A Fórmula do Amor escrita por Gabriel Campos


Capítulo 11
A Fama ou um Soco na Cara?


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem, pois acontecerão várias coisas nesse capítulo :3



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Diário do Berg

Naquela noite, antes do culto, fui à casa da Ludi. Sua mãe, Dona Maria, me recebeu na porta de braços abertos. Convidou-me para entrar e me ofereceu um chá com uns biscoitos champanhe, coisa fresca. Depois do primeiro barraco que aconteceu na igreja, onde brigaram a minha mãe e a mãe da Ludi, eu não havia frequentado a casa da minha amiga. Mas era por uma boa causa.

— Você pode vir pra cá quando quiser, criança. — disse Dona Maria, me oferecendo biscoitos, que estavam em um pote dourado. — Diferente da sua mãe, que não gosta de ver Ludmila nem pintada de ouro. Só quer ser a boazinha, mas...

— Eu acho melhor a senhora parar por aqui. Sua desavença com a minha mãe não tem a ver coisíssima nenhuma com a minha relação com sua filha. — fui curto e grosso.

— Relação? Quer dizer que vocês...

— Não, Dona Maria, somos só amigos.

Finalmente Ludi entrou na sala. Usava um vestido de igreja arrastando no chão, o qual não combinava nada com a sua idade, 14 anos; O cabelo não estava escovado para trás com o típico rabo de cavalo que ela costumava usar sempre, e sim uma presilha com um laço enorme em forma de flor.

Dona Maria pediu que conversássemos na sala. Ludi sentou-se no sofá, um pouco triste por estar vestida daquele jeito, porém não podia falar nada pra mim sobre aquilo. Dona Maria ficou encostada na porta da sala de braços cruzados.

— Mãe, vai se arrumar. Daqui a pouco dá sete horas.

— Tenho que prestar atenção.

— O Berg é meu amigo há anos, ele é um rapaz respeitador!

— Acredito em você minha filha, mas não nele. Mas como estou um pouco atrasada, vou me arrumar.

Ela saiu e nos deixou a sós. Por via das dúvidas, falávamos baixinho, pois se tratando da Dona Maria, ela poderia estar nos ouvindo em uma de suas paredes secretas.

— O que aconteceu, Berg?

— Eu to pensando em processar o John. Foi ele quem postou meu vídeo na internet.

— Então você agora tá em dúvida se deve processar ou não o John? Ah, Berg se fosse eu, já tinha acabado com essa história e dado uma lição no papa baseado. Você não disse que tinha mudado. O que o novo Berg acha disso?

O novo Berg era um cara revoltado, admito. Bem diferente do cara ingênuo que eu era. E se eu estava na pele de um cara revoltado, eu seguiria adiante. Não queria ter fama às custas dos meus micos, e sim paz. O medo não cegava mais os meus objetivos; o medo não cegava mais as coisas que eu queria que acontecesse. Mas a revolta cegava a capacidade de eu enxergar o que poderia acontecer.

— Berg, você vai para o culto com a sua mãe não é?

— Minha mãe vai me fazer ir, mas eu não vou.

— Quer dizer que você vai me deixar sozinha nessa roubada? — Ludi já estava chorosa. — É muito difícil ser eu, cara. É foda ter que viver presa dentro de um armário cor de rosa e cheio de frescurinhas.

Abracei minha amiga e falei que ia e que não a deixaria sozinha nunca. Na mesma hora senti uma vassourada bem nas minhas costas. Por impulso, olhei pra trás. Dona Maria estava batendo com o cabo da vassoura na palma da sua mão e dizendo:

— Solta minha filha seu amaldiçoado!

Corri, mas corri pra caramba. A coitada da Ludi não pôde fazer nada. Olhei pra trás e vi que Dona Maria estava atrás de mim com sua vassoura a todo vapor. Ela corria mais do que eu!

— Vem cá que eu vou te ensinar uma lição!

