosto do rapaz enquanto a outra estava esticada às costas dele e dos dedos dela saia uma cascata de água, no momento, congelada. O rapaz tinha uma mão presa à cintura dela e a outra esticada com uma cascata congelada saindo dos dedos. Apesar de não passar de estátuas me senti como se me intrometesse em um momento íntimo, o amor era perceptível em cada detalhe. Aquela só podia ser obra de minha mãe. Analisei melhor a escultura de pedra até meus olhos se fixarem no pescoço da moça e sorri triunfante ao percebe a protuberância que circundava o local.

Um colar de pedra.

— Algo me diz que encontramos o colar.

Os garotos seguiram meu olhar e Leo voltou os olhos para mim enquanto Jason se aproximava da fonte.

— Como...como você achou?

— Foi bem simples, só precisei confiar na minha mãe. Eu sabia que o colar tinha conexão com os filhos de Afrodite ou quem tem sua benção então, assim como estou conectada à minha mãe, imaginei que estava conectada ao colar.  – Dei de ombros com modéstia e agradeci mentalmente por minha ideia ter funcionado tão bem. – Além disso, tinha que ter algum motivo melhor para eu estar nessa missão!

Leo riu e me abraçou de lado e eu encolhi os ombros satisfeita com seu calor.  

— Certo, mas como vamos pegá-lo? – Jason perguntou sem tirar os olhos das estátuas.

— Sem contato direto, pelos deuses! – Alertei segurando a mão de Jason.

— Podemos tocar no colar sem problemas se... – Leo mexeu no seu cinto por baixo do casaco que usava durante alguns segundos até puxar algo dali e erguer as mãos com um sorriso. - ...usarmos luvas apropriadas.

Ele jogou um par de luvas de ferreiro para cada um explicando que aquelas luvas eram próprias para mexer em artefatos mágicos e conseguiam suportar até mesmo suas bolas de fogo.

— Provavelmente serão suficientes para evitar a maldição.

Não gostava das incertezas que rondavam aquele plano, mas não tínhamos tanto tempo. Encarei a estátua que retratava o casal em tamanho real e, por estar sobre a fonte, o conjunto passava dos dois metro e meio. Jason era o único capaz de alcançar o colar. Senti meu peito afundar com preocupação e Jason voltou os olhos para mim na mesma hora, um sorriso caloroso nos lábios.

— Hey, vai dar tudo certo. – Ele pousou as mãos sobre meu rosto, as luvas grosseiras fazendo cócegas em minhas bochechas, e me beijou rapidamente. – Volto logo.

Então ele manipulou o vento ao seu redor e se lançou no ar, flutuando cada vez mais alto até estar na altura da cabeça da moça de pedra. Percebi ele cerrando os olhos até encontrar o que procurava então esticou as mãos enluvadas e abriu o fecho que prendia o colar. Apesar de ser claramente uma peça de pedra, Jason não teve dificuldade em soltar o fecho e, no momento que este se abriu, a aparência cinza e branca do colar começou a desfalecer dando lugar a contas de perolas que brilhavam coloridas no meio de todo o cenário branco. Cada perola parecia conter um espectro próprio de cores que mudavam e se misturavam num piscar de olhos. Além disso, o colar parecia mudar de forma, as vezes composto apenas por pérolas, as vezes uma gargantilha de ouro com uma única pérola no centro, e logo mudava novamente. Como se para se adaptar a cada época do mundo.

— Dá pra entender por que ninguém resistia a esse presente! – Comentei encantada quando Jason pousou segurando o colar como se portasse uma bomba.

Estiquei as mãos para pegar o colar, mas Jason se afastou um passo, a feição séria.

— Não creio ser uma boa ideia você segurar essa coisa. – Ele explicou, os olhos cheios de preocupação. - Sei que está de luvas, mas é melhor prevenir já que esse colar parece ter uma preferência por amaldiçoar filhos de Afrodite como você mesma disse.

Revirei os olhos, mas acenei em concordância. Jason entregou o objeto para Leo que, assoviando em admiração, guardou-o em uma caixa de ferro jogando-a em seguida em um dos milhares bolsos do cinto. Todos suspiraram aliviados.

— Não se preocupem, crianças, o uso das luvas preveniu a maldição de atingir vocês.

