Realidade Imaginária escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 24
Caindo no buraco dos segredos revelados


Notas iniciais do capítulo

Jujubaaas estou de voltaa!! Sei que demorei a postar e mais uma vez mil perdões!! Mas aposto como esse cap gigante vai compensar a minha falta ;)
Aproveitem!!



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"Como é que você sabe que eu sou louca?", disse Alice.

"Você deve ser", disse o Gato, "Senão não teria vindo para cá."

Droga!Droga!Droga!

Foi o que minha mente processou antes do enorme susto que aquela voz grave e familiar me causou. Eu pulei de susto e por pouco não derrubei o pobre Totó no chão, que continuava latindo com o “estranho”.

Que de estranho não tinha nada!

A não ser a super habilidade de se esconder melhor que um agente secreto do FBI, ou a capacidade de andar sem fazer um barulho sequer, ou atém mesmo a forma surpreendente de aparecer e matar qualquer um do coração. Mas vocês já me entenderam.

– Di Ângelo! Será que dá pra parar de aparecer assim? - Gritei ofegante e com a mão no peito, tentando acalmar o coração – Vou amarrar um sino no seu pescoço pra eu saber sempre que você estiver chegando! Acho que vai ajudar muita gente a não morrer do coração!

– Nem ouse! - Ele deu alguns passou, saindo de trás de uma árvore que ficava logo após a rocha no meio da clareira. Suas típicas roupas negras se destacavam na pele clara enquanto mantinha sua postura imponente de sempre, mas um leve ar de surpresa ainda estava preso aos seus olhos. Ele me olhou de cima a baixo, parando mais demoradamente nas minhas pernas semi cobertas por conta do vestido curto.

Ele estava olhando descaradamente para minhas pernas!

Pigarrei alto enquanto tentava cobrir o máximo de minhas coxas com a saia do vestido. Ele pareceu despertar de um transe e subiu o olhar para o meu rosto, me encarando sem um pingo de vergonha e com um sorriso de lado que me fez perder o foco. Será que ele não podia da um sorriso normal e não sensual como qualquer semideus normal? Ele se encostou na pedra de forma relaxada e sem parar de me analisar. - Sou apenas cauteloso e silencioso. Muitas garotas tomam como uma qualidade...

– Não sou uma delas... - Revirei os olhos e ajeitei Totó que continuava encarando Nico, mas havia parado de latir.

– Veremos... - Ele desafiou, mas antes que eu pudesse falar algo em minha defesa, ele continuou – Então? Será que dá pra parar de enrolar e explicar logo o que acabou de acontecer?

– Explicar o que? - Tentei me fazer de desentendida. Quem sabe ele não caía nessa?

– Você sabe muito bem o que! Eu vi e ouvi você lendo. E, como se um vestido saído do nada não fosse suficiente, você ainda fez surgir um cachorro! Não me surpreendo com muita coisa, mas ainda não acredito no que vi, nem consigo explicar. Por isso pode ir começando. - Seu tom autoritário, como sempre, fez minha cabeça ferver, mas ele parecia realmente espantado. Bem, da forma “Nico di Angelo” de se espantar como uma leve quebra no jeito bad boy de ser ou as mãos que passeavam mais constantemente pelo cabelo despenteado. Olhou para Totó em meus braços e desviou para meus olhos. - Até porque não é todo dia que alguém se encontra com a própria Dorothy e seu cãozinho no meio de uma floresta.

Bufei e me encostei na rocha assim como ele. Cada um de um lado. A centímetros de distância. Mas só percebi o quão perto ele estava de mim quando ouvi ele virar e sussurrar em meu ouvido por cima da rocha.

– Estava à procura de Oz?

– Quem sabe? Quanto mais longe de você, melhor. - Debochei e me virei para encará-lo de frente. Mas não calculei muito bem a distância e acabei encostando a testa na dele. Por segundos, já que me afastei o suficiente para ver seu sorrisinho despontar nos lábios. Totó latiu e eu alisei seu pelo, tentando acalmar tanto a ele quanto os meus sentimentos confusos. Mas por fora continuava a mesma - Em Oz seria meio difícil, ou quem sabe impossível, esbarrar em você por aí!

– Ouch! Assim você magoa o meu pobre coração. - Ele fez um cara de manhoso, com direito até a um biquinho, e pôs a mão no coração. Ok, admito que foi fofo e nada normal pro di Angelo, por isso aliviei minha feição dura por um tempo.

Só até lembrar que ele tinha surgido do nada e que sabia do meu maior segredo. Acho que foi motivo suficiente pra minha raiva voltar com tudo.