Minhas canelas não eram suficientes pra fugir daquela beata feroz. Eu juro por mil bolachas recheadas que eu estava correndo muito, mas ela corria mais do que uma maratonista. Até que encontrei um portão que dava para o matagal e eu resolvi pular. Fiquei encarando a mulher com a confiança de que aquela grade me protegeria, mas quando eu menos esperei, ela estava com a vassoura na boca e escalando o portão também!

— Eu te pego seu cabra safado! Não vai desonrar minha filha!

— Eu não fiz nada, Dona Maria, eu juro! — gritei, ofegante.

A minha sorte foi que sua grande saia prendera no portão. Aquilo me deu tempo pra fugir. Foi por pouco!

Cheguei em casa com a roupa cheia de carrapichos e a pele toda arranhada devido aos espinhos do matagal no qual eu me enfiei para fugir da Dona Maria. Porém, a ideia de fazer o John pagar pelos seus pecados não saía da minha cabeça.

— Mãe.

— O que foi meu filho?

— Eu quero que a senhora veja isso aqui.

Depois de mostrar o vídeo à minha mãe, que ficou indignada, eu disse:

— Eu quero processar o cara que fez isso.

— É claro que vai, e vai mesmo! Fazer isso com o meu filho que não faz mal a nenhuma mosca, oh, Senhor! Mas agora vá tomar banho que a gente já está atrasado para o culto de hoje. Quero ver a cara da Maria quando vir que eu estarei acompanhada do meu filho lindinho que eu tanto amo, e ela, sozinha porque aquela filha macho dela não vai de jeito nenhum. Eu conheço, eu conheço...

Vesti minha calça de tergal e abotoei minha camisa listrada. Estava pronto para ir ao culto especial para mães e filhos. Tudo isso para esfriar a cabeça em relação àquilo tudo e também pra dividir o mico com a Ludi. Só iria tentar evitar encontrar Dona Maria por ali.

💜

Com a bíblia embaixo do braço eu entrei na igreja com a minha mãe. Dona Maria já estava lá nos pés do pastor, coisa que fez com que a senhora minha mãe soltasse minha mão e corresse também para disputar a atenção do Pastor Mendonça.

Ótimo. Assim eu poderia procurar Ludi dentro da igreja e de lá sairíamos para ficar sentados no meio fio da calçada em frente à mesma.

Diário da Ludi

E ali ficamos sentados conversando sobre a vida. E putz, até esquecemos que nossas mães, Dona Maria e Dona Hilda estavam trocando olhares mortais e se atacando por todo tipo de palavrões, claro, por meio de pensamentos.

Não era segredo que minha mãe queria ficar no lugar da mãe do Berg e ser presidenta da associação de moradores do bairro, mas pra isso teria de babar muito o pastor. Foi assim que Dona Hilda conseguiu.

— Berg, você já falou com a Valentina? — perguntei.

— Sobre o quê?

— Você gosta dela...

Não era segredo também que Berg caía de amor pela Valentina Palhares. Ele admitiu isso pra mim algumas vezes, mas depois que eles viraram amigos nunca mais tocara no assunto.

— Cara, você me disse que queria se casar com ela e ter filhos com ela. O que tá acontecendo contigo? Não foi a toa que tu terminou com a Madalena.

— Eu terminei com a Madalena porque ela é uma doida.

Parecia uma macumba ou coisa assim. Do lado da igreja havia uma lanchonete e lá estava o John, sentado. Do outro lado, vinha Valentina. Ele levantou-se na mesma hora, agarrou a garota pela cintura e deu-lhe um beijo. John Lennon e Valentina estavam namorando e Berg, coitado, ficou arrasado!

💜

Diário do Berg

Vontade de me jogar na frente do primeiro caminhão não me faltou. Caminhões candidatos não faltaram.

— Vamo sair daqui não é Berg?

— Eu to de boa. — respondi à Ludi, que demonstrou que sabia que eu estava mentindo. — Mas eu acho melhor entrar na igreja. Valentina que se ferre com esse maconheiro.

