Imagens do Inconsciente escrita por Marcela Melo


Capítulo 17
Capítulo 17




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Júlio e Martha Carrara chegaram no dia seguinte, conforme planejado. Era final de janeiro e a cidade do Rio de Janeiro estava sendo preparada para o carnaval. Havia muitas pessoas nas ruas, nas praias e bares da cidade. Por todos os lados sentia-se a utopia do clima festivo exalando dos poros de toda aquela gente, somados aos quarenta graus que fazia.

Havia três semanas que Samantha não saia do quarto e não falara com ninguém, mas sabia que, com seus tios em casa, seria impossível permanecer entocada em seu canto, por isso, antes mesmo de receber a intimação de Lurdes, avisando da chegada deles e chamando-a para o café, Samantha resolveu sair.

O sol da manhã ardia em seus olhos. Samantha caminhava lentamente e atenta a quaisquer sinais em sua volta. Sentia um medo incomum da aproximação das pessoas, não confiava em um cumprimento nem em um olhar vindo de quem quer que fosse. O suor em seu rosto demonstrava que não estava bem. Precisava se acalmar, mas seus pensamentos e lembranças dos últimos dias ainda estavam frescos na memória.

A maioria das lojas ainda não estavam abertas o que intensificava o movimento nas ruas. Samantha resolveu caminhar pela orla do mar, aproveitando que ainda não havia tantos banhistas e o caminho estava livre. Com os chinelos nas mãos e os cabelos voando, Samantha via as ondas se quebrarem próximo as suas pernas. O ritmo e o som a fazia se sentir mais calma e a sensação de isolamento trazia uma paz incomum à sua alma.

Depois de andar por toda a orla de Copacabana, Samantha passou por Ipanema, olhando as vitrines chiques e os hotéis convidativos, lotados de turistas animados com a cidade maravilhosa. Pouco antes de ganhar novamente a orla de Ipanema, para continuar seu passeio, agora sob um sol forte e vários olhares em sua direção, algumas garotas passaram por ela e começaram a sorrir, olhando-a. Samantha se irritou com aquela atitude, já estava farta das pessoas olharem para si e sorrirem, debocharem de suas roupas e de seu jeito de ser, mantendo os traços do colégio alemão no qual estudara. Não queria mais ser diferente, não queria ser notada. O sangue esquentava em seu rosto fazendo com que ficasse ruborizada e havia lágrimas em seus olhos, mas continuou a caminhar de cabeça baixa, fugindo de quem era.

Havia pouco mais de uma hora que Samantha caminhava, estava cansada e sentindo o calor do Rio de Janeiro todo dentro de si, seu rosto queimava e, por mais que estivesse próximo ao mar, o clima quente era intenso fazendo com que Samantha sentisse mal estar. Desejou não estar tão longe de casa para poder tomar um banho e refrescar-se, e sentiu a ironia desse pensamento tendo um mar tão azul logo à sua frente. Resolveu entrar no shopping Leblon para comprar um biquíni, sem saber ainda se teria coragem de usar. O ar condicionado do local a deixou confortável e, apesar de não ser uma consumista nata, Samantha gostava de ir aos shoppings e curtir o ambiente, mas hoje queria ser uma consumista normal, como todas as outras consumistas que compravam o que não precisavam, apenas pelo prazer de comprar.

Em todas as lojas que entrara, Samantha sentia o desdém das vendedoras. Talvez elas pensasse que ela não teria dinheiro para pagar ou que só queria olhar as mercadorias, isso a deixava com mais raiva. O cartão de crédito que seu tio lhe dera estava intacto na bolsa, podia comprar o que quisesse, queria exibir isso e mostrar a todas aquelas vendedoras que ela era uma cliente como outra qualquer.

Entrou em uma das lojas mais bonitas do shopping, com acabamento rústico e decoração fria, emanava um ar de luxuosidade que Samantha nunca pensou desejar. A vendedora estava muito longe de ser simpática com ela, mas a atendeu, perguntando o que ela iria querer.

— Tenho vinte mil reais e pretendo gastar tudo, então pense em sua gorjeta e me mostre algo que você compraria para você mesma. — Samantha foi tão rude ao falar que não acreditou estar descontando em uma simples vendedora toda sua fúria do mundo.

— Trata-se de alguma ocasião especial, senhorita? — A vendedora falava com calma, embora ainda houvesse dúvidas de que Samantha gastaria todo aquele dinheiro.

