"Olá,Luke.

Você deve estar se perguntando com toda a raiva do mundo:mas por que este imbecil me escreveu uma carta?

Bom,acho que precisava fazer uma despedida plausível.Espero solenemente que Soluço não tenha lido uma linha sequer desse pergaminho.O que tem aqui é só entre nós.Por enquanto.Depois de ler você poderá escolher entre manter em segredo ou não.Mas eu vou lhe agradecer eternamente se você manter em segredo tudo que está escrito aqui.Mas,como eu disse,tudo isso está ao seu critério.

Sem mais delongas,eu quero dizer-lhe que sim,eu me lembro de tudo que passamos juntos.Eu me lembro do dia em que cheguei em Nova Atenas ferido e sozinho.Lembro que você convenceu Ector de que eu precisava de uma família.Lembro da nossa surpresa ao descobrirmos que tínhamos o mesmo nome.Apesar de que eu tinha apenas quatro anos naquela época,lembro-me perfeitamente de como você me acolheu como um verdadeiro irmão em noites tempestuosas que eu temia tanto por causa do dia em que fui abandonado para morrer.

Irmão.Acho que é assim que você me define.Ou definia.Mas você já certificou-se se é isso que você era para mim?Bom,até os meus treze anos realmente era.Mas depois que entramos para o exército para exercer nossa função de príncipes,tudo pareceu mudar.Eu lembro-me perfeitamente também da aula em que Sókratis disse-nos que,na Grécia,os soldados eram incentivados a amar aos outros para que se protegessem durante a guerra.Lembro que rimos e fizemos piadas.Mas as piadas passaram a não fazer mais sentido.Eu comecei a não ver mais graça naquilo que contávamos entre nós.E eu comecei a te observar mais de perto.Na época pensei não ser nada.Mas eu sentia algo estranho quando estava perto de você e quando você me olhava nos olhos.Só com quatorze anos eu fui perceber o que estava acontecendo.O meu grande segredo.Um segredo que eu nunca contaria a ninguém.Ninguém exceto você.

Eu vou estar morto,então não custa nada contar.O meu grande segredo é que eu te amo.E não,não é esse amor de amigo e nem de irmão.É amor de verdade.Eu me sinto mal por isso.Amaldiçoo todos os deuses,seja lá quais forem,todos os dias por isso.

Acredito que você esteja me julgando agora.Mas acredite,você não é o único a me julgar.Drago Sangue-Bravo também o fez.Me julgou.E me chantageou.Disse que se eu não fizesse o que ele queria,ele diria a todos o meu "segredinho".Eu conheci ele com dezessete anos.Ele me obrigou a bolar planos.Me agrediu.E já tentou...Não.Não vou falar sobre isso.Eu vou me expor demais.Mas acho que você já imagina,não é?Acho que não preciso falar mais,pois o que acontecei você já sabe.

Bom,não quero que você sinta-se culpado,mas eu sempre vi que você era apaixonado por Laura.E isso doía.Doía muito.Então eu resolvi dar uma de pegador.Saí com várias mulheres.Me embebedei.Mas nelas eu não via ninguém além de você.

Desculpe por isso.Sinceramente,eu não quero que pense coisas ruins de mim.Só quero que saiba que agora eu,provavelmente,estou indo em direção aos Campos de Punição.E quando você morrer,irá para os Elísios.Estamos destinados a ficar separados,Luke.E agora é para sempre.E eu quero que saiba também que eu te amo.Mais uma vez eu digo-lhe isso.

Alguns infinitos são maiores do que outros.E,para mim,você é o maior e mais belo deles.

Adeus,

Luke"

Luke Spantosicus Strondus terminou de ler aquela carta aos prantos.Chorava intensamente olhando a Lua à sua frente.No mesmo lugar em que queimara o barco com o corpo de seu melhor amigo no dia anterior.Amigo?Não.Irmão?Não.

–Você também foi o meu maior infinito,Luke.Me perdoe.-disse sentindo o vento calmo da noite soprando seus cabelos ruivos.