Realidade Imaginária escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 43
Salva pelo cão dos Baskerville.


Notas iniciais do capítulo

Jujubaaas FELIZ ANO NOVOOO ♥ Muita paz e muitas leituras para todos vcs, amores ♥
E pra começar o ano com estilo segue cap novo da fic.
Good reading ♥
P.S. Leiam as notas finais para novidades.



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Roma, 05:24 am.
– Acho que não funcionou muit....
E os semideuses sumiram em um turbilhão sem perceber o olhar que os seguia fixamente. O silencio dominou a praça novamente e Paolo caminhou com passos calmos, deixando seu esconderijo atrás da fonte e observando o local que antes estava repleto de semideuses. O rapaz sentou-se à beira da fonte, as pernas esticadas relaxadamente e a cabeça pendendo para o céu estrelado. Um garoto comum em uma noite de lua cheia, a não ser pelo sorriso perverso e anormal que se abriu em seus lábios quando sentiu o vento aumentar e um barulho arranhado elevar-se pouco a pouco em sua frente, como se os mortos viessem do submundo arrastando suas correntes. Paolo afastou os cabelos dos olhos e encarou o ar a sua frente que começou a tomar forma e, em segundos, se transformou em um portal dourado. Nada surgiu dali, mas uma voz, a voz, soou como um trovão em meio a tempestade.
– Vejo que continua com o rapaz mortal.
– Ele não é tão ruim assim, mestre. – Paolo respondeu com uma voz que não era a sua. Aguda e arrastada com a maldade pingando de cada sílaba como veneno. Quem o visse perceberia que não era o mesmo rapaz simpático e extrovertido que se mudou para Roma, mas não havia ninguém ali. Ele estava só com a voz e o ser que o possuía. – Poderia até usá-lo como bichinho de estimação, quem sabe? Ele tem um certo encantamento sobre as moças mortais porque....
– Deixe de estupidez, seu inútil! – A voz rugiu e Paolo se encolheu automaticamente. Mesmo sem ver o dono da voz por completo ele sabia do que era capaz. A voz soou novamente, mais calma, porém não menos autoritária. – Deixe esse humano imprestável, preciso que você descubra onde aquelas crias de deuses foram parar!
– Sim, senhor.
E Paolo caiu no chão, ou melhor, seu corpo desabou deixando no lugar uma sombra negra que flutuava impaciente em frente ao portal brilhante. Sem esperar mais nada a sombra se virou, pronta para vagar pelo mundo em busca da Língua Encantada e seus amigos. No fundo ele não aguentava mais essa perseguição, já perdera quatro chances de captura-la e o que mais queria era sentir suas mãos no pescoço dela e vê-la desfalecer em sua frente para sempre. Mas o Mestre a queria viva mais do que tudo e quem era ele para enfrentar o Mestre? Antes que pudesse se afastar mais ouviu a voz retumbar novamente.
– Espere. – Confuso, ele voltou ao local onde Paolo continuava desmaiado e encarou o portal com expectativa. Poucos segundos se passaram até a voz do mestre flutuar em sua direção com regozijo. – Ela está na Grécia, um de meus seguidores a viu há pouco.
– Sim, mestre.
– Siga-a de perto, mas não ataque diretamente. Isso não funcionou em nenhuma das vezes, então use o pouco de inteligência que ainda possui. E use isto. – A voz bradou e algo voou de dentro do portal em direção a base da fonte. Logo a sombra voou naquela direção e pegou a pequena seringa que seu mestre jogara. Dentro dela um líquido amarelo repousava com bolhas estourando a todo momento. A sombra ergueu a cabeça novamente quando a voz voltou.
– Eu estava disposto a esperar a pequena Língua Encantada vir até mim por conta própria, mas o tempo está se esgotando assim como minha paciência. Preciso dela o mais rápido possível. – A sombra acenou fervorosamente enquanto o mestre continuava – Pegue-a desprevenida, vai ser fácil se você explorar o maior defeito de todos os semideuses: sua impulsividade heroica.
– Sim, mestre. Não falharei desta vez.
– Para o seu próprio bem.
E o portal sumiu em um piscar de olhos deixando a sombra e o corpo de Paolo no silêncio absoluto. A sombra encarou o rapaz pálido no chão de pedra.
– É uma pena que não tenhamos conseguido tirá-la daquela festa. Teria sido bem menos doloroso. Para ela.
E flutuou cada vez mais rápido se perdendo na escuridão do céu que começava a clarear aos poucos.
Em direção à Grécia.
Em direção à Língua Encantada.
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Grécia, 06:24 am.
Respirei fundo, como se o ar da Grécia fosse totalmente diferente do ar de qualquer outro lugar. O que provavelmente era já que foi ali que o mundo antigo nasceu, ou seja, provavelmente havia, em média, quinze monstros para cada grego existente e o cheiro deles parecia impregnado no ar.
Sério, como os turistas que entupiam o Parthenon não sentiam aquilo?
Ignorei o odor com certa dificuldade e encarei o monumento gigantesco a minha frente. O templo era maior e mais belo do que nas diversas fotografias que eu o vira. As pilastras antigas eram esculpidas com detalhes delicados e as ruinas que se espalhavam ao redor me faziam voar para o passado e imaginar as batalhas que geraram tudo aquilo. Era história, a minha história. Meus olhos ainda admiravam a imensa estrutura quando senti uma mão pousar em meu ombro carinhosamente. Ergui os olhos e sorri ao ver meu irmão.
– Bem vinda a Grécia! – Percy sorriu e me puxou para perto, mas vi suas pernas bambearem e o apoiei em mim.
– Devagar Cabeça de Alga, acho que você ainda não tá completamente recuperado da viagem. – Ri e encarei todos os meus amigos que pareciam tão enjoados e tontos quanto Percy. – Aliás, nenhum de vocês parece muito bem.
– A pergunta real é: como você parece tão bem? – Piper choramingou segurando a cabeça como se ela fosse sair do seu pescoço a qualquer momento. Ela me encarou e cerrou os olhos. - Eu ainda tô vendo duas Dudas...
– Acho que por ser magia de Língua Encantada não me afeta tanto quanto a vocês. – Dei de ombros e ajudei Percy a sentar no chão.
– E você ainda reclama da viagem nas sombras? – Nico murmurou com as mãos apoiadas nos joelhos e respirando fundo. Totó pulou de seu colo e ficou sentado na grama encarando o filho de Hades com a cabeça inclinada. – Isso é milhões de vezes pior.
– Nem ouse proferir tais palavras! – Ergui o dedo em riste mesmo que Nico não visse, pois ele ainda tentava controlar a vontade de vomitar. – Sentir aquele frio fantasmagórico com almas sussurrando no seu ouvido é a definição de terror!
– Que tal a gente considerar um empate no quesito pior viagem da história? – Leo se manifestou do chão onde estava deitado e de olhos fechados, provavelmente se sentindo mais seguro no chão do que sobre suas pernas bambas.
Voltei os olhos para Nico para expressar minha trégua e logo o vi me encarando de volta, sério e decidido. Olhos que falavam mais que palavras e que me faziam lembrar do que ele fizera minutos atrás. Suas mãos em minha pele, seus lábios contra os meus, meu coração palpitava com a lembrança.
Ficar esperando notícias em frente aquela fonte por mais de cinco horas foi o pior momento da minha vida. Me questionava se ele estava bem, se estava vivo, o que estava acontecendo e porque diabos eu não podia sair correndo e segui-lo para lutar ao seu lado contra qualquer coisa. A espera era angustiante e eu estava prestes a esmurrar o campo de força até que ele cedesse ao meu ódio quando a passagem no meio da fonte se abriu novamente revelando os cabelos negros que eu tanto ansiava. Nico saiu dali com passadas lentas, porém decididas e seus olhos pareciam hipnotizados por mim. De longe percebi marcas pelo seu rosto e braços indicando a luta pela qual passou, mas ele estava vivo e perceber isso fez meu coração tranquilizar aos poucos. Ele desceu da fonte sem tirar os olhos dos meus e, como se puxada por um imã, segui em sua direção automaticamente. O alívio nos olhos de Nico ao me ver parecia ainda maior que o meu e quando ele selou nossos lábios senti um misto de emoções invadir meu corpo. Surpresa, desejo, alegria e, principalmente, paz. Estar ali, nos braços dele, parecia tão certo como respirar e agradeci mentalmente por ele ter sido o impulsivo ou não sei quanto tempo mais aguentaria reprimindo todo o desejo. Mas o beijo acabou rápido demais e ele pareceu voltar a si, como se uma nuvem houvesse se dissipado e tudo não passasse de um sonho. Seu rosto corado foi a primeira coisa que vi ao abrir os olhos e suspirei até vê-lo mascarar sua expressão e começar a relatar sobre sua missão como se nada tivesse acontecido entre nós. Queria saber esquecer o beijo tão rápido quanto Nico, mas tudo aquilo só me deixou ainda mais confusa e deprimida, sabendo que aquele beijo ainda atormentaria várias noites do meu precioso sono.
