A Fórmula do Amor escrita por Gabriel Campos


Capítulo 2
Foi em 2008 que tudo começou




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Diário do Berg

Primeiro dia de aula. Não começou numa segunda feira; lembro que foi o dia primeiro de um mês aí, acho que março. Aqui no Ceará as aulas das escolas publicas só começam quase na metade do ano, por causa de greves e tal. Não sabia que roupa usar, não sabia como usar meu cabelo, se levava lanche ou não. Confesso que estava meio assustado com o que vinha pela frente. Assisti à TV Globinho como se fosse a última da minha vida. Havia um sentimento ruim, uma amargura dentro de mim que me fazia não querer ir. Algo que me fazia achar que a partir do mo­mento em que eu cruzasse o portão daquela escola minha vida mudaria radical­mente. Acabaram os desenhos. Olhei no relógio.

— Meio dia, Berg. Hora de tomar banho, senão você vai chegar atrasado. — disse minha mãe, Dona Hilda.

Como já disse, o que me consolava era que Ludi, minha melhor amiga, tam­bém estudava lá. Pelo menos uma companhia. Minha mãe não gostava que eu an­dasse com ela, pelo fato de ela ser lésbica. Nada a ver. Mas era a única e melhor companhia que eu poderia ter. Dona Hilda era uma beata muito conservadora; adorava pregar os “bons costumes”. Sempre andava com seus cabelos compridos, bíblia embaixo do braço e suas saias longas arrastando no chão.

Minha escola nova ficava no mesmo bairro em que eu morava em Fortaleza, o Bom Jardim — este era dividido em duas partes: Bom Jardim I e Bom Jardim II, eu morava no I, o II já era mais barra pesada, se é que vocês me entendem. A São Benedito tinha uma pracinha em frente a ela, e do seu lado situava-se uma igreja católica.

Havia mais de uma sala para o 7° ano, e, como já era previsível pela minha falta de sorte, não caí na mesma sala em que a Ludi. Ela entrou na sala dela e apontou para a minha que ficava do outro lado do pátio. Com um detalhe: na rádio da escola, comandada pelo professor Pierre, tocava uma música de uma banda cearense: Saída - Enverso. A banda poderia até ser considerada por uns emotiva, mas acho que naquela hora não poderia ter tocado outra música, a não ser uma marcha fúnebre.

— Boa sorte, amigo.

— Mas Ludi, eu não posso trocar de sala?

— É meio difícil. A diretora daqui é chata pra dedéu.

“Que não há saída

Não há mais como evitar

Não há saída

Não vá tentar acreditar

Não há saída...”

Senti-me abandonado naquele momento pela Ludi, mas ela estava atrasada e o professor já havia entrado na sala. Na minha também parecia já estar havendo aula, por isso, sem nenhuma outra saída, tratei de me apressar.

Fiz questão de pôr o pé direito primeiro na sala, beijei o pingente do meu colar (que era uma figa) e entrei. Todos olhavam pra mim como se eu fosse um verdadeiro ET. Pedi licença ao professor e quando ele assentiu com a cabeça, caminhei tímido procurando uma cadeira. Sentei-me e fechei os olhos para de certa forma me tele­transportar nem que fosse por alguns segundos daquele lugar de gente estranha (na­quela situação, o estranho era eu).

As duas primeiras aulas foram maravilhosas; matemática, matéria que eu amo. Mostrei minha capacidade respondendo as perguntas do professor. Não queria me destacar, apenas respondia tudo naturalmente e involuntariamente. Tinha uns caras que eu já vi logo que só estavam lá para zoar mesmo. As meninas, na hora do intervalo foram se apresentando pra mim (depois eu comecei a ver qual o interesse delas: respostas). Eis que acharam o nerd da sala. Confesso que eu me senti bem melhor, embora soubesse que elas tinham algum interesse.

A segunda aula foi aquela dinâmica chata de apresentação que todo mundo conhece.

— Então, diga seu nome, idade e o que pretende ser futuramente. — disse o professor Pierre (o mesmo que ficava na rádio da escola).

Olhei ao redor (o professor pedira que arrumássemos as cadeiras em forma de círculo) e respirei fundo.

— Meu nome é Lindemberg, mas gosto que me chamem de Berg. Tenho treze anos e pretendo trabalhar na área de informática.

Não posso deixar de destacar algumas risadinhas que pareciam pequenos re­linchos; não sabia se era de mim que estavam rindo, mas naquela situação, parecia que eu era o centro bizarro do mundo.

— Que legal Berg! Já sabe em qual área? — perguntou entusiasmadamente o professor.

Naquele tempo eu ainda não sabia bem o que iria fazer da minha vida; nunca parei pra pen­sar. Na verdade, me achava muito novo para pensar em tal coisa. Enfim, se eu ima­ginasse que dali pra vida adulta seria um pulo, teria pensado antes.

Eis que toca o sinal para a saída. Acha que a tarde foi rápida? Pra mim foi uma eternidade. Fui o último a sair da sala, pois, desastrado como sou, deixei meu material cair todo no chão e demorei um pouco para recolher tudo. Ao sair da sala (depois de desligar os ventiladores e as luzes) procurei Ludi no pátio da escola, pois achei que ela estivesse lá me esperando. Que nada! Ela já havia ido embora. Teria de voltar sozinho pra casa.

Perto do portão, esbarrei em um dos alunos da minha classe (o tão famoso John). John era alto espichado e tinha um bigodinho ridículo pintado de loreal. Então, em consequência do esbarrão, meus cadernos caíram no chão novamente.

— Não vê por onde anda? — gritou.

— Foi mau cara! — disse, olhando para cima enquanto apanhava meu material. John ficou reparando em mim.

— Tu é aquele sabe tudo novato lá da sala não é?

— Modéstia a parte sou eu sim. — Fui amistoso e estendi a mão direita para ele. — Prazer, Berg.

John me deu um grande empurrão, o que me fez cair para trás e derrubar novamente todo o meu material no chão.

— Mas o que foi que eu fiz, cara?

— Nerd filho da mãe! Olha aqui... — se aproximou e me puxou pela gola da camisa — as meninas são minhas, morou? Tu não chega perto delas ou tu leva azeitona na cabeça, beleza?

— Mas elas que chegaram a mim, eu juro!

— Ah, que borogodó você tem! Já tá avisado. As meninas são minhas, falou? Espero não ter que te avisar de novo. — soltou a gola da minha camisa e me jogou novamente no chão. Depois disso deu de costas e foi embora, carregando o seu caderno embaixo do braço.

Logo depois ele saiu e eu me levantei, fingindo que nada aconteceu. Olhei para os lados e felizmente não vi ninguém. Abri um sorriso largo, daqueles de propaganda de margarina e andei imaginado como seria minha vida dali pra frente. Mal sabia eu que o acontecido naquele dia era apenas o primeiro capítulo de uma grande saga.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem!