Kingdom Falls escrita por Marina Schinger


Capítulo 4
τέσσερα




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O barulho da porta se abrindo e se fechando em seguida e um movimento fraco em minha cama fez com que eu resmungasse algo inteligível e piscasse os olhos lenta e preguiçosamente, a fim de abri-los e finalmente acordar. Ao olhar para frente, deparei-me com Matteo sentado na ponta da cama e olhando-me com um sorriso suave nos lábios.

Sentei-me rapidamente e ergui o cobertor até a altura dos seios.

– Bom dia - Disse ele, rindo da minha reação.

– Achei que Betta era responsável por me acordar. - Eu murmurei, mau humorada.

Depois da noite anterior, tudo o que eu queria era ficar deitada e sofrer com a falta de Dante sozinha.

Matteo arqueou as sobrancelhas, sem deixar de sorrir.

– Fiquei sabendo que você fica mau humorada quando acorda. Quis ver por mim mesmo. É divertido, para falar verdade.

Ergui as sobrancelhas em sua direção, em uma expressão enfezada.

– Nesse caso, então, você também ficou sabendo que não me importo se a pessoa é príncipe ou não, eu simplesmente acerto o alvo.

Ele arregalou os olhos, surpreso com meu tom, mas riu logo em seguida.

– Está me ameaçando, princesa? - Murmurou com a voz rouca e se aproximou, sentando-se ao meu lado, nossos rostos próximos.

Pisquei lentamente, momentaneamente hipnotizada e esquecendo de todo o resto.

– Provavelmente. - Eu susurrei, olhando-o nos olhos.

Matteo sorriu, satisfeito com minha resposta.

– Bem, sendo assim, é melhor eu me apressar e deixar que você se troque e relaxe. - Ele se levantou e foi até a porta. - Temos um dia cheio hoje. Vista uma roupa própria para cavalgar. - Piscou um dos olhos e fechou a porta, deixando-me sozinha.

Cavalgar?

Levantei-me em um pulo ao me lembrar da conversa de Matteo com seu pai durante o jantar na noite anterior. Em algum momento, ouvindo a conversa, eu quis que ele me convidasse para cavalgar junto com eles, e foi exatamente o que ele fez.

Um sorriso surgiu em meus lábios e uma fraca chama se acendeu em meu peito, espalhando faíscas nos espaços vazios que Dante deixara na noite passada ao ir embora.

Vi que na poltrona ao lado da penteadeira estavam as roupas que eu deveria usar, dobradas perfeitamente. Betta, certamente, aparecera em meu quarto mais cedo, sem que eu percebesse.

Vesti-me rapidamente, apesar de ter tido um pouco de dificuldade ao vestir a calça extremamente apertada e as botas de cano alto. Olhei-me no espelho, e me perguntei se me permitiriam usar calças quando eu quisesse, se pedisse. Fiz uma trança ladina em meus cabelos e passei uma maquiagem leve, apenas para cobrir as olheiras causadas pela noite mal dormida.

Assim que pronta, desci as escadas rapidamente, feliz por não estar calçando sapatos de salto alto e desconfortáveis.

Matteo ergueu os olhos quando adentrei o salão; ele estava no mesmo lugar de sempre e me esperava para tomarmos o café da manhã juntos. Um sorriso se abriu em seu rosto ao me ver e então ele se levantou, afastando a cadeira ao seu lado para que eu pudesse me sentar, da mesma forma que fizera no dia anterior e dando-me uma bela vista de seu corpo vestido da mesma forma que o meu; meus olhos o analisando rapidamente.

– Eu certamente devo enfatizar que essa roupa fica ótima em você. - Ele disse assim que me sentei, e sentou-se novamente em sua cadeira.
Dei uma risada fraca, sentindo minhas bochechas corarem.

– Você é um galanteador, Alteza.

– Espero que sim, Alteza. - Ele retrucou em um tom doce, olhando-me com os olhos intensos.

Pisquei rapidamente, incapaz de desfazer do contato visual que tínhamos. Neste mesmo momento as duas mesmas criadas do dia anterior entraram no salão e nos serviram de panquecas, bacon e ovos mexidos.

– Como eu disse, temos um dia cheio, então temos que deixar a barriga cheia também. - Matteo disse com um sorriso divertido nos lábios, olhando-me com as sobrancelhas erguidas.

– Vamos cavalgar com seu pai? - Perguntei, colocando um pedaço de panqueca na boca em seguida.

