Imagens do Inconsciente escrita por Marcela Melo


Capítulo 25
Capítulo 25




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— Chegamos senhorita. — O taxista informou tirando Samantha de seus pensamentos. — São dezoito reais.

— ok. Fique com o troco. Obrigada. — Samantha desceu do carro sem saber como entraria no hospital. Aguardou alguns minutos enquanto observava a movimentação.

O hospital St. Montreal era um complexo especializado em neurologia. Possuía uma grande faixada muito branca, com as inscrições do nome do hospital em prata. Dava uma sensação de claridade, mesmo à noite. Passados alguns minutos, Samantha se sentia exposta o suficiente para continuar ali parada. Precisaria tomar uma decisão.

Com a adrenalina pulsando em seu cérebro, Samantha foi até à recepção. Atrás de um balcão muito trabalhado, estava uma atendente jovem, com cabelos curtos e um olhar cansado. Provavelmente estava trabalhando a quase doze horas e não via a hora de ter um descanso. Samantha se dirigiu até a ela, sem sorrir.

— Boa noite. Gostaria de saber notícias do Rafael, a família dele me proibiu de vir aqui me acusando de estar envolvida em tudo isso, mas eu jamais o faria mal, só quero saber como ele está. — Samantha foi bem convincente, parecendo desesperada.

— Calma moça. Eu não posso dar informações sobre um paciente para uma desconhecida.

— Eu não sou desconhecida. Sou namorada dele, mas como sou pobre, não era bem o que queriam para o caçula da família. Eles não me falam, não me atendem. Por favor, você precisa me ajudar.

A atendente olhou o relógio e depois olhou de volta para Samantha. Esta tentava manter seu disfarce, parecendo desolada. Por fim, a moça cedeu.

— Segundo quarto à esquerda. Apenas dez minutos. Não posso lhe falar nada a respeito da saúde dele, não tenho acesso. Aproveite que está vazio e, se alguém lhe pegar lá eu nego até a morte que lhe deixei entrar.

— Ninguém vai me encontrar. — Samantha disse dando um beijo no rosto da garota. — Não se preocupe.

Samantha abriu a porta vagarosamente espiando o quarto. Seu coração batia tão forte que temeu que alguém pudesse ouvir. Entrou silenciosamente fechando a porta atrás de si.

Deitado sobre a cama, no centro do quarto estava Rafael. Sem toda a máscara que o cercava e os efeitos das drogas, Samantha poderia até achá-lo um rapaz bonito, mas seu ódio era mais forte. Tudo o que via era alguém que desejava ferir.

Samantha se aproximou. Ficou olhando sua vítima bem de perto e lágrimas desceram de seus olhos. As imagens de Rafael tampando sua boca e tocando seu corpo doíam na mente, estando mais intensas do que nunca. Por alguns momentos viveu tudo aquilo novamente, sentindo a dor de quando Rafael a invadiu, rompendo sua virgindade. Sentindo a vergonha de estar totalmente vulnerável ao olhar e as ações daquelas pessoas. Ela se aproximou, vendo, sem entender, um monte de resultados nas telas dos aparelhos que estavam conectados a ele. Chegou mais perto e constatou que seus olhos estavam abertos.

— Então você está acordado? Estava aqui pensando quais desses aparelhos ainda te mantém vivo. Olha só isso, devia se ver agora a mercê de algumas máquinas que, por pura ironia estão ao alcance das minhas mãos.

Samantha olhava nos olhos de Rafael, mantendo se firme para não sentir pena ou amolecer. Ele a olhava de volta, querendo falar alguma coisa, sem conseguir emitir nenhum som.

— Por quê fez tudo aquilo? Por quê quis me fazer mal? Eu era só uma garota chegando em casa, não ia atrapalhar a festa. Seria tão incapaz de resistir seu impulso escroto e me deixar em paz? — Samanta aumentou a dosagem de um dos frascos de medicação ligado à Rafael. — Você e seus amigos destruíram minha vida, e eu vou destruir a de vocês. Não foi por acaso que "apareceu" drogas para você. Você não usou tudo que lhe mandei, mas é até bom. Ficará aqui, nessa cama, vendo seus amigos morrerem, um a um até chegar sua vez.

Samantha se levantou e aumentou também o fluxo do oxigênio. Ficou observando como Rafael se desesperava com a dificuldade de respirar e sorriu quando viu uma lágrima caindo pelo canto dos seus olhos. Saiu do quarto em silêncio, indo rápido para a recepção.