E olhar para as orbes negras do filho de Hades que parecia perscrutar-me além do meu corpo não estava ajudando em nada. O que ele queria, o que ele sentia eu não fazia ideia e já estava ficando cansada de tentar descobrir. Desviei os olhos rapidamente focando no que era realmente importante: a missão.
– Estamos na Grécia, agora é só visitar a tal Casa das Virgens e vê o que ela nos diz. – Sorri esperançosa vendo meus amigos já recuperados se erguerem do chão e se aproximarem – Sopa no mel!
– Maninha eu sei que você não é tão ingênua assim. – Percy falou estendendo as mãos para que eu o ajudasse a levantar. – Nada com os semideuses é “sopa no mel”. Na verdade, quem ainda usa essa expressão?
Revirei os olhos por meu irmão ter razão, o que era algo bem raro.
– Conheço o Parthenon por diversos nomes, mas Casa das Virgens é novo. – Jason falou encarando a estrutura a poucos metros de nós com curiosidade.
– O Parthenon em si não é a Casa das Virgens, apenas uma ala dele é chamada assim. – Annabeth e sua inteligência atacaram novamente. A loira logo tirou o notebook da bolsa e abriu em uma página online sobre o Parthenon. Todos se aproximaram à espera da explicação da filha de Atena que não tardou a chegar. – Parthenon significa “o templo da deusa virgem” e antigamente esse nome designava apenas uma das salas particulares do templo, não o templo inteiro.
– Tudo bem, mas a deusa virgem não é Ártemis? – Leo perguntou com a sobrancelha erguida e logo encarou o céu como quem pede desculpa. – Sem ofensas.
– O termo “virgem” é mais usado para Ártemis, sim, mas antigamente Atena também recebia essa designação – Annabeth explicou e eu assenti em concordância. – A Casa das Virgens, ou Parthéno Spíti, era o local onde o peplo presenteado à Atena no Festival Panatenaico era tecido pelas arrephoroi, grupo de quatro moças escolhidas para servir Atena a cada ano.
– Por isso que amo mitologia grega, tão fascinante! – Soltei um gritinho de felicidade em um ato extremo de fangirl e todos me encararam como se eu fosse louca. Engoli em seco e sorri envergonhada. – Então temos que achar essa sala... mas e depois?
– A profecia diz Na casa das virgens a Marca de Atena se lembrará. Assim como a casa de Hades se referia a Nico acredito que a marca de Atena se refira a mim. – Annie confirmou o que eu já suspeitava. Ninguém negou, mas Percy entrelaçou a mão de Annie com a sua como se transmitisse segurança e ela sorriu para o namorado com os olhos carinhosos, mas logo se voltou para nós. – E encontrar a Casa das Virgens não vai ser assim tão fácil já que era uma sala secreta, só o mais alto sacerdote sabia onde ficava e até mesmo as jovens que teciam o presente iam para a sala vendadas para que não soubessem sua localização.
– Santo Hefesto, porque com os deuses tudo tem que ser tão misterioso? – Leo queixou-se com um muxoxo. – Porque não fazer uma seta gigante e brilhante apontando para o lugar certo e voilá, missão cumprida!
Todos reviram os olhos e eu segurei a risada. Depois eu sou a inocente?
– Como isso é bastante improvável de acontecer, precisamos bolar um plano. – Piper falou com os braços cruzados. – Como encontrar uma sala perdida que o único que sabe sua localização está morto há séculos atrás?
– Bem, sei que deve estar na parte mais antiga do Parthenon já que foi uma das primeiras salas construídas no local. – Annie pensou alto e deu de ombros como se isso fosse óbvio.
– Faz sentido. – Concordei e apoiei o queixo sobre a mão, logo lembrando da missão anterior. – E acho que você consegue encontrar a entrada para a sala da mesma forma que Nico encontrou na fonte.
– Então nosso plano inicial é a Sabidinha sair tocando as paredes da parte mais antiga do Parthenon até o símbolo de Atena surgir e revelar a sala secreta? – Percy falou atônito.
– Ora, ora, temos um Sherlock Holmes aqui! – Nico respondeu sarcasticamente e foi minha vez de revirar os olhos, provavelmente para esconder o sorriso em meus lábios. Não funcionou bem, pois Nico mantinha os olhos fixos em mim mesmo que ainda falasse com meu irmão. – Resumiu perfeitamente bem nosso plano, Jackson.
– Mas não acho uma boa ideia vasculharmos o templo agora. – Jason argumentou olhando para o grande templo com cautela. – O Parthenon está repleto de turistas e, apesar da névoa ser ótima quanto a encobrir nossos rastros, ainda levantaria suspeitas se encontrássemos a entrada para a sala. O melhor é irmos à noite, assim como fomos na fonte.
– Mas e quanto aos guardas que ficam vigiando? – Leo questionou. – Com certeza há guardas à noite, diferente da Fontana de Trevi.
– Pode deixar os guardas comigo. – Piper respondeu com um piscar de olho e seu sorriso sedutor.
– Então temos um plano! – Annie declarou com um sorriso e todos acenaram. Logo a Filha de Atena repôs a mochila nas costas e encarou as ruas que rodeavam o Parthenon com o sorriso alargando ao encontrar o que procurava. – Quem bom que conheço um lugar aqui pertinho onde podemos descansar um pouco.
– E eu posso ouvir um “amém”? – Leo brincou já seguindo Annie enquanto esta caminhava calmamente em direção a rua que seguia pelo lado direito ao Parthenon.
– Amém – Todos repetiram em uníssono, as vozes um coro de cansaço.
– Ao menos não é o hotel de mais uma das amigas de Nico... – Murmurei, mas acho que acabou saindo alto demais pois todos riram e senti minhas bochechas esquentarem enquanto Nico me encarava com as sobrancelhas erguidas e um olhar sacana. Incrível ele conseguir fazer isso tão bem mesmo com Totó pulando em seu colo e clamando por sua atenção.
Apressei o passo e me pus ao lado de Percy enquanto Annie nos guiava pela Rua Navarchou Nikodimou. A rua era estreita e as casas possuíam um estilo antigo com um charme peculiar. Maravilhada, eu rodeava o olhar pelos prédios de estatura mediana até que Annie parou em frente a um deles. Cada janela possuía uma pequena sacada e as portas duplas que davam entrada para o lugar não paravam de girar com pessoas entrando e saindo apressadamente, apesar de ser tão cedo. Um tapete vermelho se estendia da porta até o fim da calçada e sobre a porta podia-se ler em letras douradas Electra Palace.
– Chegamos! – A loira falou e logo passou pelas portas giratórias enquanto todos a seguíamos.
Estava no fim do grupo e parei surpresa ao sentir um peso em minha mochila. De relance vi Nico colocando Totó dentro dela e fechando o zíper, deixando uma pequena parte aberta para que ele pudesse respirar. Ele me encarou com os dedos sobre os lábios e seu sorriso sedutor. Revirei os olhos, mas concordei e segui em direção às portas. O hall de entrada era menor que o hotel da Itália, mas não menos aconchegante. Logo uma senhora apareceu, os cabelos presos em um coque apertador e vestida de forma elegante, e abraçou Annabeth carinhosamente, como se fossem velhas conhecidas. O que, na verdade, eram.
– Menina Chase, como cresceu! – A senhora vibrou com um sorriso caloroso e logo puxou Annie para mais um abraço que retribuiu com um sorriso feliz. – Porque nunca mais apareceu? Como vai seu pai? E seus irmãos? E seu namorado?
– Caramba, parece aquelas tias que só aparecem no natal perguntando “e os namoradinhos?”. – Sussurrei para Percy que segurou a risada e concordou discretamente.
– Eu andei bastante ocupada tia Sophi, por isso não consegui mais aparecer por aqui. – Annie explicou com um olhar de desculpas. – Papai está bem e meus irmãos também. E Percy veio comigo.
Ela apontou em direção ao meu irmão que caminhou em direção a senhora com a mão esticada e seu sorriso brilhante. A mulher dispensou o aperto de mão e o puxou para um abraço apertado que fez meu irmão arregalar os olhos, surpreso, mas logo retribuiu com um sorriso acanhado.
