Imagens do Inconsciente escrita por Marcela Melo


Capítulo 18
Capítulo 18




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Samantha fechou os olhos e, de repente a cena de Rafael próximo a ela, como as vozes de vários garotos gritando os incentivos mais escrotos, invadiu sua mente. Fora exatamente naquele jardim que ele a possuíra contra sua vontade, e depois a deixou para que os cães terminasse de fazer o trabalho sujo. Samantha sentiu seu corpo estremecer enquanto lembrava dos retratos que ela mesma desenhou de cada um deles, ordenados na parede do seu quarto. Rafael era o penúltimo da fila, ficando antes somente de Leonardo, mas nesse momento, quando ele se virou para olha-la, ela teve o ímpeto de executar todo o plano que vinha planejando, detalhadamente, ali mesmo.

— Está tudo bem, Sam? Você empalideceu de repente. — Júlio perguntou a Samantha ao notar que ela estava paralisada e, mesmo sob a maquiagem, ficara mais pálida, como se estivesse tomado um susto.

— Sim tio. — Mentiu Samantha. — É só o calor!

Samantha saiu sem cumprimentar Rafael e foi direto para seu quarto. A sensação de estar perto dele fez com ela vomitasse, e seu corpo inteiro reagia a sua presença. Quando se reestabeleceu, tomou um banho demorado, deixando que a água, mais uma vez, levasse para longe toda a lembrança do que o irmão do seu tio e seus amiguinhos fizeram.

Enquanto penteava os cabelos, repelindo a vontade de trança-los, Samantha pensou em cada uma daquela pessoas em que pretendera se vingar, há muitos dias planejara todos os detalhes, todos os mínimos detalhes, mas se esquecera de pensar nas famílias deles. Inevitavelmente, alguém iria sentir o que estava prestes a fazer.

Cuidadosamente, retirou todos os desenhos das paredes e os pregou no lado interno do guarda roupa, respeitando a ondem em que estavam. Alguém poderia entrar em seu quarto e achar um tanto estranho aquela “decoração”, por isso, para evitar surpresas os guardou, deitando-se logo depois, adormeceu.

A noite já adentrava quando Samantha despertou, inquieta. Não entendia porque mas sentia-se sozinha e muito elétrica. Tinha o ímpeto de comprar coisas, havia gostado da sensação de prazer ao adquirir todos aqueles objetos sem nenhuma utilidade.

Entrava um ar fresco pela janela, e as cortinas balançavam romanticamente sob uma luz artificial que vinha da rua. O céu estava escuro, com poucas estrelas, mas o calor que emanava afastava toda possibilidade de chuva. Samantha precisava sair e saciar aquela vontade de ver pessoas. Era a primeira vez que experimentava uma sensação de euforia intensa que a impulsionava para o mundo.

Samantha vestiu-se com uma calça jeans justa e clara que deixava as poucas curvas do seu corpo acentuada. O decote da blusa, que também era justa, deixava-a com um ar sensual de ousadia e discrição, mesclados com uma maquiagem que dava destaque aos seus olhos azuis, agora muito claros. Samantha não sabia ao certo onde iria, pegou o celular, uma pequena bolsa e chamou um taxi. Pensou em ligar para Luana, mas sabia que ela estaria estudando ou fazendo algo para um dos seus projetos.

Ao sair, Samantha passou pelo quarto de Leonardo. A porta estava entre aberta e, sem pensar, ela entrou sem se anunciar. Leonardo dormia calmamente com parte do corpo sob a coberta e parte do corpo à mostra. Ela não sabia o que fazia ali, pensou em chama-lo para lhe fazer companhia, mas isso era ridículo... Leonardo era seu inimigo. Deu meia volta minutos depois e já estava saindo quando Leonardo a chamou:

— O que você faz aqui Sam? Precisa de alguma coisa? — Samantha sentiu seu rosto corar. O que diria agora? Qual a estupidez lhe faria entrar no quarto do seu primo? Virou-se lentamente, sentindo o rosto ardendo com o calor da vergonha de ser pega ali.

— Não! Apenas vir ver se estava dormindo. Bati e ninguém atendeu, mas como a porta estava um pouco aberta resolvi conferir.

— Claro, claro. Mas porque você queria saber se eu estava dormindo? — Leonardo se divertia com o embaraço da prima, mas não deixava de pensar no que ela estaria fazendo ali. Não deixou de reparar no quanto estava linda. Seria mesmo sua prima desengonçada, da qual ele tinha vergonha há alguns meses? Porque aquela mudança repentina depois de dias trancada no quarto? Ele não entendia e tinha muitas perguntas, queria saber tudo sobre ela, mas agora só lhe interessava saber porque ela estava em seu quarto.

— Ia lhe perguntar se, além do Cine Leblon, outro cinema estaria aberto por agora, já que são quase dez da noite. Me deu vontade de assistir um filme.

— Você sabe que por aqui não tem. Já me perguntou isso antes.

— Havia me esquecido.

— E você iria ao cinema vestida para uma festa? Vamos Samantha, não somos mais crianças. Se você se olhar no espelho saberá disso.

