Kingdom Falls escrita por Marina Schinger


Capítulo 2
δύο




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Acordei com algo cutucando minha barriga irritantemente, incomodando-me o suficiente para que eu abrisse os olhos preguiçosamente e ficasse de costas para o colchão e logo em seguida me sentar na cama. Acabei por descobrir que, na verdade, o que me incomodava, era minha aliança - um anel todo prateado com um pequeno, mas um pouco pontudo, diamante em seu centro.

Cerrei os olhos para a jóia em meu dedo anelar esquerdo e arqueei as sobrancelhas ao lembrar-me da noite anterior.

Eu quase havia me esquecido que eu estava de fato casada e que era, agora, uma princesa e a futura rainha de duas grandes províncias. Arregalei os olhos ao me realizar do quão poderosa eu era naquele momento em diante.

Eu era a filha de um dos diplomatas mais ricos e Conde da Itália, e agora era a princesa desse mesmo país e mais de outro, a Grécia. Como eu poderia lidar com tal situação?

Antes que eu pudesse tentar achar uma solução para isso, a porta de meu grande e sofisticado quarto se abriu e Betta apareceu toda esbaforida e apressada.

– Bom dia, Milady. - Ela disse rapidamente e postou em minha cama um vestido longo e verde escuro. - O príncipe está a sua espera para o café da manhã.

– Ah, não. Jura? - Resmunguei e voltei a me deitar, com um dos braços sobre meu rosto.

– Minha querida, você precisa se apressar. Deixei que descançasse o máximo que pude, mas agora você tem que se levantar.

Revirei os olhos dramaticamente e me levantei.

– Eu ajudo a senhora a se vestir. É um lindo vestido. As criadas da Rainha fizeram especialmente para a senhora.

– Betta. - Eu a reprovei, olhando-a com carinho, entretanto. - Quantas vezes tenho que falar para não me tratar com tanta formalidade? Você é quase uma mãe para mim.

– Seu pai e o Rei não gostam de informalidades, querida.

Ela me ajudou a tirar a camisola de seda que me vestia e logo já me ajudava a vestir o vestido.

– Mas não tem ninguém aqui agora além de nós duas. Vamos fazer um combinado: você só me trata com tanta formalidade assim quando estivermos na presença dos dois, certo?

Betta pareceu hesitar um pouco, mas logo sorriu, concordando.

– Como você está se sentindo? - Ela perguntou enquanto abotoava o vestido em minhas costas.

– Bem, eu acho. - Dei de ombros, olhando para o chão.

Assim que terminou de abotoar, Betta sentou-me no banco em frente à penteadeira e pegou a escova postada na mesma, começando, então, a pentear meus longos cabelos, desembaraçando mecha por mecha.

– Você é apenas uma menina, querida. - Disse ela calmamente, sua voz suave aos meus ouvidos. - É normal que esteja assustada.

– Vou ter que me responsabilizar por muitas coisas, não vou? - Perguntei com a voz fraca, olhando-a através do espelho.

Um sorriso maternal surgiu em seu rosto e ela retribuiu meu olhar, os olhos ternos.

– A mãe de seu marido também se casou com dezessete anos. Talvez um pouco mais nova do que isso. - Disse ela sem responder minha questão inicial. - Ela também não conhecia o príncipe muito bem. Mas veja só hoje, quantas coisas conquistaram.

– O Rei Dimitri e a Rainha Sofia?

– Sim, querida, os pais de Matteo. - Betta arqueou as sobrancelhas, questionando-me.

Eu sabia que eram os pais de Matteo, eu só estava confusa. Distraída.

– A Rainha Sofia não teve que lidar com todos seus deveres sozinha, o Rei a ajudou muito, em todos os aspectos; ele a mostrou o que deveria e não deveria fazer em relação aos deveres ligados ao governo. Eles se tornaram uma dupla e tanto, sempre juntos.

– Como você sabe tanto?

– Antes de você nascer, fui uma das damas da Rainha. - Ela sorriu, trançando as laterais de meus cabelos para que pudesse fazer uma tiara com as mechas trançadas. - Nós éramos amigas, ela sempre vinha até mim quando precisava de conselhos. Matteo era uma figura, com apenas um ano de idade já corria pelas escadas e quebrava a maioria dos objetos do salão.