– Mas o que o senhor estava fazendo escondido atrás daquela árvore? Me seguindo? Me espionando?

– Os dois. - Ele deu de ombros diante da minha cara de indignação – Não sou de dormir até tarde e quando saí do chalé hoje de manhã vi você correndo em direção a trilha. Algo comum já que muitos campistas fazem isso, mas quando você voltou algum tempo depois, e diga-se de passagem com o cara mais confusa que eu já vira, e saiu do chalé de Hermes com um livro seguindo pra floresta em frente a Casa Grande, decidi te seguir e ver porque alguém em sã consciência e em plena cinco horas da manhã ia ler um livro no meio da floresta.

– Você simplesmente 'decidiu' me seguir? E por acaso sabe o que significa privacidade? - Gritei. Ninguém no acampamento poderia me ouvir, a não ser que mais alguém parasse seu dia para me seguir, o que eu achava bem improvável. No fundo eu me culpava por não ter prestado mais atenção a quem estava por perto. Mas, naquele momento, eu culpava o di Angelo até pelas guerras mundiais! - Pois é! Privacidade era aquilo que eu estava buscando quando vim pro meio da floresta! Ou não ficou claro pra você?

– Se você fosse apenas uma louca que gosta de ler no meio do mato quando o sol nasce, eu teria dado meia volta e ido embora. Mas você não é e aconteceu mais do que só uma simples leitura! - Ele rebateu no mesmo tom de voz o que me fez encolher os ombros. Não pelo grito, mas pelo trágico assunto que ele ia entrar. Eu não queria falar sobre aquilo, mas Nico parecia irremediável e irritado. Suas mãos apertavam a rocha como se pudesse quebrá-la ao meio. - Eu estava prestes a ir embora, já que não tinha visto nada de interessante a não ser você sentada e meditando, até que o show de luzes chamou minha atenção. E a surpresa? Elas vinham de você! E num piscar de olhos você estava assim. - Ele apontou o vestido e encarou Totó – E depois vi o cão surgir, o que foi ainda mais bizarro. Se eu não tivesse visto por mim mesmo não teria acreditado.

Ele respirou fundo e me encarou profundamente. Seus olhos negros me prendiam enquanto eu ficava calada. Não tinha o que falar. Dizer a verdade ou mentir? Esconder ou revelar? As palavras de Hera voltaram a minha mente e meu estômago embrulhou. Eu não sabia o que fazer e os olhos questionadores de Nico só pioravam a situação. Encarando a rocha, ele prosseguiu:

– Eu não teria acreditado. Não só pelos poderes, mas porque sua espécie está extinta... ou deveria estar. - Ele parecia embaralhado nas palavras, algo incluído na lista de atitudes não normais para Nico. Seus olhos carregados de dúvida me encararam. - Você deveria estar extinta.

– Obrigada pela parte que me toca! - Debochei, mas meu peito pareceu se espremer com aquela afirmação. Quem sabe eu não deveria mesmo estar extinta e parar de causar tanta dor as pessoas. Nico tentou se explicar, mas eu o cortei. - De qualquer forma, eu não tenho nada para explicar.

– Ah, tem sim! - Ele contornou a rocha velozmente e parou na minha frente, me fazendo ficar encurralada entre ele e a pedra. Eu, como sempre, mantendo uma distância segura dele. - E nem tente mudar de assunto. Não vai funcionar.

– Primeiro, eu não tenho nenhum assunto pra conversar ou explicar. Principalmente para você. E segundo, você não tem nada melhor para fazer do que ficar no meu pé? Tipo, sei lá, invocar umas sombras ou se transformar em milho, talvez? - Enraivecida, coloquei Totó no chão com uma pequena, uma mínima esperança de que ele partisse para cima de Nico.

– Pra sua sorte hoje estou com o dia livre, não tenho nada melhor pra fazer então posso esperar o tempo que for necessário. Tô sem pressa. - Ele cruzou os braços, me lançando um sorriso de lado, e sentou-se na minha frente despreocupado, me desafiando com o olhar.

Totó se aproximou dele latindo e eu quase pude ver Nico indo embora todo mordido e eu pulando de felicidade. Quase. Porque quando Totó se aproximou ele estendeu a mão com toda confiança. Totó parou de latir e cheirou sua mão e, um minuto depois, ele já estava lambendo e pulando em cima de Nico com o rabo balançando de felicidade como se sempre tivessem sido amigos. Era provavelmente a segunda cena mais fofa que eu via no dia, já que o biquinho de Nico ganhara o primeiro lugar, mas nunca admitiria nenhuma das duas. Revirei os olhos e bufei para meu “cão de guarda” que não assustava nem uma mosca e vi Nico sorrir por Totó ter acabado de morder seu nariz que estava vermelho.

