A Fórmula do Amor escrita por Gabriel Campos


Capítulo 17
Laços de família




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Diário da Valentina

Eu estava vivendo um momento mágico na minha vida. Acho que o amor pode curar muita coisa.

Amor... um sentimento que eu sempre e banalizei que eu sempre achei idiota. O Berg me veio com um presente: um skate, lindo, lindo. Ele sabia que eu estava sem skate, pois vendi o meu. Depois de muito penar ele me convenceu a aceitar. Não queria que as pessoas achassem que eu estava com ele por interesse.

Eu adorava aquele menino. Ele sabia me fazer feliz. Seu jeito ingênuo me encantava de uma forma extraordinária.

Percebi que ele estava tentando mudar, mas eu gostava dele do jeito que ele era. Ele começou a aparecer na escola com roupas típicas de um garoto roqueiro. Sabia que ele curtia um pouco de rock, mas não àquele ponto. Por causa disso, resolvi fazer uma surpresa pra ele. .

💜

Diário do Berg

Sério, eu tava tentando mudar, ficar de um jeito em que os caras não me zoassem tanto, pra não parecer um alvo ou saco de pancada e não parecer ser um cara incapaz de defender a própria namorada. E era mais pela Valentina. Queria mudar um pouco, ficar parecido com ela. De rock eu já gostava. Até que não fiquei nada mal de roqueiro. Minha família achou um pouco estranho, mas não passou de comentários. No tempo da igreja, minha mãe falaria que o diabo se apossara do meu corpo (risos).

Mas certo dia, uma coisa me espantou: Valentina apareceu vestida de... de … de nerd! Seria mais uma “eu de saias”?

— Valentina, o que... O que... — fiquei sem palavras e me calei.

— Tá espantado né? O que achou do meu novo look? — disse, dando uma volta em torno de si mesma.

— Achei que a gente meio que inverteu os papéis.

— Mas pode dizer que você não gostou.

— Na verdade, você não precisa mudar pra me agradar ou ser zoada pelos caras comigo, Valentina.

— Eu só queria te dar uma lição, seu bobo!

— Lição? Que tipo de lição?

— Eu sei que você tá vestindo preto e ouvindo mais rock por mim.

— É... Confesso que eu tô.

— Pois eu quero que você volte a ser o mesmo Berg de sempre, ok? Eu me apaixonei pelo cara que você era. E não pelo “roqueiro” que você é agora.

A partir daquele dia, percebi que a gente não precisa mudar pra agradar ninguém, porque acima de tudo você tem que agradar a si mesmo. Também que a Valentina se apaixonou pelo cara que eu sempre fui, e que eu não precisava me esconder atrás de um estilo que não combinava comigo.

Dias depois...

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Diário da Valentina

Agora eu peço perdão, mas eu aguentei o máximo que pude. Eu sou uma fraca. Minha me e meu pai estavam discutindo e quase se matando cada vez mais, só não se matavam porque descontavam em mim. A única saída era aquela coisa que todos os meus amigos temiam que eu voltasse a consumir.

Como eu usaria o crack se não tinha dinheiro? Havia vendido tudo, menos... Não, o skate não. Berg me deu com tanto carinho. Ele tinha confiança em mim, pena que eu não tinha autocontrole. Tentei me controlar, juro, mas fui à feira , vendi o skate e consegui dinheiro suficiente para comprar três ou quatro pedras. O John fez um preço salgado pra mim, aquele traficante filho da puta. Tinha a cara de pau de olhar pra mim e sorrir depois de me dar o tal produto, como se uma garota de 14 anos fumando crack fosse uma coisa absolutamente normal.

— Vê se não exagera, gatinha. — disse ele.

— Foda-se.

💜

Diário do Berg

Eu ainda tinha um certo medo do John. Não por ele andar com gente barra pesada, mas pela ameaça que ele me fez, eu chegar perto das meninas. Eu tava namorando uma delas! E a Valentina ele conhecia muito bem, pois eles já haviam ficado. O John, no pátio da escola ficou olhando pra mim e me encarando um tempão até que chegou e disse:

— Sei que tu ta namorando a Valentina, mas você merece ela. Haha!

O que ele quis dizer com aquilo? Ah, duvida! Preferia que ele tivesse me dado um sacode ou uma surra, pra não ficar com aquilo na cabeça. Deixei pra lá, aquele cara só quer ver a desgraça dos outros.

💜

Diário da Madalena

Fui à feira com a minha mãe, como nós fazíamos todas as manhãs de quarta-feira. A Valentina lá? Ela costumava fazer suas compras emaconhadas ou na boca de fumo do John ou na galeria do rock, no centro da cidade. O que ela estaria fazendo na feira do Bom Jardim?