Ele negou com a cabeça e disse:

– Na verdade, vamos ser só eu e você. Meu pai está ocupado com algumas coisas que um rei geralmente fica ocupado.

– Em breve você é quem terá que se preocupar com essas coisas. - Eu o olhei e encontrei uma expressão impassível em seu rosto.

– É. - Disse ele simplesmente, deixando de me olhar para então prestar atenção apenas ao que comia. Ou pelo menos fingir que prestava atenção apenas naquilo.

Aparentemente lembrá-lo de que em breve ele seria um rei não era um de seus assuntos favoritos. Decidi que era melhor me manter calada para que eu não o irritasse.

Apesar de não conhecê-lo o suficiente, eu sabia que gostava do jeito que agia quando estava comigo. Matteo era o meu único amigo, apesar de ser também meu marido. Não agíamos como um casal deveria agir, e sim como dois bons amigos agiriam. E eu estava gostando de como agíamos, apesar de estarmos apenas conhecendo um ao outro. Qualquer assunto que o fizesse se distanciar de mim e não agir da forma que eu esperava, agora, que agisse, eu evitaria.

– Eu costumava cavalgar com meu irmão mais novo, em um dos grandes campos da minha cidade - Falei de repente, quando o silêncio se tornou insuportável para mim.

Matteo me olhou surpreso - talvez pelo fato de eu estar compartilhando algum assunto pessoal com ele.

– Ele sempre foi melhor que eu. Apostávamos corridas e ele sempre ganhava. - Continuei, um sorriso nostálgico se abrindo em meu rosto.

Seus olhos me analizavam de uma forma amena e suave, seu corpo se relaxando aos poucos.

– A última vez que fizemos isso juntos foi no mês passado. Ele caiu, quebrou o tornozelo e bateu a cabeça...ficou inconsciente durante um dia inteiro. Desde então minha mãe se recusa a deixá-lo subir em um cavalo. Ele só tem permissão para observar as pessoas fazerem o que ele mais gosta.

– Qual a idade dele? - Matteo perguntou, os olhos interessados em minha dreção.

– Ele completou onze anos na semana em que fiquei sabendo que me casaria em breve. - Respondi com um sorriso falsamente irônico nos lábios, olhando-o.
Matteo riu fracamente e umedeceu os lábios com a ponta da língua (o que me hipnotizou durante o momento) antes de dizer:

– Antonio, certo?

Eu confirmei com a cabeça e ele sorriu.

– Ele costuma atender mais pelo apelido, Toni.

– Que seja Toni, então. Iremos cavalgar eu, você e Toni o mais breve possível. Juro que posso ser bem persuasivo, sua mãe não irá pensar duas vezes antes de deixar o menino fazer o que mais gosta.

Eu sorri abertamente, fascinada pelas suas palavras e seus olhos.

– Podemos ir? - Ele perguntou assim que coloquei o último pedaço de panqueca na boca, ansioso.

Segurei o riso, achando sua mudança de humor repentina engraçada e intrigante, mas concordando, afinal. Ele segurou minha mão com a sua assim que nos levantamos e me guiou rapidamente para fora do castelo, em direção ao estábulo que ficava em uma área mais reservada e tranquila do local.

– Aqui é o meu segundo lugar favorito do castelo - Ele disse quando nos aproximamos dos cavalos, só assim soltando minha mão. -, apesar de ter um cheiro muito forte de bosta. - Uma risadinha divertida escapou por seus lábios e então comecei a rir descontroladamente.

Quero dizer, comecei a rir loucamente. Ri tanto que algumas lágrimas chegaram a escorrer pelo meu rosto. Matteo me olhou com as sobrancelhas erguidas e um sorriso aberto nos lábios.

– Bosta? - Repeti entre risos, enxugando as lágrimas com as costas das mãos.
Ele riu e respondeu em seguida:

– É. Bosta. Bosta de cavalo. Tem um cheiro muito desagradável.

– Não achei que um príncipe falasse esse tipo de palavra. Imaginei que alguém da realeza falasse coisas do tipo...sei lá? Fezes. Excreção. Excremento. Escória. Dejeção. Essas palavras estranhas. - Dei de ombros, ainda rindo.

Matteo riu um pouco mais abertamente e se aproximou de um cavalo de um marrom claro e suave, os pelos extremamente cuidados; talvez fosse o seu cavalo, já que havia um certo carinho.