– É, acho que seu plano de me botar para correr com esse cãozinho falhou feio. - Ele colocou meu cão no braço e acariciou suas orelhas. - Digamos que eu e os caninos nos entendemos perfeitamente bem.

– Pra quem tem um cão infernal de estimação, um terrier como Totó é fichinha. - Murmurei, cruzando os braços e vendo o cachorro se aninhar nas pernas de Nico enquanto este coçava sua barriga. “Cão traidor!”

– É, a Sra O'Leary é uma ótima menina... - Ele balançou a cabeça e me olhou firme e sério, como se acabasse de lembrar de algo – Droga! Estamos mudando de assunto de novo e eu disse que isso não ia rolar. Então, prefere me contar em pé ou sentada? - Ele bateu no chão ao seu lado. - O chão está ótimo e eu estou bem confortável aqui. Você decide.

Ele continuava me encarando com queles olhos que viam ate minha alma. Eu sustentei seu olhar. Ninguém queria ceder, parecia um jogo de quem encarava por mais tempo. Um jogo que eu perdi nos primeiros minutos. No fundo eu sentia que precisava falar sobre isso com alguém, desabafar. Apenas minha avó conhecia meu segredo e depois que ela morreu eu tive que carregar todos os problemas sozinha, escondendo o segredo de tudo e todos. Eu precisava desesperadamente falar. E, ao pensar em Hera, percebi, com relutância, que ela tinha razão. E eu confiava em Nico. Mesmo não sabendo explicar porque, mesmo ele sendo arrogante e um completo chato, eu confiava nele. Suspirei e sentei a frente dele, encostada na rocha, mostrando um pouco de rebeldia ao não sentar ao seu lado já que eu ainda tinha meu orgulho. Mantendo a distância necessária entre nós. Vi um sorriso vitorioso brotar em seus lábios.

– Ninguém resiste ao meu olhar penetrante. - Ele tentava soar orgulhoso, mas com Totó pulando em seu colo a cena ficava cada vez mais engraçada. - Nenhum dos Sete conseguiu. Mas, sem mais delongas, vamos começar!

–Estou me sentindo num programa de entrevistas. - Levantei os joelhos e apoiei a cabeça neles. - O que você quer saber ?

– Primeiro. Quem é você?

– Essa pergunta foi classificada como idiota. Próxima...

– Não você Eduarda, a mortal ou a semideusa. - Ele revirou os olhos, impaciente. - Quero saber quem é a Eduarda, Língua Encantada.

– Essa é uma boa pergunta. Tão boa que nem eu sei responder. Nunca usei muitos meus poderes então não sei quase nada sobre minha parte Língua Encantada.

– Mas como descobriu que tinhas esses poderes?

– Minha avó. Ela também era e me ensinou algumas coisas, mas não aprendi o suficiente porque... - escondi a cabeça e respirei, buscando as palavras certas. - Ela morreu antes que conseguisse me ensinar tudo.

– Sinto muito... - Ele tocou minha perna delicadamente. Ergui a cabeça a tempo de ver a solidariedade em seus olhos negros. - Mas porque você nunca contou a ninguém? Nunca buscou ajuda de ninguém depois que sua avó se foi?

– Nunca encontrei mais ninguém igual a mim e qual pessoa normal iria acreditar em uma louca que quando lê torna as coisas reais? Além do mais, prometi a minha avó que nunca falaria sobre meus poderes com ninguém. A quem eu pediria ajuda? Ninguém me entenderia, nem mesmo minha mãe. Ela não tinha poderes e não sabia nada sobre esse mundo. Eu também não entendia porque minha avó pedira para que eu não falasse ou mostrasse isso para ninguém. - Suspirei e encarei a floresta ou qualquer coisa que não fosse os olhos atentos de Nico – Até que eu descobri o porque, da forma mais difícil. Depois do que aconteceu, eu decidi me isolar e nunca mais ler em voz alta. Se eu não conseguia controlar, o melhor era esquecer que eu possuía esses poderes. Mas é uma luta constante, as vezes é mais forte do que eu.

