Guerra Mutante: A Relíquia Roubada escrita por Luis Gustavo


Capítulo 10
10 - Meu pequeno encontro com um fantasma do passado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/517949/chapter/10

Estava fazendo uns 10 graus, no máximo. Eu não sentia muito frio, no entanto. Meu corpo estava se adaptando àquelas condições devido a Evolução Reativa. Mikael me disse que nosso corpo adaptava-se automaticamente aos climas e às temperaturas, mas caso quiséssemos podíamos alterar isso. Eu não queria sentir frio, no entanto. O frio me faria ficar menos ágil e mais vulnerável a ataques.

Nosso grupo era muito grande, mas havíamos nos separado em grupos de cinco pessoas cada, e ficávamos a cerca de 50 metros de distância dos outros. Em meu grupo estava Royal, Mikael, Ethan e Rick. No segundo grupo estavam Demetria, Trissy, Slient, Hector e Izuqui. No terceiro, Esmond, James, Dave, Jake e Yordle. Por fim, no quarto e último estavam Mally, Chloe, Anne, Dorian e Thomas. Ethan também estava me ajudando a aprender a como controlar meu novo poder, Manifestação Psíquica. Era mais fácil que usar o Mimetismo Estelar, Instintos de Caçador ou Energia Ancestral, para ser sincero. Tudo o que eu precisava fazer era concentrar somente em algo, e usar minha mente para controlá-lo. O máximo que eu podia fazer era empurrar alguns objetos leves e levitar coisas pequenas, do tamanho de uma bola de futebol no máximo.

– Em breve você poderá fazer isso. – Ethan ergueu sua mão em direção de um galho, e uma rajada de energia esbranquiçada saiu de sua mão, atingindo o enorme galho e lançando-o para longe.

– Como fez isso? – Falei, admirado com aquele golpe. – Aliás, não é um poder mental? Como pode usar ataques físicos?

– Não foi um ataque físico, Franklyn. – Ele riu, abaixando sua mão, que emanava um pouco de vapor. – Isso foi um ataque mental manifestado. Lembra-se do nome do poder? Manifestação Psíquica. Você manifesta seus poderes psíquicos e os usa como poderes físicos, podendo atingir, danificar e erguer objetos e pessoas. Quando voltarmos eu te ensinarei como usá-lo melhor. Ou caso tivermos tempo durante essa missão.

– Tudo bem. – Eu sorri, e ele abriu um sorriso pequeno, e andou em direção de Rick, começando a conversar.

– Você faz amizades bem rapidamente, “F”. – Falou Mikael, aproximando-se de mim. – Até quem é um pouco tímido está se aproximando de você e se soltando mais.

– Eu sempre tive esse dom de criar amizades. – Ri, e ele abriu um leve sorriso. – Ei, Mikael...

– Pode me chamar de Mike, se quiser. – Falou, e eu concordei.

– Certo. Ei, Mike, teria como você me ensinar a usar melhor Evolução Reativa quando tivermos tempo?

– Tudo bem. – Disse, colocando a mão sobre o pescoço, movendo a cabeça em um círculo, estralando-a. – Quando acamparmos, eu, Ethan e James te ajudamos nos seus poderes e subpoderes.

– Obrigado. – Falei, gentilmente. Royal olhou para trás, me observando, e riu.

– Eu também te dou uma ajuda com Aura do Temor, Frank. – Falou. Eu não gostava que as pessoas me chamassem por apelidos, mas depois de dois anos eu já não ligava para aquilo. Aquilo mostrava que eles tinham um pouco de respeito por mim. Que me aceitavam no grupo. – O James não é muito bom em ensinar os outros, mas eu te darei uma força.

– Nisso o Royal está certo. – Falou Mike, e os dois riram um pouco. Então o grupo se calou enquanto andávamos com um pouco de dificuldade pela neve. Estava nevando um pouco, mas não muito forte. No entanto, a neve que caía também não estava muito fraca. Olhei para trás, vendo o grupo de Demetria, e todos riam com alguma conversa. Mais atrás ainda, estava o grupo de Esmond, e no último grupo estava o de Thomas. Quase todos riam, menos Jake. Ele sempre estava sério. Muito ao fundo, podia ver a montanha do Abrigo sendo coberta por uma névoa densa que havia aparecido repentinamente.

– Ei, olha aquilo. – Falei ao Mike, que olhou para a montanha, observando a névoa.

– O que é que tem? – Perguntou, sem importância.

– A névoa apareceu do nada. – Falei, tenso. – Isso não é normal.

– Ah, é normal sim. Aquela névoa é coisa dos Mutantes do Abrigo. Ela disfarça a montanha. Essa floresta toda é coberta por uma fina névoa, você percebeu?

