Malditos Cromossomos escrita por Felipe Arruda


Capítulo 6
A agenda




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— Não era um diário! – Disse Samuel irritado. – Era um caderno de pensamentos! – Já se passava das onze horas da noite e Samuel estava atirado na cama usando apenas cuecas. Ele já estava ao celular com Bruno há dez minutos.

Bruno havia ligado para ele justamente para perguntar se a história do diário procedia. E por mais que doesse Samuel admitir, sim. A história procedia em seu âmbito mais doloroso.

Quando Samuel estava no segundo ano do ensino médio, ele se apaixonou por uma garota da sua sala, uma menina chamada Clara que era pateticamente apaixonada por Luan, como todas as outras garotas do colégio eram.

Samuel era tímido de mais, inseguro de mais e inexperiente de mais nesses assuntos amorosos, quais ele não gostava de falar com ninguém sobre. Então, ele decidiu escrever uma carta para a Clara se declarando. Mas lhe faltou coragem para entregá-la. Ele começou a escrever num caderno velho diversos textos, em alguns ele se declarava para a garota claramente e em outros ele só expressava através das palavras os sentimentos oprimidos que sentia por ela.

Certo dia ele esqueceu o caderno na sala de aula e um dos garotos que estudava com ele e que era amigo de Luan encontrou os escritos e mostrou para ele, que tirou cópias das páginas e distribuiu pelo colégio inteiro. Aquela cena ele jamais esqueceria: Samuel entrando no colégio e todos olhando para ele e rindo. Os alunos seguravam folhas nas mãos, folhas que estavam de mão em mão e até jogadas pelo corredor. Quando ele se abaixou e viu do que se tratava tudo o que mais queria era que um portal do outro mundo se abrisse ao lado dele e o engolisse para qualquer galáxia distante, mas aquilo não aconteceu e ele teve que se contentar em passar um período inteiro dentro de um Box do banheiro chorando baixinho de raiva e vergonha.

Clara ficou extremamente constrangida por ser o alvo da paixão de um garoto estranho e solitário e passou a esnobá-lo ainda mais do que de costume. Samuel se sentia péssimo sempre que encontrava com o olhar furioso dela sobre ele e queria morrer sempre que a ouvia dizendo para os amigos que ele precisava de tratamento, que era doido, maníaco e que tinha pena dele.

O ápice de toda a história foi quando ele recebeu por e-mail o vídeo da transa de Clara e Luan, aquilo foi como um soco bem dado da vida em sua cara. A princípio os outros alunos pararam de perturbar Samuel pelas páginas de seu caderno de pensamentos e decidiram azucrinar a vida da menina que teve a primeira vez exposta na internet. Clara não aguentou a pressão e se mudou de cidade enquanto a reputação, já não muito boa, de Luan descia por água abaixo. Ele tentou tirar o vídeo do ar, mas uma vez na internet, para sempre na internet.

Luan se formou naquele mesmo ano no ensino médio enquanto Samuel se formou um ano depois, mas mesmo assim ele era o garoto das paixões platônicas, continuava estranho, solitário e detestando o ensino médio.

— Eu preciso desligar – disse Bruno do outro lado da linha.

— Você ainda não me disse que trilha é essa que você está seguindo. – Disse Samuel levemente irritado. Ele olhava para o teto fixamente como se algo surpreendente pudesse acontecer a qualquer momento. – O que você sabe que eu não sei?

Bruno oscilou do outro lado da linha. A conversa teve uma pausa de alguns segundos e Samuel percebeu na hora que havia algo de errado ali.

— Nada concreto. – Respondeu Bruno depois de um suspiro cansado. – Mas você me deu uma semana para descobrir o que está acontecendo e eu vou descobrir. – Ouve uma pausa e Samuel percebeu que havia um tom bem determinado na voz de seu sósia. Ele resolveu então não fazer mais perguntas sobre aquela trilha. – Boa sorte amanhã no colégio. – Disse Bruno estragando com o resto do humor de Samuel.

— Obrigado... – Murmurou Samuel entre dentes. Ambos desligaram o celular depois daquilo.

♦♦♦

O colégio Cataracts Elite Way era um prédio gigantesco de dois andares, com jardins, ginásio de esportes, quadras de esporte ao ar livre e piscina aberta e coberta. Além das coisas habituais de um colégio normal. Samuel atravessou duas grandes portas de vidro e entrou num enorme saguão onde vários alunos andavam de um lado para o outro.

O corte em seu pescoço já não precisava mais de curativo e ele não tinha nada que pudesse justificar uma ausência no colégio. Então depois de ser acordado por uma empregada e de ter tomado o café da manhã sozinho, Amador o deixou em frente ao colégio dizendo que o buscaria quando a aula acabasse ao meio dia.