Encostei minha cabeça na rocha e encarei o céu azul, lembrando de cada detalhe do acidente. Cada destroço, cada gota de sangue, cada dor em meu corpo. Eu mereci aquilo, eu não fui forte o bastante. Até que as cenas se desmancharam em minha mente quando senti a calma que aquela mão fria transmitia. Nico colocou a mão em meu ombro. Sem que eu percebesse ele havia sentado ao meu lado, também encostado na rocha, ainda com Totó no colo e uma das mãos alisava calmamente meu ombro. Um toque simples, mas reconfortante. Levantei a cabeça e olhei fundo nos olhos dele. E vi o que eu sentia refletido ali. Ele me entendia. Seus olhos perguntavam o que sua boca não sabia se podia dizer. Eu assenti, dando liberdade para ele perguntar.

– O que aconteceu? O que fez você desistir de usar seus poderes?

Eu o encarei com as últimas forças que tinha e ele se aproximou mais de mim, deslizando a mão lentamente pelo meu braço e pousando-a em minha mão, seu aperto forte aquecendo meus dedos. Parece que até Totó percebeu como eu estava, pois ele lambeu minha mão com carinho e esfregou o focinho em minha perna. Eu sabia que o melhor era contar. Eu nunca havia contado para ninguém sobre o acidente. Não o que realmente aconteceu. E a forma como Nico me encarava mostrava que ele dividiria aquele peso comigo. E em um sussurro as palavras saíram da minha boca como cascata.

– Tudo aconteceu mais ou menos há dois meses. Quando eu ainda tinha algo chamado “vida normal” e isso foi arrancado de mim. Meus amigos, minha felicidade, minha mãe... - Respirei fundo, o que fez Nico entrelaçar meus dedos aos seus. - Nós estávamos voltando de uma viagem. Minha mãe me convencera a ver a maior coleção de esculturas feitas de palitos de dente do mundo depois de descobrir que ficava na cidade vizinha a nossa. Ela sempre adorou esse tipo de coisa... sempre... - Ri sem humor, lembrando de todas as viagens que fizemos. - Eu sempre achei todas essas viagens inúteis na época. Hoje, daria tudo para fazê-las outra vez. Daria tudo pra tê-la comigo outra vez. Nesse dia, estávamos no carro, voltando para casa, enquanto ouvíamos a música mais brega que achamos no rádio. - Sorri tristemente ao lembrar de minha mãe dizendo :Não existe melhor música pra alegrar o dia do que música brega”. - Tudo estava tão perfeito... O céu ensolarado, o vento entrando pela janela aberta e bagunçando nossos cabelos, o sorriso de minha mãe enquanto cantava e fazia as batidas da música. Tudo perfeito... até ela ter aquela ideia estúpida. - Lágrimas começaram a encher meus olhos e deixei-as cair, sem me importar com nada além da dor de recordar tudo aquilo. - Ela sabia que eu amava ler e que aprendia cada trecho de cada livro que eu lia. Ela amava me ouvir recitar os trechos. E eu os recitava só para ver aquele sorriso no rosto dela. Então, quando aquela droga de música brega acabou, ela me pediu, com sua voz doce e bondosa, que recitasse para ela. E eu recitei uma parte do último livro que havia lido. Alice no País das Maravilhas. Recitei o momento em que Alice abre a pequena porta e entra no novo mundo. Recitei com perfeição, descrevendo tudo o que ela via: grama verde e macia, o céu azul e com nuvens brancas como algodão, as árvores majestosas com suas folhas verdes e resplandescentes. Minha mãe respirou fundo, se imaginando naquele lugar que eu descrevia, se sentindo uma verdadeira Alice... Até porque o nome dela também era Alice... - Me apertei mais contra meus joelhos, sentindo as lágrimas aumentarem, deixando um rastro salgado por onde passavam. - Eu terminei de recitar e no momento que ela voltou seu olhar para mim, nos mínimos segundos em que ela disse com seu sorriso um “perfeito” e voltou seus olhos para a estrada, uma árvore grande e forte apareceu no meio da estrada, como se tivesse nascido nos poucos segundos que minha mãe se voltou para mim. E não deu tempo para mais nada. O que vi foi minha mãe desviar o carro e tomar o impacto todo para si, seu último ato em vida foi salvar a minha vida. Só me lembro dos olhos cor de mel dela dizendo tudo o que sua boca não teve tempo de dizer.

Agora as lágrimas eram como um turbilhão e eu soluçava freneticamente, sem conseguir me conter. E nos minutos em que fiquei em silêncio, tentando encontrar minha voz novamente, senti o braço de Nico envolver meus ombros e ele me puxar para perto, não deixando nenhum espaço entre nós e eu apoiei minha cabeça na curva de seu pescoço. Eu não parei para pensar no que estava acontecendo, eu simplesmente me permiti ser fraca e chorar na frente de alguém que eu confiava. E ali, naquele momento de total fragilidade e proteção, eu retomei minha história. Não podia parar agora.