– Olá tia Sophi. – Ele respondeu enquanto a mulher o soltava. – Já estávamos com saudade.
– E eu de vocês, pequenos. – A senhora sorriu verdadeiramente e logo voltou os olhos para eu e o resto do grupo. – Ora, vejo que trouxe amigos! Sejam bem vindos ao Electra Palace, eu sou Sophia Dimitriou, mas podem me chamar de Tia Sophi.
Logo tia Sophia me apertou entre seus braços e me deixei levar pelo abraço aconchegante. Pena que foi apertado demais, tanto que Totó reclamou dentro da bolsa e acabou colocando a cabeça para fora bufando. Soltei um sorriso amarelo para Tia Sophi que apenas piscou, sorriu e sussurrou em meu ouvido um “deixemos esse segredinho entre nós”. Ela repetiu o mesmo abraço em todos os outros e segurei a risada quando Nico arregalou os olhos e tentou se afastar educadamente, mas recebeu o abraço de qualquer forma. Annie apresentou todos enquanto tia Sophi nos abraçava e, quando terminou, a mulher caminhou para trás do grande balcão e nos encarou com o sorriso que parecia nunca sair de seus lábios.
– Então queridos, em que posso ajudar?
– Queremos quartos só por hoje, tia. – Annie começou se apoiando no balcão em frente a tia Sophi e coçando a nuca. Provavelmente vinha alguma mentira por aí. – Estamos fazendo um mochilão por vários lugares e só temos tempo de ficar aqui por um dia.
– Minha afilhada passa anos sem me visitar e quando vem fica só por um dia? – A mulher fez um muxoxo e apoiou o queixo sobre as mãos com um olhar triste. – Não posso permitir isso!
– Se pudesse ficaria mais, com certeza! – Annie respondeu rapidamente e sorriu para a tia carinhosamente. – Prometo que não demorarei tanto para vir aqui novamente.
– Tudo bem. – Tia Sophi se deu por satisfeita ainda com uma careta de desgosto e se virou em direção a prateleira que continha as diversas chaves dos quartos. Quando se virou para nós novamente trazia sete chaves com chaveiros dourados pendurados nos dedos. – Aqui a chave dos seus quartos.
– Sete quartos! – Annie espantou-se e tentou devolver as chaves. – Não é necessário tudo isso. As meninas podem dividir um quarto e os meninos, outro. Não queremos atrapalhar.
– Docinho, você nunca atrapalha e sei como os jovens gostam de manter sua privacidade. – A mulher piscou cúmplice para Annie que ficou com as bochechas vermelhas. – Além do mais vocês parecem bem cansados e é só por um dia. E os quartos são cortesia da casa.
– Mas, tia...
– Sem ‘mas’. – Tia Sophi prendeu os lábios de Annabeth entre os dedos o que fez todos segurarem a risada. – Agora subam e descansem, agapiménoi. Foi um prazer conhecer todos vocês. Antío!
E todos caminhamos rapidamente em direção ao elevador, escapando de mais uma sessão de abraços apertados. Os quartos ficavam no terceiro andar e logo nos dividimos e nos despedimos. Totó pulou da mochila e seguiu Nico animadamente. Ingrato! Mas estava precisando tanto de um banho que dei de ombros e prometi ter uma conversa séria com o cãozinho depois. Entrei no meu novo quarto e sorri com a decoração simples, porém chique. Cortinas azuis enfeitavam as portas de vidro que davam para a pequena sacada. Um tapete felpudo adornava o chão ao redor da cama de casal na qual logo me joguei encarando o teto por longos minutos. Não era tão grande quanto o quarto do hotel na Itália, mas a privacidade o tornava melhor. Depois de um tempo peguei uma roupa limpa e me dirigi ao banheiro. A banheira com água quente logo me fez relaxar e os sabonetes aromáticos eram divinos. Como sempre senti a água tirar boa parte do meu cansaço e logo me enrolei na toalha. Não que não estivesse amando estar ali, poderia passar o resto da minha vida naquela banheira. Mas ficar relaxada fazia meus pensamentos voarem e eu realmente queria evitar isso. Principalmente porque sabia para quem eles voariam. Balancei a cabeça e me enxuguei rapidamente, vestindo um short confortável e uma camiseta fina, o tempo não estava assim tão frio. Voltei ao quarto e encarei a cama. Não estava tão cansada já que, devido ao veneno de monstro do dia anterior, eu passara horas e horas dormindo e a água tirara o resto do cansaço que me consumia. Acima de tudo eu queria conhecer a Grécia, o máximo que eu conseguisse, e só teria menos de um dia para isso, não podia perder tempo!
Em pouco tempo calcei o tênis e segui porta a fora. Já estava quase no elevador quando um pensamento me ocorreu.
– Melhor avisar ao Percy que vou sair. Se ele acordar e não me encontrar vai virar a Grécia do avesso.
Caminhei novamente pelo corredor em direção ao quarto ao lado do meu. Eu conhecia bem meu irmão, não se afastaria de mim nem se fosse para um quarto a duas portas do meu. Me aproximei da porta do quarto a direita do meu e bati levemente. Nada, nem um mínimo som. Provavelmente já tinha caído no sono. Mas eu ia apenas avisa-lo, seria bem rápido. Pousei a mão no trinco e arrisquei girar. Surpresa, vi a porta abrir aos poucos com um rangido baixo e um dejavú me atingiu.
– Calma Duda, esse não é o quarto do Nico! Não vai ter nenhuma garota seminua deitada na cama, a não ser que Annie esteja aqui. – Parei um pouco para pensar e tremi com um arrepio. – Oh deuses, que eles estejam vestidos, por favor. Não tenho tempo de ir para um terapeuta.
Acho que estar errada é uma constante na minha vida.
Logo que entrei no quarto vi um corpo masculino jogado na cama. Os cabelos negros caíam ao lado da cama e eu sorri pronta para manda-lo limpar a baba quando me aproximei da cama e vi que não era meu irmão. O garoto era moreno, mas com o tom pálido caraterístico em certas partes do corpo principalmente no abdômen que estava completamente amostra já que o garoto estava sem camisa. Os cabelos negros eram maiores que os do meu irmão e mesmo que ele dormisse profundamente eu sabia que por baixo das pálpebras repousavam orbes negras como ônix e não verde-água.
– Nico. – Sussurrei, soltando a respiração que nem ao menos sabia que estava prendendo.
Aproximei-me ainda mais e travei no lugar quando o filho de Hades se moveu na cama virando o tronco para cima e fazendo os cabelos caírem desajeitadamente sobre os olhos, mas continuou a dormir tranquilamente. Os gomos em seu abdômen me fizeram suspirar e me estapeei mentalmente enquanto focava o olhar em seu rosto. Ele parecia realmente um anjo enquanto dormia, tão calmo e tranquilo que fez meu peito apertar ao lembrar de toda a dor e raiva que carregava quando estava acordado. Eu queria tanto dividir tudo aquilo com ele como Percy e Annie faziam. Eles se apoiavam um no outro como se não conseguissem viver distantes e eu não poderia mais negar: viver sem de Nico era como viver sem oxigênio, impossível e impensável. Aproximei-me da cama lentamente, Nico continuava a dormir pesado, mesmo quando me abaixei e afastei seu cabelo dos olhos, ele estava realmente muito cansado. Percebi que os machucados em seu rosto haviam sumido e olhei de relance o resto do corpo, nada mais de marcas ou feridas. Sua pele estava intacta e macia a não ser pela barba por fazer que pontilhava seu queixo e bochecha. Sorri comigo mesma ao lembrar o gosto doce de seus lábios e senti meu estômago embrulhar ao lembrar da reação dele quando separou nossos lábios. Não contive o suspiro. Nem as palavras que o seguiram
– Daria tudo para saber o quanto aquele beijo significou para você. – Aproximei os lábios de sua testa e depositei um beijo demorado, transmitindo tudo que guardava desde o dia que percebi estar apaixonada por ele, tudo o que não conseguia falar com palavras. Pareceu durar horas, mas foram poucos segundos e logo me vi encarando seus olhos fechados. – Para mim, ele significou tudo.
Afastei-me da cama com cuidado e admirei-me de minha coragem. É o mesmo que falar sozinha, pensei, ele está dormindo feito uma pedra! Que sorte! Antes que pudesse chegar à porta percebi uma bola de pelo negra deitada no pé da cama, tão imóvel quanto Nico.
– Totó? – A bola de pelo ergueu a cabeça e me encarou com atenção. Sorri com as mãos sobre os quadris. – Que tal desbravar a Grécia com sua segunda dona favorita?