De fato, aonde quer que eu olhava, ao fundo sempre havia uma névoa que impedia minha visão. Aquilo me deixava um pouco nervoso, agora que havia percebido.

– E para quê essa névoa? – Murmurei, encarando-o.

– Como eu falei anteriormente, para disfarçar a montanha e o Abrigo. Se alguma ameaça se aproximar, não verá a montanha ao não ser que se aproxime bastante. E, caso se aproxime e veja a montanha, não conseguirá entrar ao não ser que encontre a alavanca do túnel.

– E quanto às aberturas da caverna?

– Protegidas por uma ilusão que impede que as pessoas de fora vejam a cidade, a não ser que sejam imunes à ilusões.

– E o que essa ilusão faz as pessoas verem? – Perguntei, curioso.

– Sei lá. Devem ver uma ravina ou coisa parecida. – Murmurou, pensando naquilo. Ele não devia saber, assim como eu. – Mas isso pouco importa por agora. Vamos seguir o caminho, sim?

– Está bem. – Falei, colocando minhas mãos nos bolsos de meu casaco de inverno branco. Quando eu respirava, saía uma nuvem de minha boca.

Continuamos andando pela floresta durante cerca de duas horas. As conversas haviam parado. Eu podia ouvir murmúrios de vez em quando vindo lá de trás, mas eu não dava importância. Estava preocupado com aquela floresta que parecia não terminar nunca.

Mas, quando eu menos esperava, já estávamos em uma planície coberta de neve. O céu estava completamente nublado, e um vento forte vinha do oeste. Haviam várias rochas na enorme planície, com colinas por todo o lado. Royal virou-se para nós e deu um aviso para pararmos. Quando os outros nos alcançaram, ele falou.

– Vamos encontrar um lugar seguro para descansar. – Falou, um pouco ofegante. – Irei dar uma rápida sobrevoada nessas planícies. Fiquem aqui.

Ele fez suas asas de anjo e demônio aparecerem, e levantou vôo. O que eu achava estranho era o fato de ele conseguir se mimetizar parcialmente, e não por completo. Não ficava com aparência demoníaca, nem angelical. Permanecia o mesmo, com exceção de suas asas. No alto, ele parecia uma ave gigante, reconhecendo tudo.

– É incrível. – Falei. Os Mutantes podiam fazer tudo o que os humanos um dia sonharam: voar, controlar animais, criar cidades em meses, avançar tecnologicamente com extrema facilidade, entre várias outras coisas.

Nós ficamos naquela região, próxima à floresta, descansando. Eu fui até uma rocha próxima onde Rick, Ethan e Dorian treinavam usando seus poderes. Ethan levitava pedras pequenas contra Rick, que defendia invocando labaredas e lançando minúsculos meteoros improvisados contra Dorian, que os despedaçava com descargas elétricas vinda de sua mão coberta de eletricidade.

Vi que Mally e Demetria estavam um pouco afastadas do grupo, conversando sobre algo e lançando olhares para mim. Quando eu as encarei, elas desviaram o olhar para a floresta.

Eu estranhei aquilo, e concentrei minha audição. Comecei a ouvir vários sons que antes não ouvia, e pude finalmente ouvir a conversa das duas.

– ...Está me intrigando. – Falou Demetria à Mally. Ela parecia preocupada. – O fato do Franklyn ter aparecido do nada, e no mesmo dia ter mostrado ter dois poderes e dois subpoderes me preocupa.

– Por quê, Demetria? – Falou Mally, que dizia aquilo um pouco confusa. – O que isso tem de mal? Aliás, com isso o nosso grupo pode se tornar mais famoso. Se não fosse por ele, ainda estaríamos fazendo patrulhas e caçando esquilos.

– Eu sei disso, Mally. É de fato algo bom o que ele fez. Mas, mesmo assim, isso pode prejudicar a nós. Um Mutante como ele pode acabar fazendo nosso grupo ser caçado. Irão querer nos caçar para falarmos sobre Franklyn. Entende o que isso significa?

– Significa que se ficarmos famosos demais virão pessoas atrás de nós?

– Exato. Eu não quero que isso aconteça. E também não quero que a missão fracasse. Sei que Franklyn está fazendo tudo isso por causa de algum motivo pessoal. Posso sentir. Eu confio nele. Mas não quero que acabemos mortos por causa dessa surpresa que ele trouxe à nós.

– Mortos? – Falou Mally, assustada. – Vire essa boca para lá, Demetria. Isso não vai acontecer conosco.

– Conosco, talvez não. – Sua voz agora estava tensa. – Mas e quanto à ele?