– Eu desmaiei com o impacto e quando acordei estava deitada no asfalto sendo imobilizada pelos paramédicos. Olhei de relance para o carro, que tinha o lado do motorista completamente destruído, e quando olhei para a frente dele, esperando ver aquela árvore idiota, não havia nada, nem mesmo um buraco de onde a árvore poderia ter sido arrancada, apenas a estrada e nada mais. E ao lado do que antes era uma árvore, estava um corpo coberto por um pano branco, dos pés a cabeça. Eu gritei e me esperneei, tentando tirar aqueles médicos de cima de mim e chegar perto de minha mãe, ou do que restou dela. Aquilo não poderia estar acontecendo, não com minha mãe... e acho que fiquei tão desesperada e alterada que fui sedada, só senti uma picada de agulha no pescoço e voltei a inconsciência na hora. Quando acordei mais uma vez, estava em um quarto branco de hospital com minha tia e o marido dela me olhando com desprezo enquanto eu sentia os aparelhos ligados ao meu corpo funcionarem. Quando eles me perguntaram o que eu lembrava do acidente e eu contei tudo o que realmente aconteceu, eles me encararam como se eu fosse louca, até porque os médicos haviam dito que o carro havia capotado por um problema do próprio automóvel. E eles obviamente acreditaram nisso, com toda a convicção. A minha “historinha inventada”, como eles disseram, me rendeu mais uma semana no hospital com sessões na psicóloga todos os dias. O que só me ajudou a ver o quanto eu era culpada pelo acidente. Resolvi aderir a história dada pelos médicos e nunca contei a versão real para ninguém. Não só porque ninguém acreditaria, mas também porque cada vez que me lembrava da realidade a culpa abria um buraco maior em mim. Então eu me mudei para a casa dos meus tios insuportáveis que nunca foram com a minha cara, para a escola onde todos me ignoravam e me esqueci de propósito da minha vida antiga. Minha avó me ensinou muito sobre os Língua Encantada antes de morrer, mas depois do acidente resolvi nunca mais ler ou ao menos recitar em voz alta. Se tivesse ficado de boca fechada naquele carro, nada daquilo teria acontecido. Me tornei outra pessoa por fora para que ninguém visse que eu continuava a mesma por dentro. Era uma luta constante. Meus poderes contra mim. E eu estava vencendo até chegar aqui e encon...

Parei abruptamente. Algo me dizia que agora não era o momento para falar sobre os sonhos e o encontro com Hera. Não era a hora certa. Nico não percebeu minha interrupção instantânea, ou ao menos não deixou transparecer que havia percebido. E o silêncio reinou enquanto eu permanecia com a cabeça no ombro dele. Aquele simples apoio me proporcionou tanta calma que era praticamente impossível sair dali. Depois de terminar a história senti um peso saindo de meus ombros. Contar a verdade pra alguém e ver que ele não me chamou de paranoica me fez ver o quão real aquilo era. Até a minha parte racional começar a perceber o quão perto de Nico eu estava. Retirei a cabeça lentamente de seu ombro, mas continuei ombro a ombro com ele. Aquele silêncio começava a me incomodar e, graças aos deuses, Nico quebrou-o falando cuidadosamente:

– Bem... e sua mãe? Ela não tinha poderes?

É, concordo que essa não foi a melhor pergunta a se fazer naquele momento,mas perdoei-o porque: Primeiro, Nico não deveria ter muita prática em dar “meus pêsames” para pessoas que perderam seus entes queridos em acidentes catastróficos e segundo, eu realmente não estava afim de falar ou responder perguntas sobre o acidente então mudar de assunto, mesmo que drasticamente, era o melhor a se fazer. Acho que ele percebeu que não falou de uma forma muito solidária e tentou consertar, mas eu dei um sorriso que dizia “sem problema”.

– Não, ela não tinha poderes. Diferente do que Quíron disse, os poderes não passam de geração a geração. Foi uma das primeiras coisas que aprendi sobre ele, pois também estranhava minha mãe não ter poderes. Minha bisavó não tinha, minha vó e o irmão dela, Anthony, tinham, minha mãe e minha tia não tinham, eu e meus primos deveríamos ter...

Deveríamos? Seus primos não tem?

–Não. - Cruzei as pernas e pensei um pouco. - Ou não que eu saiba. Bárbara e Bryan nunca se deram bem comigo então não sei nada sobre eles, a não ser que são mimados e que passam longe da palavra “esperteza”.

