Malditos Cromossomos escrita por Felipe Arruda


Capítulo 3
Livre e espontânea vontade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/518724/chapter/3

Samuel estava se sentindo estranho com aquele corte de cabelo e odiando aquelas roupas caras e sem personalidade que o Bruno usava. Ele realmente não usaria um corte de cabelo daqueles por livre e espontânea vontade.

Ainda na mesma tarde, após sair do salão de beleza com um corte de cabelo novo, Samuel pediu para o motorista, um homem alto, robusto e sério chamado Amador, que usava um terno chique, para que o levasse para casa. No caminho, Samuel sentiu um frio estranho na barriga. Era o mesmo frio que ele havia sentindo da vez em que foi descer numa montanha russa pela primeira vez. Não era algo que ele julgasse ruim, estava mais para uma dose frenética de adrenalina em suas veias.

O carro seguiu por uma ladeira, num bairro chique, quando o motorista fez uma rápida e brusca freada com o carro. Samuel que estava sem o cinto de segurança, foi para frente com o impacto da freada e bateu a testa na parte de trás do banco do motorista.

— Maluco! – Gritou Amador apertando a buzina freneticamente para que alguém saísse da frente do carro.

Quando o carro voltou a andar, Samuel olhou para trás a tempo de ver uma figura estranha usando uma roupa preta com direito a casaco com capuz na cabeça. Samuel imaginou o quanto aquela figura deveria estar sofrendo com o calor dentro daquela roupa. Porém, o mais estranho era que seu rosto estava coberto por uma máscara de ovelha. Não havia como distinguir alguém com aquela máscara no rosto.

— Desculpe por isso senhor. – Disse Amador olhando para Samuel pelo espelho retrovisor. O carro dobrou uma esquina e o sujeito estranho saiu do campo de visão de Samuel. – Esse maluco atravessou a minha frente e eu quase bati nele.

Samuel encarou os olhos de Amador pelo retrovisor. Os olhos castanhos do homem pareciam suplicar por desculpas. Eles tinham um brilho estranho, do tipo que sabe que vai ser punido por algo que não deveria ter feito.

— Sem problemas – disse Samuel sorrindo. Ele notou que os ombros rígidos de Amador se aliviaram no banco do carro. – E, por favor, não me chama mais de senhor.

Amador pareceu confuso.

— Mas foi o senhor mesmo que pediu para que todos se referissem assim quando fosse visto por nós. – Samuel notou que ele estava tendo dificuldade para manter aquela conversa no tom formal e era perceptível o constrangimento em seu tom de voz.

— Esquece isso – disse Samuel rindo. – Eu estava drogado. – O carro entrou num condomínio que Samuel só conhecia pela TV por pertencer à classe A da cidade e seguiu até parar em frente a um enorme portão que se abriu automaticamente.

Amador olhou confuso para Samuel.

— Drogado? – Perguntou ele.

Samuel riu.

— O que foi? – Perguntou ele encarando os olhos do motorista pelo retrovisor. – Nunca ninguém morreu por fumar um baseado. – Ele começou a rir e Amador deixou escapar um risinho enquanto chacoalhava a cabeça.

Espero que o Bruno não tenha uma reputação a zelar— pensou Samuel – porque eu estou acabando com ela.

— Tudo bem. – Disse o motorista. – A partir de hoje eu te chamarei apenas de Bruno Dylan Cooper.

Samuel estremeceu. Sua espinha gelou e ele achou que cairia duro no banco de trás do carro.

— PUTA MERDA! – Disse ele. Amador olhou assustado para o garoto sentado no banco de trás do carro. O carro havia estacionado ao lado de um gramado bem verde. A direita deles estava um enorme chafariz jorrando água para o alto. – Eu sou Bruno Dylan Cooper! – Exclamou Samuel.

Amador ficou olhando para o garoto por alguns segundos sem saber o que falar, até que disse por fim:

— Por um acaso, – seu tom de voz era cauteloso. – Você está drogado agora?

Samuel riu.

— Estou. – Disse ele seriamente. – Se contar pros meus pais sobre isso eu te demito. – Havia um tom de brincadeira em sua voz o que fez Amador rir.

Samuel saiu do carro e encarou a monstruosa mansão a sua frente. Bruno não havia citado que ele era filho de George Dylan Cooper o empresário magnata dono de centenas de lojas e imóveis pelo país e bem sucedido também no exterior.