Pude notar um olhar nostálgico em sua expressão, assim como o sorriso refletia os olhos.

– Ela não tinha muito tempo para ficar com a criança, então eu cuidava do pequeno a maior parte do tempo. Mas então eu recebi uma carta de sua mãe, dizendo que estava grávida.

Arqueei as sobrancelhas, não entendendo.

– Sua mãe sempre foi uma grande amiga para mim, querida, desde a infância. Talvez muito, muito mais do que a Rainha. Apesar de gostar tanto de trabalhar aqui, não hesitei em ir ajudar Adelaide. A Rainha entendeu meus motivos e também não hesitou em me deixar ir embora, afinal, haviam muitas outras damas para cuidar do pequeno Matteo.

Eu sorri, nunca deixando de olhá-la.

– Cuidei de sua mãe durante toda a gravidez e, quando você nasceu, foi a maior felicidade do mundo. Seus pais não se aguentavam de tanta alegria e, quando Adelaide não podia, cuidei de você como se fosse minha própria filha. Nunca fui capaz de deixá-la, e nem nunca serei. Por isso estou aqui.

Senti meus olhos arderem e minha garganta secar, mas me contive.

– Fico feliz em ouvir isso, Betta. Vou precisar de você aqui.

– Ficarei quanto tempo você quiser, querida.

– Quando meus pais vão embora? - Perguntei assim que ela terminou de arrumar meus cabelos, levantando-me em seguida.

– Amanhã pela tarde.

Fiz uma careta, olhando meu reflexo no espelho.

– Você vai ficar mesmo, não é? Se você for embora também, vou ficar completamente sozinha.

Betta sorriu, concordando.

– Vou ficar, Flora. Não se preocupe. - Ela ajeitou meu vestido e apertou meus ombros levemente. - Agora, vá! Os Amairani não gostam de atrasos.

Revirei os olhos e segui em direção a porta para logo em seguida descer a infinita escada do castelo, em direção à grande mesa de jantar.

– Flora - Matteo se levantou da cadeira na ponta da mesa assim que me viu, sorrindo sinceramente. - Bom dia.

Ele veio até mim e pegou minha mão na sua, levando-a até os lábios e depositando ali um beijo suave.

– Espero que tenha dormido bem. - Ele disse enquanto afastava a cadeira ao lado da sua para que eu pudesse me sentar.

– Muito bem, obrigada. - Eu me sentei, sorrindo agradecida.

– Que bom. Fiz questão de pedir a Betta que deixasse seu quarto aqui tão confortável quanto ao seu na Itália. - Matteo sorriu, sentando-se também.

Arqueei as sobrancelhas em uma expressão surpresa. Eu não sabia que ele se lembrava de Betta, afinal, ele era muito novo quando ainda ficava aos cuidados dela.

– Você se lembra dela? - Perguntei, olhando-o.
Uma expressão confusa passou rapidamente pelo seu rosto, mas logo ele sorriu.

– Claro que me lembro. Por que eu não me lembraria? Ela cuidou de mim durante muito tempo.

– Você era muito novo, por isso eu...

– Novo ou não, sempre vou me lembrar de Betta. Ela passava a maior parte do tempo comigo.

– Ela me disse.

Duas criadas entraram no salão e começaram a servir um verdadeiro banquete; frutas, torradas, sucos, geléias e outras muitas coisas encheram a mesa.

– Disse, é? - Matteo sorriu divertido enquanto enchia seu copo e o meu de suco.

– Ela disse que você sempre destruía todos os objetos do salão.

Matteo deu uma risada alta, inclinando levemente a cabeça para trás. Fiquei hipnotizada por um momento, mas não durou muito, entretanto.

– Eu destruía mesmo. Talvez os objetos preferidos de minha mãe.

– Um grande pirralho, imagino. - Sorri após bebericar um gole do suco.

– Imagino que sim.

Sorri timidamente e desviei meus olhos do seu, deixando-os fixos no meu prato cheio de comida. Talvez Matteo fosse pensar que eu era uma esfomeada com tanta comida no prato, mas eu não me importei. Eu apreciava muito todas as comidas existentes no mundo e eu esperava um dia experimentar todas.

