Malditos Cromossomos escrita por Felipe Arruda


Capítulo 10
Demétrio




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Samuel saiu do quarto ignorando a cama bagunçada e a embalagem de preservativo aberta em cima do seu criado mudo. Ele estava bastante curioso para saber com quem Bruno esteve, mas as respostas importantes estavam na sala da sua casa. Ele colocou uma camiseta de manga curta cinza e calçou um chinelo Havainas.

Na sala, sentados no sofá principal que ficava de frente a TV estava Amélia usando seu habitual jeans claro e uma blusa rosa. Encostado na abertura da porta que ia para a cozinha estava Bruno, olhando atentamente para Carlos e Alisson, ambos sentados no sofá de dois lugares que completava a perna do L que era o móvel.

Carlos era o de dreadlocks. Ele possuía uma inteligência sobrenatural. Após se formar no ensino médio aos quinze anos de idade, nem precisou ingressar numa faculdade, foi logo aceito como geneticista na Progênese em Curitiba. Já Alisson tinha os cabelos castanhos claros espetados. Possuía um olho verde e o outro azul. Tinha um pai policial e era um hacker de primeira. Não existia sistema que ele não conseguia invadir. 

Próximo à sacada estava Adair, ele permanecia encostado numa parede próximo a um balcão de vidro com retratos de família. Ele usava um jeans preto rasgado e uma camiseta de algodão da mesma cor, estava de meia e tinha um boné amarelo sobre a cabeça.

— Eu fazia parte de um grupo chamado Filadélfia, não era uma aldeia. Era apenas um codinome para identificar os membros do grupo. – Disse Amélia olhando para a mesa de centro da sala.

Bruno começou a tossir, mas logo parou. Samuel olhou para ele e ambos trocaram um olhar rápido sem falar nada.

— O grupo era formado por cientistas, militares, filantrópicos e até agentes do governo. Um membro em especial desse grupo havia desenvolvido um projeto chamado DNA. – Continuou Amélia. – Ninguém tinha certeza sobre o que aquilo significava, apenas que era um projeto que foi dividido em duas partes.

— Clonagem – respondeu Carlos. – O Projeto DNA era sobre clones em seres humanos. – Samuel havia acabado de ouvir aquilo no caminho enquanto se dirigiam para a casa dele. – A princípio parecia algo como um estudo genoma, sobre a contagem dos cromossomos e estudo de filamentos de DNA, mas eu acabei entendo que tudo fazia parte de algo maior quando, a passeio no Rio de Janeiro, fui assaltado e prestei queixa numa delegacia. – A voz de Carlos era rouca e grave.

Samuel notou que Bruno havia trocado o peso do corpo de uma perna para outra quando perguntou:

— O que isso tem a ver com esse projeto? – Bruno parecia irritado e casado.

— Foi assim que ele conheceu meu pai. – Disse Alisson. Todos voltaram o olhar para ele. Quando falava, Alisson deixava a solta seu sotaque carioca carregado de “s”. – Meu pai é da policia federal e por causa de uma confusão acabou indo até a delegacia onde encontrou o Carlos. – Os dois trocaram um olhar rápido. – Meu pai achou que nós fossemos irmãos, já que eu sou adotado. – Ele olhou para Amélia e depois para Samuel. – Ele vem me ajudando a descobrir mais sobre nós...

— E descobriu? – Perguntou Bruno.

Alisson fez que não com a cabeça.

— Não. – Disse Carlos. – Eu descobri um arquivo no laboratório onde trabalho que falava sobre um Projeto de contagem de DNA. – Ele brincava com um de seus dreadlocks.

Samuel olhou para Adair que continuava próximo as janelas da sala olhando fixamente para fora. Em seguida ele voltou a se concentrar nas palavras de Carlos.

— Despois que eu conheci o Alisson – continuou Carlos – Eu examinei uma amostra de sangue dele com uma minha e cheguei ao resultado de que somos iguais, como se fossemos a mesma pessoa. – Ele sorriu discretamente. – Então entendi que o Projeto DNA era sobre clones e que eu era um deles.

Bruno fungou o ar pela boca.

— Como assim clones? – Perguntou ele. – Eu tenho umbigo!