– O que está querendo dizer com tudo isso, Demetria? Está me deixando cada vez mais confusa.

– Estou querendo dizer que pode ser que ele acabe morto. Tudo por causa do... – Ela hesitou, e pude sentir olhando-a para mim, embora eu não estivesse com meus olhos abertos. – Ah, deixa pra lá. Acho que andei lendo muitos livros.

– Se você diz. – Murmurou Wally. – Venha, vamos voltar para o grupo.

Eu abri os olhos, parando de escutar a conversa. Havia algo muito estranho acontecendo ali. Eu iria falar com Demetria quando fossemos descansar.

Depois de alguns minutos, Royal voltou voando. Ele aterrissou com calma no chão, e suas asas encolheram-se para dentro de seu casaco negro, que não estava nem um pouco rasgado. Fiquei imaginando como ele fazia para fazer com que suas asas saíssem de lá.

– Encontrei uma aglomeração de rochas próxima a um penhasco, ao sudoeste. – Falou Royal, calmamente. – Elas servirão como proteção para nós, pois são altas o bastante para nos escondermos caso algo aconteça. Preparem-se, iremos para lá agora.

E nós partirmos em direção daquela tal aglomeração de rochas. Não estávamos mais na divisão dos quatro grupos, pois naquele momento não era necessário. Eu de vez enquanto lançava olhares à Demetria, que andava calada. Precisava saber sobre o que deixava-a intrigada.

E seria naquele mesmo dia.

Quando chegamos à aglomeração, foi um pouco difícil para os outros passarem pelas rochas de mais de 7 metros de altura. Elas formavam uma espécie de muralha em uma clareira, onde havia uma região desprotegida com a exceção de uma extensa ravina, onde lá abaixo jazia um rio congelado.

Eu a escalei com facilidade. Royal sobrevoou-as com suas asas. Trissy, Mally e Dorian foram impulsionando-se no ar, como dessem um pulo duplo antes de atingir no chão, e por isso chegaram ao topo das rochas bem rapidamente. Ethan fez seu corpo ficar coberto por uma energia mental e voou, surpreendendo-me. Eu tinha que aprender como usar meu poder, e rápido.

Eu e os outros fomos subindo da forma clássica: na base da escalada. Não foi muito difícil para mim por causa de Instintos de Caçador. Jake subiu mais rápido que eu, com uma expressão de raiva. E, quando subiu, permaneceu lá em cima, ofegante. Yordle deu uma risada para o irmão, que ignorou.

Os outros subiram muito lentamente: alguns escorregavam, outros caíam alguns centímetros. Eu ajudava a quem estava próximo do topo para subir. Chloe, Anne e Izuqui já haviam subido, e estavam agora descendo as rochas para a clareira. Yordle subiu e foi ao lado do irmão, conversar com Jake – ou tentar –, que simplesmente o ignorou. Dave havia se mimetizado em um réptil humanóide – naquela forma ele me lembrava de um personagem de um jogo de luta. Acho que do Mortal Kombat. – e escalou fincando suas garras na rocha, como se fossem aparelhos de alpinismo. Eu a ajudei quando estava no topo, e ele voltou ao normal, fazendo suas escamas desaparecerem. Ele me deu um tapinha no ombro e saltou para a clareira, deslizando pela rocha lisa. Faltavam alguns ainda. Eu ajudei a todos os que ainda subiam, e por fim descemos.

Royal montava uma fogueira com alguns gravetos que havia pegado na floresta. Ele a ascendeu com um isqueiro que, surpreendentemente, ainda parecia funcionar. Por sorte, as rochas impediam que a claridade se espalhasse pela planície. A noite chegava aos poucos, e o frio aumentava ainda mais. Royal teve que aumentar a intensidade das chamas, para amenizar o frio que todos sentiam. Sempre quando meu corpo adaptava-se ao clima, o frio piorava.

O céu já estava ficando escuro, tomando um leve tom de azul-marinho aos poucos. Algumas nuvens sumiram, a neve parou e os fortes ventos agora eram uma brisa fresca. Demetria estava sentada na beirada da ravina, olhando para o horizonte, hesitante em olhar para baixo. Sentei-me ao seu lado, e ela tomou um susto.

– É a segunda vez que me assusta, Franklyn. – Murmurou, me encarando. – Virou seu passatempo, é?

Respondi com um sorriso sem-graça. Olhei para o horizonte, observando a planície que se estendia até onde eu podia enxergar, com algumas rochas aqui e ali. Muito ao fundo, via algumas montanhas. Abaixo, podia ver somente a escuridão que crescia dentro da ravina. Lancei um olhar para Demetria, e depois novamente para a ravina que ela evitava olhar.