Uma risada baixa vinda dele chamou minha atenção e então voltei meus olhos em sua direção, questionando-o com os olhos. Ele me encarava com um olhar divertido, quase como satisfeito.

– Alguma coisa divertida que o senhor queira compartilhar, Alteza? - Perguntei em um tom falsamente doce, olhando-o com as sobrancelhas arqueadas.

Era estranha toda aquela situação. Era o meu primeiro dia de casamento e ainda assim era estranho acreditar que aquele diante de mim era meu marido. Eu ao menos o conhecia. Eu ao menos sabia qual sua cor favorita.

– Você é bem divertida, se quer saber.

– Que bom saber que sou um ótimo entretenimento para você. - Resmunguei enquanto revirava os olhos, controlando a vontade de mandar-lhe o dedo médio.

Matteo riu novamente e mordeu sua torrada cheia de geléia, nunca desviando os olhos de mim.

– Ah, você é mesmo. - Disse ele de boca cheia, rindo um pouco mais em seguida.

Naquele momento, com sua naturalidade, pude perceber que ele era tão jovem quanto eu, apesar de ser dois anos mais velho. Éramos apenas adolescentes e agora tínhamos que nos conformar com as responsabilidades que cairíam por cima de nós. Eu realizei que, apesar de estar naquele ramo a muito mais tempo que eu, obviamente, Matteo também era uma pessoa normal, só que com muito mais dinheiro do que noção. Matteo era como eu, e talvez também estivesse assustado tanto quanto.

– Ora essa, onde estão os seus modos? - Eu o reprovei fingidamente.

– Provavelmente vagando pelo castelo. - Retrucou ele, recostando-se satisfeito na cadeira.

Controlei a vontade de falar que ele fosse procurá-los então e me deixasse sozinha para apreciar em paz toda a comida em minha frente. É claro que se eu falasse alguma coisa desse tipo, eu seria expulsa dali para nunca mais voltar, apesar de o casamento manter-se intacto. Revirei os olhos novamente e balancei a cabeça negativamente.

Um silêncio se apossou do salão e então as únicas coisas que podíamos ouvir eram o tintilar de gelo nos copos e garfos e facas contra os pratos. Uma ideia que já se passara por minha cabeça várias vezes me tomou mais uma vez e imaginei que Matteo saberia responder melhor do que Dante. Antes que eu pudesse me deter, eu perguntei:

– E se todos nós falássemos uma língua diferente?

Matteo parou o garfo com bolo próximo a boca e me olhou, com as sobrancelhas arqueadas. Ele recolocou o garfo no prato e apoiou os braços na mesa, fixando os olhos nos meus.

– Algum motivo bom o suficiente para esse tipo de pergunta? - Perguntou ele em um tom de voz baixo, quase como uma repreensão.

Não entendi sua reação, mas logo pensei que talvez esse tipo de assunto fosse proibido ou desconfortável para alguém dentro do governo.

– Só curiosidade. - Respondi receosa, remexendo-me na cadeira desconfortavelmente.

– A curiosidade matou o gato, você sabe. - Ele deu de ombros, colocando o pedaço de bolo na boca, afinal.

Franzi o cenho, tomando suas palavras como, por assim se dizer, uma ameaça.

– Sorte a minha que não sou um gato curioso, e sim um ser humano curioso. Um ser humano que, a propósito, é agora sua esposa e futura rainha. - Sorri ironicamente, cerrando os olhos em sua direção.

– Bom argumento. Realmente, sorte a sua.

Direcionei-lhe uma expressão enfezada, uma vontade louca de puxar seus cabelos se apossando de mim.

– E então?

– O quê?

– Como seria se todos nós falássemos uma língua diferente?

– Por que tanto interesse? Não faz diferença nenhuma. Falamos todos a mesma língua e pronto.

– Mas e se não falássemos?

Ele bufou e revirou os olhos, apoiando as mãos nos braços da cadeira.

– Se falássemos línguas diferentes, seria um mundo diferente. Um mundo onde os Estados Unidos não tenha dominado quase toda sua parte.

– Um mundo livre, você quer dizer. - Falei desdenhosa, desviando meus olhos dos seus.

– Somos todos livres, Flora, apenas temos regras a seguir.

– Não tive liberdade alguma quando fui obrigada a me casar com você.