– Eu juro que nunca ouvi essas palavras. A não ser fezes. E talvez dejeção.

Eu sorri, finalmente controlando a risada, e cruzei os braços sobre o peito, olhando-o com as sobrancelhas arqueadas.

– Talvez você precise voltar a pegar um caderno, então. - Matteo me olhou, achando graça da provocação, mas não respondeu. Ele abriu a porta que mantinha o cavalo que acariciava trancado e o guiou para fora lentamente, chamando-me, com um aceno de cabeça, para seguí-lo. - Qual o primeiro?

Ele me olhou com a expressão confusa, não entendendo minha pergunta.

– Este é o seu segundo lugar favorito. Qual o primeiro?

Matteo sorriu, sem responder afinal.

– Eu gosto muito desse aqui. É uma fêmea, na verdade. Muito carinhosa. E leal, para ser sincero. - Disse ele distraidamente e mudando de assunto, ainda acariciando o animal.

– Ela é linda. - Comentei, sem perguntar novamente, aproximando-me e erguendo uma das mãos para fazer o mesmo que ele.

– Agora é sua também. - Seus olhos desviaram-se em minha direção, fixando-se nos meus.

Fiquei imediatamente surpresa e meus olhos arregalaram-se na mesma velocidade, assim como meus lábios se entreabiram sem pronunciar palavra alguma.

– É um presente. De casamento, quem sabe?

– De casamento? - Eu ri nervosamente, sem me controlar.

Matteo me entregou a coleira delicadamente decorada com detalhes dourados e pretos que segurava o cavalo e sorriu, concordando com a cabeça.

– Sei que não queríamos essa coisa de casamento e tudo mais. - Ele deu uma risada debochada, como se o que dizia fosse óbvio. - Mas estou feliz que você esteja aqui agora. Você sabe, eu não tinha mais ninguém além de meus pais. E além das criadas e de algumas garotas bonitas e filhas dos nobres gregos. - Pigarreou, claramente desconfortável pelo o assunto. - Você, felizmente, é uma ótima companhia, o que, de fato, eu não esperava. Estou extremamente feliz que estejamos nos dando bem até agora, e ficarei ainda mais se continuarmos assim.

Eu pisquei rapidamente, olhando-o um pouco confusa e com dificuldade para digerir suas palavras. Um incômodo estranho passou por mim velozmente assim que ele mencionou as garotas bonitas e filhas dos nobres gregos, mas logo um conforto por seu jeito delicado de declarar que gostava de mim tomou o lugar breve do incômodo, e logo então eu estava sorrindo timidamente.

– Então, sim, um presente de casamento? Ou, sei lá, um presente de boas-vindas? - Sugeriu ele, esperançoso.

– É o presente mais atencioso que alguém já me deu, Matteo. - Falei sorridente.

Ele me olhou com os olhos brilhando, e então percebi que era a primeira vez que o chamava pelo nome. Senti minhas bochechas corarem e então me apressei para tirar sua atenção de mim.

– Ela já tem um nome?

Matteo negou com a cabeça e deu de ombros em seguida, como se não fizesse diferença.

– É sua, você pode colocar o nome que quiser.

– Não sei qual. - Disse eu encolhendo os ombros, pensando em que nome eu deveria dar ao animal.

– Você pode pensar no caminho. - Matteo sugeriu com um sorriso enquanto ia até uma outra porta e tirava de lá um cavalo preto com os pelos extremamente brilhantes; este certamente era o seu - era quase como se seu nome estivesse no focinho do animal. - Vem, eu quero te mostrar uma coisa.

Ele seguiu até o ládo de fora do estábulo, puxando o cavalo consigo e eu fiz o mesmo. Já do lado de fora, em uma área com acessórios necessários para que pudéssemos cavalgar, Matteo preparou os dois cavalos para que então finalmente fizéssemos o que eu estava ansiosa para fazer.

– A onde nós vamos? - Eu perguntei assim que ele me ajudou a subir em minha mais nova amiga.

– Surpresa. Espero que saiba cavalgar muito bem, temos um quase muito longo caminho pela frente. - Ele sorriu e também subiu em seu cavalo, olhando-me com um brilho divertido nos olhos.

Ele mexeu as pernas e então seu cavalo inclinou-se brevemente e correu, como se estivesse esperando para que lhe mandassem fazê-lo. Eu dei uma risada fraca e fiz o mesmo, seguindo-os.

