O país secreto. escrita por Apenas eu


Capítulo 49
Entrego a notícia


Notas iniciais do capítulo

Olá, fofos e fofas :3



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As luzes ferem meus olhos.

Depois de tanto tempo na escuridão do inconsciente, quando finalmente desperto, minhas retinas queimam. O corpo inteiro dói, mas o que, sem dúvidas, mais me incomoda é a dor de cabeça. Há duas figuras debruçadas sobre mim, as quais encaro com os olhos estreitos. São simples sombras fora de foco sob a intensa luz do dia. Acima das suas cabeças, copas de árvores borradas formam a paisagem.

– Mamãe? Papai? - A reprodução dessas palavras exigem-me um esforço tremendo.

A silhueta feminina recua, saindo do meu campo de visão. A masculina continua a me observar. Ainda não posso ver seus traços com clareza, mas obviamente ele é grande demais para ser meu velho pai.

A realidade me atinge como uma bofetada. Sinto uma imensa vontade de chorar, no entanto engulo-a. Stive morreu. É difícil, mesmo para mim - que vira tantas coisas improváveis nessa vida - acreditar que meu irmão mais velho já não vive mais... Ele se foi. Se foi para sempre.

Engulo essa verdade dolorosa, por fim conseguindo discenir os traços do rosto do vampiro Feln. Ainda que embaçado, posso ver seus olhos vermelhos tão profundos e suas sobrancelhas unidas enquanto me avalia. Não há sinal de sorriso em seus lábios carnudos. Já pode-se perceber que ele não curte sorrir muito.

Esses são Delli e Feln. Não minha mãe, nem meu pai; Delli e Feln - vampiros cruéis que causaram a morte de Stive.

– Vão embora - Murmuro, por mais que queira gritar todos os tipos de ofensas que há na face da terra. - Vão...

– Cala a boca - Delli ordena, se inclinando para mim outra vez. Ela sustenta uma carranca de inconformação e impaciência. Nesse instante, percebo que a odeio; a odeio com todas as minhas forças. Para mim, tanto ela quanto seu irmão não passam de baratas asqueirosas.

Tento levar o máximo de ar possível para meus pulmões, mas eles parecem inflexíveis. Me entrego às lágrimas, engasgando com minha própria saliva, cada vez mais sufocada.

– Me... Salve... - Digo, entre soluços. - Stive...

Sinto minhas forças se esvaindo, meu coração desacelerando. E não demora para que eu torne a desmaiar.

Dessa vez, quando acordo, ao invés de uma dupla de vampiros loucos por sangue, quem me recebe é um grupo de agitadas pessoas. Alguns choram; outros soltam suspiros de alívio ao verem meu despertar; alguns até liberam palavrões. Vozes se sobressaem umas às outras, deixando minha mente um emaranhado só.

Consigo me sentar facilmente, e só o que sinto é uma desconfortável dorzinha atrás dos olhos. As pessoas... Meus amigos. Meu grupo. Eu estou de volta.

– Emma! - Exclama Dianna, se ajoelhando ao meu lado e testando minha temperatura com as costas da mão. Há preocupação nos seus olhos castanhos, mas não a dor do luto. Me pergunto se ela já sabe sobre Stive. - Ai, caramba. O que aconteceu? Você sumiu, e apareceu desacordada atrás de um arbusto. Fiquei com medo de algum bicho ter te...

Arquejo, quando meu braço dá uma fisgada. Baixo o olhar para ele, encontrando uma sanguinolenta ferida inflamada, onde o lobo havia mordido. Dianna suspira, assumindo uma expressão que diz "sinto muito".

– Usamos algumas plantas para parar o sangramento. Larm disse que aliviava a dor e... - Ela olha ao redor. - Falando em Larm... ele está escondendo algo. E o Will sabe o que é. Demmie e Doquo não podem ler a mente deles, pois Will é telepata e Larm, mestre em disfarçar pensamentos. Mas eu sei que eles sabem de algo. E... Onde está o Stive? Será que tem a ver com o fato de Will não parar de chorar?