Matteo fechou os olhos e respirou fundo, talvez contando até dez para que mantesse a paciência para que não explodisse.

– Não sei se você se lembra, mas eu também não tive. - Disse ele afinal, olhando-me novamente, os olhos em chamas.

– Então você está se opondo ao mundo livre que diz.

– Como eu disse, temos regras a seguir.

– Para tudo há uma regra, como pode dizer que somos livres? Talvez devêssemos todos falar uma língua diferente.

– Isso não quer dizer que podemos. Que língua você falaria, a propósito? Como faria todas as pessoas a falarem?

– Sei falar italiano.

– E daí? Isso não muda nada.

– Eu poderia, como rainha, fazer com que meu povo falasse italiano.

Matteo deu uma risada de escárnio, balançando a cabeça negativamente.

– Mesmo que conseguisse, os Estados Unidos ficariam sabendo e viriam até aqui para baní-la.

Pisquei rapidamente, olhando-o com a expressão confusa.

– Desculpe, por dizer baní-la, quero dizer puní-la severamente. Matá-la, quem sabe. Como eu disse, a curiosidade matou o gato.

– Mas isso não é mais sobre curiosidade!

– Flora, acredite em mim, você não quer fazer com que seu povo fale uma língua diferente. Não somos nada perto do governo que comanda o nosso governo.

– Mas...

– O idioma que as pessoas de nossos países falavam antigamente - Ele me interrompeu, olhando-me fixamente. - não existe mais. Acabou. E já faz muito tempo. Mesmo que você soubesse falar extremamente bem esse idioma, não adiantaria em nada. As pessoas provavelmente ririam de você, também, caso resolvesse seguir com essa ideia louca.

– Há quanto tempo?

Matteo franziu a testa, não entendendo minha pergunta.

– Há quanto tempo que esses idiomas não existem mais?

– Você deveria ter aprendido isso na escola, Flora. - Ele resmungou nervoso, coçando a nuca.

– Não tive interesse algum em prestar atenção.

Ele bufou, mas logo respondeu:

– Há muito tempo. Um século, talvez dois. Ou mais, ninguém tem certeza. - Recostou-se folgadamente na cadeira, encarando-me intensamente. - Alguns dizem que foi logo depois da Terceira Guerra Mundial, outros dizem que foi bem no início da Quarta.

Engoli em seco, temendo minha seguinte pergunta.

– Você acha que pode haver uma Quinta?

Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.

– Uma Quinta Guerra Mundial?

Concordei com a cabeça, ansiosa por sua resposta.

– Por que haveria? Não vejo motivos para ter uma outra guerra, ainda mais mundial.

Por tudo o que eu havia aprendido na escola, eu sabia que os Estados Unidos haviam dominado toda a América do Norte, toda a África e toda a Europa Ocidental, onde, de fato, nos encontrávamos. Éramos um bando de pessoas inocentes dominadas por um só país capitalista. Seguíamos suas regras de acordo com o que nosso Governo podia ou não modificar.

Eu sabia, também, que antes de todo o caos acontecer, durante um longo período, a maioria dos países adotavam um sistema Republicano - nada de reis e rainhas e nobres. Apenas uma pessoa governava um país, mas viviam em uma sociedade democrática; todas as pessoas tinham seus direitos e sua liberdade, apenas o consenso de certo e errado já bastava. Entretanto, no final da Terceira Guerra Mundial, causada por interesses econômicos e de posses a partir de conflitos entre os Estados Unidos e a Rússia, tudo isso já estava mudado.

Nenhum outro país, além dos poucos que conseguiram sufocadamente se livrarem, havia escapado das garras dos Norte-Americanos, estavam todos condenados.

Os Estados Unidos haviam ganhado a guerra e a Rússia acabara destruída. Apesar de outros vários países terem lutado extremamente por sua própria liberdade, não adiantara de nada. Após a vitória, os EUA, com todo o poder nas mãos, mudou drasticamente todo o sistema dos países que acabaram falidos, Grécia e Itália inclusos. E então ali estávamos nós, em um sistema de Monarquia, com reis, rainhas e nobres. Nada de expor sua opinião diante dos Grandes Governadores e nada de desrespeitar o certo e errado que os mesmos impunham. Era como se estivéssemos vivendo na Idade Média novamente, só que de uma forma muito pior.