O cachorrinho logo levantou as orelhas e pulou da cama, correu em minha direção e balançou o rabo, ansioso.
– Que bom. – Respondi ao cachorro e sai do quarto dando uma última olhada no filho de Hades que apenas virou de bruços na cama novamente. Fechei a porta cuidadosamente e segui para a porta ao lado esquerdo do meu quarto, torcendo para acertar dessa vez. Antes de bater encarei Totó que estava sentado ao meu lado. – Temos que ter uma conversa séria sobre suas preferências, mocinho.
Bati na porta de madeira clara e logo ouvi a voz de meu irmão.
– Pode entrar.
– Só espero não ter atrapalhado nada. – Girei a maçaneta com os olhos bem fechados, eu realmente não precisava de cenas de nudez àquela hora da manhã!
– Meu precioso sono, foi isso que atrapalhou. – Percy murmurou e bocejou logo em seguida. Abri os olhos e vi Annie dormindo ao seu lado. Totalmente vestida. Suspirei de alívio e Percy me encarou confuso, limpando a baba do canto da boca, e também olhou para Annie. Seu cérebro lento processou a ideia depois de alguns segundos e ele arregalou os olhos, as bochechas ficando vermelhas em instantes. – Pelos deuses, Duda, nada disso aconteceu! Que mente pervertida, irmãzinha!
– Não me culpe, até tia Sophi pensou nisso ao reservar quartos separados para cada um de nós. – Ergui as mãos em rendição e dei de ombros o que fez Percy revirar os olhos. – De qualquer forma vim aqui avisar que vou passear pra conhecer a Grécia. Não estou com sono e nem cansada o suficiente para ficar dentro do quarto, além disso sempre tive vontade de estar aqui e conhecer esse lugar histórico!
– Tudo bem – Percy falou calmamente o que me fez arregalar os olhos. Não me juguem, mas meu irmão aceitando algo desse tipo em relação a mim tão facilmente era de se estranhar. No entanto ele jogou as pernas para fora da cama. – Mas vou com você.
Era bom demais pra ser verdade!
– Não, Percy. – Caminhei decidida e o empurrei de volta para a cama deixando minha voz mais baixa para não acordar Annie. – Você está cansado por ter passado a tarde inteira cuidando de mim quando fui envenenada e de ficar acordado a noite inteira esperando Nico voltar da missão. Você vai dormir e recuperar suas forças para a missão de hoje, Annie vai precisar que você esteja bem.
– Mas deixar você sair por aí sozinha é o mesmo que deixar um alvo em suas costas. – Ele reclamou mesmo que continuasse deitado, o cansaço se sobrepondo ao seu instinto fraternal. – Há mais monstros do que o normal e o Mestre quer você acima de tudo. Se algo acontecer com você...
– Nada vai acontecer comigo. – Finalizei resoluta e acariciei seus cabelos negros. Ele retribuiu fechando os olhos e se deliciando com o carinho. – Primeiro: eu sei me cuidar, você e todos os meus amigos me ensinaram tudo que preciso, eu confio nos meus professores. Segundo: não estou sozinha já que tenho meu super, porém ingrato, companheiro Totó. E terceiro: terei dracmas para pedir socorro por mensagem de íris caso a situação fique bem crítica. Isso se você me der dracmas.
Sorri com inocência fingida, os olhos piscando freneticamente, e Percy crispou os lábios, se rendendo ao meu charme.
– Às vezes me pergunto se você não é filha de Afrodite. Com certeza tem a benção dela. – Ele murmurou e puxou sua bolsa tirando dali algumas dracmas e me entregando. – Se for comprar algo as dracmas valem como a moeda de maior valor do país. Não se afaste muito e, por favor, volte antes das quatro da tarde quando sairemos para a missão no Parthenon ou viro a Grécia do avesso atrás de você.
– Sim, senhor! – Confirmei, batendo continência, e Percy riu e me puxou para um abraço apertado. Aconcheguei-me em seus braços como sempre fazia. – Obrigado por confiar em mim.
– Eu sempre confio. – Ele me soltou e beijo minha testa. Seus olhos logo se voltaram para o cãozinho ao meu lado que apoiou as patas na cama. Percy coçou suas orelhas. – E também confio em você para proteger minha irmã, Totó.
Despedi-me de Percy que logo voltou a deitar na cama, abraçando Annie, e fechei a porta saltitando de alegria pelas minhas poucas horas de liberdade. Até encarar Totó no meio do corredor e puxá-lo em direção ao meu quarto rapidamente.
– Você não pode ficar andado pelo hotel. Tia Sophi disse que esse seria um segredo, acho que os hospedes não achariam tão legal ver um cachorro rodando pelo hotel e soltando pelo por todo lado. – Totó bufou e eu dei de ombros. – Desculpe, mas é verdade.
Olhei ao redor até ver o casaco negro que Nico me deu no dia anterior sobre a cama. Corei ao lembrar da situação em que estava ao perceber que vestia o bendito casaco, mas espantei o pensamento e vesti a roupa sentindo o tecido macio acariciar minha pele. Tirei o capuz da cabeça e peguei Totó no colo, enfiando-o por baixo da blusa, deixando apenas seu focinho saindo pela gola de forma discreta, sua respiração fazendo cócegas em meu pescoço. Ele rosnou baixinho como se achasse a situação ridícula.
– Também não é confortável para mim, mas é só até sairmos do hotel. Você vai sobreviver.
Caminhei a passos largos pelo corredor e entrei no elevador rapidamente, mas não tão rápido para evitar dois hóspedes que entram atrás de mim. As portas se fecharam e o silêncio se instalou, até a moça começar a espirrar descontroladamente.
– O que houve, querida? – O rapaz, um pouco mais velho que eu, perguntou enquanto a moça se recuperava do último espirro, o nariz vermelho como o de um palhaço.
– Não sei, só tenho alergia a cães, mas dona Sophia me afirmou que não aceitava cães neste hotel.
Engoli em seco e apertei mais Totó contra mim, jogando meus cabelos sobre o focinho do cão e torcendo para ele não espirrar. O casal me olhou com desconfiança bem no momento em que as portas do elevador se abriram para o hall de entrada. Sorri em despedida para eles e apressei o passo em direção as portas giratórias. Não parei até me encontrar em um beco a poucos passos do hotel quando libertei Totó. Bati os pelos negros de meu corpo enquanto o cachorro se torceu e se espreguiçou, me encarando com raiva.
– Você deveria me agradecer. – Apontei para ele em riste e cruzei os braços. – Se não fosse por mim você teria sido expulso do hotel a pontapés! Agora vamos lá, vamos pra nossa aventura e deixa de birra. Eu que deveria estar com raiva por você sempre preferir o senhor Darth Vader. O que ele tem que eu não tenho? Aquele sorriso sedutor, gominhos salientes, braços fortes e musculosos? Ai, caramba, eu tenho que parar de falar com o cachorro e, principalmente, parar de elogiar o di Angelo.
Então resolvi correr, deixar as palavras para trás e os pensamentos fluírem enquanto meus pés batiam contra as calçadas coloridas da Grécia. Totó não me perdia de vista, mesmo que parasse muitas vezes para cheirar latas de lixo ou outros cães. Em poucos minutos cheguei novamente ao Parthenon e passei a correr por ali já que havia tanto para ver. O templo de Hefesto, tão grande e belo que deixaria Leo orgulhoso, a Ágora de Atenas, com suas diversas colunas bem elaboradas, e até o Observatório Nacional de Atenas. Tudo era maravilhoso e mais belo do que eu sonhara. Deixei meus pés me guiarem por todos os grandes monumentos e conheci de perto cada parte em seu interior. Na visita pelo Parthenon tentei ver qualquer pista que levasse à Casa das Virgens, mas acho que apenas Annabeth conseguiria esse feito já que tudo continuou normal. Algum tempo depois me vi em frente a Universidade e Museu de História de Atenas onde uma pequena feira de livros ocorria. Maravilhada, me perdi entre os títulos, muitos em grego, mas alguns em inglês e um em especial me chamou atenção.
– O cão dos Baskervilles. – Li em voz alta e Totó se pôs ao meu lado com a cabeça inclinada. – Faz bastante tempo que não leio Sherlock Holmes. Elementar, meu caro Totó, acho que temos o escolhido!
O cãozinho latiu alegre e eu paguei pelo livro, agradecendo a moça em grego, o que me deixou bem orgulhosa. Estávamos voltando às ruínas quando senti minha barriga embrulhar e logo ouvi o ronco que fez até Totó se assustar.
– Vai me dizer que nunca sentiu fome? – Olhei ao redor e logo um pequeno restaurante surgiu em meu campo de visão. – E acho que encontrei o que precisamos.
