Malditos Cromossomos escrita por Felipe Arruda


Capítulo 5
Esqueletos no armário




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Samuel olhou para o curativo em seu pescoço através do reflexo no espelho do banheiro. O banheiro do quarto de Bruno era grande e bem iluminado. As cerâmicas eram brancas e a bancada era toda de mármore. O Box com o chuveiro ficava dentro de uma caixa grande de vidro e próximo as grandes janelas estava uma banheira.

O garoto sentou em cima da tampa do vazo sanitário e cobriu o rosto com as mãos. Ele havia acabado de desligar o celular amarelo e a conversa que ele havia acabado de ter com Bruno ainda estava fresca em seus pensamentos.

— Droga... – Murmurou Samuel. – Aonde eu vim parar?

Na tarde anterior, após o gêmeo malvado ter atacado Samuel no Shopping, o garoto desmaiou e foi levado a um hospital particular e caro para cuidar do ferimento em seu pescoço.

O ferimento não havia sido nada de mais, apenas um arranhão feito com uma lâmina afiada. O médico receitou um remédio para dor e instruiu Samuel a não se esforçar muito, o que por um lado foi bom, pois ele pode matar o primeiro dia de aula.

A polícia veio investigar o caso. Eles queriam saber quem era o estranho que havia tentado matar o filho de um homem influente. Samuel disse apenas que não sabia quem era porque o estranho usava uma máscara, ele certamente não iria falar sobre o sujeito ser idêntico a ele ou ao Bruno, então resolveu mentir.

Agora, saindo do banheiro e entrando no quarto amplo e luxuoso de seu sósia, Samuel queria era dar o fora daquela loucura em que se encontrava. Quando ele havia pedido para que sua vida tivesse um giro de trezentos e sessenta graus, ele não imaginou que iria encontrar gêmeos, sendo um deles um psicopata sinistro, ser perseguido em um shopping Center e nem ter de voltar ao colegial.

Da próxima vez— pensou ele – eu vou pedir um Playstation.

O quarto de Bruno era grande e moderno. A cama de casal tinha o colchão mais sensacional do mundo e ficava no centro do quarto. A cima da cama estava uma prateleira de vidro repleto de livros e Box de séries de TV. Na parede onde se localizava a porta do quarto havia uma bancada com um computador novo e uma TV de sessenta polegadas ficando bem de frente a cama. Na parede do lado direito se localizava o closet e a porta do banheiro, já na parede do lado esquerdo estavam grandes janelas de vidro que davam para uma sacada com vista para o fundo da casa. No chão estava um carpete macio que parecia massagear os pés quando se andava descalço sobre ele.

Samuel escutou a voz de George no corredor e num impulso foi até a porta entreaberta do quarto onde viu o homem dentro de um terno preto e bem passado falando ao celular.

— Ele está bem – disse George num tom de cautela. – Nós sempre cuidamos bem dele. – Agora seu tom de voz era de irritação. George suspirou. – Ele disse que não viu quem era...

O homem de terno fez menção de se virar em direção à porta do quarto de Bruno e num gesto rápido Samuel se jogou na cama pegando um livro qualquer da prateleira. George entrou no quarto, ele já não falava mais ao celular e exibia um sorriso largo nos lábios.

— Só me certificando que você está bem. – Ele ficou parado no vão da porta com os braços cruzados sobre o peito.

Samuel olhou para o homem e deixou o livro de lado. Se George fizesse qualquer pergunta sobre o livro para ele, as coisas ficariam no mínimo interessantes.

— Estou bem – disse o garoto sentando na beirada da cama. Ele sustentou o olhar de George. Um olhar que parecia desconfiado, como se ele suspeitasse de algo muito errado, algo fora do lugar. – O que foi? – O olhar estava deixando Samuel desconfortável.

— Tem certeza que você não viu quem te atacou ontem? – A voz de George era séria e alta de um jeito natural.

Samuel engoliu em seco.

— Sim – disse ele. – Tenho certeza. – Ele balançou a cabeça. – Eu não vi quem me atacou. Como eu disse, a pessoa usava uma máscara.

George relaxou os ombros e aliviou a tensão do olhar.

— Você ficou em casa hoje – disse ele – mas amanhã você vai para o colégio. – Em seguida o homem andou até onde Samuel estava sentado e colocou a mão pesada em seu ombro. – Não se preocupe com o que aconteceu. A polícia acaba de me ligar dizendo que já estão numa busca frenética pelo seu agressor. 

O peso da mão de George em seu braço parecia ter uma tonelada naquele instante. Aquilo seria uma espécie de teste? E se George sabia que quem o atacou era um homem, saberia ele que o homem era idêntico ao filho dele? Pior ainda: saberia George que Samuel não era o filho dele?

— O que vai acontecer quando o encontrá-lo? – Perguntou Samuel com a voz oscilante.