Acreditar que não havia motivo algum para uma outra guerra era, de fato, estupidez. Os Estados Unidos ainda não tinham todo o poder que queriam. Ainda havia uma parte da Europa para dominar, assim como a América do Sul, a Ásia e a Oceania. Se eles já tinham dois continentes e meio nas mãos, por que não tomar todo o resto?

– Em que está pensando? - A voz de Matteo me tirou dos pensamentos conflituosos em minha cabeça e eu o olhei, sem demonstrar nenhuma emoção.

– No quanto essa geléia é deliciosa. - Sorri, mordendo a torrada com a geléia em seguida.

Ele sorriu de volta, concordando. Talvez eu não devesse pensar tanto nisso e nem devesse tocar nesse mesmo assunto com Matteo. Engoli em seco, guardando todas as minhas dúvidas dentro de mim e só para mim.

***

Em frente aos grandes portões do castelo, minha mãe me abraçava ternamente, enquanto meu pai conversava de uma forma bem discreta com o Rei, com Matteo ao seu lado, em uma postura extremamente ereta - a mesma postura que usara durante nosso casamento, a fim de mostrar confiança e auto-controle. Mais uma vez, eu o invejei por isso.

– Flora - Minha mãe murmurou se afastando minimamente e colocando meu rosto entre suas mãos macias, seus olhos fixos nos meus, transmitindo-me um conforto e segurança que apenas ela era capaz. Senti uma vontade imensa de chorar, mas eu me esforcei ao máximo para me conter, forçando as lágrimas teimosas a ficarem onde deveriam. - Não faça nenhuma besteira. - Ela sorriu carinhosamente, colocando uma mecha de cabelo atrás de minha orelha.

Uma risadinha fraca escapou por meus lábios e eu a abracei novamente, mas logo nos afastamos novamente, encarando uma a outra. Quis pedir para que ficasse comigo e não me abandonasse sozinha naquele lugar tão desconhecido por mim, mesmo que Betta estivesse por perto, mas também me contive, e apenas mantive um sorriso fraco nos lábios, concordando lentamente com a cabeça.

– Estou tão orgulhosa, querida. - Continuou ela, sua voz tão suave quanto o canto de uma sereia. - Sei que foi tudo uma surpresa. Muito rápido, e também muito confuso. Mas eu só quero que se esforce para dar o melhor de si mesma, porque sei de tudo o que você é capaz.

Sem que eu pudesse me controlar novamente, as lágrimas teimosas finalmente rolaram pelo meu rosto e um soluço de pura suplica correu por minha garganta, e então eu abracei minha querida mãe novamente.

– Mãe - Eu disse com a voz embargada, apertando-a contra mim. - Eu não estou pronta para nada disso. Não faço parte de nada disso. Como posso estar aqui?

Eram tantas dúvidas, tantos conflitos que ecoavam em minha cabeça. Por que eu? O que eu tinha a ver com tudo aquilo?

– Filha. - Sussurrou minha mãe enquanto secava minhas lágrimas com os polegares, suavemente. - Flora, meu amor. Não peça por respostas que já não mudarão nada nesta altura do campeonato. Só viva o que a vida lhe ofereceu, agora. Estamos muito orgulhosos e queremos que você também esteja. Isso é o que basta.

Balancei a cabeça negativamente, porém incapaz de pronunciar mais alguma palavra. Minha mãe me beijou delicadamente na testa e logo se afastou um pouco mais, dando um espaço para que meu pai, de repente ao nosso lado, falasse comigo.

Bem no fundo, senti uma vontade intensa de mandá-lo para o inferno ou alguma coisa parecida ou ainda pior. Se eu estava ali, era tudo culpa dele.

– Flora, minha menina. - Eu podia muito bem ouvir o orgulho ecoando em sua voz, mas a raiva que eu sentia não dava espaço para o carinho imenso que eu sentia por ele no momento. - Estou tão imensamente feliz e orgulhoso que mal posso colocar em palavras.

Com as costas de minhas mãos, enxuguei as últimas lágrimas que escorreram e dei um sorriso irônico, sem vontade de dirigir-lhe uma palavra sequer.