Alisson soltou um risinho.

— Não fomos feitos artificialmente. – Disse Carlos. – O clone é feito em um ovulo sem núcleo onde é colocado o núcleo de uma célula somática e esse ovulo com núcleo de célula somática vai se transformar em zigoto e a partir desse zigoto formará um ser humano dentro da barriga de uma mãe de aluguel. – Bruno pareceu confuso. – Isso também explica as nossas diferenças físicas.

— Mas o que isso tem a ver com você? – Samuel ignorou aquele papo sobre umbigo e células para olhar para Amélia que ergueu a cabeça e o encarou.

Amélia suspirou e desviou o olhar para um ponto qualquer.

— Quando o Projeto DNA entrou em crise, todos nós começamos a correr riscos. – Disse ela. – A prática de clonagem é proibida no Brasil e eu tenho certeza que vocês – ela olhou para os clones um a uma – são a parte que deu certo do projeto, mas teve a que deu errada. E se a população descobrisse aquilo, seria um caos.

Ela fez uma pausa.

— Um dos envolvidos no projeto achou melhor exterminar os clones, mas aqueles bebês era a prova do quão longe a ciência e a medicina podiam chegar... – Ela suspirou. – Então, foram designados guardiões para que os bebês vivessem e tivessem uma vida normal. ­ Amélia olhou para Samuel – então eu fugi com você.

Samuel engoliu em seco.

— Eu conheci o Adair – ela olhou para o homem quieto próximo a sacada que ouvia tudo sem opinar. – Disse que era mãe solteira e que o seu pai havia morrido e me deixado sozinha no mundo apenas com você... – Seus olhos encararam os de Samuel outra vez. – Ele me acolheu...

Samuel desviou o olhar de Amélia para Bruno e estranhou aquela mancha roxa no rosto do clone.

— Porque um lado do seu rosto está inchado? – Perguntou Samuel.

— Seu pai me bateu quando me pegou beijando o Luan. – Ele olhou para Samuel rindo. – Ele surtou achando que eu fosse você.

— Luan? – Perguntou Samuel incrédulo. Aquilo explicava o preservativo aberto no criado mudo.

Ante que Bruno pudesse falar qualquer coisa, Alisson o interrompeu.

— Espera! – Disse Alisson. – Você é gay? – Antes de Bruno responder ele olhou para Carlos e perguntou. – Espera! Qual a probabilidade de nós sermos gays?

Bruno revirou os olhos enquanto Carlos disfarçou um risinho.

— A natureza é gay, Alisson. – Disse Carlos. – Os homens é que são machistas. – Ele olhou para o rosto vermelho de Bruno. – E preconceituosos.

Bruno estava começando a ficar irritado com aquela conversa sobre sua sexualidade.

— A questão aqui – disse ele – é que um clone malvado está tentando nos matar e eu quero entender os motivos.

— Realmente – disse Samuel tentando deixar aquela história de Bruno se relacionando com Luan de lado e tentando entender a relação do seu quase assassino. – O cabelo de prata quase me matou.

— Porque ele mataria um clone? – Perguntou Alisson. – Um clone de si próprio...

Samuel gelou ao se lembrar do clone de cabelo prata. Ele estava prestes a jogar mais uma pergunta na roda, já que inda havia muitas pontas soltas, quando Bruno teve uma crise de tosse tão forte que o fez cair no chão vomitando sangue.

Carlos e Alisson levantaram de onde estavam para socorrer o garoto enquanto Amélia corria até a cozinha para pegar um copo d’água. Quase um minuto depois, quando a crise de tosse parou, Bruno tomou um longo gole de água enquanto Carlos agachou ao lado direito dele o analisando.

— Há quanto tempo você vem tendo essas crises de tosse? – Perguntou Carlos ligeiramente preocupado.

Bruno respirava com dificuldade.

— Há alguns dias – disse ele. – Antes era só a tosse, mas agora está piorando. – Samuel percebeu a troca de olhares entre Carlos e Alisson e se aproximou dos dois.

— O que isso significa? – Perguntou Samuel.

— Há alguns meses nós rastreamos outro clone. – Disse Alisson. – Ele era de Cascavel e se chamava Demétrio. – Ouve uma pausa rápida na conversa e outra troca de olhares entre ele Carlos. – Ele tinha câncer na tireoide.