Entramos na igreja e nos surpreendemos quando Dona Maria apontou para mim e para Ludi, dizendo:

— Aí está ele, Hilda. Seu filho acaba com a inocência de qualquer menina. Ludmila saia de perto desse infeliz!

Ludi foi ao encontro da mãe, e minha mãe ficou de cara fechada pra mim durante o culto todo e eu pensando no que o John Lennon estava fazendo com a mulher da minha vida. Ao terminar o culto, logo na saída, senti um puxão na minha orelha. Era Dona Maria me agredindo novamente.

— Me solta! — gritei.

Vi os olhos de mamãe pegarem fogo quando ela viu aquela cena. Não prestou, cara.

— Solta o meu filho sua piranha! Agora eu vou te dar razão pra bater em alguém.

Foi um barraco e tanto. Dona Hilda agarrou os cabelos de Dona Maria e elas se atracaram em frente à igreja. Muitos estavam rindo e outros estavam tentando desgrudar aquelas duas, que não se soltavam por nada nesse mudo. De repente, o motivo da briga não foi o puxão de orelha sofrido por mim ou a “desonra” de Ludi, e sim a presidência da associação:

— O Pastor Mendonça só escolheu você, Hilda, por que vocês dois têm um caso! — acusou Dona Maria, ainda atracada com a minha mãe.

— A única vagabunda aqui é você! — e minha mãe puxou mais forte a grande cabeleira de Dona Maria.

Resumindo, elas só se soltaram quando meu pai apareceu pra dar uns bons gritões na minha mãe; ela se comportou na hora. Pastor Mendonça deu um sermão também na minha mãe, que acabou perdendo a presidência da associação, mas não para Dona Maria. Disse ele que aquele não era o comportamento ideal para uma pessoa que deveria ser um exemplo para a comunidade. A partir daquele momento, minha mãe deixaria de frequentar a igreja; Dona Maria continuou babando o ovo do pastor e acreditando que eu desonrara sua filha.

💜

Eu quis pensar que tudo o que aconteceu naquela noite foi apenas um sonho. Um sonho que continuaria depois de eu me acabar de chorar até dormir novamente. Como eu fui tolo, meu Deus! Agora eu não poderia chegar nem perto da Valentina por receio de o John acabar com a minha raça, já com medo também quando ele soubesse que seria processado.

Fechei os olhos e a vi, presa nos braços fétidos daquele bandido comedor de churrasquinho de gato. Olhos, lacrimejando e os punhos, cerrados. Eu não podia fazer nada, nada!

Eu e minha mãe iríamos fazer um boletim de ocorrência logo após a minha saída da escola. Na hora do intervalo, a Valentina, o Rafa, Ludi e eu nos reunimos, como de costume. Eu contei a minha decisão a eles e meus amigos me apoiaram. Valentina parecia triste, nem parecia que havia tido uma noite maravilhosa com o John Lennon no dia anterior àquele. Enfim, o problema era dela. O que importava agora era a minha imagem, que estava altamente degrenida. Eu só não esperava que a menina dos meus pesadelos, Madalena, estivesse escutando tudo, escondida em um dos cantos perto dali.

— Você viu, acho que a Madalena escutou. A maluca tava ouvindo tudo, gente!

— Foda-se ela. — disse Ludi.

— Essa doida vai dar com a língua nos dentes, Ludi. — Valentina disse.

— Se ela der uma de X-9, eu acabo com a raça dela. Ela vai experimentar o famoso muque da Ludmila Torres, Ludi para os íntimos.

— Por favor, Ludi. Nada de violência. O negócio não chegou a esse ponto.

— Não? E a surra que você levou? E a sua queda? Isso é violência. Vai ficar tudo bem, Berg. Estamos com você nessa.

O jeito que Valentina falava comigo era de acalmar qualquer ser humano em estado de choque. O que fazer? Como falar que eu a amava, mesmo ela estando com outro?

