Imagens do Inconsciente escrita por Marcela Melo


Capítulo 19
Capítulo 19




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Samantha chamara um táxi e voltara para casa. A chuva agora era intensa e a madrugada, mesmo úmida, do Rio de Janeiro era quente.

No rádio do taxista ecoava um blues suave, Samantha não conhecia, gostava da melodia que, ora era estridente, ora era calmaria, quebrando o silêncio de forma animada.

As ruas agora estavam quase desertas, a não ser por um moribundo ou outro que vagueava explorando as lixeiras em busca de comida. O taxista não ia pela orla, dizendo que poderiam chegar mais rápido se passasse pelo morro. Samantha não teve medo. Apenas observava, entre a grande torrente de água que escorria na janela, uma paisagem fria e doente cujo ela desconhecia. Não fazia parte do seu mundo.

"Quando acreditamos que o pior já nos aconteceu, deixamos de ter medo e, perdemos toda cautela". Samantha leu isso em algum livro sobre Gandhi, mas não se lembrava. Apenas ficava repetindo em sua mente aquela frase, como se não a quisesse esquecer. Ela não sentia medo, embora andando em um taxi desconhecido, por ruelas alagadas e sujas de uma favela qualquer, as três da manhã.

Por fim chegaram em casa. Samantha agradeceu e pagou o condutor, virando-se rapidamente para abrir o portão. Estava encharcada da chuva que caia incessante.

— Você não deveria andar sozinha a essa hora da madrugada, mesmo que de taxi, senhorita. As ruas escondem temores que são desconhecidos até aos mais valentes.

Samantha virou-se ao notar que o taxista ainda estava lá esperando que ela entrasse.

— Não tenho tanta certeza que haja horrores maiores nas ruas, do que os que habitam meus pensamentos. O medo só nos traz prudência, mas a desilusão é capaz de amedrontar qualquer pessoa. Agradeço a preocupação — Samantha abriu o portão e entrou lentamente — mas não careço dela.

O taxista arrancou o veículo e saiu com um barulho que indicava que perdera tempo. Samantha entrou em casa, contornando pelo jardim para não molhar nada, já que nesse momento estava pingando água de suas roupas. O silêncio era convidativo, entrou na área da churrasqueira para tirar a roupa molhada e, ao menos, torce-la para não molhar toda casa. Sentia frio, mas o sangue que circulava em suas veias ainda era quente.

Colocou a bolsa sobre a mesa de sinuca, tirou a calça jeans que pregava em seu corpo e a blusa azul, ficando praticamente nua com os seios enrijecidos pelo frio. Ao torcer as roupas imaginou que fora um erro tira-las, como ira vestir peças tão molhadas agora?

Samantha olhava para a chuva que caia, mais intensa agora, com seus pingos fortes lavando a grama do jardim e brincando na água da piscina. Seus pensamentos estavam longe. Na Alemanha não chovia tanto assim, e quando chovia, era tão frio que nunca pudera sentir a chuva em sua pele. Ficou relembrando todas as vezes que quisera ir até a rua, brincar na chuva como qualquer criança, fazer cercados e barcos de papel e sempre havia alguém para lhe dizer que não devia.

Ali, pouco mais das três da manhã, ninguém poderia lhe dar ordens. Sentia-se livre, como nunca estivera antes, perdida em seus pensamentos tortuosos e fendas promiscuas de memória. Tirou o que lhe restava das roupas e entrou na piscina, completamente nua.

***

Fazia algum tempo que ouvira o barulho do táxi parara porta, mas Samantha ainda não subira. Leonardo estava acordado, impaciente, esperando quando ela chegasse, não conseguira dormir desde a hora em que ela saíra, louca, do seu quarto. Nas primeiras horas achara que ela só iria dar uma volta, para chamar sua atenção, mas depois a demora para retornar o deixara ansioso. Agora, sabia que ela havia chegado, mas ela não subia.

Desceu as escadas suavemente se lembrando de quando Samantha estava quieta no escuro da cozinha, chamou baixinho por ela, quase sussurrando, mas não teve resposta. Não ousou ascender as luzes e olhava em todos os cantos tentando captar algum sinal que a denunciasse.

