Mais um dia de aula, segundo dia da semana e Lua não via a hora da sexta feira chegar, seu pai explicou para ela como ia funcionar seu pequeno negócio, o que deixou Lua muito empolgada.
Quando chegou na porta da escola, Bárbara já estava esperando por ela.

–Tenho que te contar uma coisa, mas é segredo!!
–"Bom dia Bárbara, tudo bem?! Também senti sua falta".- brincou Babs
– Ai para de ser boba!!- Disse Lua dando um beijo na bochecha de Bárbara.
–Você está diferente, o que aconteceu? - Bárbara olhou para ela com cara de desconfiada.
–Passei o final da tarde com a Sol... e....- fez um pequeno suspense e então falou pulando. - Meu pai vai abrir um quiosque!!!

Bárbara ficou feliz, afinal Lua havia dito nas férias que seu sonho era ter um negócio na praia e que ficaria muito feliz em ver os turistas aproveitando o verão enquanto tomavam um drink feito por ela. Lua imaginava um quiosque do tipo Hawaiano e muitas pessoas alegres ao redor dele, mesmo que ainda os planos não tivessem saído do papel, para ela era um passo e tanto, seu pai nunca havia feito nada por ela, muito menos para outras pessoas, lidar com o público sempre foi uma barreira para Sr. Lucio e agora tudo poderia dar certo, pensou Luana.

-Estou tão feliz por você Luinha!! Vamos tomar milkshake hoje neh? Tenho uma coisa pra contar que na verdade já era pra eu ter contado...
– Claro!! -Interrompeu Lua -Vamos sim, conheço um lugar ótimo!
–Perfeito! Vou pra aula, te encontro no intervalo.
–Boa aula!! E vê se não pensa muito no que vai me contar pra não desistir de falar! Estou curiosa!
–Fica não, por favor!

A cara que Babs fez preocupou Lua, parecia ser algo ruim o que ela iria contar. Ao entrar na sala, as meninas olharam estranho para ela e Margara, a mais metida das meninas da sala, disse alto suficiente para Luana ouvir:

– Parece que as sapatonas decidiram não se agarrar hoje!
Luana fingiu não ter ouvido, como sempre fazia.
–Relaxa Mag é só charminho da intocável. -Respondeu Vitória olhando para Lua.
–Ainda bem, de abominação já basta a Professora Rafa-Machao-ela. - Falou Margara e todos na sala começaram a rir.

Luana sentiu tanta raiva, aquela alegria que estava sentindo, se tornou em indignação. " Como posso estudar, ou melhor morar, no mesmo planeta que essas pessoas?" se perguntou em pensamento. Permaneceu de cabeça erguida e sem expressar nenhuma emoção. Durante as aulas as garotas de hora em hora comentavam algo preconceituoso, até a aula da Professora Rafaela. Todos riam dela por seu jeito mais masculino, porém ela era casada com um homem e tinha filhos; Lua sentiu vontade de dedurar as colegas de classe, mas decidiu ficar quieta, não iria resolver.
A aula começou e junto com ela as risadinhas maldosas, então Margara disse:

–Acho que vou na direção hoje, pedir para a Sra. Clarice proibir essas aberrações na escola. Onde já se viu, eu uma pessoa tão correta, ser educada por uma sapatão...
Antes que a menina terminasse a frase a professora ordenou que ela saísse da sala, não era a primeira vez que ela ouvira esse tipo de comentário e a própria diretora da escola, havia lhe dado autorização para fazer isto.

–Se mais alguém nessa sala quer fazer comentários preconceituosos, fale agora! Cadê os corajosos e corajosas para me enfrentar??? Eu sou autoridade nessa sala, vocês são apenas crianças mal criadas que precisam aprender a respeitar as diferenças. Eu não sou homossexual, ainda bem, porque se não mocinha ...-apontou para Margara- você seria expulsa da escola. Mas faça de novo e pai rico nenhum vai me proibir de punir você !!!

Todos os alunos ficaram de boca aberta e assustados. Todos menos Luana, que quis aplaudir a professora. Margara começou a chorar e passou o restante das aulas na sala da Sra. Clarice fazendo redação. A escola possuía uma regra de tolerância zero para violência e agressão verbal, a punição variava desde, cumprir 20 horas de serviços de manutenção escolar até expulsão da escola, de acordo com o grau da infração.

Para Lua, a sensação de justiça era melhor que aquela alegria e por algumas horas esqueceu completamente de tentar adivinhar o que Bárbara queria lhe contar. Se encontraram apenas na biblioteca, mas Babs estava calada, Lua chegou a pensar que não iriam mais sair; as horas voaram e as duas saíram juntas da escola.