Meus olhos encontram Will perto de uma árvore, cercado por comida. Peixes, frutas e caças. No entanto, ao invés de comer, ele mantém a cabeça escondida entre os joelhos e os braços em torno das pernas. Sei que está chorando; talvez ele já esteja ciente sobre nosso irmão.

Com relutância, volto a fitar Dianna.

– Você não sabe? - Pergunto, secamente. - Demmie e Doquo não leram minha mente enquanto dormia? Giroy não fez uma busca completa no meu cérebro?

Dianna franze o cenho, adivinhando a seriedade da situação.

– Eles queriam esperar você acordar... - Sua voz vai morrendo. - Espere. Emma, o que foi? Venho tendo umas visões ultimamente, sobre vultos acizentados. Tipo cachorros. Eu tenho muito medo.

Cerro o maxilar, lembrando-me imediatamente dos lobos.

– Por favor - Ela pede. - Não me diga que minhas visões têm relação com o que te aconteceu... Com essa ferida horrorosa no seu braço... Com o desaparecimento do Stive...

Fecho os olhos, impedindo as lágrimas de descerem.

– Emma...

Ela me puxa para um abraço, passando os dedos entre meus cabelos. Estar no calor dos braços de minha tão amada prima é confortador, me traz uma tranquilidade que há muito eu não sentia; essa é a brecha para eu desmanchar de vez em lágrimas.

– Dianna... - Soluço. - Ele morreu. Ele morreu!

Ela me aperta ainda mais, sussurrando aos meus ouvidos.

– Emma... Fica calma. - Mas sua voz também está abafada, chorosa, por mais que ela tente se controlar. - Por favor.

– Os lobos o mataram - Sinto uma onda de raiva atravessar meu corpo, aumentando o tom de voz até estar berrando. - O devoraram! Ele morreu!

As conversas cessam por completo; apesar de estar com os olhos fechados, posso sentir todos os olhares sobre mim, e uma tensão quase palpável pairando no ar. Dianna não consegue se segurar por muito tempo, logo ouço seu lamento e sinto-a tremer. Stive e ela eram mais que primos; eles eram como irmãos. Não fomos apenas Will e eu que perdemos um irmão... Ela também.

Abro os olhos e inspeciono a multidão com minha vista turva. Todos surpresos; alguns chorando, ou consolando os mais devastados. Mas, o que mais enche meu coração de pena é o estado de Myafa. Ela abraça Larm apertado, esconde o rosto em sua camisa. Não emite som algum, apenas sei que chora por seus solavancos constantes. Larm a consola, com um ar sério e olhar perdido no nada. Procuro Will, mas não vejo nada além de peixes, frutas e caças...

Me separo gentilmente de Dianna, que permanece no mesmo lugar. Ainda com o olhar fixo no lugar onde Will há pouco se encontrava, começo a caminhar com minhas pernas vacilantes.

Tenho que achá-lo.

"Will" penso, rezando para que ele esteja perto o bastante para me ouvir. "Eu te amo. Stive também te amava... Não fique assim"

Empurro Demmie para o lado, sem diminuir o ritmo. Ela me dirige o olhar mais solidário que eu já recebera. Sei que pode ler minha mente. Sei que está fazendo isso.

"Venha cá" chamo mentalmente. "Eu quero contar histórias de monstros pra você, como ele fazia. Quero te ensinar a roubar comida. Quero te lembrar de quem está no comando"

Fungo, enxugando o nariz. Minhas pernas parecem feitas de gelatina, e todos me observam penalizados. Ignoro-os, abrindo caminho entre Vedir e Hellena.

"Will"

– Will! - Grito, não suportando a ideia de falar apenas por pensamento. - Eu quero bater em você como ele batia, mas jamais deixar que os outros o façam. Quero reclamar do quando você é insuportável. Quero te provar... Que eu te amo...