Sentei-me nas mesas ao ar livre para que Totó ficasse ao meu lado. Em pouco tempo a garçonete apareceu com um sorriso e anotou meu pedido e logo a comida chegou o aroma impregnando o ar ao meu redor e fazendo minha barriga roncar ainda mais alto.
– Moussaka acompanhado de gemista, frappé para beber e iogurte com mel, porque todo mundo sabe que o iogurte grego é o melhor da face da terra! – Listei toda a comida que estava posta em bandejas sobre minha mesa e vi Totó lamber a boca. – Tudo bem, você vai ganhar um pouco só porque não sei se tem ração aqui por perto.
Saboreamos nosso almoço enquanto observávamos os mortais passeando pelas ruínas e parques próximos. A vida parecia tão simples que quase esqueci que não era mortal e ingênua como eles.
Quase.
Estava perto de terminar o frappé quando o anel de íbis em meu dedo começou a brilhar, o mesmo brilho dourado e intenso do dia anterior. Totó me encarou confuso e eu paguei a conta rapidamente, já me erguendo da cadeira e caminhando de volta às ruínas.
– Esse anel só brilhou assim quando eu estava próxima daquele portal de monstros no penhasco. – Sussurrei comigo mesma enquanto caminhava em direção ao Parthenon e via o brilho esmorecer. Dei meia volta e passei a caminhar para o lado oposto, em direção a um pequeno parque e o anel voltou a brilhar intensamente. – Achamos nosso caminho, Totó. Vamos investigar.
Totó latiu e sentou encarando o parque com receio.
– Vamos lá, qualquer coisa mandamos uma mensagem de íris para o Percy. Prometo que terei cuidado!
Inconformado, Totó me seguiu e, com poucos passos, estávamos dentro do parque. Não era tão grande quando o parque do dia anterior, mas as árvores eram mais frondosas e o parque, mais isolado. Deixei-me guiar pelo brilho do anel e ele me levou por entre as árvores até uma grande clareira. Um pequeno riacho cortava a clareira e sumia em direção às árvores e em um lado havia uma formação rochosa com uns bons seis metros de altura. Aproximei-me da rocha e o anel brilhou ainda mais. Cerrei os olhos e caminhei ao redor da rocha, aguçando os ouvidos enquanto sentia Totó em meu encalço. A rocha era robusta e depois de alguns minutos pude ouvir ruídos e uivos vindo do local para o qual eu estava caminhando. Arregalei os olhos ao perceber que atrás da rocha havia a entrada de uma caverna, mas, principalmente, porque na frente dessa entrada um enorme portal brilhava e monstros se enfileiravam para atravessá-lo. Um suspiro assustado escapou por meus lábios e um dos monstros virou a cabeça para o local onde eu estava e farejou o ar o que me fez encolher ainda mais contra os arbustos. Não havia nenhuma condição de eu sair dali, ao menos não ilesa, já que qualquer mínimo movimento faria um bando de monstros sair em minha caça. Totó me encarou como se dissesse “Eu te avisei!” e a repreensão de um cachorro era a última coisa que eu precisava naquele momento.
Por sorte não havia tantos monstros naquele portal quanto no portal da Itália. Eu teria que agir rápido se não quisesse mais monstros saindo pelo portal, prontos para me fazer em pedacinhos.
– Preciso destruir esse portal. – Murmurei encarando de relance os monstros amontoados na entrada do portal. Boa parte já havia atravessado, faltavam apenas cinco deles. Cerrei os olhos e forcei minha mente. – Qual era aquela palavra mágica mesmo?
De repente o brilho do anel se intensificou e forcei os olhos para ele, a luz dourada me hipnotizando a medida que encarava mais e mais. Aos poucos o sentimento do dia anterior me inundou novamente e a palavra mágica voltou a minha mente como se estivesse ali o tempo inteiro, como se fosse parte de mim. Deixei meus instintos me guiarem e com um salto saí dos arbustos e parei em frente ao portal, alguns metros atrás do bando de monstros. Antes que eles pudessem se virar em minha direção ergui as mãos e gritei com todas as minhas forças, deixando novamente o poder desconhecido fluir por meu corpo como se fosse parte de mim.
– TADMIR!
Alguns segundos se passaram até o brilho dourado do portal aumentar e ele ficar instável. Protegi os olhos no momento que a luz se tornou insuportável e o portal explodiu em energia, me lançando em direção às árvores.
– Puxa, não sabia que era tão forte! – Gemi enquanto Totó corria em minha direção e lambia meu rosto. – Prometo que próxima vez vou te ouvir, Totó.
O cachorrinho bufou e seus olhos se voltaram para a entrada da caverna fazendo-o se arrepiar e latir em seguida. Levantei-me rápido e encarei o local onde quatro monstros permaneciam com os dentes a mostra e as garras arranhando o chão gramado, o quinto provavelmente havia morrido com a explosão do portal. Respirei fundo e crispei os lábios.
– Foi para isso que todo o treino me preparou. – Sussurrei como um incentivo e tirei a pulseira fazendo a espada e o escudo surgirem em minhas mãos. – Espero que eu tenha aprendido tudo.
Corri e saltei em direção ao primeiro monstro, minha espada fazendo um corte profundo em sua lateral. Abaixei-me em segundos, fazendo as garras de outro monstro passar voando por cima de minha cabeça e logo acertar o monstro que feri, fazendo-o explodir no ar. Bom, um a menos! Afastei-me alguns passos, recuperando o folego e apertando a espada contra minha mão suada. Dessa vez um dos monstros investiu primeiro, suas patas batendo contra o chão e tremendo-o levemente. Flexionei os joelhos e saltei para o lado no momento que ele passou em disparada por onde eu estava segundos antes, mas não fui rápida o suficiente para o segundo monstro que correu em minha direção. Ergui a espada, mas ele já estava próximo demais e sua cabeça me acertou em cheio, lançando-me a metros de distância. Minhas costas bateram contra o chão, senti o ar escapar de meus pulmões e o gosto cúprico de sangue encher minha boca, mas o pior era minha espada que havia parado do outro lado da clareira, próximo a entrada da caverna. Ergui-me com dificuldade e dor, me odiando mentalmente por nunca andar com ambrosia, e ergui o escudo que mantive em mãos. Um dos monstros, o mesmo que me acertou, estava confiante e correu em minha direção com toda a fúria. Concentrei-me e me posicionei, o escudo cobrindo boa parte do meu corpo enquanto a besta se aproximava mais e mais. Segundos antes de ele me acertar dei uma cambalhota desajeitada para o lado e o monstro bateu na árvore às minhas costas com tanta força que fez o tronco se partir ao meio. Não perdi tempo e lancei o escudo em direção ao monstro com toda a minha força. Lâminas finas surgiram na lateral do escudo no momento que ele entrou em contato com a carne dele e a besta uivou de dor se desfazendo em pó diante dos meus olhos. Menos dois!
– Quem é o próximo? – Questionei com um sorriso superior e vi os dois monstros restantes bufarem.
Apesar de correrem em minha direção, eles continuavam no caminho que levava à minha espada. Como eu ia lutar se uma arma de ataque? Desviei do golpe do primeiro monstro e ergui o escudo no momento que o segundo monstro desceu as garras sobre mim. Com um mortal para trás, me afastei dos monstros o máximo que consegui e encarei o pequeno riacho que cortava a clareira. Mas é claro, sua cabeça de alga! Encarei os monstros que corriam em minha direção com uma velocidade absurda e ergui as mãos, deixando minha concentração ser maior que a adrenalina que corria em meu corpo. Logo um braço d’água surgiu do riacho e, seguindo minhas ordens, circundou os dois monstros em alta velocidade. Mais água sem juntou à corrente e logo os monstros ficaram presos em um pequeno tornado. Cerrei os punhos fazendo a velocidade do tornado aumentar ainda mais e ergui os braços, o tornado subiu e lançou os monstros longe. Transformei o tornado em uma corrente de água novamente e antes que os monstros pudessem se recuperar do golpe lancei a corrente de água em direção a um deles que prendeu em sua pata como uma mão de ferro e o lançou contra as árvores. Recuperei a forma da água e logo encarei o monstro restante em minha frente que escancarou a boca para um rosnado. Exatamente o que eu precisava. Ergui as mãos em direção ao monstro e a água percorreu meus braços e invadiu a boca da besta com fúria. Pude sentir a água percorrendo todo o corpo do monstro internamente, enchendo-o e afogando-o aos poucos. O monstro grunhiu, engasgando com a água, e logo desabou no chão, imóvel. Mexi os dedos fazendo a água sair de seu corpo no momento que ele se transformou em pó.