Outra pausa na conversa.

— Como ele está? – Perguntou Bruno. Carlos soltou um suspiro triste.

— Ele está morto – respondeu o dreadlocks. – Mas não foi por conta do câncer. – Carlos olhou seriamente para Bruno e depois para Samuel. – Ele foi assassinado. Um morador de rua identificou o corpo dele jogado num beco... Na autopsia detectaram o câncer... 

Um silêncio dominou o ambiente até que Adair resolveu falar.

— O que é isso... – Disse ele abaixado, olhando para algo que piscava debaixo da bancada de vidro com as fotos de família. Adair nem havia terminado de perguntar, quando uma explosão partiu seu corpo ao meio.

Era uma bomba.

 

A primeira coisa que Bruno viu foi à parte da frente do prédio explodir. A parede onde ficava a sacada, um pedaço da parede do quarto do Samuel e a laje explodiram juntos com a vidraça e com o corpo de Adair. O céu estava visível também. Era de um tom de cinza claro, típico de um dia nublado. Um pedaço de telha estava dependurado e parecia querer cair a qualquer momento.

Carlos e Alisson estavam jogados ao lado de Bruno e parecia que tudo estava bem com eles dois. Amélia havia se jogado no chão da cozinha gritando desesperada, havia cacos de vidro por todos os lados. Samuel, que estava próximo há TV o tempo todo foi atingido por alguns escombros e estilhaços que voaram na explosão, seu braço sangrava, mas não parecia nada sério.

A casa foi tomada por uma fumaça negra que dificultava a respiração e a visão de todos. Um chiado que durou cerca de dois minutos em seu ouvido devido ao som da explosão, fez com que Bruno se sentisse impotente. No meio da fumaça, ele viu que o fogo da explosão queimava as cortinas da sala, o tapete do chão e todas as possibilidades de levar uma vida normal.

Sangue havia sido respingado pelas paredes intactas e o cheiro de cabelo queimado impregnava o ambiente. Bruno viu um pedaço do corpo de Adair jogado próximo a ele e sentiu vontade de vomitar e ele teria vomitado se o prédio não começasse a tremer como começou naquele exato momento.

Com a ajuda de Carlos, Bruno se levantou e todos seguiram a passos rápidos e abafados para as escadas onde desceram para a loja. A explosão também havia destruído a parte da frente da loja, deixando apenas um estranho buraco em meio a destroços de tijolos, cimento e vigas de ferro.

Amélia atravessou o buraco e saiu para a rua por primeiro, em seguida foi Samuel e Alisson e por último Bruno e Carlos. Do lado de fora um aglomerado de pessoas corriam desesperadas para todos os lados. A rua havia sido trancada por curiosos impossibilitando que carros passassem por ali. Algumas pessoas dos prédios vizinhos gritavam desesperadas em aparelhos celulares, uma criança chorava e um homem havia sido atingido pelos destroços da explosão. Ele estava deitado na rua e um grupo de pessoas o rodeava.

Perto de uma loja, do outro lado da rua estava uma figura toda de preto usando uma máscara de ovelha.

 – É ele... – disse Samuel. – O cabelo de prata... – Todos os outros olharam para a figura estranha que veio andando lentamente na direção deles. Quando andava, as pessoas automaticamente davam passagem a ele.

— Eu disse que você precisava correr antes deles te acharem – disse o clone tirando a máscara e a deixando dependurada no pescoço. Bruno olhou para Samuel que estava sentado na beirada da calçada ao lado de Alisson. Ele não tirava os olhos do clone assassino, assim como Carlos.

Não chovia, mas havia água empoçada em alguns cantos da rua. Mais pedaços do telhado do prédio caíram o que fizeram as pessoas e curiosos darem dois paços para trás.

— Foi você?! – Perguntou Samuel que ainda continuava no chão. – Foi você que fez isso?! – Mais um pedaço do prédio caiu. Na calçada havia entre os destroços um pedaço do guarda-roupa do quarto do Samuel.

— Eu não faria isso – disse ele – eu estou tentando proteger vocês. Não machucá-los.

Bruno bufou o ar para cima.

