O recorte de jornal está amassado, jogado sobre minha cama. Dessa vez não choro, mas me sinto vazia, como se algo tivesse desaparecido de dentro de mim. E a verdade que me devora nesse momento é que eu não tenho ninguém. Eu nunca tive.

Vou até o frigobar que contrabandei para o meu quarto e abro-o. Tiro de lá uma garrafa de cerveja e em seguida jogo-me na poltrona lilás que faz parte da decoração. Sinto a textura fria e úmida do vidro e depois suspiro longa e profundamente. O álcool que começou tudo, mas eu não me arrependia de nada que ele havia causado.

Se ele fora o início, que fosse o fim.

Destampo a garrafa e dela tomo um gole. A realidade me atinge assim como o gosto amargo da cerveja, fazendo com que eu cuspa todo o líquido no extenso tapete - também lilás - que cobre parte do piso amadeirado.

– O que estou fazendo, meu Deus? - murmuro. Não me sinto sã. Talvez eu precise de um psicólogo ou, pelo menos, alguém para conversar. Lembro-me das palavras de minha mãe, lembro-me do que fiz. Imagino como foi o enterro do pai e do garotinho, de como estaria a mãe e mulher dos dois.

Quem eu estou tentando enganar? Eu me arrependo com todas as forças que possuo, me arrependo dos pés à cabeça.

Eu acabei com duas vidas.

Eu sou um monstro.

O som da música volta aos meus ouvidos como se eu estivesse novamente dentro do carro apertando sem pudor o acelerador. Berro, mas não me ouço. Só ouço o grito das vítimas, das testemunhas.

Eu não me ouço.

Eu nunca me ouvi.

Jogo a garrafa contra a parede e ela se quebra em dezenas pedaços. Parecia uma boa metáfora para como que me sentia naquele exato momento: quebrada.

* * *

A milhares de quilômetros dali uma mulher está em pé ao lado de uma mesa preparada para a ceia. Três pratos foram colocados, três garfos e facas, três copos. A comida farta possui um cheiro bom e convidativo, feita com amor.

– O jantar está pronto, queridos. - grita a mulher enquanto volta para a cozinha a fim de pegar o suco que ela já havia preparado. Enrola um pouco no cômodo, mas não tarda a voltar. Mesmo assim, quando se posta novamente ao lado da mesa, nada mudou. Não há ninguém ali.

A mulher se senta no seu lugar e se serve. Depois disso deixa com que o líquido caia em seu copo, enchendo-o até a borda. Mas sucos deveriam ter a cor dourada e ser ligeiramente transparente? Com apenas um gole o copo volta a ficar vazio.
Ela enche-o de novo.

Ao seu redor tudo se encontra destruído. Paredes estão manchadas, enfeites quebrados, papéis rasgados, fotos espalhadas, móveis derrubados, mas a mulher nem nota. Ao invés disso ela ergue o seu copo, olha para as duas cadeiras vazias e brinda com o invisível.

– À vingança. - diz com uma voz lúcida o suficiente para se acreditar na veracidade daquelas palavras.

* * *

– Betty, seu irmão conseguiu hackear o sistema? - pergunta uma garota loura, de corpo escultural e beleza aparente. Ela está debruçada sobre a janela de seu quarto, fazendo com que assim a fumaça expelida de sua boca e nariz não se prenda dentro do cômodo mas vá para fora.

– Um segundo, Megan. Quanta impaciência. - resmunga a outra que se chama Betty. Esta digita rapidamente pelas teclas de seu celular, provavelmente conversando com alguém. Logo um sorriso brota em seus lábios e ela se vira para a outra, erguendo o aparelho. - Prontinho. A lista dos novatos.

A loura toma o celular das mãos de sua amiga e passa os olhos rapidamente pelos nomes. Haviam mais alunos novos do que ano passado, trinta no total. Mas um nome, este em especial, lhe chama a atenção.

– Well, honey, parece que temos mais uma vadia entre nós. - comenta Megan e aponta para o nome. Betty deixa com que sua boca forme um "o", porque ela realmente não podia acreditar no que via.

– Corinne Squarre voltou à cidade. - murmura em voz baixa. A loura, entretanto, permite com que um sorriso malicioso apareça em seus lábios pintados de vermelho.