A Fórmula do Amor escrita por Gabriel Campos


Capítulo 32
Pais e filhos


Notas iniciais do capítulo

Pus o nome da música do Legião Urbana porque o capítulo tem muito a ver com essa música. Vou deixar as dicas musicais: primeiro I'm With You da Avril Lavigne e , depois, Pais e Filhos, do Legião Urbana.
Meus finais de fic são bem conturbados.



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Diário do Berg

O carro continuava parado e tudo continuava escuro. O porta-malas não era tão confortável e tão espaçoso, mas quem ligaria para tudo aquilo quando se está prestes a perder a vida?

Valentina estava calada. Seu plano poderia ser a nossa salvação. Talvez, fosse melhor ficar calado, a fim de evitarmos a humilhação de apanhar da Madalena.

Quando a luz penetrou minhas retinas, finalmente pude observar o lugar onde estávamos. Richard e dois outros góticos que estavam com ele nos puxaram para fora do carro e eu continuei a observar tudo, de uma maneira que não parecesse que eu estava interessado: estávamos em meio a um matagal e logo a frente, havia um rio turbulento. Talvez seria ali onde Madalena nos jogaria depois de executar a mim e a Valentina.

Madalena estava com um longo vestido preto e uma maquiagem carregada. Apontava um revólver para nós, que estávamos a sua frente a poucos metros de distância.

—Vocês podem pegar o carro e dar uma volta por aí. — Ordenou Madalena — Me encontrem daqui a meia hora nesse mesmo lugar.

Richard e os outros góticos obedeceram aquela que parecia uma rainha para eles e foram embora no carro. Valentina e eu estávamos então a sós com uma maluca apontando uma arma para nossas costas.

— E o casalzinho, virem de costas e caminhem para lá. — disse ela, apontando na direção do rio — E ai de vocês se fizerem qualquer gracinha. Eu estou com uma arma bem aqui. — a voz dela era diabólica, nem parecia a daquela menina que eu conheci no ensino fundamental.

Começamos a caminhar. As mãos atadas, os pensamentos a mil. Eu pensei que, se saíssemos vivos dali, seria uma pessoa que valorizaria mais a vida, que seria mais feliz com a Valentina, que amaria mais meus pais e minhas irmãs. Mas era tarde para fazer promessas para mim mesmo, eu tinha certeza. Madalena vinha atrás, os passos um pouco mais lentos que os nossos.

Valentina agarrou minha mão bem forte enquanto fazíamos aquele caminho e sussurrou:

— Vai dar tudo certo. Eu te amo.

Antes que eu perguntasse à Valentina o que ela pretendia fazer, ela virou rapidamente e correu em direção à Madalena. A gótica surpreendeu-se e, quando menos vi, as duas estavam brigando feio segurando no tal revólver. Eu não sabia quem estava em desvantagem, mas Valentina tentava tirar a arma das mãos da maluca e não conseguia de jeito nenhum

— Corre cara! Faz o que a gente combinou! — disse Valentina, arfando, enquanto lutava.

— Eu não posso te deixar sozinha aqui!

Enquanto eu corria para ajudar, ouvi um som de tiro. Sangue espalhando-se pelo chão. Logo um corpo caindo. Ouvi sirenes policiais vindo ao longe.

Valentina fora atingida.

Meu coração foi despedaçado.

Madalena abaixou o braço onde estava o revólver, e com uma cara perplexa olhava para mim, que estava tentando salvar Valentina. Foi um tiro no estômago.

—B..B...Berg ... — ela tentava suspirar enquanto levantava a mão para acariciar meu rosto.

—Fica calma, meu amor. A polícia tá por aí.

—Eu não vou resistir.

—Vai sim, vai sim! — levantei a cabeça e olhei para Madalena —Tá feliz sua vadia doente!?

Chutei o revólver para dentro do rio. Madalena ria. Gargalhava, como se estivéssemos em um show circense, mas era apenas a realização do sonho dela: acabar com a minha vida e com a de todos que eu amo. Sempre foi assim, desde o começo. Desde sempre. Valentina me olhava, seus olhos inundados, suspirando, falando com dificuldades que eu não sentisse falta dela e que sempre estaria comigo.

Meu coração estava apertado. Eu não queria que ela morresse. Estava perdendo muito sangue e eu não sabia quanto tempo ela aguentaria.

Madalena tentou correr, mas as sirenes dos carros de polícia se aproximaram e cercaram-na. Eu esperava que ela pagasse por tudo o que ela fez!

Valentina, em meus braços, acabou fechando os olhos e talvez levando o brilho do seu olhar para sempre.

Eu não aguentaria.

