Imagens do Inconsciente escrita por Marcela Melo


Capítulo 11
Capítulo 11




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/518573/chapter/11

Chegou a véspera de Natal e Samantha ainda tinha muita coisa a fazer. Iria visitar vários hospitais psiquiátricos junto com os alunos das oficinas do Museu de Imagens do Inconsciente e o coral infanto-juvenil do Rio de Janeiro, levando alegria e confraternização aos internos.

Samantha estava encantada, pois, era a primeira vez que participava de uma ação solidária. Na Alemanha nunca tinha tomado consciência disso e, principalmente, em seu colégio que, agora percebia, parecia ter a função de deixar as pessoas de lá afastadas do resto do mundo.

A família Carrara iria se reunir com o resto dos familiares para a tradicional ceia, mas Júlio, entendeu o lado de Samantha e permitiu que ela passasse a noite de natal ao lado de seus amigos, realizando seus projetos. Ele mesmo, se pudesse, estaria lá, mas seus pais não iriam entender nunca e, como já estavam em idade avançada, não queria dar tal desgosto a eles.

O pessoal do Museu havia realizado uma campanha para arrecadar presentes simbólicos, principalmente para as crianças que sofriam algum tipo de transtorno ou trauma. Samantha aprendeu muito nessa jornada, principalmente ao lidar com crianças portadoras de Síndrome de Down. Ela pôde perceber que há, acima de tudo, muito preconceito e racionalismo sistêmico em volta dessas pessoas, não entendia como, em plena era da informação, muitos ainda se prendiam a ideias pré concebidas e retrocesso de pensamento, mas, por outro lado, viu que muitas pessoas se empenhavam, de verdade, em proporcionar igualdade e inclusão social dessas e de outras crianças.

Ao se inteirar pelo assunto, Samantha passava horas na biblioteca pesquisando e pode perceber que, infelizmente, um dos maiores defeitos do Brasil é não ter estrutura suficientes para acolher, tratar e socializar com pessoas deficientes e, principalmente, quando se trata de um transtorno da mente. Há sim, vários hospitais, mas nenhum tem profissionais suficientes ou comprometidos com a saúde e com o sentimento dos pacientes. A maioria mantém seus internos dopados, sedados de remédios tranquilizantes, impedindo-os de aprender, conhecer e viver de maneira digna.

Sam ficava revoltada. Discutia nos fóruns de debates tentando encontrar uma forma de quebrar esse círculo vicioso de tratar uma pessoa com transtornos mentais como louca. Como odiava essa palavra! Em seu íntimo rebelava-se por perceber que somente a minoria realmente se importava, levando amor, carinho e compreensão à cada um desses lugares esquecidos, a ermo, pela sociedade e pelo governo.

Cada dia que se aproximava mais das pessoas e participava mais das oficinas, fóruns e debates, mais certeza tinha que iria estudar para entender e, de alguma forma, ajudar essa população menos favorecida, mas sabia que, apesar de muito ricos, não há livros que valia uma experiência como a que tinha oportunidade de presenciar. Samantha sentia como se fizesse parte daquele mundo mais sombrio. Com cada aluno ou criança que conversava, aprendia mais sobre si mesma do que qualquer outra experiência lhe faria aprender, entendia mais sobre o próximo, o amor, a fraternidade do que qualquer religião ou instituição poderia lhe proporcionar e, à medida que conhecia, lia e vivia, crescia em seu interior uma ânsia por mudar aquela situação, acima de tudo, de conscientizar as pessoas à sua volta.

Enquanto Leo estava com seus pais na casa de seus avós, Samantha estava com seus amigos espalhando alegria e distribuindo presentes em vários locais. Foi uma noite linda e emocionante para ela, o primeiro natal que realmente sentiu ter valido a pena. Embora acreditasse que aquelas atitudes deveriam se propagar por todos os dias do ano, sabia que as crianças e até mesmo os adultos esperavam por um pouco de compaixão naquele dia. O sorriso de cada uma daquelas pessoas foi o presente mais lindo que Samantha e o grupo do Museu de Imagens do Inconsciente poderia receber em seu próprio natal.

Depois de terem visitado todos os lugares que haviam programado, voltaram para a sede do museu onde realizaram a própria ceia e confraternização. Trocaram presentes em um amigo oculto e se divertiram. Samantha teve a melhor noite de natal de sua vida, longe dos portões do colégio que estudara, na Alemanha, e longe de seus pais.

Na verdade, com tantas atividades, nem lembrou dos pais. Mas esses também se quer ligaram para ela. Desde que veio para o Brasil, há quatro meses, que não falava com eles. Eles não ligaram, não perguntaram se ela estava bem ou se estava adaptando ao Brasil, não questionavam se precisava de algo e sequer mostrava interesse por sua vida. Por outro lado seus tios, Martha e Júlio, faziam de tudo para que Samantha se sentisse em casa, principalmente seu tio que demonstrava muito carinho e orgulho por ela. Até Leonardo havia mudado e estava tratando-a com mais cortesia.

Samantha não sentia falta de seus pais. Nunca tivera muito contato com eles à ponto de necessitar de sua presença, além disso, todo passado que os envolvia trazia vergonha e desconforto a ela, mas em seu íntimo queria entender porque eles nunca fizeram questão de participar de sua na vida. Pagaram caro para mantê-la em um dos colégios mais indicados da Alemanha, mas algo sempre dizia a Samantha que não tinha a ver com sua educação, mas com “manter as aparências”. Sabia que seus pais estavam falidos há algum tempo e, com os anos percebia que algo não estava em seus devidos lugares. Era impossível manter um status da alta sociedade sem queimar muito dinheiro e os negócios do seu pai não iam bem. Percebeu que as coisas haviam saído do controle quando eles a tiraram do colégio, quatro meses mais cedo, e a mandaram, com passagem só de ida, ao Brasil. Mas diante de todas as experiências boas que estava vivendo, das amizades que fizera em tão pouco tempo e das oportunidades que apareciam, uma após outra, Samantha não podia deixar de pensar que, para ela, foi a melhor coisa que havia acontecido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Imagens do Inconsciente" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.