— Provavelmente irá preso. – Disse ele. – Não se preocupe. Já tem gente cuidando disso. – Os olhos dos dois estavam firmes e nenhum deles ousou piscar naquele momento.

Samuel passou a língua pelos lábios.

— Que bom... – As palavras quase não saíram de sua boca.

George tirou a mão do ombro de Samuel e andou em direção à porta do quarto, se virou e sorriu para o garoto estático na cama.

— Não se preocupe. Esse bandido não vai mais nos incomodar. – Em seguida George saiu e fechou as portas atrás de si.

Samuel se jogou na cama respirando com dificuldade. Ele sabia que havia algo de muito errado com aquela história. Era muito improvável que um homem tão influente e rico como George engoliria uma historinha tão meia boca como aquela o que só podia significar uma coisa: George sabia da verdade. Se não da verdade, pelo menos de uma parte dela.

♦♦♦

Quando Bruno desceu as escadas e pisou na cerâmica branca com riscos que pareciam um esfumaçado estranho, ele sentiu um nó se formar no estômago. Um pouco era devido à ansiedade, ter que trabalhar com um garoto fingindo conhecê-lo não era uma tarefa fácil. Mas ele também não parava de pensar na história da caixa preta e em como sua vida toda era uma grande mentira.

Que bosta— pensou ele indo até ao balcão onde encarou um garoto um pouco mais alto do que ele escorado no balcão.

— Samuel! – Disse Adair com exclamação quando o encontrou. – Luan já está aqui e eu já expliquei mais ou menos como as coisas funcionam. – Num canto, em baixo de uma prateleira havia uma escrivaninha com uma cadeira estofada. Adair pegou o boné em cima da cadeira e o colocou na cabeça. – Já vou! – Dizendo isso lançou um sorriso e um olhar amistoso para os garotos e saiu pela porta da frente.

Bruno engoliu a saliva da boca ciente de que aquele gesto havia feito um barulho estranho, já que Luan olhava seriamente e fixamente para ele. Bruno encarou os olhos castanhos do garoto e permaneceu em silêncio. Luan era robusto e tinha ombros largos. Os braços eram fortes e estavam expostos graças à camiseta de manga curta que ele usava. O cabelo era raspado e havia uma barba por fazer em seu rosto.

— Oi – disse Bruno se aproximando do balcão. Ele pegou uma banqueta de madeira e sentou de frente a Luan. – Seja bem vindo. – Bruno se arrependeu de ter dito aquilo assim que as palavras saíram de sua boca. Ele estava nervoso. Tanto ele quanto Luan. O clima entre os dois parecia tenso e pesado. Bruno entendeu que havia algo bem mais sério e bem mais fundo entre Luan e Samuel e sem muito esforço ele concluiu que Samuel não havia dito tudo sobre a relação, nem tão amigável, dos dois.

— Obrigado...? – Disse Luan com um ar de riso nervoso. Ele olhou para dois catálogos em cima do balcão. – Seu pai disse que os preços dos produtos estão aqui nesses catálogos. – Ele olhou para Bruno e em seguida desviou o olhar para a pilha de pneus do outro lado da loja. – Mas ele disse que minha função é trocar os pneus e coisas do tipo.

Bruno fez que sim com a cabeça, mesmo não tendo ideia do que ele mesmo faria ali já que não entendia nada de pneu e menos ainda de peças de carro.

Num dos encontros na biblioteca, antes da troca, Samuel disse que sua função na loja era mais de serviço de banco e auxiliando seu pai, mas agora que Adair estava trabalhando em um alinhamento de carros, tudo ficariam por conta de Samuel, nesse caso: de Bruno.

Adair tinha um amigo, um homem chamado Eder que havia feito uma cirurgia e que estava de cama, e que pediu para Adair cuidar dos serviços do Alinhamento para ele nesse período de recuperação. Como Adair sabia fazer o serviço, os dois entraram em um acordo e o pai de Samuel aceitou a proposta.

— Está tudo bem para você? – Perguntou Luan ainda encostado no balcão. A pergunta fez Bruno voltar do mundo de seus pensamentos conturbados para a vida real. – Tudo bem em eu trabalhar aqui depois de tudo o que aconteceu?

Bruno gelou e perguntou automaticamente.

— O que aconteceu? – Luan ergueu uma das sobrancelhas não tendo muita certeza se o garoto a sua frente falava sério. Bruno estava certo em relação aquilo, havia algo a mais entre Luan e Samuel e ao que tudo indicava não era algo muito bom.

— Você sabe – disse ele com um tom de voz cauteloso. – No ano retrasado quando pegaram seu diário... – Bruno continuava fazendo cara de paisagem.

Meu Deus!— Pensou ele. – Como assim o Samuel tinha um diário? Quantos anos ele tem? Doze?