— Valentina, eu preciso falar com você em particular. — sim, essa fala foi minha.

Ludi deduziu do que o assunto se tratava e tratou de vazar com o Rafa dali, dando a desculpa de que iria comprar lanche. Era a primeira vez que ficamos a sós depois que nos tornamos amigos.

— O que você quer falar, Berg?

— Eu espero que esse negócio de... De eu estar processando o John não afete a nossa amizade.

— Como assim? — ela tentou disfarçar.

— Eu vi vocês dois ontem à noite, na lanchonete...

Ela segurou minhas mãos suavemente e olhou dentro dos meus olhos. Eu desviei o olhar e olhei para os meus pés. Estávamos sentados em um batente, o qual ficava numa parte digamos pouco povoada dentro da escola. Eu queria que aquele intervalo não acabasse nunca mais, mas ao mesmo tempo eu estava me borrando de medo. Vai que o John apareceria ali?

— Ele não é meu namorado. Eu só... Saí com ele.

— Mas teve um motivo, ou não?

Acho que ela voltou a si, pois soltou minhas mãos e se levantou.

— Fica de boa que eu não vou falar nada pra ele.

E ela saiu e eu continuei feito estátua.

💜

Pois bem pessoal, o fato de a Madalena ter escutado nossa conversa teve consequências drásticas. Ela contou tudo pro John antes mesmo de eu ter ido fazer o tal do B.O.

Nesse mesmo dia, durante a aula toda ele ficou passando na porta da sala e olhando pra mim, lançando aquele olhar de "te pego na hora da saída". Fiquei morrendo de medo, e morrendo de vergonha de contar pros meus amigos, porque poderia ser apenas um delírio meu. Mas não era.

Tocou o sinal. Como eu queria que aquela droga quebrasse, assim não sairíamos da sala de aula nunca (pelo menos na minha cabeça seria assim).

— Rafa me ajuda cara. — falei baixinho.

— O que foi Berg? Aconteceu alguma coisa?

— A Madalena, ela contou pro John, eu tenho certeza.

— Como você sabe?

— Ele me ameaçou... Com o olhar!

— Deixa de ser maluco, Berg. Você tá nervoso.

Madalena viu que Rafa e eu estávamos cochichando e olhando para ela de vez em quando. Ela falou comigo e deu o seguinte bote:

— Fica tranquilo que eu não falei nada, lindinho. Agora a Valentina... Ela está de rolo com o John e eu sei que vocês andam amicíssimos. Olho nela. Beijinhos!

A Ludi tinha saído cedo da aula para resolver umas coisas da igreja com a mãe dela. Como já disse, Dona Maria continuava babando o ovo do pastor, diferentemente da minha mãe que já não estava mais nem aí.

― Parece que eu tirei um peso das minhas costas. Administrar aquela associação não era tarefa pra mim não. ― dizia ela.

Bom, vamos acreditar então.

Ave Maria, que azar! Pelo menos se eu voltasse pra casa com a Ludi ela não me deixaria apanhar. Mas Madalena me dera sua palavra de que não havia contado nada para o marginal em questão. Fiquei mais tranquilo, pois não vi o John e os caras que andam mancomunados com ele. Bom, na rua eles também não estavam, fiquei beeem mais tranquilo. Andei alguns metros e fui surpreendido com um soco na cara, que me fez cair no chão, e depois um chute em minhas costas, que me fez retorcer de dor.

Eu já estava pronto para o pior. Mas eu tinha que ser forte, eu tinha que ser homem, eu não podia morrer sem lutar. Criei forças e coragem e me levantei, cerrei meus punhos e levantei pra dar na cara daquele desgraçado, quando a Valentina se enfiou no meio de nós dois de braços abertos e gritou:

― John, quer bater nele de novo? Passa por cima de mim, então.