O sol, por sorte, não estava tão forte quanto na manhã anterior e, sendo assim, eu não estava tão suada como eu provavelmente estaria caso contrário, já com mais de dez minutos de percurso.

– Matteo - Eu resmunguei com a voz trêmula e alta devido ao movimento do cavalo.

Matteo estava um pouco à frente. Ele olhou para trás com um sorriso largo nos lábios e as sobrancelhas arqueadas, apesar de os olhos parecerem estar fechados por causa da luz do sol que batia em seu rosto.

– Estamos quase lá - Ele falou também alto, voltando a olhar para frente.

– Eu estou com sede! - Reclamei, fazendo o cavalo correr um pouco mais rápido e, assim, ultrapassar Matteo, que deu uma risada assim que o fiz.

– Você não sabe onde vamos, não pode guiar!

Ele tomou a frente mais uma vez e eu revirei os olhos, cansada.

Sem que eu percebesse antes, estávamos dentro de uma floresta. Bem, pelo menos era assim que eu chamaria. Ou um bosque, talvez, já que havia muita variedade de flores e árvores, assim como também haviam bancos de concreto cobertos com musgos, do mesmo jeito que, se eu não estivesse vendo errado, uma fonte extremamente sofisticada - com estátuas e detalhes inimagináveis - também estava. Era quase como se fosse um lugar abandonado mas, ao mesmo tempo, muito bem cuidado. Era lindo e eu estava fascinada. O cheiro de natureza entrava pelo meu nariz e acalmava todo o meu interior, dando-me uma sensação de liberdade e paz, como se nada, dentro daquele lugar, pudesse me aflingir.

– Chegamos. - Matteo disse e desceu de seu cavalo, pendendo a coleira do mesmo em um galho de uma das várias árvores que nos rodeavam.

Ele me ajudou a descer e deixou o meu cavalo ao lado do seu, segurando minha mão e me puxando para perto da fonte em seguida.

Fontana di Trevi– Disse ele de repente, soltando minha mão.

Eu o olhei confusa, reconhecendo a língua de meu país.

– A original fica na Itália, na sua cidade. - Ele continou, passando as pontas dos dedos pela fonte lentamente, distraído. - Acho que antes chamavam-na de Roma, antes de tudo se tornar um só. Não entendo porque baniram os nomes que dividiam cada elemento de uma província.

Pisquei em sua direção, prestando atenção em cada uma de suas palavras. Talvez ele tivesse um ponto.

– Esse não é o caso, entretanto. - Matteo subiu em uma das partes da fonte, perto de uma das grandes estátuas e me ofereceu uma de suas mãos que não hesitei em segurar, e logo estava ao seu lado. - Acontece que era uma fonte de desejos. Essa daqui é só uma réplica, assim como também tem em outras províncias como na Alemanha, Espanha, França...

Ele subiu um pouco mais alto, sem soltar minha mão, fazendo com que eu tivesse de seguí-lo.

– As pessoas jogavam moedas aqui dentro, claro que não antes de fazer um pedido. - Sua mão livre foi até o bolso de trás da calça e de lá tirou uma grande moeda dourada. - Elas ficavam de costas para a fonte. - Cuidadosamente ele virou de costas para a parte onde certamente ficava a água. - Fechavam os olhos e faziam um pedido, o que mais queriam que se tornasse realidade. - Ele fez o que explicou, sem nunca soltar minha mão. - E só assim tacavam a moeda. - Sua moeda voou e caiu, um som metálico ecoando suavemente em meus ouvidos.

– Qual foi o seu pedido? - Perguntei antes que pudesse me controlar, olhando-o hipnotizada.

– Em um certo ponto, acredito que um ano depois da Terceira Guerra Mundial - Matteo continuou sua explicação, ignorando minha pergunta, puxando-me um pouco mais alto. -, os Superiores passaram a acreditar que os desejos feitos na fonte estavam realmente se realizando. Eles fizeram uma pesquisa sobre os pedidos das pessoas que iam até lá e chegaram a um resultado engraçado: 98% dessas pessoas faziam pedidos relacionados à guerra. Todas pediam, silenciosamente, que não houvesse mais conflito entre países, que tudo chegasse a um nível extremamente pacífico. - Ele se sentou em um espaço plano e me puxou ao seu lado, mantendo sua mão firmemente sobre a minha. - Foi o que aconteceu, na verdade. Pelo menos durante um tempo. Foi por isso que decidiram que essa fonte deveria ter em todos os países envoltos em guerras.