— Como você pode estar tentando nos proteger? – Perguntou Samuel. – Você tentou me matar quando eu estava me passando pelo Bruno e algo me diz que você matou o Demétrio.

O clone com o cabelo platinado riu.

— Eu sou o Demétrio – disse ele.

A sirene se aproximou e Bruno viu uma ambulância entrar em seu campo de visão. Os médicos do SAMU estavam indo em direção ao homem ferido no chão.

Samuel levantou do chão parecendo um pouco tonto, enquanto Amélia disparou na direção de Carlos como uma tempestade se aproximando de um vilarejo qualquer. Alisson, que assistia a tudo quieto, próximo ao meio fio, também se aproximou.

Amélia ficou pensativa. Alisson estava prestes a se pronunciar quando a parte de cima do prédio, que um dia havia sido a casa de Samuel, explodiu. O fogo provocado pela bomba se transformou num incêndio e atingiu o botijão de gás da cozinha. Um escarcéu na rua começou a se formar outra vez com pessoas correndo e gritando para todos os lados, até que uma mulher baixa e bunduda se aproximou de Amélia.

— Vizinha – disse a mulher. Ela usava um jeans justo e uma camiseta rosa grande. – O que está acontecendo? – Ela olhou assustado de um clone para o outro até fixar os olhos em Amélia novamente.

— Não é nada Marta – disse Amélia olhando para o prédio em chamas. – Apenas chamem os bombeiros e diga a Silvana que nós a amamos. – Em seguida ela olhou para Demétrio e disse com a voz firme. – Você vai ter que ser mais claro, garoto.

Carlos se aproximou de Demétrio.

­– Se você não fez isso – ele olhou para os escombros do prédio – então quem fez? Quem matou o outro clone? Quem era o outro clone? Quem está atrás de nós e por quê?

Demétrio ficou em silêncio olhando para os escombros do prédio até que encarou Amélia e disse de forma lenta e misteriosa.

— O mesmo que tentou fazer isso há dezoito anos – Amélia ficou estática com aquilo. – Só está terminando aquilo que começou. – Todos olharam para Amélia esperando por uma explicação lógica, mas tudo o que ela fez foi se dirigir a Carlos.

­– Você tem um carro, não é mesmo? – ele fez que sim com a cabeça. – Então vai nos levar a um lugar.

— Para onde vamos? – Perguntou Bruno completamente esgotado.

Amélia suspirou e após encarar o prédio em chamas falou.

— George.

Bruno levantou uma sobrancelha, curioso.

— Mau pai? – Perguntou ele. Bruno sabia que era muita idiotice continuar chamando George de pai, ou Angelina de mãe, já que era bem obvio que nenhum deles era aquilo dele, mas ele se sentia um pouco triste em pensar que George, que sempre foi legal na medida do possível, não fosse seu pai de fato. – Ele sabe sobre nós? Sabe sobre o Projeto DNA?

Demétrio soltou uma risada.

— Não somos o Projeto DNA – disse ele. – Nós fazemos parte do Projeto Cromossomo. O Projeto DNA é bem mais complicado do que vocês possam imaginar.

Amélia encarou o clone com fúria nos olhos.

— E como você pode ter tanta certeza disso? – Perguntou ela. Amélia notou que o olhar de Demétrio seguiu para uma menina parada na calçada que olhava tudo de longe. Era Silvana. Quando Ela entendeu o que Demétrio estava querendo dizer foi como se um choque tivesse percorrido o corpo dela.

Ele desviou o olhar de Silvana para Amélia.

— Eu fiz a tarefa de casa – disse ele.

Houve uma pausa dramática que durou exatos trinta segundos. As pessoas continuavam aglomeradas ao redor deles olhando para todos sem entender nada. Alguns falavam ao celular, outros usavam o aparelho para fotografar e filmar o incêndio no prédio.

— Eu só queria saber aonde essa história vai dar. – Disse Alisson com um tom irônico na voz. Ele desviou o olhar para fora da janela, quando Demétrio respondeu com a mesma ironia na voz.

— Provavelmente a morte, a não ser que vocês me ajudem a terminar essa história – ele encarou Amélia – de uma vez por todas.


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Notas finais do capítulo

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