Nada! Samantha não estava em casa. Tinha certeza que não ouvira ela subir para seu quarto, mas talvez em um cochilo ele tivesse perdido o momento.

Estava desanimando quando teve o ímpeto de olhar lá fora. A chuva caía forte e talvez Samantha estivesse na sala de jogos. Abriu a porta, atravessou o jardim ficando encharcado. Estava muito escuro, mas poderia assustar Samantha se ascendesse as luzes. Entrou na sala de jogos silenciosa com passos suaves.

— Sam, você está aí? — Não houve respostas. Leonardo estava ficando impaciente, caminhou até o bar de seu pai e ascendeu as luzes internas, elas eram pequenas e fracas, mas dissipara toda escuridão a ponto de permitir que ele visse alguma coisa. Samantha não estava lá, mas sobre uma cadeira estava suas roupas molhadas, sobre a sinuca sua bolsa e bem próximo à porta uma lingerie azul clara, rendada estava largada ao chão.

A respiração de Leonardo ficou ofegante de repente, mal conseguia pensar, mas tinha certeza que onde quer que estivesse, Samantha estava nua. Não poderia invadir sua privacidade daquela maneira e não poderia ir embora dali. Caminhou até a porta que levava à piscina, com toda aquela chuva não enxergaria nada então se aproximou. O frio chicoteava seu corpo. "Samantha é louca, só pode ser", pensou enquanto caminhava para beira d’água. Não conseguia vê-la, mas distinguiu a silhueta de uma pessoa, em pé, em uma das laterais.

— Samantha! — Chamou baixinho, mas ela não se virou.

— Sam, vamos. Está muito frio, saia já daí. Prometo que não vou olhar. — Agora Leonardo estava muito próximo a ela, mas mesmo assim não teve resposta. Algo a sustentava sobre a água, mas Samantha estava muito quieta.

Leonardo tocou seu braço e Samantha não se mexeu, então ele entrou na piscina, agarrou-a pela cintura e a tirou pela beirada, colocando-a sobre o chão frio e duro. Não via quase nada, mas sentiu a boia que a mantia na água, se não fosse por ela, Samantha teria se afogado.

Não havia nenhuma toalha ou roupas secas ali e Samantha estava paralisada de frio. Leonardo pegou todas as suas roupas e a levou, nos braços, para o seu quarto. Não ascendeu as luzes, embora quisesse e o corpo de Samantha, mesmo petrificado de frio, era quente ao encostar no seu.

Depois de enxugar Samantha com sua própria toalha, Leo a deitou em sua cama e a cobriu, mas ela não reagia. Deveria chamar seus pais, mas como iria explicar aquilo tudo? Sentia a adrenalina e o medo se misturarem em seu sangue, deixando-o latente e... quente.

"É isso! Preciso aquecê-la." Tirou a própria roupa, que também estava molhada, vestiu apenas uma cueca seca e deitou ao lado de Samantha, envolvendo-a em seus braços. O corpo dela ainda estava imóvel e frio, muito frio, mas senti-lo incandescia ainda mais seu próprio corpo.

Quando seus pensamentos não se continham mais em sua mente, Leonardo enrolou Samantha em um lençol e a levou para seu próprio quarto, sentia a respiração dela mais regular, em pouco tempo despertaria.

Embora ainda chuvoso, o dia estava clareando, em silêncio Leonardo deitou Samantha em sua cama e a cobriu, para mantê-la aquecida. Deixou seus pertences e suas roupas no chão e saiu silenciosamente. Não queria vê-la despertar.

Em seu quarto sentia o desejo por Samantha arder em seu corpo, corroendo razão e pensamento. A tivera em seus braços, mas não ousaria tocá-la sem sua permissão, mesmo assim sentia cada pulsar do sangue de Samantha em suas veias.

Caia uma brisa leve e fria, Leonardo colocou uma bermuda, pegou sua prancha e foi para a praia. Precisava tirar Samantha da cabeça, mas cada dia menos entendia os caminhos que ela estava trilhando, instigando ainda mais seu interesse nela.


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