Samuel olhou irritado para o papel em suas mãos que indicava que a sua sala era a de numero 112. Estou ferrado – pensou ele parado a três passos da porta que saia para o pátio.

O uniforme era algo a parte que o irritava ainda mais. Era composto por uma camisa branca de botão, um blazer e uma calça social azul marinho e um sapato preto. As garotas ao seu redor usavam o mesmo, só que ao invés de calça era uma saia da mesma cor e botas abaixo dos joelhos. Porém, o que mais irritava Samuel naquele uniforme tosco era a gravata de seda da mesma cor do blazer. Ele se sentia sufocado com aquilo fazendo a volta ao redor de seu pescoço.

Isso por um acaso virou um episódio de Rebelde?— Pensou com ironia.

Ele deu uma rápida olhada ao redor. O saguão amplo e iluminado estava cheio de jovens que andavam de um lado para o outro. Num banco de madeira, próximo ao grande painel vermelho com recados pregado nele, havia um casal se beijando sem displicência alguma. Era completamente visível o menino enfiando a língua na boca da menina. O piso era branco e a sua frente estava uma enorme escadaria que subia em zigue-zague para o segundo andar. Olhando para cima, Samuel percebeu algumas meninas olhando para ele e soltando risinhos indiscretos.

Eu devo estar parecendo um imbecil parado aqui no meio.— Pensou ele.

— Ei! – Disse uma voz feminina se aproximando dele. Samuel virou e encarou uma garota baixa, loira e sorridente. – Você parece perdido. Precisa de ajuda?

Samuel sorriu.

— Na realidade – disse ele – eu não tenho ideia de onde fica a minha sala... – A garota se aproximou ainda mais dele e deu uma olhada na folha que ele segurava. Ela cheirava a um perfume doce.

— Ah! – Ela começou a rir baixinho. – 112 é a sua turma, não a sua sala. – Samuel pareceu um pouco constrangido. – Aliás, é a mesma turma que a minha. – Ela sorria com os olhos. – Sou Helena a propósito.

A garota estendeu a mão.

— Sou o Bruno. – Disse o garoto apertando a mão pequena, delicada e macia de Helena. – Bruno Dylan Cooper.

Helena ficou em silêncio por alguns segundos apenas encarando Samuel nos olhos. Ela continuava com um sorriso doce nos lábios e suas mãos continuavam unidas no cumprimento.

— Prazer em te conhecer... – Disse Samuel sentindo o rosto enrubescer. Ele soltou da mão de Helena e ela continuou sorrindo para ele. O garoto percebeu cada traço do rosto dela. Os cílios longos, a boca delicada e as sobrancelhas desenhadas sobre os olhos verdes. A pele clara, o queixo na simetria do rosto, o rosto em forma de coração. Os cabelos presos num rabo de cavalo, uma mecha rebelde caída por cima da orelha, a orelha pequena e redonda com um brinco verde e discreto.

Samuel não pode deixar de notar no botão aberto maliciosamente em cima dos seios e no decote em formato de V que a camisa de botão dela tinha. Ele discretamente notou as coxas bem torneadas e a posição que os pés dela faziam quando ela estava parada. Parecia loucura, mas Samuel podia jurar que ela não combinava com o perfil dos outros alunos. Ela parecia tão madura. Pelo menos fisicamente. Ele não sabia quando anos ela tinha e se estava na mesma turma dele devia ter no máximo uns dezoito anos, mas aparentava ter mais.

— Bem – disse ela quebrando o silêncio que havia se formado entre os dois. – O colégio não tem nenhum comitê de boas vindas, então... Seja bem vindo. – Ela deu de ombros rindo.

Samuel registrou bem aquele sorriso. Era acolhedor e quente. Um sorriso capaz de preencher céus e mares. Era confortante e ao mesmo tempo um convite para dar um simples pulo num abismo. Era o tipo de sorriso que te fazia sorrir automaticamente.

— Obrigado – disse Samuel se sentindo bobo de repente. A mochila em seu ombro começou a pesar de mais e ele não sabia onde enfiar os braços e muito menos para onde olhar. Será que ela podia ouvir o coração dele batendo de uma forma boba e acelerada?

— Sabe – disse Helena – ontem você perdeu o primeiro dia de aula. Não perdeu muita coisa, exceto por uma tese... em fim, topa tomar algo comigo hoje a tarde? – Perguntou ela colocando a mecha de cabelo rebelde por detrás da orelha. – Assim já te informo sobre tudo e te passo a lista com os horários das aulas e tal...

Samuel nem pensou duas vezes.

— Claro. – Disse ele. Ele sabia que iria até o inferno se ela pedisse.