— Você sabe que fui eu quem espalhou as cópias do seu diário pelo colégio. – Disse Luan constrangido. Ele estava claramente desconfortável com aquilo e continuou depois de um suspiro. – Quando eu li que você gostava da Clara eu só pensei no quanto eu podia me divertir com a situação.

Bruno ainda estava estático e agora de queixo caído.

— Olha só – disse Luan. – A gente não precisa falar sobre isso ou revirar esse monte de bosta do passado...

— Não! Precisa sim! – Disse Bruno interrompendo Luan. Ele estava um pouco eufórico de mais em relação ao constrangimento do garoto. – Eu quero saber mais sobre esse diário, continue.

O garoto pareceu confuso por um momento e fixou os olhos numa pilha de pneus. Depois de meio minuto de reflexão, Luan falou:

— Eu sabia que a Clara gostava de mim – disse Luan com aquele tom de voz que demonstrava arrependimento sobre qualquer coisa que ele tenha feito e que Samuel não contou em nenhuma das reuniões da biblioteca ou na última conversa que eles tiveram ao celular. – Quando eu transei com ela, tudo o que eu conseguia pensar era que precisava te atingir com aquilo. – Ele fez mais uma pausa e concluiu. – Eu precisava zoar você ainda mais do que eu já zoava.

CA-CE-TA-DA!— Pensou Bruno com uma euforia que estava quase saindo por seus olhos arregalados. – Isso está ficando bom!

— Então eu filmei a transa e postei na internet só para te mandar o link... – Luan parou de falar e encarou os pés.

Eu to tremendo Rosana!— Pensou Bruno. Ele estava tão estático que poderia cair no chão facilmente e a qualquer momento.

Bruno se lembrou das últimas palavras sobre Luan que Samuel havia dito a ele pelo celular: É o Luan. Nós nos conhecemos apenas de vista. Ele é um ano mais velho do que eu, se formou no colegial antes de mim e namorou a menina que eu gostava. Nós não somos amigos. O mau humor estava bem explicado agora.

Bruno encarou o rosto de Luan. Os raios de sol que entravam pela porta fizeram seus olhos brilharem quando ele o encarou.

— Eu coloquei a porra do vídeo na internet – continuou ele – te mandei o link e acabei com a vida da Clara. – Ele colocou as duas mãos sobre o rosto. – Do que adiantou tudo aquilo? – Bruno não respondeu, principalmente ao perceber que ele fazia aquela pergunta a si mesmo. – Depois do inferno que virou a vida da Clara tudo o que ela conseguiu fazer foi se mudar de cidade... – Ele tirou as mãos do rosto e revelou uma lágrima. – As pessoas me odeiam até hoje por isso... e eu não as culpo...

Bruno ficou um pouco desconcertado com aquilo. Ele não tinha ideia de como agir numa situação como aquela. Tudo o que ele sentia vontade de fazer era abraçar Luan até que ele chorasse tudo o que tinha para chorar. Até que ele lavasse a alma e se livrasse de todas as mágoas de seu peito.

— Depois que eu terminei o colegial – continuou Luan. – Ninguém queria dar emprego para o garoto que filmou a primeira vez da namorada e colocou na internet... – Ele suspirou. – Então eu fui para o exército onde fiquei por um ano.

Exército— pensou Bruno. Aquilo explicava a cabeça raspada e o corpo forte. Treinamento militar não era algo fácil, nem parecia ser divertido.

— E eu nunca tive a chance de te pedir desculpas. – Ele desviou o olhar para um ponto qualquer com o rosto vermelho de vergonha e constrangimento. – Eu nem sei por que eu fiz tudo aquilo.

Bruno pegou na mão de Luan em cima do balcão. Foi num gesto rápido e sem pensar, mas quando ele percebeu já era tarde.

— Eu sou o Samuel – disse Bruno com a voz fraquejando, o coração dele batia de uma forma acelerada o que era estranho. Luan pareceu confuso. Ele manteve a mão imóvel e a quentura da pele de um sobre a outra fazia Bruno querer rir. – O passado fica no passado a partir de agora. O que foi feito está feito e não é saudável ficar remoendo mágoas antigas. – Bruno estava ofegante e Luan tinha os olhos brilhantes. – Eu superei isso e você também superou. Vamos começar do zero. – Uma lágrima caiu do olho de Luan. – Eu e você.

Luan riu e enxugou o rosto com a mão livre e em seguida a repousou sobre a mão de Luan em cima da dele.

— Obrigado. – Disse ele. Seus olhares se fundiram. – E, por favor, não conte pra ninguém que você me viu chorar. – Os dois riram e uma sensação quente e confortável se formou entre os dois. Era uma sensação que fazia Bruno se sentir em casa.


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Notas finais do capítulo

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