[Antes dos homens, dizem as lendas, existiam os deuses. E antes dos deuses, os titãs. E antes dos titãs — o Vazio.]

Tudo começa com a escuridão. O vazio e a inexistência — a inconsistência e a inconsciência. Na escuridão, porém, também existe a inconstância. Tons cinzentos de nada. Dessa inconstância surge o inimaginável, o palpável, a existência — das camadas intermináveis de um cinza no vazio surgem as titãs. Eles carregam as principais características do que antes era nada: inconsistência e inconsciência e inconstância. Os titãs guerreiam e gritam e vivem no Vazio, no grande e imensurável nada.

Surge o eu. Surge o nós. Surge o eles e o vocês e todas as variações de convivência — mas os titãs são irracionais e irreais e suas existências cinzentas nada significam; eles nem ao menos vivem em sociedade.

Até o surgimento dos deuses. Talvez surgidos de restos cinzentos de titãs, talvez surgidos da mesma forma que os titãs: de camadas e camadas de Vazio — ninguém sabe. Aceita-se que os deuses nascem dos titãs, e que são suas versões moderadas. Caos. Imortalidade efêmera. Criaturas com uma forma de pensar primitiva e um vago senso de comunidade.

A partir dos deuses e titãs e restos de Vazio e escuridão são formadas todas as coisas — rocha e água e fogo, e mundo e galáxia e universo. Mas é da crueldade infinita dos deuses que surgem os homens.

Inquietos e imperfeitos — coisas. Eles desenvolvem a consciência abandonada por deuses e titãs e criam o que chamam de humanidade — apenas outro tom de cinza que nada significa para o imensurável Vazio.

E em verdades ditas: não importa o que venha depois dos homens, ou o que tenha acontecido antes deles. A única certeza é que tudo começa com a escuridão; nada é mais justo que, no final, tudo retorne à escuridão.