– E agora só resta um. – Cantarolei e me virei para acabar com o último monstro.
No entanto cantei vitória rápido demais. Antes que pudesse encarar o monstro de frente ouvi suas passadas e sua cabeça gigantesca veio de encontro a minha barriga com toda a força. A próxima coisa que vi foi o chão a metros do meu corpo e senti o impacto com a grande rocha. Como uma boneca de pano deixei-me cair contra o chão macio e tentei prever os danos com o resto de consciência que me restava. Provavelmente três costelas quebradas, braço esquerdo deslocado e uma concussão das grandes. Puxei o ar de volta para os pulmões e gemi com a dor que seguiu o movimento. Na verdade, até pensar estava me causando dor e daria tudo para poder desmaiar tranquilamente naquele momento. Por sorte eu havia caído próxima à minha espada e quando o monstro se aproximou novamente com a boca aberta ergui a arma com uma careta de dor e cortei a parte interna de sua boca o que o fez rugir e se afastar alguns passos. Aquele pequeno movimento tirou o resto de forças que ainda existia em mim e eu me arrastei para o arbusto mais próximo aproveitando a distração do monstro que continuava lambendo a boca tentando sumir com o sangue. Eu estava esgotada, não conseguia mais lutar, nem ao menos levantar a espada ou o escudo, e usar os poderes de Poseidon parecia ainda mais impossível já que usava bastante concentração e força.
– Eu estou tão ferrada! – Lamentei segurando as costelas que doíam como o inferno. – E como mandar mensagem de Íris sem um arco íris? Eu não tenho forças nem para criar um.
Enquanto eu ainda lamentava minha falta de sorte e de juízo senti algo cutucar minhas costas delicadamente. Apesar da dor me voltei e vi um pequeno focinho negro e logo Totó apareceu completamente em minha visão. Quando ele conseguiu minha completa atenção correu para os arbustos e logo voltou com um pequeno livro preso na boca. Com poucos passos depositou-o no meu colo e logo li o título do livro que havia comprado a pouco tempo. Encarei o cãozinho que virou a cabeça e balançou o rabo, como se me desafiasse.
– Usar meus poderes de Língua Encantada também me desgasta. – Sussurrei desviando o olhar para o monstro que já começava a se recuperar do golpe. – Mas não custa nada tentar. É minha última alternativa de qualquer maneira e ainda bem que tenho a arma certa.
Peguei o livro e alisei a cabeça de Totó antes de me erguer. Minhas pernas bambearam ao sustentar todo o peso de meu corpo, mas respirei fundo e pisquei freneticamente, tentando manter minha mente desperta e atenta. Antes que o monstro pudesse se recuperar completamente busquei a página certa e rapidamente iniciei a leitura, mantendo minha voz calma e firme, deixando as palavras rolarem como se saboreasse cada sílaba.
– “Então Watson viu o cão surgir do meio das árvores lamacentas do pântano dos Baskerville. Patas longas e negras deixavam as garras afiadas a mostra e, apesar de estar sobre quatro patas, era maior que qualquer homem. Seu pelo negro e grosso cobria o corpo inteiro e o camuflava na escuridão de forma eficaz. As orelhas grandes e pontudas eram facilmente confundidas com chifres e seus olhos vermelhos eram o verdadeiro portal para o inferno, mas os dentes brancos e afiados completavam a aparência diabólica....
A medida que as palavras saiam de minha boca podia sentir o poder fluir por mim e o animal nascer da forma como eu sempre o imaginei. Quando minha voz cessou com a última característica do cão contida no livro as folhas de um arbusto do outro lado da clareira se mexeram e dali surgiu o maior cachorro que já vi, tão grande quanto o monstro que estava prestes a me atacar. Era idêntico a minha descrição, a perfeita visão de um demônio. O cão caminhou, mas suas patas eram tão longas que logo ele estava a centímetros de mim. Prendi a respiração no momento que o cão bufou, seu hálito fazendo cócegas em meu nariz, até ele se virar em direção ao monstro, postado em minha frente como uma barreira de proteção. Seus rosnado encheu o ambiente e seus dentes estavam escancarados. Ele virou o olhar para mim como se esperasse uma ordem. Voltei os olhos para a livro e terminei a leitura.
– .... Sem esperar qualquer movimento o cão atacou, pronto para matar. ”
E foi exatamente o que meu mais novo ‘cãozinho’ fez. Com um rosnado aterrorizante ele saltou e pousou diretamente sobre o monstro que uivou de dor quando o cão mordeu seu pescoço arrancando um pedaço de carne gosmenta junto com sangue. O monstro se sacudiu jogando o cão pelos ares, mas logo ele se recuperou e torceu o corpo correndo novamente em direção ao monstro e pulando em suas costas. Com uma forte patada o cão cravou as garras nas costas da besta e puxou causando um corte ainda mais profundo. O monstro uivou e caiu para trás no momento que o cão saiu de suas costas e saltou, dessa vez, em sua barriga desprotegida, dilacerando-a em instantes. Aquele foi o golpe final. Com um último gemido a besta sumiu em pó e o cão se sacudiu fazendo os resquícios de pó voarem contra o vento. Sorri quando o cão gigante caminhou em minha direção e se sentou em minha frente, a cabeça inclinada em expectativa como se não passasse de um poodle adestrado. Aproximei-me dele e acariciei sua cabeça peluda apesar de ter que ficar na ponta dos pés para isso, o cão fechou os olhos e inclinou o pescoço para perto como se zombasse de minha altura.
– É uma pena que tenha que voltar, você é um bom menino, não é? – O cão abanou o rabo e latiu alegre. Suspirei e ergui o livro procurando a parte que queria e lendo-a em seguida. – “Na verdade o cão demoníaco não existia. Tudo não passara de um plano do sobrinho de Sir Charles que usara a lenda do cão para tentar roubar a fortuna dos Baskerville. Ele usara um cão normal coberto de fuligem e um jogo de sombras para que o cão parecesse maior e mais assustador. Mas nada escapa do faro apurado de Sherlock Holmes. ”
Diante de meus olhos o cão desapareceu aos poucos como poeira levada pela ventania. Seu uivou foi a último resquício dele e me senti mal. Não queria fazer isso, mas levar Totó escondido dentro de uma mala pelo mundo é uma coisa, agora um cão com mais de dois metros de altura era completamente impensável. Limpei a sujeira do short e dos vários arranhões que cobriam minhas pernas e braços, cada movimento uma do diferente nas costelas quebradas. Totó apareceu em minha frente com seu latido alegre e eu sorri.
– Obrigado meu cavaleiro de armadura reluzente. Se não fosse por sua ideia não estaríamos vivos para contar a história. E que história! – Exclamei caminhando lentamente com Totó em meu encalço em direção ao lado da rocha de onde começamos nossa jornada, buscando voltar para o hotel o mais rápido que meu corpo quebrado permitia. Encarei Totó que saltitava alegremente e suspirei. – Percy vai me matar por eu ter quase morrido mais uma vez. Ou Nico.
Estávamos quase entrando nas árvores que davam para a entrada do parque quando um barulho de passos me fez estancar no lugar. Toquei na pulseira que havia pouco eu transformara novamente e esperei em silêncio. Os passos se aproximaram e logo uma garotinha surgiu de trás de um grosso tronco. As maria-chiquinhas estavam bagunçadas e ela estava com cara de choro.
– Oi, querida. – Falei calmamente para que ela não se assustasse ainda mais e a menina ergueu os olhos verdes em minha direção com um bico triste. – Você se perdeu de seus pais?
Ela afirmou com as bochechas vermelhas e as mãos ainda nas costas. Ajoelhei-me para ficar da altura da menina até Totó começar a latir e rosnar feito louco. Ele puxou minha blusa, tentando me afastar da garota como diabo foge da cruz.
– Totó, o que foi? – Tentei me soltar, mas o cãozinho continuava a me puxar. Encarei a menina que olhava para o cachorro com os olhos arregalados e sorri tentando mante-la calma. – Ele não é sempre assim, só deve estar bem cansado.
– De lutar com os monstros, né? – A menina sugeriu com a voz baixa.
– Espera, como você sabe dos mons....?
Antes que eu pudesse me virar senti uma picada no pescoço e meus olhos se voltaram para a menina que me encarava com um sorriso diabólico e uma seringa com um líquido amarelo pingando da agulha. Tentei levantar, mas minhas pernas bambearam e cai de joelhos, minha visão embaçou e minha mente já cansada embaralhou ainda mais. Meu sangue ardia e senti minha respiração acelerar, mas, apesar de sentir minha consciência cada vez mais distante, reconheci que aquela não era uma simples garotinha. Na verdade eu já conhecia aquela coisa muito bem.