Ele já havia ouvido falar sobre o império dos Dylan Cooper em revistas e em alguns noticiários, mas nunca havia pesquisado nada a fundo, se tivesse teria encontrado Bruno bem antes.

Samuel entrou pela porta da frente e parou no grandioso hall bem iluminado da casa e encarou as escadarias a sua frente que davam para dois corredores acima, um para a direita e um para a esquerda. Ele ficou encarando as escadas por um tempo, até que uma voz feminina preencheu o cômodo.

— Ai está você. – Samuel olhou para a mulher elegante a sua frente e a reconheceu da foto que Bruno mostrou na biblioteca. Aquela era Angelina, sua mais nova mamãe. – Seu pai e eu estávamos te esperando. – Ela não olhava para ele enquanto falava, seus olhos estavam vidrados num iPhone preto que piscava impacientemente.

Samuel notou que os cabelos loiros de Angelina estavam curtos exibindo um corte Chanel o que o fez perceber que a foto que Bruno havia mostrado a ele não era muito recente.

Angelina olhou para Samuel e ao perceber que ele se mantinha preso no mesmo lugar ficou impaciente.

— Vamos! – Disse ela com uma impaciência. – Nós não temos o dia inteiro! Vá colocar algo descente e rápido. – Angelina não parecia ser do tipo de mulher que falava duas vezes o que queria.

Samuel subiu rápido e entrou no corredor a direita. Ele olhou para Angelina parada nos pés da escada alisando a saia Cotton Chess. Quando os olhares de ambos se encontraram ela lhe lançou uma expressão impaciente e voraz.

— O senhor está bem? – Perguntou uma voz que vinha da sua frente. Samuel levou um susto com a mulher que havia se materializado a sua frente usando um uniforme doméstico num tom rosa bebê.

— Onde fica o meu quarto? – Sussurrou ele para a mulher. Samuel estava com medo de que Angelina pudesse escutar ele falar e ter mais um ataque.

A empregada olhou estranhamente para ele e apontou para uma porta grande no caminho do corredor. Notando a confusão no semblante da mulher, Samuel ergueu o nariz e falou no tom mais nojento que conseguiu.

— Parabéns... – disse ele sem saber direito o que estava fazendo. – Você... É... Acaba de... Hããããn... Passar no teste. – Ele desviou da mulher – Boa tarde. – Em seguida seguiu até a porta que a empregada havia indicado e entrou no quarto.

Já no quarto, Samuel pegou o celular amarelo e discou o único número salvo na memória dele. Depois de dois toques de espera Bruno atendeu.

— Olá Bruno Dylan Cooper! – Vociferou Samuel. – Isso é loucura! A gente precisa trocar de lugar de novo!

— Cala a boca! – Disse Bruno do outro lado da linha. Ele suspirou um pouco irritado. – Você está prestes a descobri o quanto a minha vida é divertida...

Samuel o interrompeu.

— Eu vou matar você! – Disse ele andando de um lado para o outro no amplo quarto de seu sósia. – Sua mãe, a dona esquentadinha, teve um ataque de pelanca e começou a gritar sobre eu estar atrasado para um compromisso que eu não tenho ideia de qual seja!

Bruno riu do outro lado da linha.

— Meu conselho para você é: use a roupa que está em cima da cama e sorria e acene. – Ao falar isso, Bruno desligou o celular dando por fim a conversa nada esclarecedora dos dois.

— Filho da mãe... – Sussurrou Samuel olhando para o terno em cima da cama.

♦♦♦

Bruno havia acabado de desligar o celular amarelo quando encontrou os olhos astutos de Silvana sobre ele.

— Tudo bem – disse Bruno erguendo as mãos para o alto como se pedisse redenção. – Você está certa, eu não sou o Samuel.

Os dois estavam na pequena cozinha da casa que era composta por uma pia branca que ficava ao lado de um armário pequeno embaixo da janela. Ainda na mesma parede estava um balcão de madeira com um forno elétrico em cima. Em outra parede havia uma grande geladeira branca com ímãs grudados nela quais, Bruno achou extremamente cafona.

A grande mesa de madeira com quatro cadeiras ocupava boa parte da cozinha e basicamente separava a geladeira do fogão. Na parede oposta à janela havia um único armário branco que ocupava quase toda a parede.

