O país secreto. escrita por Apenas eu


Capítulo 50
E se o vilão nem sempre for mau?


Notas iniciais do capítulo

Olha eu aqui dnv :3



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Estou em uma câmara escura cercada de névoa. O coração martela no peito, e eu quase me esqueço de como respirar. Não consigo ver nada além de um palmo a frente do nariz, e não sou capaz de dar um passo sequer.

– Eu sei que estou sonhando - Falo, surpreendendo-me com o volume da minha voz. - Quem está aí?

Uma gargalhada maldosa faz os pelos da minha nuca se eriçarem. Giro nos calcanhares, procurando a fonte da risada, mas ela parece vir de todos os cantos da câmara. Cerro os punhos, me dando conta de que há apenas um manipulador na face da terra que invadiria minha mente para rir da minha cara.

– Birc.

– Ah! - Ele diz, preguiçosamente. Sua voz ecoando pela câmara, tornando impossível para mim saber de onde vem. - Presumo que já estava doidinha de saudedes de mim, não é, queridinha?

Sinto a raiva tomando conta de mim. Encaro a névoa, com uma vontade insana de encontrar Birc e socar seu rosto até não aguentar mais.

– O que você quer?

– Ora, Emma - Detecto a nota de ironismo na sua voz. - Tanto tempo sem me ver, e é assim que me recebe? Bem. O que mais eu iria querer além de te torturar?

Tranco a mandíbula. Lágrimas quentes turvam minha visão e descem pelas minhas bochechas.

– Me deixa em paz - Murmuro. - me deixa em paz, por favor.

– Ah - Ele sussurra tão perto do meu ouvido, que me sobressalto. Mas ele não está aqui. Não fisicamente. - Vejamos como você muda de estratégia rapidamente. No nosso primeiro encontro, você parecia bem convicta quando me mandou ir para o inferno. Ainda que eu não saiba onde é esse tal "inferno", devo supor que não seja algo muito bom. E, agora... Bem, você baixou seu nível ao ponto de implorar para que eu não mexa com você.

Minha boca tem um gosto amargo, e então engulo em seco. Eu detesto Birc ainda mais que detesto Vindre ou Arismir. Confesso que tenho ainda mais medo dele do que dos outros, afinal, Birc é o sincero; é ele quem vem com as piores notícias, e é só ele que pode nos torturar a quilômetros de distância. Tudo o que eu quero, do fundo do coração, é não vê-lo nunca mais.

– VÁ EMBORA! - Esbravejo. - VÁ EMBORA, AGORA!

Algo semelhante a um roronar se faz ouvir no silêncio da câmara. É tão terrível, tão maldoso, que me faz estremecer. Pisco uma porção de vezes, me esforçando para ver além da branquidão, contudo isso é impossível. Birc solta outra de suas gargalhadas divertidas, mas maléficas, que geralmente desencadeiam um ódio mortal em mim, mas que dessa vez causa medo - quase pânico.

– Gosto mais de você assim - Fala, no seu tom debochado. - No entanto, sinto dizer que não vou embora. Na verdade, eu tenho algumas coisas para te dizer antes.

Reúno toda a coragem e sarcasmo para conseguir me defender. Cruzo os braços.

– Ué, e por que tinha que ser em uma câmara cheia de neblina? - Digo, ríspida. - Quer dar uma de supervilão misterioso, ou só não quer mostrar seu rosto para eu não me assustar e acordar?

Mal acabo de proferir essas palavras, e já me arrependo. A câmara de neblina desaparece, e dá lugar ao pior cenário do mundo: a aldeia dos lobos; o palco da morte de Stive.

O lugar está exatamente como eu me lembrava: carcaças semi-devoradas, troncos tombados cobertos de musgo, roupas em frangalhos recendendo a cachorro molhado e relva baixa manchada de sangue. Meu estômago revira com as nítidas lembranças da batalha com os lobos. Fecho os olhos e abano a cabeça; quando torno a abri-los, encontro Birc sentado de pernas cruzadas, com as costas encostadas em um dos troncos caídos.