💜

Tão logo eu estava em casa., havia um vazio descomunal em meu peito. Papai sentiu minha tristeza e disse que me levaria ao hospital, pois lá ficaríamos sabendo do estado de Valentina, que, até onde eu sabia, teria de passar por uma cirurgia para retirar a bala, alojada em seu abdômen. Minha mãe, Hilda, estava com ela.

E eu só conseguia pensar no fato de que tudo dera errado! Além de não conseguirmos resgatar Débora, Valentina estava entre a vida e a morte dentro da sala de cirurgias.

— Ela precisa de uma transfusão. — disse o médico. — Temos de entrar em contato com alguém da família dela urgentemente, pois não temos sangue O- (“O” negativo) aqui no hospital.

— A gente tem que falar com a mãe dela!

— Vai ser difícil hein. — disse Ludi. — A mãe da Valentina é tão preconceituosa quanto a minha. E é triste ver pais rejeitando filhos assim.

— Ludi, vamos conseguir sim. Pai leva a gente de carro até lá? — implorei.

💜

Diário da Ludi

Embora fosse difícil, Berg quase se ajoelhou nos pés da mãe da Valentina. Ela era uma senhora de idade, cabelos acinzentados, as marcas de toda uma vida no rosto. A face de quem perdera uma filha e poderia muito bem trazê-la de volta era nítida naquela mulher.

Eu conhecia muito bem aquela face.

—Eu só peço isso. Por favor. Ela precisa da ajuda da senhora.

— Aquela menina matou o pai dela. Valentina deixou de ser minha filha há muito tempo. Isso é muito engraçado, rapazinho. Agora que ela precisa de mim, vem me pedir ajuda.

—É A SUA FILHA! — vociferei — Ela estava sendo manipulada por um vício! A senhora não entende que é esse o mal de quem tem algum tipo de fraqueza? Valentina sofria, ela sofria porque a senhora e o seu falecido marido a maltratavam. Ela sofria por não se achar bonita, sofria por não caber nessa sociedade hipócrita! Ela conheceu pessoas ruins, que a enganaram, que a transformaram num boneco de ventríloquo, ela acabou se perdendo, mas isso foi há um ano! Apesar de tudo, ela continua sendo sua filha, você pode tê-la de volta, você pode perdoá-la por tudo o que ela fez assim como ela pode perdoar a senhora também! Quantas mães não desejam isso?! Salve a vida da sua filha, pelo amor de Deus!

Todos ficaram em silêncio Berg apoiou-se em mim e começou a chorar no meu ombro.

—Eu vou. Mas que fique claro: pra mim ela é uma estranha. — disse a mulher, a voz embargada.

💜

Diário do Berg

Depois de algumas horas, após a transfusão e de alguns comentários um tanto quanto desnecessários da mãe da Valentina — eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, elas fariam as pazes —, o médico chegou a sala de esperas para dar a notícia.

Coração na boca. Minha menina tinha de sobreviver, tinha sim. Tinha sim!

— Doutor, me fala logo. Deixa de suspense pô! —Meu coração quase disparava e saía pela boca. Minhas pernas tremiam. Eu daria tudo para estar no lugar da Valentina naquele momento.

—A cirurgia foi um sucesso meu rapaz. Sua namorada resistiu.

Minha primeira reação foi chorar. Chorar de alegria e de alívio. Pensar que tudo foi apenas um susto. Um grande susto.

— Cadê ela? —perguntei. —Eu quero ver a Valentina!

— Calma rapaz. Ela está descansando. Foi tudo muito cansativo, mas graças à Dona Helena — apontou para a mãe dela — a garota resistiu. Foi uma sorte grande ela estar por perto, ou não conseguiríamos reverter a hemorragia.

Tempo depois, pude entrar no quarto para vê-la. Teria de ser de um por um. Eu fui o primeiro. Ao me ver, Valentina deu um sorriso. Aquele que só ela sabia dar.

— Que loucura que você fez, meu amor! — exclamei. —Por pouco você não morreu! E por minha causa!

— Berg, o pior já passou cara. Eu tô aqui e não me arrependo de nada do que eu fiz. Foi por você!

—Eu vou te agradecer pelo resto da minha vida.

—Não precisa. Essa era uma dívida que eu tinha com você.

—Eu te amo sua louca. —falei, depois de beijá-la.

—É por isso que eu gosto de você.

—E somos tão diferentes. Mas um completa o outro. É como diz o ditado: os opostos se atraem.

O médico entrou no quarto e disse que alguém queria muito vê-la. Eu sabia de quem se tratava, então resolvi sair. Cruzando com Dona Helena pela porta eu lhe disse:

— Obrigado.

Pouco tempo depois, fiquei sabendo de uma notícia maravilhosa: pegaram Richard e os outros góticos que eram comparsas da Madalena. E com eles, encontraram minha sobrinha Débora. Minha irmã estava feliz, esqueceu até das brigas com o Rafa e o abraçou.