Ela não tinha ideia de quão confuso eu estava. Quem dera que aquilo fosse verdade, quem dera que aquilo fosse mentira! Espera... Era verdade! Antes de ela aparecer e me salvar eu pensei que pudesse ser ela mesma quem tinha falado tudo para o John. Eu a odiei por quase um segundo, mas daquele segundo nunca iria passar.

John ficou com medo, eu acho, pois ele saiu com os seus jagunços, que estavam todos ao seu lado. Deu alguns passos e depois virou pra dizer:

― Essa guerra só vai acabar quando um de nós morrermos. Nerd filha da puta! Você é o meu único inimigo... Vivo. Fica esperto.

Pensei que naquele instante ele fosse sacar a arma pra mim. Notei que ele deu uma olhadela para a Valentina, como se eles quisessem se comunicar, falar algo que eu não devia saber. Entretanto John continuou seguindo seu rumo.

Confessei a ela que fiquei com vergonha dela ter me salvado mais uma vez. Valentina, como sempre, disse:

― Que nada, amigo é pra essas coisas. Quer que eu te leve em casa?

Aí era demais. Além de ter salvado minha vida, queria me levar pra casa. Tipo, minha casa ficava do lado oposto a da dela.

― Obrigado, não precisa. To tranquilo, sério.

― Tem certeza de que não quebrou nada?

― Tenho. Tá tudo bem. Só me arranhei um pouco.

Por vergonha não disse nem tchau. Nem agradeci, e eu devia ter agradecido, eu sei. Eu já estava indo embora quando ela me chamou e eu voltei ao seu encontro feito um cãozinho adestrado.

― Berg!―Valentina me chamou.

― Não processa ele. Por favor, é pro seu bem.

Eu sabia. Ela gostava dele! Ela curtia aquele tipo de gente. Que decepção! Foi ela mesma quem contara tudo pra ele. Talvez quisesse poupar minha vida e avisado ao John que era só pra me dar um susto, depois se arrependera. Resolvi escutar o que ela tinha a dizer.

― O quê?

― O John. Você não sabe com que tipo de gente ele anda.

― Com que tipo de gente ele anda?

― Com traficantes. Olha, por favor, não me pergunte como eu sei disso, mas fazendo o que você está disposto a fazer, estará brincando com a sua própria vida. É um conselho que eu te dou.

― Valentina você gosta desse cara. Eu não vou mais insistir nesse assunto, mas eu tenho que fazer isso.

― Me escuta ao menos essa vez! Dá pra me escutar ou você vai me ignorar como sempre fez? A burra aqui ta querendo alertar o nerdão! Vai processar o John? Ok vai fundo, ele vai preso mesmo. E os jagunços dele? Vão continuar a solta pra te pegar. Me escuta droga! Eu gosto de você, eu não quero que você sofra. O John não é um cara pra que você se meta com ele.

Ela me abraçou forte e pousou sua cabeça no meu peito.

― Valentina... Obrigado.

Eu não estava agradecendo por ela ter me salvo, e sim por ela ter me proporcionado aquele momento. Eu esperei tanto por aquilo que nem lembrava que nós éramos apenas amigos. A fala subiu pelo meu pescoço e quis sair da minha boca. Três palavras: “eu” – “te” – “amo”. Eu não tive coragem. Deixei que ela se despedisse, saísse dos meus braços de novo.

Pensei demais e decidi que não ia levar meus planos a diante. Valentina me queria vivo! Mas aquele cara iria ficar impune, essa era a pior parte.

Quando caiu a ficha do tamanho do perigo que eu corri, me deu logo um frio na barriga. Eu fiquei com muito medo mesmo ainda depois de saber que eu não iria mais processar aquele cara. Enquanto isso, minha comunidade e meu vídeo continuavam bombando na net. A internet, algo que eu gostava tanto podia me deixar me traumatizado. Eu nem chegava perto de nenhuma lan house, porque eu lembrava logo da historia toda. Minha mãe, naquele dia, chegou para mim e disse:

―Berg, eu recebi um telefonema hoje.

― De quem, mãe?