A voz doce surgiu tão de repente por sobre a ventania que nos fez saltar de susto. Voltei os olhos e às minhas costas uma mulher negra, os cabelos cacheados caindo até a cintura e um rosto anguloso estampando um sorriso permanecia altiva.

— Mãe?

— Sim, querida, e estou muito orgulhosa de você. – A voz de Afrodite trazia uma calmaria tão grande que até a nevasca pareceu diminuir para não atrapalhar sua voz. – De todos vocês por finalmente libertarem essa cidade.

Ela voltou os olhos para a estátua, um sorriso triste em seus lábios e a melancolia visível em seus olhos multicoloridos. Ela estalou os dedos e um novo vento invadiu o lugar, um vento quente e com aroma de flores que fez boa parte da neve no solo derreter. Apesar do clima ainda frio, pude voltar a sentir meus dedos e pude baixar o capuz do casaco para ver melhor minha mãe que agora se voltava para nosso trio com um sorriso iluminado.

— Por mais uma etapa concluída.

Ela ergueu as mãos em minha direção e entre seus dedos delicados surgiu um livro. A capa azul escura estava envelhecida, mas era possível ver o desenho de um Pégaso e um garoto montado nele assim como o nome “A Maldição do Titã” brilhando em dourado na parte de cima da capa.

— Esse é o BlackJack? – Leo perguntou para ninguém em particular enquanto encarava a capa.

 - Crianças, eu devo ir, mas as deixo com um conselho: não duvidem. - Afrodite falou, firme, os olhos vagando sobre cada rosto. – Quando chegar o momento decisivo, não duvidem de si mesmos.

Então ela desapareceu em uma nuvem de pó deixando apenas um aroma doce para trás. A nevasca retornou aos poucos, um floco de neve caindo sobre o livro.

— Deuses e seus conselhos super construtivos. – Leo debochou colocando as mãos nos bolsos e chutando a neve sob os pés.

— Bem, é melhor retornarmos para o ponto de encontro com o resto do grupo. – Jason quebrou o silêncio, apertando o agasalho quando o vento frio retornou. – Provavelmente eles já estarão nos esperando.

Acenei em concordância e guardei o livro dentro do casaco, voltando a caminhar ao lado de Jason, mas não sem antes olhar uma última vez para trás em direção à estátua dos amantes desafortunados.

~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~

P.O.V. Duda

— Vocês demoraram.

Ergui a cabeça, a respiração ainda vacilante, as mãos sobre os joelhos e o corpo curvado depois da corrida intensa. Franzi o cenho diante das palavras de Leo.

— Você também demoraria se tivesse enfrentado um batalhão de monstros e fechado um portal infernal!

Ele arregalou os olhos e ergueu as mãos, arrependimento visível em seus olhos. Bufei, o cansaço estava tomando o melhor de mim. Ouvi a risada de Nico ao meu lado o que melhorou um pouquinho meu humor.

— Espero que vocês tenham tido mais sorte em relação ao colar. – Annie falou encarando o trio a nossa frente enquanto ajeitava o capuz sobre os cabelos bagunçados. – Vasculhamos os corpos dos monstros e ainda tentamos olhar a cidade após a batalha, mas não encontramos nada.

O sorriso vitorioso de Leo foi resposta suficiente. Ele tirou uma caixa de ferro de um dos milhares bolsos em seu cinto e levantou a tampa, deixando a mostra um colar que brilhava multicolorido. Era com certeza a joia mais linda que eu já vira!

— Mas não podemos nos gabar já que tínhamos a vantagem de uma filha de Afrodite em nosso grupo. – Leo comentou com falsa modéstia.

Pude ver Piper revirar os olhos antes de narrar rapidamente como encontrou o colar e o encontro do trio com Afrodite.

Não duvidem.

Na verdade, não era um conselho de todo ruim já que pensamentos de dúvida invadiam minha mente constantemente. Mas não, aquilo parecia um conselho derradeiro, algo como um desfecho, ligado ao fim da missão.

Não duvidem.

A pequena frase ainda se repetia em minha cabeça quando a voz de Percy soou ao meu lado.

— Então é hora de seguir para a próxima.

Piper acenou e retirou de dentro do casaco um livro, a capa azul se destacava enquanto ela o esticava em minha direção.

— A Maldição do Titã! – Li em voz alta, meus dedos acariciando a capa de um dos meus livros favoritos. Voltei os olhos para Nico com um sorriso. – A primeira vez que te vi.