Faltava apenas 10 minutos para que a atendente que deixou Samantha entrar fosse embora. Samantha lhe deu um "tchau" despistado e sussurrou antes de sair:

— Acho que há algo errado com os aparelhos, talvez fosse melhor avisar uma enfermeira. Obrigada. — Saiu em seguida desaparecendo na rua escura, cercada por árvores altas, que levavam à orla. Caminhava lentamente, enquanto no hospital a moça da portaria comunicava à chefe de enfermagem:

— Passei pelo quarto 326 e o paciente não parece normal. Talvez fosse necessário fazer uma checagem.

Realmente Rafael tinha dificuldade para respirar e estava entrando em choque anafilático por excesso de remédios. Se tivesse ficado calada, naquela hora sua vida já teria se esvaído, no entanto, Samantha não pretendia isso por agora.

Havia algum movimento pelas ruas, pessoas em seu vai e vem rotineiro, buscando preencher algum vazio dentro de si. Samantha sentou-se em um banco observando tudo isso. Houve um tempo em que queria entender as pessoas, buscava encontrar os arquétipos que moldavam cada personagem dessa história. Houve um tempo em que acreditava no equilíbrio, sabia que existia duas forças que contribuíam simultaneamente para que as pessoas fossem humanizadas, mas hoje, tudo o que sabia é que não existe clareza nessas afirmações. O ser humano é mal por natureza e seus interesses estão acima de qualquer vertente. Olhando as ondas que se quebravam ai longe, Samantha constatou que não acreditava mais nas pessoas.

Ao chegar em casa Leonardo conversava, ou discutia, com uma garota no portão. A menina chorava enquanto ele tentava lhe explicar alguma coisa. Vendo Samantha, parou de falar.

— Boa noite. — Samantha falou com frieza tentando passar pelo portão.

— Onde você estava? E porque está sempre sozinha, é perigoso ficar perambulando por aí.

— Leonardo, não me lembro de lhe dever satisfações. O que está fazendo com essa menina, olha o estado dela. Você não vai crescer nunca? — Samantha falava como se estivesse apenas os dois no local. Na verdade só queria saber quem era a menina, pouco lhe importava se ela estava bem ou não. Sentiu um ciúmes incomum do primo e lançou um olhar de desprezo a eles. Entrou sem esperar respostas fechando a porta atrás de si com uma força desnecessária.

Mesmo querendo, Leonardo não seguiu Samantha, deixou que ela fosse com sua arrogância tentando convencer a garota que estava à sua porta, em prantos, que tudo que tivera com ela fora apenas um momento e havia terminado. A menina não queria entender e a paciência de Leonardo não duraria tanto.

No interior da casa um telefone chamava insistentemente. Já era tarde, Lurdes não estava, Samantha não atendia e ninguém mais parecia se incomodar com o barulho.

— Preciso ir. Isso aqui já se estendeu além do que precisava.

— Vai se arrepender, Leonardo. Ninguém me dispensa assim.

— Tchau, Silvana, não me procure mais. — Leonardo entrou sem ouvir as novas ameaças que Silvana gritava. Atendeu o telefone e anotou o recado de que seu pai precisaria comparecer ao hospital.

— Pai? Estão ai? — Leonardo batia na porta do quarto de seus pais tentando não assustá-los. Não ousaria entrar lá, mesmo sabendo que nunca trancavam a porta. Depois de alguns minutos, que pareceram horas, seu pai respondeu sonolento:

— Leonardo, é você? O que houve?

— Ligaram do hospital. Algo com tio Rafael.

Júlio e Martha se levantaram as pressas. Enquanto Martha se vestia, Júlio ligava para o hospital na tentativa frustrada de obter informações. No hospital os médicos responsáveis por Rafael estavam atônitos. Havia duas situações possíveis: ou Rafael estava levando-os acreditar no coma, sem que esse existisse, ou houvera um "milagre" de Rafael acordar exatamente quando teve uma intoxicação por excesso de medicação e um choque anafilatico por excesso de oxigênio. A primeira opção era mais provável. O que não conseguiam explicar realmente era como, de repente, as dosagens de seus recursos foram aumentadas.

Júlio sabia muito bem que Rafael era capaz de fingir qualquer situação que lhe coubesse algum proveito, mas queria explicações sobre como o hospital mais caro do estado do Rio de Janeiro não fora capaz de identificar uma farsa de um paciente. Isso o deixava perplexo. O que não entendia era porque seu irmão mais novo preferia viver em uma cama de hospital, em que havia se metido para precisar se esconder de uma maneira tão imediata. Seus anos de advocacia lhe dera experiência suficiente para lidar com essas situações e, mesmo se sentindo mal por invadir a vida de seu irmão, na manhã seguinte ligaria para seu amigo e detetive Roger e descobriria o que estava havendo.


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