– Isso é muito banal. - Eu comentei, olhando o contraste de nossas mãos juntas; Matteo tinha a pele levemente bronzeada, contrastando com a minha extremamente clara. - Os Superiores eram provavelmente um bando de iludidos.

Matteo riu levemente, balançando as pernas suspensas.

– Cada um com suas crenças, Flora. - Ele sorriu em minha direção, os olhos intensos. - Eles acreditaram, então decidiram ir além para que tudo continuasse de acordo com o que acreditavam.

Por um breve momento, perguntei-me como Matteo podia saber de tudo aquilo, mas logo me lembrei de que ele era um príncipe, e um príncipe sempre deveria saber sobre o passado de nossas províncias, do mundo.

– E então?

Ele ergueu as sobrancelhas, um sorriso ladino nos lábios.

– E então o quê? Não gostou da minha aula de História?

– Você é um bom professor, mas todo professor tem um objetivo. - Respondi, fingindo uma expressão entediada. - Por que me trouxe até aqui?

– Eu encontrei esse lugar quando eu tinha doze anos. - Seu olhar agora era perdido, direcionado às árvores em nossa frente. - Eu estava cansado de toda pressão, de todo o peso que eu tinha, e ainda tenho, nas costas por ter de ser rei um dia. Eu era só uma criança, e tudo o que eu queria era escorregar no corrimão das escadas e rolar nos barrancos do lado de fora do castelo, mas é claro que eu não podia fazer nada disso. Então eu fugi. Quero dizer, eu tentei fugir. Peguei meu cavalo e cavalguei até onde aguentei, e então eu me vi parado nesse lugar. Eu fiquei tão fascinado que fiquei aqui até o dia acabar.

Meus olhos estavam fixos em seu perfil, eu mal conseguia piscar. Matteo estava se abrindo mais uma vez.

– Todo o peso em minhas costas desapareceu no momento em que eu entrei aqui, e então eu quis ficar. Eu teria ficado mais tempo, só que eu estava com fome. - Ele riu brevemente, sem desviar os olhos de sua frente. - Não sei se alguma outra pessoa já encontrou esse lugar além de mim, mas acredito que não, já que está tão bem, se não mais, cuidado quanto na primeira vez que vi. Quero dizer, a natureza cuida de si própria, se alguma outra pessoa desmiolada viesse até aqui, provavelmente estaria tudo murcho e acabado.

Balancei a cabeça positivamente, apesar de mal saber o que fazia.

– Eu nunca trouxe ninguém aqui. - Ele finalmente me olhou; seus olhos dentro dos meus, intensos. - Eu passei a vir aqui todos os dias a fim de paz, para que eu pudesse esquecer do que eu tinha que passar dentro do castelo. Aqui eu era só uma criança de doze anos, e não um príncipe de doze anos que em breve seria rei.

Pisquei debilmente, incapaz de desviar os olhos dos dele.

– Eu quis compartilhar esse segredo com você porque percebi que você também precisa de um lugar para esquecer o que o destino nos ofereceu. Você pode vir aqui sempre que quiser. Só me avise quando vir, por favor.

Balancei a cabeça novamente, em um transe hipnótico. Eu devia estar parecendo uma das pessoas desmioladas que ele citara.

– Tem mais uma coisa - Ele sussurrou e, antes que eu pudesse perguntar o que, ele levou uma das mãos até os lábios e a usou para que pudesse assobiar.

O assobio foi tão alto que ecoou por todo o bosque. Eu arregalei os olhos em sua direção, concluindo que ele era um maluco. Antes que eu percebesse e pudesse fazer algo a respeito, um pássaro consideravelmente pequeno pousou em um bos ombros de Matteo, que sorria largamente. O pássaro tinha a cabeça acinzentada e as asas tinham um tom claro de marrom, seu bico era meio azulado e os olhos inexplicavelmente negros.

Pisquei rapidamente, confusa.

– Eu estava ansioso para que você a conhecesse. - Ele disse com a voz baixa, e eu não soube se ele dizia para mim ou para o animal. - Flora, essa criaturinha aqui é a Adeen.

Eu o olhei como se fosse um louco, sem saber como reagir.