–Lua onde você vai? - Perguntou Babs ao ver que Lua caminhava na direção de casa.
– Vou pra casa,você não falou comigo na biblioteca, pensei que não queria mais sair comigo.
-Desculpa é que acho que depois que eu contar o que vou lhe contar, você não vai mais querer ser minha amiga ...
– Me conta logo então!! -Interrompeu Lua com um pouco de raiva.
– Vamos sentar ali na pracinha e eu te conto.
E então elas caminharam para a praça ao lado da escola que naquele horário já estava vazia.
-Quero que você me ouça, sem pré-julgamentos, sem perguntas e sem fazer essa cara de raiva pra mim. -Lua acenou que sim com a cabeça e Babs continuou.- Eu conheci a Solange quando éramos crianças. - Lua não se surpreendeu, pois o que Sol havia dito no dia anterior, deu pra entender que se conheciam há muito tempo - Você já sabia disso?
– Sim - Lua respondeu - Sei apenas isso. Continua.

– Então, Sol sempre foi mais alta e mais magra que eu, na aula de natação ela sempre chamava mais atenção. Na época nós duas estudávamos na mesma escola. Nunca fomos amigas, ela sempre quis se mostrar superior pela vida difícil que levava, por ser pobre e ainda assim ter tudo o que queria. Eu morava com minha avó e quase nunca saia de casa, mas quando eu tinha uns nove anos, fui escolhida pela professora de natação para participar de um campeonato mirim de Surf. Apenas três meninas foram selecionadas, eu, uma garota chamada Beatriz e a Solange. Nós três ganhamos pranchas infantis para praticar, mas minha avó não deixava eu sair para treinar. Acabou que chegou o dia do campeonato, todo mundo estava empolgado; minha avó havia ouvido no rádio que iria chover e não quis deixar eu sair de casa... Fiquei tão irritada, eu precisava ganhar mesmo que pra isso tivesse que tirar Solange da competição. Então esperei minha avó dormir e fugi de casa, corri até a praia e dei meu nome pra professora, quando Sol me viu, disse que eu não iria ganhar que nem sabia porque eu tinha ido. Ela sempre foi uma criança inteligente, mas mesmo parecendo forte, ela acabou criando algo terrível dentro de mim...

–Resume por favor! - interrompeu Lua um pouco irritada e curiosa.

–Calma.... Continuando... Quando o campeonato ia começar, eu comecei a ficar nervosa, ninguém estava ali por mim e eu senti inveja da Solange por ter ali tantos amigos e também a Augusta... Então eu peguei a prancha dela e bati com muita força em uma rocha da praia.. A professora olhou para mim com um olhar decepcionado, ela sabia o que eu estava pensando, mesmo assim ela teve que me punir, me tirando da competição... Solange ficou com a minha prancha e todos me odiaram mais ainda.... -Pausou para respirar e Lua estava com uma cara muito feia de raiva - pra resumir o final, Sol ganhou o campeonato, eu fui expulsa do time, mudei de casa e de escola, fui culpada pela morte da minha avó por lhe fazer passar tanto nervoso e acabei me tornando essa pessoa comum que sou hoje... Nunca consegui emagrecer e nem cuidar do cabelo... E ela sempre foi e sempre vai ser linda... Mesmo depois de todas as merdas que ela passou e também das que ela fez... Ela continua linda e amada por todos.... E agora até por você.

–Para...
–Parar com o que?
–Porque me contou isso agora? Por que eu estou feliz com ela?
–Não... Me desculpa... Eu só não quis que você soubesse. Quando te conheci por causa da Augusta, nem me passou na cabeça essa história, mas sabendo como você é, com certeza iria perguntar pra Sol e ela ...
-E ela iria me contar a versão em que ela é a vítima por ter tipo uma infância difícil e você ainda ter quebrado a prancha dela no dia mais importante pra ela ? -Interrompeu Lua. - Ou me contou por medo de que ela me colocasse contra você por ciúmes??
–Ciúmes? Eu só quero sua amizade. Você não é a rainha do Universo Luana! Se você não percebeu eu sou a única que gosta de você nessa escola. Durante as férias, foi eu quem ouviu suas lamentações e ainda assim não reclamei, sempre mudava de assunto, mas não o papo sempre tinha que ser sobre ela... E você não percebe que ela também Não é perfeita...

As duas se encararam caladas por uns segundos e Babs continuou com certo deboche:

– Não foi sua namorada que beijou o amigo como forma de agradecimento? Como você garante que ela não está lá beijando todas as meninas que sentiram pena dela por ser tão "fodida"!

"Plack". Pôde - se ouvir o tapa de longe. O corpo de Luana tremeu da cabeça aos pés, ela descontou em Bárbara sua raiva contida nesses meses todos, ouvir de outra pessoa que sua amada não era quem ela pensava, fez ela sentir que seu mundo era todo falso. E infelizmente, Bárbara teve que pagar pelo erro de muitas pessoas. Lua pegou sua bolsa no chão e se distanciou um pouco.
–Eu não preciso de você! Não preciso de pessoas invejosas me amando! Não culpe ela por algo que você cometeu!! Sinta suas próprias dores e deixe as dos outros em paz. -Gritou Lua enquanto se afastava mais.