– Estranho. Se a tradição nunca se quebrou é bem certeza de que eles também tenham. - Nico sentou-se a minha frente novamente e me encarou enquanto Totó pulava de seu braço e corria pra árvore mais próxima. - Espera! Você disse que sua avó também tinha um irmão com poderes, não é? Porque não pediu ajuda a ele depois que sua avó... não pode?

– Pediria, se soubesse onde ele está! Minha avó disse que quando eles eram jovens, ele saiu viajando e nunca mais apareceu. Ela só sabia que ele ainda estava vivo, ou ainda está, pelas cartas que ele mandava periodicamente. Mas nenhuma vinha com o remetente ou o lugar onde eles estava. Anthony se transformou em um fantasma viajante.

– Sua família entra pra listas das mais estranhas que conheci. - Nico deu seu sorriso perfeito e sorri tímida. - Mas é impressão minha ou sua família é sempre composta por dois irmãos? Sua avó e Anthony, Alice e sua tia, seus primos...

– É, até faz sentido. E minha avó disse que isso sempre acontecia... até eu nascer. Sou filha única, diferente de todos os outros Língua Encantada. Nunca me pareceu ser um problema, mas vai ver que se eu tivesse um irmão eu não teria sofrido tudo o que sofri depois da morte das duas únicas pessoas que me amavam de verdade. Ou vai ver eu mereço tudo o que sofri...

– O QUE? Isso é um absurdo! Você não merece nada do que passou. - Nico explodiu de repente, me assustando. Os dentes cerrados, a raiva a flor da pele, como se sentisse toda a dor que senti. Algumas gramas foram arrancadas quando ele tentou conter a raiva. - Você não teve culpa pelo que aconteceu com a sua mãe! Foi um acidente! Você não podia fazer nada.

– Mas o pior é que eu fiz! Botei aquela árvore idiota lá. Se eu tivesse ficado de boca fechada minha mãe ainda estaria viva! - Ok, se era pra explodir, que explodíssemos os dois!

– Não, não, não! Você não teve culpa de nada. Como poderia? Seus poderes só funcionam se você ler e, pelo que me disse, você apenas recitou uma parte.

– O que isso muda? Eu era a única que tinha alguma forma de fazer aquela árvore aparecer lá. Um minutos antes ela não estava e logo depois que eu falei sobre floresta e árvores ela apareceu de repente! Coincidência? Eu acho que não! Como pode não ter sido eu? É claro que fui eu! E vou ter que conviver com isso. - Minha voz falhou na última frase. Mas Nico continuava inconformado com o que eu falava, praticamente arrancando os cabelos. - Mas porque isso é tão importante assim? Eu tento me conformar todos os dias com isso, e estou vivendo. Porque você voltou ao assunto?

– Porque eu não aguento ver a culpa refletida nos seus olhos toda vida que você fala sobre o acidente! - Ele gritou, como se só assim eu fosse ouvi-lo claramente. Arregalei os olhos enquanto ele percebeu que tinha minha total atenção. Agarrando o chão e tentando controlar a respiração ele falou calmamente. - Eu só não consigo te ver assim. É como se algo em mim quebrasse. E tenho raiva de mim mesmo por não poder fazer nada para mudar o que você pensa sobre você mesma.

Seu olhar sobre o meu foi tão intenso que as palavras fugiram da minha boca mais rápido do que o Flash. Ele estava falando a verdade. E eu via nos seus olhos a angústia que ele sentia por eu me culpar daquele jeito. Ele se importava comigo. Uma garota que surgiu a apenas um semana na vida dele. Mas eu poderia estar enganada. Ele poderia apenas querer que eu parasse de tagarelar sobre meus problemas e... Seu toque cálido e delicado no meu rosto fez minha tagarelice mental cessar instantaneamente. Eu olhei para ele e vi-o cada vez mais próximo.

E tive que reaprender a respirar.

Ele não parava de se aproximar e eu já estava tonta pelo seu perfume amadeirado invadindo o meu consciente. Coloquei minha mão sobre a sua que estava em minha perna enquanto a outra, em meu rosto, levava-me cada vez mais para perto dele. E eu simplesmente seguia-a sem nenhuma força para afastá-lo. Eu sentia sua respiração e seu coração acelerado que competia com o meu tentando ver qual chegava a velocidade do som mais rápido. Eu estava hipnotizada e cada vez mais perto de seus lábios.

Tão perto....