♦♦♦

— Droga! – Disse Luan colocando o celular no bolso. Já era quase meio dia e ele e Bruno se preparavam para fechar a loja e fazer a pausa para do almoço.

— O que foi? – Perguntou Bruno fechando o notebook, ele havia passado boa parte da manhã jogando paciência no computador já que não tinha ideia do que fazer na loja. Ele se perguntava até quando aquilo daria certo.

Luan encostou-se ao balcão e olhou para Bruno.

— Acabei de levar um fora. – Disse o garoto frustrado. Bruno se aproximou e sentou na banqueta deixando apenas o balcão separando os dois. – Eu convidei uma garota para assistir a banda de um amigo meu tocar num bar aqui perto e ela acaba de me mandar uma mensagem dizendo que não está a fim. – Luan bufou o ar lentamente pelos lábios fazendo uma careta.

— Que chato... – Disse Bruno.

Por um minuto a única coisa que Bruno conseguiu fazer foi encarar uma pilha de pneus do outro lado da loja. Ele não sabia o que podia dizer para o Luan se sentir melhor já que ele nunca havia levado um toco antes, tudo porque ele nunca havia saído com ninguém.

Luan respirou profundamente e logo em seguida olhou fixamente para Bruno que começou a ficar envergonhado com aquele olhar tão penetrante.

— O que foi? – Perguntou ele passando a mão pelo nariz. – Estou com o rosto sujo?

Luan riu.

— Não é isso. – Disse ele. – Mas acho que você ia curtir o som dos caras. – Ele apontou para a camiseta de Bruno. – Você curte Rock and Roll, então vai curtir a banda.

Bruno olhou para baixo e encarou a estampa que ficava de ponta cabeça em seu campo de visão. A camiseta era de uma banda chama The Pretty Reckless e tudo o que ele sabia sobre a banda era que a vocalista, Taylor Momsen, havia feito Gossip Girl, uma de suas séries de TV e livros, favoritas.

— É... – Disse Bruno com um sorriso amarelo nos lábios. – É muito provável que eu goste da banda desse seu amigo...

Ele sabia que não ia gostar. Bruno não apreciava muito rock ou música barulhenta. Ele era mais fã de Blues e Indie, mas sabia que Luan nunca entenderia se ele explicasse o quão feliz Lana del Rey podia ser em sua profunda melancolia.

— Então te pego as sete? – Perguntou Luan sorridente.

Bruno sorriu e fez que sim com a cabeça. Depois lentamente parou para raciocinar sobre o que Luan estava falando. Ele pareceu confuso por um momento. Suas costas começaram a reclamar de sua posição naquela banqueta.

— Que? – Perguntou Bruno.

— Eu te pego as sete. – Disse Luan. – A gente vai com o meu carro. – Silvana entrou pela porta da frente e preencheu o ambiente com a sua presença. – Eu já vou – disse Luan, ele olhou para Bruno – depois a gente combina tudo, certo?

Antes mesmo de Bruno responder, Luan saiu da loja e andou pela calçada até atravessar a rua. Bruno seguiu cada movimento dele com os olhos.

— Certo. – Murmurou ele com o coração acelerando.

Bruno ficou olhando Luan andar pela calçada até que ele dobrou a esquina e sumiu de seu campo de visão. Depois de um suspiro, lembrou que estava sozinho.

Naquela manhã, Amélia havia dito que não iria vir almoçar em casa. Silvana estava com uma virose e não conseguiu ir à escola. Ela então foi cuidar da menina na casa dela, já que a mãe da Silvana trabalhava o dia inteiro. Adair também não viria almoçar em casa já que a loja do amigo dele ficava distante e ele passaria mais tempo no caótico trânsito do meio dia do que em casa. O combinado foi que Bruno almoçaria fora naquele dia.

Bruno foi até a escrivaninha pegar o dinheiro para o almoço e notou que a última gaveta parecia estar entreaberta. A gaveta era a maior das três e levava uma fechadura que podia ser trancada e destrancada por uma chave.

Bruno tentou fechar a gaveta, mas ela estava emperrada. O garoto tentou então abrir, mas a gaveta não se movia. Bruno usou um pouco de força e jeito até que a gaveta abriu por completo e revelou uma pequena caixa encapada com um papel preto.

Bruno sentiu uma euforia enorme e toda a fome que ele, há segundos atrás, sentia parecia ter evaporado no espaço.

— O que é isso? – Perguntou a si mesmo com os olhos fixos na pequena caixa. Bruno rapidamente sentou na cadeira e colocou a caixa na escrivaninha. Ele abriu a tampa com cuidado e encontrou uma agenda de couro.

Bruno começou a folhar a agenda e se deu conta de que havia encontrado muito mais que uma simples trilha com pistas sobre ele e Samuel.

 


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Notas finais do capítulo

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