–Meu pior erro foi ter me apaixonado por você!

Luana virou as costas para Barbara e correu o mais rápido que podia. Todos os pensamentos que assombraram ela nos dias anteriores voltaram de uma vez só e nem a ideia de " mudança de vida" que seu pai implantou nela, conseguiu ajudar. O que ela não sabia era que Sol e Bárbara haviam vivido muitas desventuras juntas e que aquela que ela soube foi apenas uma delas. Augusta tentou fazer com que a filha se tornasse amiga de Bárbara, mas o ódio cega as pessoas e acabou cegando as duas crianças, que cresceram e continuaram se odiando mesmo sem motivo.

Sol era quase cem por cento boa, mas aquele " quase " estragava uma grande parte de sua personalidade forte e incrível. O que a tornava diferente de muitas, era seu poder de conquistar e de amar. No fundo ela havia perdoado Bárbara pelas coisas que havia feito e vice versa. Mas o orgulho de Sol e a inveja de Bárbara, sempre criavam um "motivo" para permanecer inimigas.

Quando chegou em casa toda ensopada de lágrimas e água da chuva, Lua subiu correndo para o quarto e Sr. Lucio preocupado foi atrás.
–Luana, o que aconteceu? Filha abre a porta!
–Pai briguei com uma amiga, só me deixa sozinha um pouco, já falo!

Já nem sabia pelo o que estava chorando, só queria chorar. Talvez Sol não fosse perfeita, pensou... Mas talvez Bárbara só queira me colocar contra ela para ficar comigo, pensou... Mas eu amo a Sol e gosto muito da Babs ... Luana pensou em tantas coisas,que nada mais parecia fazer sentido. Escreveu um pouco no diário, tomou um banho e desceu para explicar ao pai o que tinha acontecido.

Depois de horas de conversas e conselhos os dois foram assistir tevê juntos e Lua acabou adormecendo no sofá,seu pai a cobriu com uma manta fina e foi deitar na rede para observar a chuva.

O dia passou rápido e quem dera para Lua nem tivesse acontecido. Ela não quis falar com Sol no dia seguinte, muito menos com Bárbara. Ficou quarta e quinta de "greve de silêncio", explicou apenas para Augusta o que havia descoberto e porquê estava tão brava, a mãe de Sol entendeu, mas Solange se recusou a aceitar que Babs atrapalhasse seu namoro e foi até a porta da escola de Lua na sexta-feira.

–Bárbara...Bárbara..Lua é mais uma das coisas que você quer tirar de mim? -Perguntou Sol para Babs longe de Luana.
–Vai embora Solzinho, antes que se arrependa de ter entrado no meu caminho. - Ameaçou Babs.
–Só vou falar uma vez e é bom você entender: vai viver a sua vida e pare de querer a minha!! Deixe minha Lua fora da nossa briga!!
–Sua Lua? Ah me poupe, eu tenho mais o que fazer. Logo menos o ano acaba e eu vou embora fazer faculdade ai você poderá reinar por aqui criança até ter idade pra perceber que você não é o Sol, isso é apenas um apelido. E quando perceber isso, vai olhar para trás e ver o quanto você já foi cruel!!!

Sol apenas deu de ombros, virou as costas e foi embora. Bárbara foi para casa chorando, pois sabia, que o que tinha estragado sua amizade com Lua, não foi o seu passado, mas sim ter esperado mais de um mês para dizer que Sol era sua inimiga, enquanto passava os dias tentando conquistar o amor de Lua fingindo não conhecer Solange; chorou mais ainda por perceber que não teria mais chance de ter o amor de Luana e isso foi o suficiente para fazer com que ela decidisse desaparecer.

A única coisa boa daquela semana, foi o pai de Lua ter conseguido assinar os papéis necessários para abrir o quiosque e se tudo corresse bem, no fim de outubro tudo estaria pronto e 2009 começaria com o pé direito. Mas como sabemos, nem tudo é como planejamos.

(...)"Já perdi muitas coisas nessa minha pequena vida, mas nunca senti a dor de perder um amigo ou amiga por um motivo tão fútil. Como aquele tapa pode ter doído em mim? Como eu consegui ser tão fria a ponto de bater na cara da minha recém melhor amiga por causa da minha namorada? Ainda não entendi como pude ser tão idiota!!
Hoje ela me olhou como se nunca mais quisesse me ver, a marca do meu anel ainda estava em seu rosto... A raiva de ter sido enganada passou rápido, mas não sei se conseguirei viver com essa dor de perder alguém que ainda está tão perto... Espero que um dia ela me perdoe. Mas será que eu conseguirei me perdoar? Boa noite querido diário."(...)