Até que a baba de um cachorro na minha boca e um latido alto me fizeram despertar do transe. E vi que Nico se encontrava do mesmo jeito que eu: atordoado, sem ar e pude ver uma ponta de desapontamento no seu olhar. Não sabia se agradecia ou chutava Totó até a Lua, mas vi-o latindo e correndo pela floresta em direção ao acampamento. Pelo jeito ele seria o mais novo mascote do lugar. Seguia-o com o olhar até ele sumir de vista até perceber o toque frio em meu braço nu. Nico olhava atentamente para o meu pulso. O pulso da tatuagem. Ele passou os dedos pela tatoo e me olhou confuso e curioso, claramente esperando o porque de eu ter um tridente no pulso.

Uma resposta que ele não iria receber.

Simplesmente porque eu não tinha uma resposta “aceitável” e porque entraria num assunto ainda mais longo. Ele arqueou uma sobrancelha e já ia perguntar algo quando o interrompi atropeladamente, puxando meu pulso e deixando o mais escondido possível.

– Minha vez de fazer as perguntas!

– Quais? Você já sabe tudo sobre mim. - Ele aceitou minha mudança brusca de assunto, mas seu olhar intenso e sua sobrancelha ainda arqueada diziam algo como “ Mais cedo ou mais tarde você vai ter que falar dessa tatuagem.”. Bem, acho que escolhi o “mais tarde”.

– Não, eu não sei tudo sobre você. - E o pior é que eu sabia tudo sobre ele! Parei um tempo para pensar enquanto ele ria da minha cara por saber que estava certo. Até que lembrei de algo. - Não conte vitória antes da hora. O que houve depois da guerra contra Gaia? - O último nome eu sussurrei com medo de ouvir mais algum trovão no céu.

– Depois de muito sangue, osso quebrado, feitiço, sarcasmo e morte nós derrotamos a querida titia Terra. Os acampamentos se uniram assim como a maioria dos casais. Felizes para sempre. - Ele revirou os olhos, entediado. - E eu voltei a morar no meu chalé permanentemente, passando a maioria dos meus dias aqui, a não ser quando vou visitar minha irmã ou sou obrigado a ir pro Submundo pelo meu pai por alguns dias.

– Mas porque você continuou aqui? Bem, no livro você não parecia ser uma pessoa muito sociável. Achei que o que mais quisesse era dar o fora do acampamento.

– Tem razão! Mas para onde eu iria? Eu não queria, de jeito nenhum, morar no Mundo inferior. Aquilo é o inferno, literalmente! E durante a missão digamos que eu me tornei menos antissocial. Jason se tornou um grande amigo, Leo e suas palhaçadas me faziam dar uns sorrisos raros, Frank, bem, ele é namorado da minha irmã então acho que ela deu um empurrãozinho para que nos tornássemos amigos, mas ele é um cara legal. E Percy sempre tentou amizade comigo, não sei se por querer realmente ser meu amigo ou por culpa por toda a história com Bianca, mas durante a missão eu acabei cedendo um pouco. - Ele coçou a cabeça e cruzou as pernas. - Bem, durante os três anos que se passaram eu até pensava, de vez em quando, em sair daqui. Conhecer o mundo ou qualquer coisa do tipo. Mas acho que me acostumei com a rotina. E, de uma semana pra cá, eu não seria nem louco de sair daqui. - E ele me lançou um olhar estranho. Seus olhos me encaravam firmemente, insinuando algo. Espera, o que aquela frase significava? Então seu olhar mudou para malícia quando comecei a entender. - E depois que você volta de uma missão que salvou não só o acampamento, mas todo o planeta, você passa a ser considerado um herói que merece total atenção. Principalmente das garotas. Então acho que eu não sairia daqui nem que quisesse, elas não deixariam.

Minha voz foi parar no estômago porque eu fiquei em silêncio total. Acho que não esperava por isso. Sinceramente eu deveria, mas não esperava. Quando Nico percebeu minha total falta de expressão, me olhou confuso.

– O que foi?

– Hã, nada. Não sei, acho que só não esperava conhecer esse seu lado “pegador”. Quer dizer, eu não tinha nem ideia de que ele existia. Até porque no livro...

– CHEGA! Eu não sou o mesmo do seu livro idiota! Eu mudei. - Ele gritou tão alto que me fez encolher e alguns pássaros voarem rapidamente das árvores. - Não sou mais aquele garoto imaturo e sentimental. Então é melhor você parar de me comparar com ele!