– Altura? – Perguntei, e ela ficou confusa.

– O quê? – Falou, me observando.

– Você tem medo de altura? – Expliquei, apontando para a ravina. Ela lançou um olhar rápido para baixo e depois olhou para o horizonte, engolindo em seco.

– Um pouco. – Murmurou, seu rosto estava corando. – Mas o meu principal medo é o escuro.

– Ah... – Falei. De fato, lá embaixo estava muito escuro. – Me desculpe.

– Não há com o quê se preocupar. – Disse ela, melancólica. – É um trauma de criança.

– O que houve? – Perguntei, e ela suspirou.

– Eu tinha uma babá quando era pequena. Quando estava perto de meus pais, ela era um anjo. Mas quando me deixavam com ela, se transformava em um demônio. Como eu sempre ficava sozinha com ela à noite, ela apagava todas as luzes e me pregava sustos toda hora, vestindo uma fantasia de monstro. Eu tinha só 4 anos na época, e aquilo se estendeu durante dois anos.

– E por que você nunca contou aos seus pais?

– Eu queria, mas ela me ameaçava que se eu fizesse isso ela iria me jogar da janela do nosso apartamento, que ficava a uns 40 metros do chão. Foi quando aquilo aconteceu.

– Aquilo?

– Sim. Em um dia eu estava na sala e ela apagou as luzes do apartamento. A janela estava aberta. Ela apareceu atrás do sofá e me assustou. Na reação, eu a empurrei com muito medo e raiva. Ela acabou tropeçando no tapete e escorregando para fora da janela. Ela se segurou, e eu fui até ela para ajudá-la. “Me desculpe”, eu gritava chorando. Mas ela me lançou um olhar de ódio por dentro da máscara e falou: “Assassina”, e se jogou. Durante alguns anos pensei que ela tinha se suicidado. Eu expliquei para meus pais, mas eles me internaram em um hospital para loucos, isso quando eu era uma criança ainda. Eu não sabia me virar. No entanto, eu nunca fui louca. E durante os anos que eu passei naquele hospital, não me tornei uma. Eu percebi que, na verdade, a minha babá tinha na verdade armado tudo aquilo para me tornar uma criminosa aos olhos dos meus pais, mesmo que não fosse de fato verdade. E eu nunca soube o motivo.

Eu estava sem palavras para falar. Senti um aperto em meu coração. O passado de Demetria era sombrio. Um calafrio percorreu por todo meu corpo, e eu me lembrei sobre o que eu de fato queria conversar com ela.

– Demetria. – Falei, e ela me olhou.

– Sim? – Perguntou, calmamente.

– Eu ouvi você e Mally conversando mais cedo. – Falei, e ela estremeceu. – Foi errado, eu sei, mas não pude resistir. Ainda mais com vocês me lançando aqueles olhares. Por que acha que eu posso acabar morto?

– Eu andei lendo muitos livros, Franklyn. – Falou, desviando o olhar. – Foi só uma idéia maluc...

– Me diga, Demetria. – Murmurei, segurando-a. – O que é que eu posso fazer de ruim? O que meus poderes e subpoderes tem a ver com aquilo que você falou? O que é tudo isso, Demetria?

– Bom... – Começou. Seus olhos estavam vazios. – Eu li um livro muito, muito antigo, de séculos atrás. Foi um livro escrito por um Mutante famoso, e ele só é conhecido pelos Mutantes.

– Quem era esse Mutante?

– Leonardo da Vinci.

– Está brincando. – Falei, mas ela não pareceu estar brincando. – Não, sério? – Ela concordou com a cabeça.

– Bom, no livro dizia coisas sobre os Mutantes: os mistérios de nosso mundo, os poderes que eram conhecidos naquela época e, bem... Falava sobre os Mutantes como você.

– Com dois poderes e dois subpoderes, você quer dizer? – Ela confirmou com a cabeça.

– Leonardo dizia que todos os Mutantes que são iguais a você estão fardados a sofrer nas mãos de um destino trágico a partir do momento em que descobrem ser esse tipo de Mutante. Ou seja...

– A morte. – Falei, com a voz fraca. – A morte é iminente, foi o que disseram em meu sonho.

– Tudo está se completando... – Falou Demetria, juntando as mãos. Ela tremia. Não sabia se era de frio ou de tensão.

– Então eu irei morrer? – Murmurei, agora triste. Olhei para o céu aberto, observando as estrelas e as constelações.