Aproximei-me e vi que ela estava tentando vender uma coisa. Era um skate. Aquele mesmo skate que eu vi o Berg dando pra ela. Quando nós namorávamos, ele nunca me deu nem mesmo um Sonho de Valsa.

Essa imunda queria vender o presente que o Berg dera para ela. Que vadia! Mas ela teria um troco.

— Mãe, compra um skate pra mim? — voltei à minha infância, quando fazia carinha de anjo pra ganhar qualquer coisa. Acho que com o tempo a gente perde a prática, porque demorou pra ela cair.

O skate era vermelho, com desenhos bem masculinos e custou caro, mas estava valendo a pena. Agora só faltava eu aprender a andar.

Fiquei na praça, aonde ele ia quase todas as noites para vigiar o namoro da irmã e o esperei. Vi a Andreza, minha ex-cunhadinha, aos beijos e amassos com o Rafa. Valentina não estava lá. Estava quase desistindo quando o Berg apareceu. Dei o bote.

— Berg, me ensina a andar de skate? — joguei o skate aos seus pés.

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Diário do Berg

— E desde quando você gosta de andar de skate? — perguntei.

— Desde quando eu comprei esse aqui, lindo, na feira. Gostou?

Qual era daquela maluca, quase enfiando o tal skate na minha cara? Depois eu vi que os desenhos do skate eram do Naruto, um desenho que a Valentina gosta. O cara da loja onde eu o comprei disse que ele era único. Das duas uma: ou a Valentina ou o vendedor me enganaram. Claro que foi o vendedor.

— Não sei andar. — respondi.

— Nossa, pensei que soubesse. Te vi com um na mão.

— Era presente pra minha namorada. Falando nisso, tenho um encontro com ela, se você não se incomoda.

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Diário da Madalena

Depois de falar aquilo ele saiu. Ah, que ódio! Me deixou largada ali no meio da praça, mas a vingança é um prato que se como frio, gelado se for preciso.

💜

Diário do Berg

Bom, deixei a Madalena lá endoidando sozinha. Que ela caísse daquele skate e desse com sua bunda murcha no chão. Mas ele era igual ao "raro" que eu comprei e isso martelava minha cabeça.

Valentina também estava atrasada e ver o Rafa beijando a minha irmã não estava nada agradável pra mim. Ele até tentou disfarçar e maneirar um pouco, mas meu nervosismo estava só aumentando. Porque ela tava demorando tanto? Eu ia mostrar os desenhos que eu fazia dela, a noite seria legal. Liguei e ela não me atendeu. Levei um bolo. Legal.

No outro dia, no colégio, perguntei a ela o motivo dela não ter aparecido lá e ela veio com quatro pedras na mão:

— O que é Berg? Eu esqueci tá legal?

Eu ia gritar com ela também, porque a Valentina não tinha motivos pra falar comigo daquela forma, mas pensei duas vezes. Eu era calmo.

— Eu só queria falar com a minha namorada, beleza?

Saí. Foi quando a Madalena apareceu com aquele maldito skate. Não a vi, e ela esbarrou em mim. Ficou segurando nos meus ombros e olhando nos meus olhos, bem de pertinho.

— Sai pra lá! — ela disse.

— Ave Maria ao quadrado! Foi você que veio pra cima de mim!

— Que seja. Bom, tenho que sair de perto de você. Vai que alguém diz pro meu namorado?

— Namorado? — espantei-me.

— Sim. Conheci ele ontem, me ensinou a andar de skate. Ele é muito lindo, mais lindo que você.

— Que bom, tomara que me esqueça. — eu sabia que aquela bruaca estava mentindo.

Fui caminhando, quando a Madalena me chamou. Olhei pra trás e ela disse:

— À propósito, Berg, esse skate aqui eu comprei na feira, sabe, acho que ele era da Valentina. Já havia visto ela com ele lá na praça. Reconhece?

Naquele momento as coisas começaram a fazer sentido.

💜

Diário da Valentina

Eles queriam me levar embora. Vi minha mãe conversando no telefone com a minha avó que morava no interior. Ela queria se livrar de mim. Por um lado , seria bom, pois não seria mais humilhada e agredida dentro da minha própria casa. Mas por outro, não suportaria ficar longe do Rafa, da Ludi, e claro, mesmo ele me odiando, do Berg. Eu não queria admitir que eu estava errada.

Vender o skate? Mas eu estava sendo manipulada pelo vício! Será que ele não via? Será que eu deveria fugir pra não ter que ir embora com a minha avó? Eu estava tão assustada que pulei a janela e saí correndo em busca de um lugar que nem mesmo eu sabia.

Vi meu pai saindo de casa e me escondi para que ele não me visse. De certa ele iria a algum boteco ou cabaré encher a cara e transar com algumas putas. Eu achava bem feito pra minha mãe.