– Ela não é linda? - Ele murmurou, pegando o pássaro delicadamente e acariciando sua cabecinha. - É um picanço. Era para essa espécie estar extinta, mas ainda restam alguns. Adeen é um deles.

O pássaro piou baixinho, satisfeito com o carinho que Matteo lhe fazia.

– Você não vai dizer nada? - Matteo me olhou divertido, certamente achando graça da minha expressão.

– Você tem um pássaro. - Murmurei, desviando meus olhos para o animal em suas mãos. - Você deu um só assobio e ele veio até você.

– É. Ela. É uma fêmea, já teve alguns filhotes, mas nenhum sobreviveu.

Pisquei rapidamente mais uma vez, voltando meus olhos até os seus.

– Você adestrou esse pássaro?

Matteo balançou a cabeça positivamente, sorrindo.

– Como você conseguiu?

– Magia.

Arregalei os olhos, assustada. Matteo, sem conseguir se controlar, desatou-se a rir, inclinando a cabeça lentamente para trás.

– Francamente, Flora. Magia? - Ele disse entre risos, sem deixar de acariciar o pássaro, que estava confortavelmente acomodado entre as mãos dele. - Eu consegui porque tive jeito. Eu a encontrei machucada em algum lugar desse bosque e então cuidei dela, e assim a treinei para que sempre me reconhecesse. Bem, pelo o que você vê, deu certo.

Fiquei em silêncio durante alguns segundos e, antes que eu percebesse, um sorriso discreto surgiu em meus lábios.

– É uma graça. - Eu sussurrei.

– Você pode tocar, se quiser.

Matteo ergueu as mãos em minha direção, mas eu balancei a cabeça negativamente.

– É melhor não. Talvez ela não se sinta feliz em alguém diferente de você a tocando.

Ele sorriu, os olhos perdidos novamente.

– Adeen? - Perguntei, curiosa pelo nome.

Matteo abaixou a cabeça levemente, fixando os olhos no pássaro, mantendo-se extremamente mudo. Eu quase não ouvia nem mesmo sua respiração.

– Matteo? - Eu o chamei, confusa por seu silêncio repentino.

Ele respirou fundo e inclinou levemente a cabeça para trás de olhos fechados, para logo em seguida começar a falar.

– Eu não sei se você sabe, mas eu nem sempre fui filho único.

Antes que ele terminasse sua explicação, eu já soube o que era. Quase como se um choque tivesse eletrocutado minhas entranhas, fazendo-as se contorcerem entre si, temendo o que eu estava prestes a ouvir. O tom doloroso em sua voz foi o suficiente para que eu tivesse certeza do eu ouviria.

Matteo me olhou brevemente antes de voltar os olhos para Adeen e continuar:

– Eu tinha quinze anos quando minha irmã faleceu. Ela tinha dezoito anos e estava de casamento marcado com Helio, Duque de Acrísio, filho do décimo Duque dessa linhagem. Aparentemente, acredito eu, alguém não estava satisfeito com esse casamento. Houve uma invasão no castelo e alguém atingiu minha irmã com três tiros. Um no braço, apenas de raspão; um no peito e um na cabeça. Meu pai insiste em dizer que foi ataque de revoltosos contra a Monarquia, mas eu não acredito nisso. Foi um ataque imensamente planejado por nobres próximos da realeza. Eu me recuso a acreditar que um ataque de revoltosos acabe com apenas uma pessoa, e sendo essa pessoa minha irmã. A princesa da Grécia. Não faz o menor sentido. Eu já comparei a outros ataques, estes mesmos de revoltosos. Vários soldados mortos, assim como vários outros dos próprios revoltosos. Como, nesse ataque, apenas minha irmã tenha sido atingida?

Eu não sabia se ele queria que eu respondesse a pergunta, mas também não saberia o que responder caso quisesse. Apenas mantive os olhos fixos em seu perfil, avaliando sua reação ao mencionar o assunto em questão. Seus olhos estavam baixos, então eu não tinha como me aprofundar na intensidade de seu olhar. Fiquei em silêncio, esperando até que ele estivesse pronto para continuar.

– Eu não sei qual seria o adjetivo certo, mas provavelmente devastado seria quase suficiente. Adeen era minha melhor amiga, não só minha irmã. Eu a amava tão intensamente que, quando isso aconteceu, não achei que fosse suportar a dor que se arrastou em meu peito. Eu fiquei vazio. Era como se, de uma hora para a outra, eu fosse apenas a casca de um ser humano. Eu estava oco por dentro. Eu não tinha mais ninguém. - Sua voz estava embargada e falha.