– Não sabemos, Franklyn. – Disse Demetria, levantando-se. – Pode ser que você não morra, mas você terá um destino trágico, isso é certo. Não podemos escapar de nosso destino, isso também é verdade. Tudo o que podemos fazer é prosseguir. – Ela me lançou um olhar triste, e virou-se para andar até a roda na fogueira.

– Ei, Demetria. – Falei, segurando-a pela calça antes de se juntar ao grupo. – Foi por isso que ficou tão tensa quando em apresentei ao grupo, não é? Por isso fez aquela pergunta quando nos conhecemos? Se eu estava com medo?

Ela me olhou. Seus olhos agora me assustavam. No escuro, pareciam negros como a escuridão.

– Sim. – Respondeu, em um tom sombrio. – Me desculpe.

Eu a larguei, aceitando suas desculpas, e a deixei ir. Estava desolado. Tinha vontade de voltar atrás, de não ter descoberto aquilo. Eu iria morrer. Mas como? Por quem? Acho que Torrance iria terminar o trabalho que havia começado há dois anos. Senti meu corpo tremer de medo. Olhei para a escuridão da ravina, e senti vontade de me jogar e não voltar mais. Mas eu tinha minhas responsabilidades. Eu tinha que recuperar a Espada Dourada e salvar a todos. Tinha que me vingar.

Eu me juntei ao grupo depois de alguns minutos. Estavam todos comendo marshmallows que Thomas havia trazido. Estávamos contando piadas, e sempre ríamos de algumas. Aos poucos, eu me esquecia daquela conversa que eu havia tido com a Demetria. Ela agora já parecia estar mais animada. Estava sempre rindo. Yordle lançava olhares ao seu irmão, que estava no topo das rochas, sozinho, observando a planície branca.

Jake estava me deixando irritado. Por que ele persistia em continuar no grupo, se nem ao menos tinha vontade de se juntar às rodas de conversa ou de rir junto com os outros? Parecia achar aquela missão desnecessária. Eu tinha a impressão de que ele achava que seria melhor deixar todos do Abrigo morrerem.

Royal por fim disse para dormirmos, pois no dia seguinte levantaríamos sedo para continuar o caminho até o sul. Ele achava que talvez Torrance estivesse nos Estados Unidos. Eu tinha a mesma impressão. Afinal de contas, foi lá onde tudo começou. Devíamos começar procurando por lá. Se seguíssemos um ritmo rápido, em umas duas semanas estaríamos já na fronteira dos dois países.

Eu fui dormir encostado a uma das rochas. No mesmo instante que fechei meus olhos, adormeci.

Sonhei que eu estava em uma floresta. A floresta, no entanto, estava sendo queimada. Haviam 4 pessoas de fumaça correndo, desesperadas, em uma única direção, e eu tentava fugir das chamas junto com elas, mas meu corpo não me obedecia. Ele queria ficar ali. Tinha algo para fazer. Foi quando comecei a correr em direção das chamas, e senti a temperatura de meu corpo aumentar. Pessoas gritavam por meu nome em unisolo, da mesma forma que em meus outros sonhos.

– A morte é iminente, em chamas tudo acabará. – Repetiam as vozes, assustando-me. Foi quando, após ultrapassar uma moita, dei de cara com um penhasco. Uma pessoa estava pendurada.

Quando eu fui tentar salvá-la, ela caiu em direção do rio que corria em uma velocidade extremamente rápida. E tudo ficou negro.

Acordei com Mikael me chacoalhando.

– Acorde, Franklyn. – Murmurava, e eu despertei aos poucos. – Já estamos indo.

Eu me levantei, sonolento. Guardei meu saco de dormir dentro de minha mochila e a coloquei em minhas costas. Eu fiquei pensando naquele sonho, que havia sido mais confuso do que os outros. Mas a frase da Profecia era repetida nele. O sol brilhava radiante no céu limpo. Estava um pouco mais quente que no dia anterior. Jake permanecia no topo das rochas. Estava sentado, seus olhos estavam cansados.

– Iremos agora? – Falei ao Royal, que esperava aos outros, completamente despertado.

– Sim. – Respondeu, olhando para a ravina. – Temos que avançar até o fim do dia. Devemos andar mais que 20 quilômetros hoje. Precisamos ir rápido.

– Mas isso irá desgastar o grupo.

– Não se pararmos para descansar e comer. – Ele virou-se para os outros. – Estão todos prontos?

– Acho que sim. – Falou Yordle, olhando para as rochas. – E pensar que vamos ter que escalar essas rochas chatas novamente. E olha que nessa parte elas são mais íngrimes.

– Não, não vamos escalá-las. – Royal acenou para Hector e Rick, que bateram as mãos contra o chão, que começou a tremer. Uma ponte de pedra começou a ser criada sobre a ravina, com uma área de proteção. A ponte levava à planície, onde seguiríamos caminho em direção ao sul.