Sempre que ele chegava bêbado, eu rezava pra que ele desse uma surra nela, para vingar as chibatadas que ela dava de cinturão nas minhas costas. Mas sempre sobrava pra mim. Meu pai tinha uma mão pesada e sempre gostava de dar na minha cara e me chamar de cachorra. Eu não me importava de ser chamada de cachorra. São animais bem mais compreensíveis e até mais inteligentes do que alguns seres humanos (meus pais, por exemplo).

💜

Diário do Berg

Já fazia alguns dias que eu não falava com a Valentina. Eu era muito orgulhoso. Não estava com raiva por ela ter vendido o skate, e sim do modo que ela me tratara naquele dia.

Eu queria dar todo o apoio possível a ela. Seria capaz de enfrentar seus pais, o mundo se fosse preciso para que ela voltasse a ser aquela menina de bem com a vida que ela sempre foi. Mas para isso, seria preciso que ela tivesse pelo menos o mínimo de vontade.

💜

Diário da Valentina

Tive que voltar pra casa, não tinha para onde ir. Não tinha droga nenhuma para eu pelo menos passar o tempo. Estranhei. As luzes ainda estavam acesas, era por volta de duas da manhã. Quis pular a janela que dava para o meu quarto, mas estava trancada. Teria que entrar pela frente.

Rezei para que não tivesse ninguém na sala, mas quando entrei, vi minha mãe aos prantos no sofá com alguns vizinhos, também chorando.

— O que aconteceu? — perguntei.

— Teu pai, Valentina. Foi assassinado, e por sua culpa!

— A culpa é minha mãe?! — perguntei desesperada e já chorosa.

— Aqueles drogados, traficantes, vieram cobrar alguma dívida sua ao seu pai.

— Eu... Eu... Eu não estou devendo nada. — menti.

— Não tá porque seu pai já pagou com a vida, sua vagabunda!

Minha mãe levantou-se da onde ela estava e deu com a mão na minha cara.

— Você é um estorvo na minha vida!

— E você também é um na minha! — respondi na mesma moeda.

— Você vai para o inferno por me tratar assim, Valentina!

Os vizinhos tentavam segurar minha mãe, pois ela queria me espancar mais. Eu já estava preparada.

— Ah, é? E você vai pra onde? Pro céu? Você me espanca todo santo dia. E meu pai também me espancava. Eu nunca falei nada contra a senhora, mas agora já chega. JÁ CHEGA! Ele deve estar no inferno agora, e é pra lá que a senhora vai também!

— Vá embora daqui sua puta drogada, vai. Antes que eu te mate!

— Vou mesmo. A época da escravidão já acabou.

Agora não fazia ideia de para onde eu iria, principalmente naquela hora da madrugada. Será?

💜

Diário do Berg

Acordei com um barulho forte no portão. Virei e dormi de novo, pensei que fossem gatos brigando. Mas na verdade era uma gatinha desabrigada.

— Valentina? — me assustei quando abri o portão.

Ela me abraçou muito forte, como se algo muito ruim tivesse acontecido. Pousando a cabeça em meu peito, disse:

— Me perdoa, por favor! Eu sei que eu não sou a melhor pessoa do mundo, eu sei que eu não posso ser feliz, mas eu queria muito que você soubesse que eu te amo, Berg. E mesmo que você não compreenda, eu entendo.

— Por que você está falando isso, Val? Por que você está se punindo tanto?

— Eu... eu ... eu cedi. — Valentina se afastou de repente e deixou de me tocar — Eu sou uma fraca, Berg, e agora tudo desmoronou. Parece que eu estou começando a colher tudo o que eu plantei.

Eu não estava entendo mais nada.

— Valentina, por favor, me explica tudo. Eu não vou te julgar por nada. Eu já te disse que você pode contar comigo pra tudo.

— Meu pai morreu por minha causa. Ele morreu por causa do meu vício, da minha fraqueza, Berg. Os traficantes vieram cobrar a dívida que eu tinha com eles e acabaram encontrando o meu pai. E, mesmo ele sendo um rude, um grosso, ele não merecia pagar por um erro meu.

Tomei as mãos de Valentina e as segurei forte. Olhei fixamente nos seus olhos marejados e percebi que aquela garota precisava de mim mais do que tudo nessa vida.

E eu não a abandonaria por nada nesse mundo.

Eu enfrentaria céus e terras para que a Valentina pudesse ter uma vida feliz.

Como inocentes crianças, dormimos na minha cama, abraçados. Foi apenas isso, mas não foi isso que a minha mãe pensou quando nos acordou na manhã seguinte.

— QUE POUCA VERGONHA É ESSA?! — mamãe esfumaçava pelo nariz. Estaríamos nós fritos?


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