Samantha olhava fixo para Leonardo que havia se sentado, encostado na cabeceira da cama. Ele estava sem camisa, exibindo um tórax bem definido, queimado do sol. Seus olhos castanhos combinavam com seus cabelos que tinha um ar rebelde. A luz do abajur dava um clima ameno ao quarto, mas não permitia identificar nada que determinasse a personalidade infantil e despojada dele. Fechou os olhos por um momento e sentiu o aroma que exalava, fazendo a lembrar dos momentos em que ambos se divertiam juntos na biblioteca. Sem dizer uma palavra, Samantha saiu do quarto batendo a porta. Desceu as escadas de dois em dois degraus, bateu o portão com mais força do que gostaria e saiu, sozinha, caminhando pela noite escura e vazia da cidade.

— Louca! — Samantha pode ouvir Leonardo gritar da janela do seu quarto, enquanto andava apressada para esquecer seus próprios pensamentos.

A sensação de euforia ainda a convidava a mergulhar no desconhecido, no impetuoso mar que nunca havia mergulhado antes. O desejo por algo novo queimava em suas veias de forma quase impossível de se suportar.

***

Em algum local bem distante dali Rafael também experimentava uma sensação que o avassalava, a culpa. Ele reconheceu Samantha imediatamente, embora ela não se parecesse nada com aquela garota da qual ele violentara, na festa de Leonardo, por noites seguidas ele tivera pesadelos com seus olhos.

Quando ele se virou na cadeira e a olhou, teve que se segurar para não cair, agradeceu em silencio por Samantha não ser tão forte e ter desviado a atenção dele. Porque diabos fora se meter com essa garota, justo a sobrinha da mulher do seu irmão.

Suas mãos suavam e seus dedos tremiam, ele precisava urgente de uma dose de heroína, mesmo que estivesse tentando parar, essa situação exigia. Precisava parar de pensar para então conseguir, de alguma forma, encontrar uma saída.

Saiu sem trancar a porta do flet no qual morava, na Barra da Tijuca, andou um pouco a pé, observando o mar, mas logo pegou um taxi e foi até ao mercado de São Cristovão. O local é um dos pontos turísticos do Rio de Janeiro. A Feira sintetiza o Nordeste e oferece ao visitante tudo que a região dispõe, exibindo, nas suas quase setecentas barracas, sua riqueza tradicional e proporcionando, ainda, a animação característica do local. Mas por trás de tanta atração também havia um dos maiores mercados de entorpecentes do local, já que os fogueteiros se misturavam facilmente com os turistas e visitantes da feira.

Rafael caminhava lentamente entre as barracas esperando aparecer a oportunidade que precisava para adquirir o que fora buscar, quando Samantha o viu. Imediatamente ela se escondeu atrás de algumas pessoas e começou a segui-lo. Ele estava estranho, tal como ela estava em busca de uma satisfação pessoal. Em seu rosto, via-se facilmente as marcas de suor que emanava de si. Samantha desejou saber o que ele estava tramando enquanto se espreitava, quase sorrateiro, sem ser notado, por cantos mais desertos do mercado.

Rafael sentia-se incomodado, a sensação de estar sendo seguido o atormentava. Estaria ficando paranoico? Precisava logo se picar para esquecer todos esses pensamentos que rodeavam em sua mente. Sem ser notado um garoto de uns treze anos se aproximou dele, pegou-o pela camisa e o conduziu para um canto que terminava em uma rua bem tranquila, no exterior no local.

— Você está dando bandeira “tio”. Uma dose são cento e cinquenta pratas.

— Tudo isso? Você está louco?

— Então não compra, mas também não fica igual um idiota procurando. A propósito, aquela loirinha gostosa está te seguindo há um bom tempo, talvez ela queira comprar.

— Quem? Você está louco, não tem ninguém me seguindo... — O garoto já saíra de perto de Rafael e caminha para perto de Samantha, que não hesitou e deixou que o menino se aproximasse, mas caminhou mas para perto de um grupo de pessoas que estavam no ponto de ônibus.

— Por que você está seguindo aquele cara? O que foi que ele te fez?

— Ele é meu namorado. — Mentiu Samantha. — O que ele queria com você?

— Você sabe! Não me faça de idiota. O cara precisa de uma agulha logo, mas não quer me dar a grana.

— Quanto?

— Duzentas pratas.

— Venha. — Samantha chamou o garoto pra dentro do mercado e o garoto a conduziu para uma barraca que ele já conhecia. Havia pessoas, mas nenhuma estava interessada no que estavam fazendo. Samantha entregou o garoto o dinheiro e ele lhe entregou um pequeno envelope com um pó branco.

— Não, espere! Vamos até lá novamente, eu ficarei no ponto e você entrega a droga para ele. Não diga quem lhe mandou.

— E o que eu ganho com isso?

— Você já está levando cinquenta a mais. Acha que não percebi você dizendo o preço para meu namorado?

— Ok, gracinha! Vamos lá então.

O garoto passou por Rafael, que agora estava sentado sozinho no ponto de ônibus, e lhe entregou a encomenda, sem olhar para ele.

— Presentinho da sua namorada. — Sussurrou e sai rápido dali.

Rafael se virou, tentando entender o que estava acontecendo e, de relance, viu Samantha se escondendo atrás de um poste. Se levantou e caminhou até lá, mas ela já havia saído, se perdido no meio da multidão enquanto ele procurava um beco escuro e deserto para se drogar. Sorriu ao ver que, com aquela quantidade, ficaria um bom tempo sem pensar na menina de olhos azuis que lhe atormentava.


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