Yordle lançou um olhar a Jake, que bufou e desceu deslizando pela pedra. Ele caminhou até a ponte na frente de todos, até mesmo de Royal, que não interferiu.

– Por que ele insiste em participar do grupo? – Murmurei a Royal.

– Eu me pergunto a mesma coisa. – Respondeu, e Yordle interveio na conversa.

– É porque ele quer passar o tempo, segundo ele. – Falou, e Royal e eu o olhamos. – É sério. Ele diz que não tem nada melhor para fazer no Abrigo a não ser participar dessas missões chatas.

– Que idiota. – Murmurei, e Yordle me lançou um olhar ameaçador.

– Ele pode ser rabugento e um pouco idiota, mas ainda é meu irmão. – Falou, abrindo espaço entre nós, indo em direção de Jake que quando o viu se aproximando, tentou se afastar.

– Ah, irmãos. – Falou Ethan atrás de nós, rindo. – O mais estranho tipo de amor.

Aqueles dois me lembraram de como era entre eu e Willian, e trouxe-me maus pensamentos. Lembrei-me de sua morte. Da forma que ele havia se sacrificado por e mim e por minha mãe. E agora eu estava ali, em uma missão praticamente suicida. Se eu morresse e deixasse minha mãe morrer, o sacrifício dele e de meu pai teriam sido em vão.

E eu não permitiria que aquilo acontecesse.

Passaram-se uma hora quando a planície deixou de ser planície e finalmente entramos em uma floresta. O grupo estava todo reunido. Agora era Royal quem ia à frente, verificando se havia alguma ameaça. Eu estava quieto durante toda a caminhada, pensando no sonho que eu havia tido. Eu tentava tirar aquele pensamento da cabeça, mas era impossível.

Passaram-se mais algumas horas de caminhada. Estávamos em um ritmo rápido e tranqüilo. Havíamos caminhado uns 7 quilômetros até ali, isso porque ainda não era meio-dia. Eu checava o bracelete que meu tio havia me dado, transformando-a em uma manopla para ver as horas. Quando chegamos na encosta de uma montanha, Royal fez sinal para pararmos. Estávamos contornando-a, pois escalar seria muito difícil e demorado. Nós montamos um acampamento para descansarmos e comermos.

Eu fui o encarregado de conseguir o almoço, e arranjei cinco coelhos gordos, duas lebres e três esquilos. Foi muito rápido, até. Eu fui quem os preparou, e no final todos agradeceram e elogiaram. Como sempre, Jake foi o único que não se deu ao direito de juntar-se aos outros.

Seguimos aquele ritmo durante cinco dias. Eram sempre florestas, colinas, planícies e montanhas que nós víamos. E, para nossa sorte, nenhum inimigo. Estava tudo indo bem. Mas eu estava errado.

No sexto dia de viagem, nós havíamos encontrado uma depressão que dava em uma estrada. Nós descemos até ela, e começamos a andar por ela. Royal avistou uma placa que dizia somente: Estados Unidos – 20 KM.

Ficamos contentes, pois faltava pouco para alcançarmos nosso objetivo. Estaríamos em breve nos Estados Unidos, um passo a menos de nos aproximarmos de Torrance. Foi quando fomos surpreendidos.

Muito ao fundo, na estrada, podíamos ver uma nuvem de poeira e o barulho de um motor. Não, não era um motor. Eram vários. Um grupo de motoqueiros aproximava-se de nós em alta velocidade, a vários metros de distância.

– Torrance. – Falei, assustado. Minhas pernas ficaram bambas, e eu quase caí para trás. – Corram! CORRAM!

Todos compreenderam, e começaram a correr pela estrada. As motos nos alcançariam em breve, e seriamos mortos mais brevemente ainda. Royal e Ethan começaram a voar, e ambos pegaram duas pessoas e as levaram para floresta. Não vi quem eles haviam pegado. Alguns fugiam para as florestas nos dois lados, e outros continuavam a correr pela estrada. Eu seguia pela estrada, também.

Quando iria mudar minha rota para a direita em direção da floresta, uma moto passou zunindo pelo meu lado, quase me acertando. O motoqueiro freou do outro lado da estrada, sorrindo para nós, mostrando seus dentes amarelados. Outro chegou, e mais um. Em segundos, estávamos rodeados. As motos eram enormes e belas: Completamente negras, com algumas luzes azuladas saindo de alguns compartimentos. Me lembravam as motos de Tron.