Hellena engole em seco, cobrindo a boca com a mão. Mas eu não quero saber de ninguém além do meu irmão mais novo. Permaneço em movimento, deixando para trás todos os sons da tristeza, e chegando perto de um novo som... O som de um garoto de trezes anos destruído pela dor de perder quem ama. Grunhidos, fungadas, sussurros...

Acho-o em uma clareira, atrás de uma árvore, sentado com as pernas cruzadas. O olhar prende-se ao chão, de onde ele colhe gravetos e parte-os ao meio, num ato de nervosismo.

Me precipito em sua direção, contudo hesito no instante em que ele desata a falar.

– Por quê, Emma? - Pergunta, com rispidez. - Stive era um pouco chato, mas ele era uma pessoa excelente. Estava sempre presente quando precisei. Quando eu tinha uma dúvida, era ele quem me respondia. Quando eu tive medo, ele me fez sentir seguro. Já me tirou de tantas roubadas! Poxa, Emma - Ele seca as lágrimas que soltam-se involuntariamente dos seus olhos com as costas da mão. - Por que ele teve que morrer? Por que os bons morrem cedo?

Milhões de coisas passam pela minha mente; coisas que eu poderia lhe dizer, mas que jamais conseguiria. A verdade é que, só dessa vez, sou eu quem precisa ser consolada. Sou eu quem precisa de palavras amigas e alguém para me motivar a seguir em frente.

Ainda assim, esse é meu irmão. E ele tem apenas treze anos. Sem dúvidas, ele é a prioridade no memento. Portanto, engulo a angústia e me dirijo a ele, sentando-me ao seu lado com os joelhos junto ao peito. O vento gélido de fim de tarde balança-me os cabelos, refrescando-me o rosto; secando o suor de um dia quente e cheio de ação.

– Will - Sussurro, sem olhá-lo. - Lembra do que o papai dizia quando éramos pequenos? "Os bons se vão cedo porque Deus precisa de mais anjos no céu". Com Stive, certamente não foi diferente - Encosto a cabeça no tronco da árvore, reprimindo um longo suspiro. - Infelizmente, nós, que ainda vivemos, sentiremos sua falta para sempre. Pequenas coisas, pequenos detalhes, nos lembrarão de quem ele foi. Nos lembrarão do irmão que tivemos. Mas, quanto ao Stive... Ele agora está num descanço eterno. Por ele ser tão bom, ficará em paz.

Will me lança uma olhadela de soslaio, no entanto eu não quero encará-lo diretamente; talvez, se o fizesse, não seria capaz de continuar falando.

– Veja, Will - Aponto, com meu braço bom, para o horizonte. E Will, relutante, segue o olhar para onde indico. - Está começando o pôr-do-sol. O céu começa a mudar de cor. Agora ele está...

– Laranja - Completa ele, com amargura. - Completamente alaranjado. Igual ao cabelo de Stive.

– Igual ao cabelo de Stive - Concordo.

Ficamos algum tempo calados, digerindo o que fora dito. Will, por fim, já não derrama lágrimas. Somente quebra os gravetos, o que causa o único ruído presente aqui, além de nossas próprias respirações. Acompanhamos com pesar o momento em que o sol some e dá lugar à lua. O céu se torna roxo fúnebre, as estrelas o pontilham em grande quantidade. Aspiro a gostosa brisa noturna.

– Emma - Ele murmura, partindo outro graveto.

– Fala.

– Eu não sei o que faria sem você.

Em seguida, se levanta e sai andando, sem sequer me olhar por sobre o ombro. Abro um pequeno sorriso, tornando a fitar o céu. Eu sinto muito a falta de Stive. Desejo, desesperadamente, que ele volte de alguma forma. Entretanto, sinto-me bem por saber que William não se desesperou e saiu correndo como Hellena fizera ao saber do falecimento de Luize.

Me ajeito da melhor forma que consigo sobre esse chão pedregoso e irregular, pois é aqui que pretendo passar a noite. Estou exausta e destruída. Nada mais pode fazer ficar pior.


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Notas finais do capítulo

Tadinhos :(
Beijões, queridos!



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