– Você! – Exclamei, mas minha voz era grogue e apenas senti os braços da menina me segurarem com uma força extraordinária e sua voz soar em meus ouvidos como um uivo fantasma.
– Bons sonhos, Língua Encantada.
Então eu apaguei.
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Primeiro veio a dor.
Aguda, intensa, insuportável. Como se estivessem me dilacerando por dentro.
Depois veio a luz.
Ínfima, porém suficiente para incomodar meus olhos fechados. Forcei as pálpebras para cima e rapidamente as cerrei quando meus olhos arderam e lacrimejaram. Respirei fundo e abri os olhos novamente, dessa vez me acostumando com a pouca luz e com o leve ardor. Mexi a cabeça, sentindo o pescoço estalar, e olhei ao redor. O local era basicamente composto por rochas. As paredes eram curvas e ásperas e a luz, que reconheci ser a do sol, vinha da única entrada do local, há alguns metros de mim. Minha mente voltou a funcionar aos poucos e logo percebi se tratar de uma caverna, provavelmente a caverna que antes abrigava o portal que destruí. Mexi o corpo tentando me ajeitar no chão duro e gemi de dor quando meus pulsos roçaram em algo frio e áspero. Puxei os braços novamente e logo percebi que eles estavam presos em minhas costas com algemas duras e apertadas. Furiosa, puxei ainda mais até sentir uma dor aguda se alastrar por meu braço esquerdo e lembrar que ele estava deslocado devido a luta de minutos atrás. Ou seriam horas? Não fazia ideia de há quanto tempo eu estava ali e encarei a entrada da caverna, a luz do sol estava fraca tendendo para o tom laranja e supus que fosse fim de tarde.
– Três horas desmaiada. – Suspirei e me recostei contra a parede desconfortável. – Percy vai me matar.
Então um barulho de passos na entrada da caverna me alertou. Recostei a cabeça na rocha e fingi ainda estar desmaiada quando os passos se aproximaram. Logo senti um pé cutucar minhas pernas e o dono dos passos se aproximar de meu rosto, prendendo seus dedos fortes contra meu queixo e mexendo minha cabeça desleixadamente.
– Como você conseguiu matar um bando de monstros sozinha e foi enganada por uma garotinha? – A voz era masculina, grave e ríspida, zombando de mim com uma risada macabra. – Além de destruir nossa passagem para o Mestre. Língua Encantada estúpida!
O homem soltou meu rosto ferozmente e deixou- bater contra a parede para manter o teatro, apertando os dentes quando a dor se alastrou por meu crânio. Ouvi os passos do homem se afastarem, seguindo para o lado oposto da caverna. Abri os olhos discretamente e vi ele de costas para mim caminhando de volta para a entrada da caverna. Era alto, de costas largas e murmurava algo enquanto encarava o céu, até sumir na clareira. Suspirei aliviada e fechei os olhos tentando parar o latejar em minha cabeça e, ao mesmo tempo, bolar um plano de fuga. Enquanto eu calculava a força necessária para deslocar meu polegar e tirar minha mão da algema senti algo frio e molhado cutucar minha perna. Um focinho! Abri os olhos e vi minha bola de pelos negros favorita sentada ao meu lado com a língua de fora.
– Totó! – Exclamei feliz, mas diminui a voz automaticamente, encarando a entrada da caverna. Nenhum sinal do retorno do home. Encarei meu cãozinho com um sorriso esperançoso. – Como entrou aqui? Na verdade, como ele não te pegou? Quer saber, não importa. Preciso da sua ajuda!
Totó inclinou a cabeça e balançou o rabo prestando atenção em cada palavra.
– Primeiro preciso que você tire uma dracma do meu bolso. – Ergui a perna para facilitar enquanto o cachorro corria para meu bolso traseiro e enfiava o focinho nele tirando dali uma pequena moeda e soltando-a em minha mão ainda presa nas costas. – Bom garoto! Segundo, e mais difícil, preciso que você encontre Nico e o resto do grupo e mostre a eles onde eu estou. Consegue fazer isso?
O cãozinho se levantou e balançou o rabo freneticamente, preparando-se para latir em confirmação.
– Shiu! Tudo bem, entendi que você consegue. É o cãozinho mais inteligente que já conheci. – Sorri e inclinei a cabeça beijando a testa peluda de Totó que lambeu meu nariz em retribuição. – Agora vá antes que ele volte. Confio em você Totó. Tenha cuidado!
O cãozinho se virou e correu para fora da caverna, se embrenhando no meio das árvores e sumindo de vista em segundos. Observei a entrada da caverna por mais alguns segundos depois que Totó se foi, esperando qualquer movimento ou som de passos, mas tudo estava no mais completo silêncio, então pus as mãos à obra. Em uma de suas aulas Percy me ensinou a criar um arco-íris falso para quando precisasse mandar mensagens de íris urgente. Bem, aquele era o momento perfeito! Ignorei o máximo possível a dor que cobria todas as partes de meu corpo e me concentrei na água. Cerrei os olhos e senti a água do rio fluir pelo ar em gotículas tão pequenas que passariam despercebidas pelo homem caso ele estivesse do lado de fora. Demorou um tempo, mas ao abrir os olhos vi uma esfera d’água de tamanho médio flutuando diante de meus olhos. Movimentei a esfera em direção às minhas mãos presas nas costas e depositei a dracma dentro da água, trazendo-a de volta a minha visão em seguida. Agora era a parte mais complicada. Para formar o arco íris a luz do sol tem que refletir na água em um ângulo preciso e, para isso, tive que movimentar a esfera incansavelmente até que o ar começou a mudar de cor e aos poucos um pequeno arco-íris surgiu. Foi automático, quando as famosas sete cores se tornaram completamente visíveis a água se turvou e, aos poucos, deu lugar a uma imagem. Os detalhes, antes desconexos, começaram a tomar forma e logo vi o rosto de uma pessoa surgir como em uma bola de cristal. Arregalei os olhos e prendi a respiração quando os característicos olhos verde-mar entraram em foco.
– Percy!
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P.O.V. Nico
Certa vez Swan disse que amarraria um sino em meu pescoço para sempre saber quando eu estivesse chegando. Nela, eu implantaria um chip para sempre rastrea-la quando não estivesse em meu campo de visão e evitar o desespero que alastrava meu peito naquele momento. Fazia uma hora que estávamos procurando qualquer sinal dela pelas ruínas do Parthenon, mas ela parecia ter evaporado. Todos mantinham os olhares preocupados, menos Percy que parecia mais fora de si do que já o havia visto em todos os anos que o conheço. Ele estaria soltando fogo pelas narinas ou arrancando os cabelos se conseguisse, andava por todo lado perguntando se alguém tinha visto sua irmã e suspirava desapontado quando todas as respostas eram negativas. Já eu mantive minha expressão calma e focada invadindo todos os templos que pontilhavam o local e procurando em todos os lugares imagináveis e inimagináveis, mas por dentro eu sentia meu coração palpitando e o peito se dilacerando cada vez que as buscas falhavam e eu não via o sorriso dela ou os olhos brilhantes.
Nunca foi tão difícil manter a calma. Mais alguns minutos e eu explodiria em fúria. Meus pensamentos acabavam voltando para minha missão em Roma, seu corpo caído em meus braços, o sangue jorrando sem parar, os olhos verdes se tornando cinza, a vida saindo de seu corpo. Cerrei os olhos e grunhi frustrado, focando meu poder na alma dela, com medo do que poderia descobrir. Graças aos deuses ela não descera para o submundo o que significava que ela estava no mundo dos vivos. Mas em qual parte do mundo dos vivos, essa era a pergunta que fazia minha cabeça rodar. Eu só sabia de uma coisa: precisava encontrá-la ou enlouqueceria. Principalmente depois de sua declaração em meu quarto. Eu estava bastante cansado e dormi feito uma pedra, mas um sonho estranho, de uma forma boa, me fez acordar. Nele, Swan entrava em meu quarto e dizia que o beijo significou tudo para ela e eu sentia seus lábios em meu rosto, tão doce e perfeito que fazia minha pele arrepiar. Quando abri os olhos percebi que Totó não estava mais no quarto e logo que saí Percy informou que ela havia saído com o cãozinho para conhecer a Grécia.
Não fora apenas um sonho. Ela queria o beijo tanto quanto eu. Ela sentia o mesmo que eu. E pensar que não acordei a tempo de respondê-la e toma-la em meus braços para não deixa-la ir nunca mais fazia meu estômago embrulhar e meu sangue gelar. Nunca me perdoaria se algo acontecesse, se ela.... até pensar na palavra fazia minha língua arder como seu tivesse bebido ácido.