Mas só um dos homens desceu da moto. Vestia uma jaqueta vermelha fechada e uma calça jeans branca. Suas mãos estavam cobertas por um par de luvas negras, e sua bota escura estava desgastada. Seu capacete de motoqueiro escondia seu rosto, mas como mágica ele começou a sumir, revelando a identidade do homem.

Torrance não havia mudado quase nada. Sua aparência era quase a mesma, com a exceção e uma cicatriz no lado esquerdo de sua testa, provavelmente a mesma de dois anos atrás. Seus olhos brancos ainda me botavam medo, como se não tivesse nada lá, a não ser um espaço vazio.

Olhei para os lados, vendo quem estava comigo: Trissy, Demetria, Rick, Izuqui e Slient.

– Olha só o que temos aqui. – Riu Torrance. Seus dentes estavam completamente amarelos. – Uma prenda de parque de diversões.

Nenhum dos outros motoqueiros ousou retirar seus capacetes ou sair de suas motos, por isso não pude ver como eram. Mas todos riram com aquela piada idiota, resultando em sons abafados por causa de seus capacetes.

– Torrance. – Murmurei, dominado pelo ódio, e ele me observou.

– Eu conheço você? – Perguntou, aproximando-se de mim. Eu podia matá-lo ali mesmo, mas não tinha como. Meu corpo não me obedecia. Meu outro “eu” não queria se manifestar e lançar seu ódio em todos. Eu estava dominado pelo medo, acredito que minha outra personalidade também. Ele foi até mim e levantou minha cabeça, agarrando-me com força pelos cabelos. – Eu conheço você. – Ele afirmou, sorrindo. – Parece que estou com sorte hoje, companheiros! O irmão do Thompson reaparece das sombras da morte! Meu presente de natal chegou um pouquinho adiantado.

Os motoqueiros riram em voz alta. Meus companheiros me olharam, confusos. Mas nenhum deles se atrevia a mexer um dedo. Torrance estava colocando medo em todos. Quem sabe os outros motoqueiros também estivessem rindo justamente por causa do medo que Torrance botava.

– É muito atrevimento seu, garoto, mostrar-se a mim depois do que eu fiz com seu amado irmão e seu não tão querido pai.

Aquele foi o estopim. Senti meu corpo mover-se impulsivamente e tentei acertar um soco no rosto de Torrance, que se defendeu com sua mão esquerda, já que a da direita me segurava pelos cabelos. Ele largou meus cabelos e torceu meu braço. Eu gritei. Sentia meus ossos doerem. Sua força estava muito superior que a de dois anos atrás. Talvez fosse por causa da relíquia.

– Isso foi um erro, garoto. – Ele me empurrou com um chute para trás. Vi-me passando por entre duas motos e caindo com as costas na terra, em uma depressão. Meus amigos vieram me ajudar.

A mão direita de Torrance começou a brilhar, da mesma forma que eu havia visto em meu sonho. Seu olhar era perverso. Eu de fato havia levado todos a uma missão suicida. Iríamos morrer ali. A luz sumiu, e uma espada apareceu na mão de Torrance. Sua lâmina amarelada brilhava com a luz do sol, e sua guarda era esplendida: eram asas de falcões douradas e abertas, com uma jóia azulada no centro. O cabo também era dourado, com uma esfera avermelhada e pequena na ponta.

– A Espada Dourada... – Murmurei, e ele riu maleficamente. Tinha sido mesmo Torrance quem a roubou. Não tínhamos chance contra ele agora. Ele a girava com facilidade, fazendo marabalismos. Ficava passando-a pelas suas mãos a todo o momento, ainda girando-a. Estava brincando conosco.

– Um outro prêmio que eu ganhei. – Ele sorriu para mim. – Sua querida mãe gritou muito quando me viu. Pena que seus gritos e seus ataques não adiantaram de nada. Mulheres não são lá muito boas em luta, sabe?

Eu senti o ódio aumentar em meu corpo. Levantei-me e criei duas facas. Tentei fincá-las em Torrance em um ataque direto, mas ele esquivou-se para o lado e destruiu minhas armas com um único golpe da Espada em suas lâminas, fazendo-as desaparecerem em partículas flutuantes. Com sua outra mão, me agarrou pelo pescoço da mesma forma que havia feito quando eu era mais novo. Podia sentir a energia emanada pela espada, podia sentir o poder que ela estava dando ao Torrance. Ele me olhava com um sorriso enorme no rosto.

– Ah, agora entendo. – Ele olhou para meus companheiros, depois teve a atenção voltada para mim. – Querem recuperar essa minha querida Espada, não é? – Ninguém respondeu. – E, de quebra, quer vingar-se de mim, não é, Franklyn? – Ele me lançou para o ar da mesma forma que havia feito antes. No entanto, não havia ninguém para me salvar naquele momento.