Ele arregalou os olhos e encarou o livro assim como Percy que, involuntariamente, levou a mão para a mecha prateada já desbotada em seu cabelo. Ele sorriu para Annie que retribuiu, antes de voltar os olhos para mim.

— Então, temos a última parte do pergaminho?

Abri o livro pousando os olhos na última folha. Ali, preso na orelha da capa de trás um pedaço de pergaminho repousava. Ergui-o em direção à Annie não sem antes tentar lê-lo. Avulso, longe do restante do pergaminho, não consegui desvendar os hieróglifos.

— Acho que funciona se estiver junto com os outros pedaços. – Nico consolou, a mão presa a minha. – Podemos montar novamente na nossa próxima parada.

Gemi em frustração ao lembrar da demora em montar aquele quebra cabeça a primeira vez até ouvir a voz de Nico suave em meu ouvido ao dizer “prometo uma outra massagem”.

Nunca fiquei tão animada para montar um quebra cabeça!

Pigarreei e tirei o sorriso idiota da minha cara ao perceber todos me encarando com uma cara confusa. Menos Percy que permanecia com um bico irritado diante de minha proximidade com Nico.

— Certo, prontos ou não, aí vou eu.

Pousei o dedo sobre o pequeno trecho escrito no fim do livro com uma letra elegante, totalmente diferente das letras computadorizadas do resto do livro. Respirei fundo e iniciei a leitura, minha voz se sobrepondo ao vento da nevasca sem esforço.

“Preparados para a batalha derradeira, os semideuses foram levados para a cidade dos mil...”

Batalha derradeira?

Antes que qualquer um pudesse questionar as palavras um tremor abalou o chão e me virei a tempo de ver uma parede de neve se avantajar sobre nós e, em segundos, ela nos envolveu. Fechei os olhos esperando o frio aterrador, mas senti meu corpo ser sugado e percebi que atravessava o vórtice criado pelo meu poder. Em pouco tempo senti meus pés tocarem o solo, a grama alta chegando aos meus joelhos. Mantive o equilíbrio e encarei minhas mãos com surpresa: a esquerda segurava Kýmata, meu escudo de ondas, enquanto a direita erguia Tríaina, minha espada que brilhava contra o sol.

Eu não lembrava de ter conjurado minhas armas até olhar para o lado. A minha esquerda todos os meus amigos estavam posicionados em uma linha. De pé, como se não tivessem acabado de passar por uma viagem que normalmente fazia suas cabeças girarem, cada um deles portava uma arma. Contracorrente brilhava na mão de Percy enquanto Jason encarava sua lança dourada em confusão. Annie e Piper portavam suas adagas e Leo se apoiava no enorme martelo, a sobrancelha erguida como se não soubesse de onde ele viera.

Então as duas palavras voltaram a minha cabeça.

Batalha derradeira.

Senti meu sangue gelar e, sem aviso, meu pulso trêmulo foi envolvido por uma palma quente, dedos ásperos acariciando a pele interna. Voltei os olhos para minha direita encontrando o olhar preocupado de Nico sobre mim. Suas feições suavizaram ao encarar meu rosto e não pude conter o sorriso quando ele soltou meu pulso para acariciar minha bochecha, sua outra mão ocupada com a espada de ferro estíge.

Eu não sabia o que tudo aquilo significava e suspeitava que não vinha nada bom a caminho, mas o toque de Nico pareceu acalmar meus pensamentos e, mesmo sem palavras, eu sentia tudo que aquele simples toque queria dizer.

Eu estou com você. Sempre e para sempre.

E quando a massa negra e disforme surgiu no horizonte, queimando a grama e derrubando as árvores no caminho, caminhando em nossa direção com urros e gritos amedrontadores, minha mente se fixou apenas em um conselho.

Não duvide.


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Notas finais do capítulo

E o suspense só aumenta tan tan taaaaann!! E esse pergaminho heim? O que será que o último pedaço diz?
Gente, estamos quase no fim da fic #OMG e quero saber o que vocês esperam do próximo cap!
Acho que ainda temos mais 2 ou 3 caps até o fim (depois de uns 7 anos escrevendo kkkkkkkkkkk rindo de nervoso!) e vou tentar escrevê-los o mais rápido possível!
No mais espero que tenham gostado. Deixem seus coments e sugestões, prometo responder todo mundo ♥
Até o próximo! #Bye



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