Birc também não mudou em nada desde o nosso último - e indesejável - encontro. Ele continua o mesmo rapaz baixo e magricela, cujos cabelos verdes estão sempre desgrenhados e os olhos se assemelham a duas moedas de ouro. Está vestindo, como usualmente, um macacão surrado; este é amarronzado, está sujo de fuligem e tem um rasgado enorme no joelho.

Caminho até ele com as pernas vacilante e um choro preso na garganta.

– Olá, Emma. - Diz ele. - Outra vez. Já que estava tão ansiosa para ver meu rosto, aqui estamos nós. Gosta daqui, não é mesmo? - Abre os braços, abrangendo todo o ambiente. - Imaginei que gostasse. Cenários de tragédias sempre me deixam animado.

Resisto ao impulso de levantá-lo do chão pelo colarinho e surrá-lo até minhas mãos doerem. Nem que eu pudesse fazer isso, seria improvável dada a minha condição emocional. Caio de joelhos diante de si, e ele sorri.

– O que você está...? - Minha voz desaparece, desvanecendo junto com a minha raiva. O cansaço me domina totalmente.

– O que eu estou fazendo aqui? - Birc vem ao meu axílio. Ele suspira, colocando as mãos sobre as canelas. - Vim te dizer o quanto você é tola, naturalmente.

Franzo o cenho em desentendimento. Por mais que Birc diga coisas horríveis quando invade meu cérebro, não é de seu feitio me insultar. Alterno olhares entre seus dois olhos dourados normais e brilhantes, buscando vestígios de piada neles.

– Tola? - Solto. - Por quê?

– Por quê? - Repete, rindo. - Você ama dizer isso, não é? Pois muito bem. Eu te explico "por que". Conheceu Delli e Feln, certo?

– Como você...?

Birc revira os olhos, entediado, e puxa do bolso dianteiro do macacão um lenço vermelho para o qual dedica sua atenção.

– Não pergunte como. - Dispara. - Só responda se os conheceu mesmo.

– E por que eu iria te dizer?

Ele bufa, começando a perder sua paciência.

– Lá vem você com esse seu "por que" - Gira os olhos novamente, dobrando e desdobrando seu pedaço de pano. - Bom, isso só pode significar que você os conheceu. Eu só tenho a lhe dizer que, seja lá qual for o seu conceito sobre vampiros, está equivocada. Eles não são tão fortes quanto aparentam, pode ter certeza. - Ergue um olhar breve para mim, antes de voltar ao que fazia. - Você foi tola em obedecê-los. São velozes, podem se metamorfosear em morcegos, e são mentirosos natos. Mas não são nem de longe exímios lutadores. Vocês o derrotariam facilmente, ainda mais com Stive para pará-los e tirar deles sua única vantagem: a velocidade.

– Está brincando comigo, não é? - Forço uma risada, que soa mais como um engasgo. - Vampiros não mordem? Não transformam pessoas em um deles?

Birc se interrompe ao dobrar o lenço pela terceira vez. Seu olhar sobe lentamente para o meu rosto, me fazendo sentir uma boba. Então, finalmente, ele dá um tapa na própria testa.

– Eu não sei qual é a sua fonte, ou se os vampiros do seu mundo são assim - Dá de ombros. - Mas esses aqui... Eles não bebem apenas sangue humano, todavia, quando o fazem, a pessoa já deve estar morta. Se eles te mordem em vida, o mínimo que vai acontecer é uma ferida infeccionada.

Apoio as mãos nos joelhos, tentando digerir o que ouvira. Birc parece meio chateado, meio sem paciência, mas indiscutivelmente está falando a verdade. Observando-o assim, chego a pensar que ele seria muito fofo se não fosse do mal. É um conjunto de ossos, com olheiras profundas e bochechas encovadas. Seus cílios são grandes e curvos, verde-escuros, quase pretos, e ele ainda tem um sorriso infantil, meio torto, que faz a gente duvidar se ele é mesmo um vilão. Apesar de ter aproximadamente dezessete anos, sua aparência faz parecer que tenha quatorze. Deixo o pensamento de lado, determinada a odiá-lo.