Eu dei uma rápida olhada para o chão, para meus amigos. Estava subindo muito alto. Tudo o que pude fazer foi gritar.

– CORRAM! – Eles não questionaram, e aproveitando a oportunidade começaram a correr para a floresta.

– Ah, mas não vão mesmo. – Falou Torrance, dando uma rápida olhada para seus amigos. – Atrás deles.

Devia estar a 20 metros do chão naquele momento. Torrance sorriu para mim, e sua mão livre ficou tomada por chamas. E então foi tudo muito rápido.

A rajada de chamas foi contra mim, e senti meu corpo ferver. Toda a minha Energia estava se espalhando pelas minhas veias, uma coisa que nunca havia sentido antes. Então, eu não soube o que estava fazendo, mas fiz. Eu impulsionei meu corpo para o lado, e fui tomado por um calafrio. Eu estava planando. Torrance grunhiu lá embaixo, ao mesmo tempo que parecia ser uma risada. Eu havia aprendido a voar instantaneamente, e fiquei feliz por ser um Mutante raro. Fui em direção da floresta, tentando me controlar no ar. O vento batia em meu rosto, e sentia meu estômago revirar. Mas comecei a descer repentinamente, e descobri que perdia a força e velocidade. Era óbvio que não terminaria bem, mas para minha sorte eu não me machuquei. Enquanto caía, consegui pousar perfeitamente no chão, cansado. Mas não era tempo de descanso, e comecei a correr.

Na floresta, podia ouvir o som das motocicletas correndo, e alguns passos. Houve uma explosão que fez uma nuvem de fumaça surgir. Olhei com mais precisão no local, e vi que Izuqui, Slient e Rick haviam feito um ataque combinado de rajadas de fogo, eletricidade e algo que parecia ser... Lasers? Rick estava lançando uma rajada de lasers pela mão, Izuqui intensificava seus raios com a armadura, lançando várias ondas de raios, e Slient estava transformado em um draconiano, cuspindo chamas. Eles haviam acertado três motoqueiros de uma vez e voltaram a correr.

Eu aterrissei logo atrás deles. Vi que Trissy estava mais a frente. Eles se assustaram com minha aterrissagem forçada, que quase me fez cair.

– Onde está Demetria?! – Exclamei, e então eles repararam que de fato ela não estava ali.

– Ah, droga! – Gritou Rick, olhando para todos os lados. As motos viam logo atrás, procurando por nós. – Vá procurá-la, Franklyn! Iremos distraí-los!

– Está bem! – Falei, e comecei a correr pela floresta. Eu estava tendo algum tipo de deja vú.

E então ouvi gritos. Não, eram risadas. Torrance estava rindo. Foquei minha visão para a origem de onde vinha a risada, e ativei minha Visão Aguçada, e vi que Torrance estava no ar, montado em sua moto que agora voava. Ele estava lançando rajadas de fogo na floresta. Estava queimando-a.

A morte é iminente, em chamas tudo acabará. A parte da profecia estava acontecendo. Era igual ao meu sonho agora. Uma pessoa gritava. Era Demetria. Segui a origem de seu som, e dei de cara em um penhasco idêntico ao de meu som, e ela estava pendurada. Uma moto estava destruída lá abaixo, e um motoqueiro estava morto ao meu lado. Eu abaixei-me para segurá-la.

– Pegue minha mão! – Gritei, agarrando-me no chão, estendendo meu braço para ela. Ela me olhou, insegura, tentando não olhar para baixo, e então me deu sua mão.

Eu tentei puxá-la, mas ouvi passos atrás de mim. Um outro motoqueiro havia chegado. Ele empunhava uma maça medieval, e me olhava com ódio.

– Torrance vai me dar um aumento. – Riu, e me atacou, acertando minha mão que eu estava usando para me segurar, e eu escorreguei um pouco para frente. Demetria gritou. Se eu conseguisse puxá-la e derrubar aquele motoqueiro, conseguiríamos fugir. Ele atacou novamente, agora minha perna. A dor espalhou-se aos poucos pelo meu corpo. Senti sangue escorrer de minha panturrilha.

Eu olhei para Demetria, e ela olhou para baixo e depois para mim, e confirmou com a cabeça. Entendi o que ela queria dizer. Quando o motoqueiro tentou me dar outro golpe, eu me larguei e Demetria e eu caímos, nos segurando pelas mãos, em direção do rio logo abaixo. Só pude ouvir o motoqueiro gritar, decepcionado, e quando senti o impacto de meu corpo atingindo a água tudo escureceu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Guerra Mutante: A Relíquia Roubada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.