Bruno notou que Amélia era uma fã árdua de potes de plástico e tapetes de crochê. O garoto só estava em um cômodo da casa e já havia contado seis tapetes num total. Silvana estava encostada na pia onde acabará de colocar as sacolas do supermercado.

— Qual é o seu nome? – Perguntou a menina ainda o encarando com desconfiança.

Bruno estava um pouco aflito com aquela situação, mas achou melhor abrir logo o jogo. Quem sabe assim a garota não ajudava a desvendar aqueles mistérios que vinham o cercando?

— Meu nome é Bruno. – Disse ele depois de um longo suspiro. – Eu conheci o Samuel acidentalmente há algumas semanas e como você mesma pode constar, nós somos idênticos. – Silvana estava num profundo e absoluto silêncio. – A gente até parece irmãos gêmeos, não é? – Brincou ele.

— Mas não são. – Disse Silvana num tom de voz sério. Ela ficou pensativa por alguns segundos, mas decidiu não se manifestar. Bruno encarou a menina que usava um short jeans desbotado e uma camiseta branca com a estampa da One Direction. Era verdade que Bruno não havia sentido nem um laço maternal com a Amélia, mas alguma explicação lógica deveria existir para aquilo tudo.

— Como você tem tanta certeza disso? – Perguntou Bruno. – Digo... – Ele estava tentando escolher as palavras certas para não parecer mais rude do que era. – Como você sabe que nós não somos gêmeos?

Silvana andou em direção à porta da cozinha e olhou para a lavanderia que era onde as escadas que subiam da loja chegavam ao fim e após se certificar que ninguém subia, falou com a voz um tom mais baixo.

— Uma vez eu escutei a tia Amélia falando no celular com alguém... – começou ela. – Eu não entendi direito o que ela falava, mas eu ouvi claramente ela dizendo que o Samuel era como um presente... –  Silvana abaixou o tom de voz – o filho que ela nunca pôde ter. 

Bruno certamente teria caído no chão se ele não estivesse escorado no armário branco gigante.

— Então ela viu que havia escutado, tentou disfarçar, me levou pra tomar um sorvete e me fez prometer que eu nunca falaria sobre aquilo com ninguém para evitar um "mal entendido" - ela fez aspas com os dedos.

Bruno precisou de alguns segundos para assimilar tudo o que a garota havia dito. Aquilo certamente significava alguma coisa. Bruno e Samuel ainda podiam ser irmãos gêmeos, talvez ambos tivessem outra mãe. Uma mãe verdadeira que por algum motivo havia se separado de seus filhos.

— O Samuel sabe disso? – Perguntou Bruno um pouco aflito. O clima dentro da cozinha havia se tornado tenso e denso. Era quase possível apalpar toda a tensão que percorria o ar.

— Não. – Disse ela balançando a cabeça em negativa fazendo com que alguns fios de seu cabelo castanho ficassem desalinhados. – Eu sou boa em guardar segredos.

Bruno se agachou e quando seus olhos ficaram na altura dos dela ele pegou em uma de suas delicadas mãos.

— Você precisa me ajudar Silvana. – Disse ele com um tom de súplica tanto na voz quanto nos olhos. – Eu preciso que você guarde esse segredo também. – Ela não ousava piscar. – Eu e o Samuel precisamos entender o que nós somos... – Ele engoliu em seco. – Eu preciso da sua ajuda...

Silvana sorriu mostrando uma fileira de dentes brancos alinhados na parte de baixo. Sem mais delongas ela o abraçou.

— Eu te ajudo. – Disse ela ainda agarrada ao pescoço dele. Bruno ficou sem saber o que fazer por dois segundos. Ele não era desses que abraçava os outros com frequência. Na realidade ele nem lembrava qual havia sido a última vez em que alguém havia lhe abraçado. Um pouco relutante, ele abraçou Silvana e por um momento foi como se nada mais importasse. Não importava as respostas que ele não tinha, ou as perguntas complicadas que ele fazia mentalmente todas as noites, naquele momento ele sentia que pertencia a algo. Algo maior.

Quando Silvana desgrudou dele, Bruno levantou, mas não tirou os olhos dela.

— Como você sabia? – Perguntou ele. – Como você sabia que eu não era o Samuel?

Silvana abafou um risinho e revirou os olhos como se a resposta fosse a coisa mais obvia do mundo.

— O Samuel jamais usaria um corte de cabelo desses por livre e espontânea vontade. – Disse ela fazendo os dois rirem daquilo. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Deixe sua opinião nos comentários!