– Mas se não matássemos os lobos, os vampiros viriam com a alcatéia e acabariam com a gente.

Birc solta uma risada nervosa, como se para evidenciar a minha burrice.

– Sério mesmo? - Ele arqueia as sobrancelhas. - Emma, lobos e vampiros são e sempre serão inimigos. Por que outra razão Delli e Feln teriam mandado você matá-los? Eles simplesmente não podem trabalhar em conjunto.

Minha boca se abre lentamente, quando finalmente percebo que ele está certo. Que mais não fosse, eu estava desesperada. Temia que algo acontecesse àqueles que amo. Então, ao menos, eu tinha uma justificativa.

– Você foi tola, Emma - Sussurra Birc, me estendendo seu lenço. Apanho-o de sua mão, contemplando-o. - Você agiu do lado do vilão sem saber. Matou seus melhores aliados.

Lanço-lhe um olhar confuso.

– Melhores aliados? - Questiono. - Como poderiam? Eles mataram o meu irmão. Quase me mataram também.

– Você não faria o mesmo se invadissem sua casa com o intuito de te matar?

Abro a boca para argumentar, mas fecho-a em seguida. Não quero admitir, mas Birc tem razão.

– Por que acha que os vampiros demoraram tanto para chegarem até vocês? - Ele vira as palmas das mãos para cima e encolhe os ombros. - Os lobos sempre estiveram a espreita. Protegendo-os. E agora você matou quase a matilha inteira, fortaleceu os vampiros. Você foi estúpida.

– Ei! - Amarro a cara, me levantando. Ele imita o movimento, ficando de pé à minha frente. É difícil não reparar nos vários centímetros de vantagem que tenho sobre ele. Aponto o indicador para o seu nariz, num ar acusatório. - Você não pode me culpar. É a primeira vez que eu viajo para outro mundo!

– Ah, poupe-me! - Ele apoia as mãos nos quadris como uma velha. - Você está aqui há meses. Seja mais inteligente, né!

Então a verdade me atinge como uma bofetada. Recuo, me dando conta de que este é Birc. Este é Birc! O vilão da história. A mente malvada que se esforça para roubar toda a nossa sanidade. Eu não deveria, nem num milhão de anos, confiar nele.

– Por que eu acreditaria em você? - Pergunto, na defenciva.

– Porque você não tem escolha - Um sorrisinho se insinua em seus lábios. - Sabe que estou sendo franco.

Aperto seu lenço entre os dedos, sentindo os olhos marejarem de frustação.

– Eu não entendo - Digo, num fio de voz. - Por que está falando tudo isso para mim? Por que me ajudar? Você é o vilão!

Birc infla as bochechas ao suspirar. Agora quem parece esgotado é ele.

– Nem todos os vilões tem que ser sempre maus - Responde monotonamente. - E nem todos os maus são vistos como vilões.

– Isso foi um enigma? - Uno as sobrancelhas.

– Claro que não, imbecil - Birc revira os olhos. - Apenas um trecho de um livro. Só pesso que cuidem da minha irmã.

Fico boquiaberta.

– Você me disse tudo isso para que eu protegesse a Myafa? - Pergunto, surpresa. - Mas não foi você quem maltratou dela para ver meu irmão sofrer?

– Ideia do meu pai - Ele dá de ombros, como se estivesse falando de algo tão natural quanto um passeio no parque. - Eu não gostava disso. Só quero que Myafa fique viva. Se ela morrer, eu acabo com vocês. Simples.

Muito simples, penso. O rosto de Birc começa a sair de foco, e o sonho tremeluz como uma TV inguiçada. Me despeço do garoto desprezível diante de mim, e acordo num sobressalto.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, beijões! :P



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