– Sei que está brava comigo - Continuou ele, aproximando-se um pouco mais e dizendo em um tom mais baixo, para que apenas nós dois escutássemos -, mas espero honestamente que me perdoe e me entenda. Não fiz isso apenas por mim, sua mãe, seu irmão ou pelo resto da Itália. - Sua mão veio de encontro à minha bochecha, acariciando o local com uma delicadeza que ele nunca havia usado comigo, apesar de sempre carinhoso. - Fiz, principalmente, por você. Espero que perceba isso de acordo com o tempo e seja imensamente feliz com o que a vida - e eu, em parte - oferecemos a você. - Ele deu um sorriso terno e depositou um beijo na bochecha que acariciava. - Amo você, querida. Por favor, não me odeie por esta situação. Só quero seu bem e sua felicidade.

Por um momento, quis empanturrá-lo de perguntas do tipo "como posso ser feliz se mal conheço ninguém neste lugar?", "como posso ser feliz se você tirou a felicidade que eu já tinha?", "como posso ser feliz em um lugar onde não pertenço?", mas desisti ao ver seu olhar sincero e sua expressão de ternura e, ao mesmo tempo, quase que de arrependimento. Talvez eu estivesse sendo egoísta ao pensar somente em meus sentimentos. Eu agora pertencia, mesmo que contra minha vontade, a um lugar onde ele não estaria. Não era somente eu que estava abrindo mão de muitas coisas. Meus pais, principalmente, abriam mão de sua filha mais velha.

Meus olhos marejaram mais uma vez e então eu o abracei fortemente, sem dizer nenhuma palavra.

Desviei meus olhos em direção a Matteo, que assistia à cena atentamente, uma expressão suave e compreensiva no rosto, enquanto seu pai tagarelava em seu ouvido, apesar de não ser escutado.

– Vamos sentir saudades, filhinha - Minha mãe disse ao se aproximar novamente, um sorriso triste no rosto.

– Eu também. - Respondi tristemente, afastando-me de meu pai. - Mande um beijo bem estalado para Toni.

Meus pais sorriram largamente.

– Viremos fazer uma visita em breve, assim esperamos, e então o traremos conosco. Ele vai ficar loucamente feliz.
Dei uma risada breve, concordando.

– O carro chegou, Sr. Bertolazzo. - O Rei anunciou gentilmente.

Meus pais concordaram e, após mais alguns abraços e beijos, seguiram em direção à grande limousine que os esperavam logo à frente. Meu pai foi o primeiro a entrar no carro, e minha mãe, após uma última olhada e uma piscadela engraçada, também o seguiu. Sorri carinhosamente, acenando com uma das mãos.

O carro deu partida, e então meus pais já não estavam mais ali. Sozinha, mais uma vez, apesar de ter um marido postado ao meu lado, como se demonstrasse que estava ao meu lado. Um marido desconhecido, que era apenas dois anos mais velho que eu e tão inexperiente com a vida, não mais do que eu, obviamente.

Eu o olhei com um sorriso fraco no rosto e fui retribuída veemente, enquanto ele envolvia meus ombros com um de seus braços fortes.

***

– Não entendo porque vou ser a Rainha da Itália e Matteo, o rei. - Comentei enquanto Betta e eu caminhávamos pelo jardim do castelo.

O sol estava quente e brilhava acima de nossas cabeças, o que acontecia raramente na Itália.

– Quero dizer, Federico é quem deveria ser o Rei da Itália, afinal, ele é o herdeiro real do trono.

– Eles precisavam de uma aliança o quanto antes, minha querida, e a Grécia era o único país disposto a se aliar com a Itália e, da mesma forma que Federico é filho único, Matteo também é. - Betta explicou e ofereceu-me o braço; segurei-o sem hesitação.

– Não acredito que a Grécia tenha sido o único país disposto a se aliar com a Itália. Digo, não é possível que não tenha nenhum outro país que também precise de uma aliança e que tenha uma herdeira que pudesse se casar com Federico.

– Acredite, Flora. - Disse ela, em um tom baixo. - Nenhum outro país estava disposto a se aliar à Itália. Nosso país está em baixa, nenhum outro queria se arriscar.

Concordei com a cabeça, sempre olhando o caminho à minha frente.

– Seu pai é muito amigo do Rei Icaro, talvez tanto quanto sou de sua mãe, para você ter uma noção. Ele imaginou que te dispor a um casamento com o herdeiro do país que fosse se aliar, ajudaria a todos, inclusive a você e sua família.