Tentei falar que ele não precisava dizer nada do que estava dizendo, mas minha voz estava entalada na garganta; presa.

– Na verdade, até hoje não acredito que isso realmente aconteceu. Adeen era tão cheia de vida, feliz. Ela provavelmente sorria até para seu pior inimigo, se fosse preciso. Ela não se importava com os limites de nossos pais, ela tinha seus próprios. Você disse que não somos livres, mas se você tivesse conhecido minha irmã, você veria que está errada. Adeen era tão livre que nem mesmo meu pai conseguia se impor sobre ela. - Ele deu um sorriso fraco e nostálgico, suspirando longamente em seguida. - Adeen era como esse pássaro. Tão pequena e delicada. Tão inexplicavelmente alegre e livre. A única diferença entre as duas é que, esta daqui tem asas e pode voar para onde quiser. Quero dizer, a falta de asas nunca impediu Adeen de fazer o que bem queria.

– Você nunca a trouxe até aqui? - Eu perguntei baixinho, com medo de que se eu falasse mais alto do que aquilo, Matteo fosse sair correndo.

Ele balançou a cabeça negativamente, um sorriso fracamente divertido nos lábios.

– Éramos extremamente próximos, mas eu nunca dividia minhas coisas com ela. - Seus olhos finalmente encontraram os meus e só então pude notar o brilho ali causado pelas lágrimas acumuladas e impedidas de caírem. - Eu encontrei essa criatura pequena alguns meses depois. - Ele passou o nariz pela cabeça do pássaro, lentamente. - Desde então ela tem sido minha melhor amiga. Achei que Adeen fosse um nome apropriado.

– É lindo. - Eu sorri, sendo a única coisa que eu fora capaz de fazer e dizer.

– É mesmo. - Matteo concordou e, após depositar um beijo delicado na cabeça do pássaro, ele o soltou, e então Adeen voou para longe de nós dois.

– Eu sinto muito por tudo isso, Matteo. - Falei com a voz baixa após longos segundos de silêncio.

Matteo, que estava com os olhos fixos por entre as folhas das árvores por onde Adeen voou, desviou os olhos em minha direção, piscando-os lentamente, como se processasse cada palavra minha. Ele sorriu fracamente e balançou a cabeça, como se dissesse com o gesto que estava tudo bem.

– Minha mãe te adora. - Disse ele de repente.

Arqueei as sobrancelhas, confusa com sua mudança repentina de assunto.

– Você se parece muito com Adeen, às vezes. Não fisicamente, mas, você sabe, o seu jeito. É muito natural. - Ele desviou os olhos e balançou as pernas suspensas mais uma vez, um sorriso nos lábios transformando sua expressão pesada. - Ela também já percebeu isso, minha mãe, apesar do pouco tempo que passou com você. É muito visível. Adorável.

Eu sorri timidamente, analisando cada detalhe de seu rosto; eu podia até ver sua barba por fazer, já crescendo e dando-lhe um ar mais adulto.

– Obrigada. - Eu falei, captando sua atenção à mim mais uma vez.

Seus olhos me questionavam, suas sobrancelhas arqueadas em uma expressão confusa.

– Pelo que você está agradecendo?

– Por isso. - Abri os braços, referindo-me ao lugar em que ele me levara. - E por ser tão sincero e aberto comigo.

Matteo segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos firmemente, apertando-a levemente em seguida.

– Espero que você também seja aberta e sincera comigo. - Ele disse e olhou em meus olhos, fazendo com que um aperto em meu peito surgisse ao me lembrar da noite anterior.

Talvez eu devesse me abrir e dizer o que eu realmente havia deixado para trás? E que agora me assombrava durante a noite? Em meus sonhos? E até mesmo pessoalmente?

Pisquei rapidamente, recusando a ideia de imediato. Era melhor não. Dante já era passado, apesar de ainda persistir em meu coração. Eu devia seguir os conselhos de Betta e apenas me esquecer, Matteo não precisava saber de nada.

– E eu sou, Alteza. - Sorri abertamente, deixando todas as preocupações para trás.

Matteo sorriu satisfeito e depositou um beijo demorado nas costas de minha mão entrelaçada com a sua, sem nunca desviar os olhos dos meus.

– Sua vez de fazer um pedido, princesa.


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