Depois ela disfarçou, dizendo que foi por impulso, para a tristeza dele, talvez. E para a alegria do Fernando, dono da Mofoville, que, eu tinha certeza, estava aproveitando o momento para tirar uma casquinha da minha irmã.

Eu via pelo rostinho da Débora sua inocência. A coitadinha passou pelo maior perrengue e tão nova! E eu sabia que tudo foi por minha causa. Mas a justiça não falharia. Madalena pagaria por tudo o que ela fez, desde o dia em que me conheceu. Seus pais veriam o quanto a criaram de mau jeito, dando tudo o que ela queria e fazendo dela uma menina mimada e inconsequente.

💜

Diário da Valentina

Eu mal pude acreditar no que meus olhos viram assim que Berg saiu do quarto. Minha mãe, Helena Palhares, estava lá. O que será que ela queria?

Ela estava diferente comparado à última vez que eu a vi. Parecia que ela não se cuidava mais, que estava bebendo e fumando mais carteiras de cigarro do que antigamente.

— Oi... minha filha. — ela estendeu a mão e tocou meu rosto, alisando meus cabelos em seguida. — Quanto tempo!

— Mãe... a senhora... o que aconteceu?

— Você está tão linda! — as lágrimas desciam pelo seu rosto enquanto ela me acariciava. — Eu fiquei com tanto medo de te perder!

Eu nunca, em toda a minha vida, havia visto minha mãe daquele jeito. O jeito dela de ser grosseira havia se perdido em algum lugar do tempo, mas sempre continuaria na minha consciência. As coisas que ela me dizia, as coisas que eu aguentava calada, tudo ficaria guardado.

Mas, naquele momento não. Seu semblante era de arrependimento. Ela queria se desculpar.

— Me perdoa, Valentina? Eu nunca deveria ter te tratado daquele jeito. Seu namorado abriu meus olhos, ele me fez ver a filha maravilhosa que eu tenho. Você é uma garota de sorte por ter ele na sua vida. Saiba disso, apenas. Fique com ele. Ouça sua velha mãe, dessa vez eu tenho razão.

Berg.

— Eu devo pedir desculpas, minha mãe, por ter feito as coisas que eu fiz. Eu sei que vou carregar a culpa pela morte do meu pai pra sempre. Nada justifica. Nada.

Ela não disse nada, apenas me deu um beijo no rosto. Tínhamos muito o que conversar.

💜

Diário da Ludi

Estava tudo bem, graças a Deus. Que bom que tudo deu certo no final! Só não a minha vida. Logo após as comemorações da volta da Débora, do sucesso da cirurgia da Valentina, eu recebi uma ligação. Era da casa da minha mãe.

— Galera, eu tenho que ir agora.

— O que foi, Ludi? — Rafa perguntou.

— A minha mãe, ela piorou. Eu preciso ir lá vê-la.

Eles se ofereceram para me levar até o hospital em que ela estava, porém eu recusei. Pelas notícias que recebi, minha mãe estava entre a vida e a morte no leito de um hospital público, mas ela chamou por mim. Aquilo mexeu muito com o meu inconsciente.

Eu precisava enfrentar o que viesse sozinha.

Minha mãe, aquela que sempre demonstrou ser forte, que me protegeu, que me criou sozinha, estava fraquinha em cima daquela cama de hospital.

—Fi... filha...

—Mãe? O que aconteceu?

— Eu.. eu tô morrendo.

Ela começou uma crise de tosse.

— Não, a senhora vai ficar bem.

— Me escuta Ludimila. Me perdoa por tudo o que eu te fiz. Por não ter te entendido. Eu não quero morrer com essa culpa. —A tosse a interrompeu novamente. —Me desculpa minha filha? — ela fazia forças para falar — Você sempre foi uma menina de ouro, eu que nunca percebi isso. Eu só queria que você soubesse disso. Que eu te amo, eu te amo, e eu não me importo se você não me perdoar.

— Claro, que eu te perdoo mãe. — após minhas palavras, ela fechara os olhos. Os aparelhos começaram a fazer um barulho agudo. — Mãe? Mãe? Mãe, fala comigo! Socorro!

Os enfermeiros correram até o quarto. No entanto, não havia mais o que fazer.

Ela estava estática, com os olhos abertos e olhando para o além.

Talvez, dona Maria estivesse apenas me esperando para falar aquilo para mim antes de partir.

Eu a perdoaria até mil vezes se fosse preciso.


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Notas finais do capítulo

http://oglobo.globo.com/sociedade/adolescente-crista-se-mata-por-medo-de-contar-aos-pais-que-lesbica-14866190