Viver sem ela era como viver sem oxigênio. Eu iria até o inferno para tê-la ao meu lado.
Vaguei minha mente novamente para o submundo, sentindo o alívio me dominar cada vez que não sentia sua alma no mundo dos mortos. Apertei a alça da mochila até meus dedos embranquecerem e foquei em Percy que estava tão desolado quanto eu, pela primeira vez senti empatia com o filho de Poseidon.
– Algo aconteceu, eu sei! – Percy vociferou cravando as unhas em sua palma enquanto Annie abraçava seu corpo tentando acalma-lo. – Eu disse que ela voltasse às quatro sem falta, que sairíamos para a missão nesse horário. Não deveria tê-la deixado ir, ao menos não sozinha.
– Percy, temos que confiar nela! – Leo falou sério e todos o encaram surpresos. Para o filho de Hefesto não estar fazendo brincadeiras a situação era bem crítica. – Nós a treinamos e ela é fantástica, sabe se proteger mesmo se algo tiver acontecido. E vamos encontrá-la, custe o que custar.
– Ele está certo, Percy. – Annie concordou alisando o ombro do namorado carinhosamente e vi Percy suspirar e acenar, mesmo que ainda desgostoso. – Além disso, estamos perto do templo de Poseidon, nele há uma fonte onde podemos mandar uma mensagem de íris e descobrir onde ela está.
– Porque não disse logo? – Rosnei e caminhei rapidamente por entre os templos até perceber que não sabia qual era a direção do templo de Poseidon. Annie me encarou com um sorriso sarcástico e cocei a nuca, envergonhado. – Primeiro as damas!
A filha de Atena tomou a dianteira e logo todos a seguimos. Em pouco tempo estávamos diante de uma bela e rústica fonte. Cavalos com detalhes intricados lançavam algo do centro da fonte e desenhos de peixes e outros animais marinhos enchiam a lateral da fonte. Todos nos postamos ao redor da fonte, sempre discretos apesar de poucas pessoas ainda estarem pelos templos, e Percy ergueu as mãos, pronto para criar um arco-íris através do vapor de água. No entanto, antes que Percy pudesse usar sua mágica, a água da fonte enturvou e aos poucos uma imagem começou a se formar. Todos nos aproximamos e arregalei os olhos quando da água disforme surgiu um rosto. Cabelos cacheados e desgrenhados, arranhões secos por todo o rosto, olhos verdes-mar cansados, mas vivos. Ver aqueles olhos fez um peso sair de minhas costas e meu peito afundar em alegria e alívio. Ela realmente estava viva. Ferida e cansada, porém viva. Quando seu rosto ficou completamente em foco seus olhos se arregalaram ao encarar o rosto de Percy e ouvi seu suspiro de alívio.
– Percy!
Sua voz era como música em meus ouvidos. Nunca imaginei que fosse sentir tanta saudade da voz de alguém como senti a dela!
– Duda! Graça aos deuses, você tá bem! – Percy exclamou alegre e relaxou os ombros, até juntar as sobrancelhas em uma carranca e crispar os lábios. – Eu vou te matar! Onde você está?
– Também senti saudades maninho. – Ela riu baixo, mas logo fez uma careta de dor e gemeu.
Meu sangue ferveu e Percy trincou os dentes.
– O que aconteceu? – Ele perguntou cerrando os punhos e encarando a imagem da irmã com os olhos em chamas. – Você esta sentindo dor e toda arranhada. Quem te machucou?
– Essa é uma história engraçada e bem longa. E não tenho muito tempo. – Ela respondeu falando freneticamente como sempre faz quando está nervosa. – Eu preciso que vocês venham. Não vou conseguir derrota-lo sozinha, já estou completamente desgastada.
– Você nunca precisou fazer nada disso sozinha. – Me meti ao lado de Percy e encarei a filha de Poseidon com um olhar carinhoso e preocupado que, surpreendentemente, ela correspondeu. – Agora diga, onde você está?
– Estou presa em uma caverna dentro do parque que fica na direção oposta ao Parthenon. – Ela deu as coordenadas sem parar de olhar para o lado. – Totó pode ajudar com o caminho.
– Totó? – Questionei e, como em um passe de mágica, ouvi uma latido a poucos metros de distância e logo a minha bola de pelos favorita surgiu em meu campo de visão e saltou em meu colo. Segurei o cãozinho e sorri. – Timing perfeito, garoto.
O cachorro lambeu meu rosto e encarou a imagem de Swan na fonte, choramingando em seguida. A garota olhou para o cãozinho com um sorriso doce.
– Sabia que você conseguiria, Totó. Agora os traga aqui...
– Então finalmente a Língua Encantada acordou! – Uma voz ríspida e grave interrompeu Swan. Ela cerrou os olhos e mordeu os lábios, como se esperasse por algo ruim, e olhou para o lado novamente respirando fundo. – Com quem está falando?
A voz rugiu e passos fortes foram ouvidos se aproximando da garota que se encolheu no exato momento que uma mão grande apareceu e puxou seu cabelo, lançando sua cabeça contra a parede em seguida o que fez a filha de Poseidon gemer de dor e logo a mensagem de íris foi finalizada abruptamente.
– Quem era aquele monstro? – Percy rugiu e nos encarou como se pudéssemos respondê-lo, o medo e a preocupação voltando aos seus olhos tão rápido quanto voltou aos meus.
– Não sei, amor, mas quem quer que seja vai enfrentar a fúria dos semideuses por ter feito o que fez. – Annie respondeu com os lábios crispados e logo pôs as mãos no rosto do namorado. – Você precisa achá-la, mas eu preciso encontrar a Casa das Virgens o quanto antes para concluirmos a missão. Não duvido que um dos capangas do tal Mestre a tenha capturado o que mostra que ele fará de tudo para tê-la antes que possamos derrotá-lo. Preciso concluir minha parte da missão o quanto antes.
– Não posso deixar você sozinha.
– Ela não ficará. – Jason respondeu abraçando Piper que tinha os olhos molhados por lágrimas não derramadas, provavelmente pela amiga machucada presa em uma caverna. – Nós vamos ajudá-la e protegê-la. Tem minha palavra! Vá buscar sua irmã com Leo e Nico.
Mesmo incerto, Percy concordou e beijou a namorada apaixonadamente.
– Por favor, tenha cuidado.
– Sempre tenho, Cabeça de Alga. – Annie respondeu com um sorriso e depositou um beijo casto nos lábios dele. – Volte para mim e traga minha cunhada junto!
– Juro pelo rio Estige.
Percy abraçou Annie forte e logo me encarou, acenando. Soltei Totó e olhei para o cãozinho apontando em direção ao parque do qual Swan falara.
– Totó, nos leve até ela. Agora! – Ordenei e o cachorro se torceu e latiu forte.
Estava pronto para segui-lo quando senti uma mão pousar em meu ombro. Voltei os olhos e vi Jason me encarando com determinação.
– Nico, traga-a de volta. – Ele falou sério e me abraçou rápido. Seus olhos focaram nos meus e pude ver fúria neles. – Não se contenha.
– Não vou.
Ele acenou e eu me virei passando a seguir Totó que corria pelas ruínas com determinação e fúria, um reflexo de meus próprios sentimentos. Percy e Leo em meu encalço, tão furiosos quanto eu.
Naquele momento eu tinha certeza de duas coisas.
Primeira, eu a salvaria nem que trocasse minha própria vida pela dela.
Segunda, todos que a machucaram sentiriam a fúria do submundo como nenhum ser jamais sentiu.


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Notas finais do capítulo

*Traduções* agapiménoi - queridos; antío - adeus.
Sooooooo, o que me dizem? Péssimo? Ótimo? Top? Nem? Quero muuuitos coments jujubinhas, prometo responder todos e quanto maiores, melhores!
Sobre a novidade: Bem, assim como quando atingimos os 100 favoritos fiz um cap bônus, pretendofazer o mesmo quando atingirmos os 200 favs!! Não estamos asism tão perto, mas quero sugestões! Escolherei as três melhores sugestões e deixarei para votação para que, juntos, escolhamos a melhor opção para o cap bônus ♥ Portanto, o que você gostariam de ver? Cap de romance, distopia, mundos trocados ou outra coisa? Deixem a imaginação comandar!
Já estou escrevendo o próximo cap, portanto faria todo o possível para postar ainda esse mês!
Nos vemos em breve!
Bisous e aurevoir



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