― Do programa da Verusca Donato, daquela emissora famosa de TV. Eles querem que você vá lá, naquele quadro, "Famosos da Internet".

Verusca Donato era uma ex dançarina de axé nos anos 90 que acabou conhecendo o dono septuagenário de uma emissora de TV. Casaram-se e ela acabou assumindo a bagaça toda, já que o pobre velhinho não consegue mais nem ficar de pé. Hoje em dia, a programação da emissora se resume em novelas mexicanas (mamãe adora a líder de audiência "As Correntes da Paixão"), programas de notícias sobre famosos e, claro, o programa dominical apresentado por ela mesma, cujo eu fui convidado para participar do tal quadro.

Eu tava muito nervoso, só topei ir para aquele programa porque eu tinha um plano mirabolante na minha cabeça; viajei com a minha mãe até São Paulo, tudo pago pela emissora do velhinho que sofrera um golpe no baú, pra conhecer a Verusca Donato e até aproveitar para passear pela cidade, mas não estava nem um pouco feliz com aquilo.

Cheguei ao estúdio. Eu seria o último a dar a entrevista, o que me deu um tempinho pra pensar melhor no que iria dizer. O produtor me chamou e quando entrei no palco vi todas aquelas pessoas da plateia apontando pra mim, de certa dizendo que já tinham me visto na internet ou coisa parecida.

― E aí, Berg, tudo bom? ― Verusca perguntou. Ela usava uma roupa muito extravagante, apertada, que deixava seus seios quase amostra. Fiquei meio que olhando para o chão, depois para os seios dela, depois para o chão, e depois fiquei encabulado.

Ela era muito gorda e a roupa apertada estava engraçada demais, mas decidi não rir e continuar com o meu "plano".

― Estou ótimo ― respondi.

― E que história toda é essa de "Ave Maria ao quadrado"? Da onde é que surgiu isso?

― Bem, é uma expressão que muita gente usa, só que eu uso com mais frequência.

― Aí te filmaram, naquele momento lá, de desespero. Que amigos os seus não? ― Verusca deu uma risada engraçada. Ela achava que eu levei tudo na brincadeira, só pode. A única coisa que tinha graça era aquela roupa ridícula dela.

― Pois é. ― fui ríspido.

― Então gente, o Berg é meio tímido, mas vamos ver o vídeo de novo.

Verusca me fez assistir aquele maldito vídeo de novo. Eu estava com vontade de vomitar (quando eu fico muito nervoso, me dá enjoo), mas aguentei firme. Depois de ver o vídeo eu suspirei fundo e falei:

― Senhorita Verusca, eu queria falar umas coisas, pode ser?

― Sim, claro.

Tomei o microfone das mãos dela, me aproximei da câmera e comecei a falar, histericamente:

― Esse vídeo foi feito por uma pessoa que quer me derrubar e eu nem sei o porquê. Quer dizer, uma só não, duas em especial. Só quero que vocês saibam que eu não vou passar minha vida toda vivendo em oração, com medo, só por causa de vocês dois, John Lennon da Silva e Madalena dos Santos Feitosa. É só isso. Posso ir? Já ganharam a audiência de vocês com a minha desgraça? To cansado de hipocrisia, eu queria voltar a ser criança, sério. Verusca, nada contra você, até dançava suas músicas de axé quando eu era criança, mas me deixem ir, é sério? Eu fui vítima de bullyng: b-u-l-l-y-n-g. — soletrei — Isso não tem graça. Não tem graça!

Infelizmente o programa era gravado e isso não foi ao ar.


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Notas finais do capítulo

Originalmente, Berg iria para o programa da Eliana, no SBT. Mas por medo de violar as regras do site, tive que dar uma distorcida. Até que ficou engraçado kkkkk
Verusca é uma parente distante da Sheila (pra quem leu Faça Suas Apostas)

Quem curtiu a briga das beatas? E o Berg sambando na emissora de TV? kkkk
Até a próxima \o