— Eu quero andar nas ruas sem as pessoas me notarem ou, pelo menos, sem que elas me achem uma esquisita que não sabe se vestir. E, me desculpe se fui rude, não tive um dia bom. — Samantha tentou se acalmar, mesmo pensando em como as pessoas conseguiam se divertir fazendo compras. — Preciso renovar meu guarda-roupa.

— Tudo bem, não se preocupe. Como posso chama-la?

— Samantha. Samantha Carrara.

— Eu me chamo Flávia. Vamos começar com umas peças básicas, senhorita Carrara, aqui na Diammond temos o ideal para qualquer ocasião.

Samantha acompanhou Flávia até o interior da loja. O ar fresco deixou-a mais calma e um pouco mais disposta e logo começaram uma sessão de troca de roupas. No início, Samantha estava tímida, mas depois não resistiu há tantas opções e se deixou levar por aquela sensação de poder. Até Flávia entrou no clima e atendia Samantha com um belo sorriso, sem se importar muito se ela teria mesmo dinheiro para pagar tudo aquilo. Por um breve momento, Samantha se esqueceu de tudo que estava vivendo, entre tantas roupas, sapatos, acessórios e um momento, breve, de diversão. Flávia ensinou a Samantha como se vestir, como se maquiar, quais peças combinar e quais acessórios usar.

Depois de algumas horas, Samantha tinha mais sacolas do que era, humanamente, possível carregar. Passou seu cartão de crédito, sem parcelar e sem se importar com o valor, o que, com certeza, foi a maior venda de Flávia. Ambas trocaram telefone mesmo sabendo que aquela amizade que nascia ali era puramente de interesses e Samantha saiu da loja, com um carrinho de compras e transformada.

O vestido amarelo claro com margaridas, de mangas ombrê e botões na frente, que iam até os joelhos deu lugar a uma calça jeans escura, justa em seu corpo, combinando com uma blusa azul com um leve decote. O azul caíra muito bem em sua pele clara, levemente avermelhada do sol, realçando seus olhos, também azuis, agora marcados levemente com uma maquiagem feita por Flávia. Os sapatos de colegial foram trocados por uma sapatilha da moda, combinando com os brincos e os cabelos louros de Samantha, agora soltos e naturais.

Sob recomendação de Flávia, Samantha passaria em um salão para fazer as unhas, as sobrancelhas, depilação e todas as preparações que uma mulher necessita. Depois de certo tempo, a empolgação deu lugar à fadiga e Samantha já se perguntava como as meninas conseguiam ficar o tempo todo “prontas”.

Samantha chegou em casa tarde, já havia passado o horário do almoço. Quando o taxi parou na porta de casa e ela desceu para pegar todas as suas compras, Leonardo olhou pela janela do seu quarto, como sempre fazia quando alguém parava próximo à sua casa. No primeiro instante ele simplesmente não reconheceu Samantha, mas depois de observar com atenção teve certeza de que era ela, cheia de compras e vestida como uma pessoa “normal”. Desceu às escadas aos tropeços chegando ofegante perto da garota.

— Sam?!? — Leonardo estava atônito com a mudança de Samantha, que sentiu o ímpeto de sorrir ao ver a cara de espanto dele. Então era essa a reação que causaria nas pessoas...divertiu-se com o pensamento.

—Sim. Posso ajudar Leonardo? Parece assustado.

— Engraçadinha... deixe que eu ajudo com todas essas coisas. Comprou o shopping inteiro?

— Não era você mesmo que vivia falando pra eu comprar novas roupas e me adaptar ao estilo carioca?

— Você está muito acima do estilo carioca, Sam, está linda.

— Desde quando é tão gentil?

— Desde quando é tão bonita?

Ambos riram com o trocadilho e entraram em casa com as sacolas de Samantha. Estavam subindo as escadas quando Lurdes disse a Samantha que o Sr. Carrara desejava vê-la quando chegasse, e estava no jardim. Samantha deixou as compras no quarto, agradeceu Leonardo pela ajuda e desceu ao encontro do tio. Sentia-se razoavelmente bem, apesar de cansada, e isso poderia ser uma boa desculpa caso o tio lhe perguntasse sobre seu estado.

— Tio Júlio? Mandou me chamar?

Júlio se virou para cumprimentar a sobrinha, abrindo um sorriso por sua mudança de estilo, mas Samantha estava concentrada na outra pessoa que estava no jardim com seu tio.

— Sua tia vai gostar dessa mudança, Sam. Você está linda. A propósito, este é meu irmão caçula, Rafael. Vocês ainda não se conhecem, certo?


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