– É. Eu fui uma idiota por comparar os dois. Vocês não tem nada a ver. Ele é solitário, mas tem sentimentos. Ele sabe amar mesmo que não demonstre. - Eu me ergui, ajeitando a saia, enquanto Nico fazia o mesmo sem parar de me encarar raivoso. Minha raiva crescia mais e mais, meu dedo atingia seu peito com veracidade. - Você não! Você só sabe sair por ai pegando garotas, mas não ama nenhuma delas de verdade. Por isso aquele garoto imaturo e sentimental do livro é cem vezes melhor do que você!

– Para que serve o amor senão para machucar as pessoas? Aquele garoto era mil vezes mais tolo do que eu por achar que poderia continuar amando mesmo tendo perdido todos aqueles com quem se importava. - Nico cuspia as palavras com amargura enquanto segurava meu braço com brutalidade. - Eu amava minha mãe e o que aconteceu? Eu amava Bianca e o que aconteceu? Eu amava... - Ele suspirou olhando o chão. - Não importa. Eu decidi acabar com o amor porque ele estava acabando comigo.

– O amor não é uma maldição! Você tem que entender isso. Não pode desistir assim. Você é forte. Do que tem tanto medo? A morte da sua mãe não foi culpa sua, nem a da sua irmã. - Eu respirei fundo e segurei seu braço antes de completar. - E amar o Percy não é algo que você pode controlar. Também não é culpa sua.

No final, aquilo foi uma péssima coisa a se dizer. Quando ergui a cabeça novamente só consegui sentir a mão de Nico circundar o meu pescoço. Ele avançou, me prendendo entre ele e a rocha. O aperto em meu pescoço aumentava cada vez mais enquanto eu apertava o pulso dele numa tentativa falha de fazê-lo me soltar. Quando olhei em seus olhos suas orbes continuavam negras e furiosas, porém uma fina linha vermelha contornava sua íris, um estranho detalhe que não estava ali antes. Mas não tive tempo para pensar claramente sobre isso pois Nico apertou mais meu pescoço contra a rocha, me deixando totalmente curvada sobre a pedra, e falou tenebrosamente:

– Eu não o amo. Eu não amo ninguém. O amor é uma fraqueza que eu não tenho. Diferente de você, uma garota fraca e imatura que acha que pode chegar e dizer o que eu devo ou não sentir. Você não é minha dona. Você não é nada para mim.

Aquelas palavras doeram tanto quanto o aperto em meu pescoço. Eu não tinha mais forças para lutar. Não só pela tontura que a falta de ar começava a causar, mas também porque aquelas palavras me desestruturaram. O oxigênio se esvaia de mim pouco a pouco e num último momento de consciência eu sussurrei:

– Nico... por... por favor...

E o ar voltou como mágica.

Aquelas poucas palavras bastaram para a mão em meu pescoço afrouxar até estar completamente longe dele. E, antes de cair sentada no chão, eu pude ver a linha vermelha estranha sumir dos olhos de Nico. Sua expressão furiosa mudou para confusa enquanto ele balançava a cabeça, meio zonzo. Eu continuava com as mãos no pescoço, tentando tirar a vermelhidão que deveria dominar o local, ainda sem entender o que havia acontecido. Quando Nico pareceu normal e me viu sentada no chão totalmente devastada, uma preocupação arrebatadora tomou seus olhos. Ele havia lembrado de tudo o que fizera.

– Swan, eu... eu... não era eu. Eu nunca faria isso. Me perdoa. Eu não sei o que deu em mim... eu...

– Nico, depois... depois a gente conversa... por favor.

Eu continuava ofegante e Nico tinha uma culpa no olhar devastadora. Queria segurar suas mãos e dizer algo para acalmá-lo, que estava tudo bem. Mas não estava tudo bem. E eu não podia mentir sobre isso. No fim, a culpa era dele. Nico tentou se aproximar de mim, até estendeu a mão, mas dispensei e me levantei em um salto, adentrando a floresta em direção a praia. Ainda pude ouvir meu nome sendo chamado por sua voz preocupada, mas não conseguia voltar. Não conseguia nem ao menos olhar para trás. Não parei de andar e, quando me dei conta, estava correndo para ganhar mais distância da clareira. E enquanto eu corria ofegante e sentia algumas lágrimas salgadas contornarem minha boca, tentando desviar de galhos e folhas, duas perguntas não saíam de minha mente: O que aconteceu com Nico di Angelo e o que a estranha linha vermelha em sua íris tinha a ver com isso?




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Notas finais do capítulo

Então, mais de 6000 palavras devem me fazer ser perdoada hehehe
O que acharam? Ainda vem muita coisa por aí, mas um pouquinho de mistério é sempre bom
Mil bjux e até logo!



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