– Meu pai praticamente me vendeu. Como um objeto. - Eu resmunguei, deixando que a amargura aparecesse em minha voz, apesar de ainda sentir um aperto no peito ao me lembrar de suas palavras no dia anterior, em nossa despedida.

– De modo algum, querida. - Ela se opôs imediatamente, mas logo pareceu pensar um pouco e refez sua fala: - Tudo bem, talvez em parte pareça isso, mas a intenção nunca fora essa. Ele quis proteger você, sua mãe e todo o país. O Rei conhece você desde quando era apenas um bebê; ele chegou a imaginar, acredito eu, que você pudesse até se casar com Federico algum dia, mas as circunstâncias não foram essas.

– Quase me casei com Federico. Mas minha mãe se opôs à ideia de uma forma muito severa, não entendi muito bem, na verdade.

– Sua mãe chegou a mencionar isso, mas achei que fosse apenas uma hipótese. - Betta me olhou surpresa, com as sobrancelhas arqueadas. - De qualquer forma, pense por um lado positivo. Agora que você se casou com Matteo, você tem a chance de salvar nosso país. As pessoas vão te adorar ainda mais.

– Onde é que meus sentimentos se encaixam nessa história toda?

– Se você está falando sobre Dante, acredito que esteja na hora de desencanar, por assim se dizer. Vocês dois sabiam que essa história não daria em nada.

– Mas eu o amo. - Sussurrei, sentindo meus olhos marejarem e minha visão ficar embaçada. - Ele estava aqui, no dia do casamento.

– Por Deus, Flora! De modo algum você pode repetir isso novamente aqui neste lugar. - Ela me repreendeu, apertando meu braço contra o seu. - Você agora é esposa do Príncipe Matteo Amairani e precisa enxergar a profundidade disso. - Seu tom agora era severo, assim como seu olhar. - É muito mais do que uma grande coisa. É enorme. As pessoas veneram este garoto e agora passarão a venerar você também. Sei que dói ouvir isso, mas seu sentimento por Dante, perto disso, não é nada. Você precisa esquecê-lo.

Antes que eu pudesse evitar, as lágrimas logo estavam escorrendo em meu rosto, borrando a pouca maquiagem que Betta fizera em mim logo cedo.

– Não chore, querida. - Ela sussurrou e parou de andar, ficando em minha frente. - Ele estava aqui no dia do casamento porque sua família precisava de um dinheiro extra, e trabalhar de garçom em uma festa da realeza gera uns bons trocados para pelo menos duas semanas.

– Ele ainda está aqui? - Perguntei, sentindo um aperto no peito.

– Sim, fazendo mais umas horas extras na cozinha, mas partirá amanhã logo cedo.

Antes que eu pudesse perguntar, ela se apressou em dizer:

– Nem pense em perguntar se pode vê-lo, sei que não sou sua mãe, mas você é como uma filha para mim, e a resposta é não. Se alguém indevido ficar sabendo, não sei nem o que pode lhe acontecer. Por favor, não faça nenhuma besteira.

Engoli em seco e abaixei a cabeça, balançando-a positivamente.

– Flora, tenha paciência, com o tempo tudo dará certo. - Ela murmurou ternamente, acariciando meu braço em seguida. - Matteo é uma boa pessoa, e está tão assustado em relação a isso quanto você. Dê tempo ao tempo e vocês poderão se conhecer e gostar um do outro. Nada é impossível. Esquecer seus sentimentos por Dante é o melhor a se fazer, porque assim você abrirá espaço para seus deveres como Rainha e para sua relação com Matteo.

Balancei a cabeça e envolvi meu corpo com os braços, piscando rapidamente.

– Agora, vá lavar o rosto. - Betta disse calmamente, envolvendo meus ombros com um de seus braços. - Abra um sorriso e esqueça todo esse sofrimento dentro de você. Eu só quero te ver bem e tenho certeza que Matteo é capaz de fazer isso. Vi como ele olha para você. - Ela sorriu enquanto me guiava de volta para dentro do castelo.

Dei uma risada fraca, achando graça de suas palavras. Matteo só me via como uma forma de se aliar ao meu país e, assim, governá-lo junto do seu.


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